domingo, 27 de novembro de 2022

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 03 — Capítulo 42.5

Capítulo Extra 42.5: Vida na vila, vida na cidade

Angeline chutou o chão, impulsionando-se para trás no momento em que o enorme ogro atacou com um rugido. No instante seguinte, várias flechas voaram por trás de Angeline, perfurando com precisão seus olhos, testa e coração.

No momento em que vacilou, a lâmina de Angeline acertou sua cabeça.

“Muito bem, Anne... Esse foi o último?”

“Deve ser. Meu Deus, como existem tantos deles?”

Anessa encostou o arco no ombro e suspirou. Não muito longe, Miriam balançou seu cajado para invocar raios e queimar os menores goblins pretos. O trabalho era aniquilar um bando de monstros que apareceram em uma vila perto de Orphen. O monstro mais forte entre eles era Rank AA na melhor das hipóteses, contudo, para infelicidade, sua força absoluta de números provou ser bastante problemática.

Havia muitos trabalhos como este, quando houve um grande surto de monstros. No entanto, o desejo de Angeline de encontrar seu pai a transformou em um demônio, e não parecia tão problemático na época. Nesse sentido, talvez ela estivesse um pouco desmotivada no momento — embora isso não mudasse o fato de que era forte.

Algum tempo se passou desde que cruzaram caminhos com a Inquisição e a sombra, e seus dias de paz voltaram. Angeline seguia atacando de maneira obstinada as candidatas à noiva de Belgrieve, sem sucesso. Chegou ao ponto em que era praticamente ignorada sempre que tocava no assunto.

De qualquer forma, o retorno à rotina diária significava que elas estavam de volta ao trabalho. Embora ser uma aventureira Rank S significasse que não precisava fazer muitos trabalhos para se sustentar, Angeline agora tinha mais duas bocas para alimentar. Trabalhar para o bem de outras pessoas não é tão ruim, pensou.

O grupo voltou para Orphen assim que o trabalho acabou. Enquanto almoçavam na estrada, o sol ainda estava alto quando voltaram.

Yuri as recebeu na mesa com um sorriso.

“Bem-vindas de volta, meninas. Vocês trabalham rápido.”

“Nada além de fracotes...”

“Hehehe, parece que os monstros da Classe Calamidade não são muito mais do que pragas se eu te colocar no trabalho.”

“Ah, irmã!” Charlotte apareceu por trás da mesa. Em sua cabeça usava um lenço sobre o cabelo preso atrás e carregava uma vassoura nas mãos.

“Ah, Char. Está ajudando de novo?”

“Sim! Terminarei em breve, apenas me dê um minuto!”

Enquanto Angeline e seu grupo saíam para trabalhar, Charlotte e Byaku seriam colocados sob os cuidados da guilda. Era o lugar mais seguro para se estar, e Angeline tinha muitos amigos lá. Byaku ainda estava tão mal-humorado como sempre, mas Charlotte já havia se misturado. Ela recentemente começou a ajudar na limpeza.

“E agora...? Estamos um pouco suadas, então querem ir ao balneário?”

“Sobre isso — nós duas, temos alguns negócios no orfanato. Terminaremos à noite, então que tal jantarmos juntas?”

“Hmm, entendi...”

“Então te vejo na taverna de sempre. Aha, com certeza está quente hoje. Devo tomar banho mais tarde.” disse Miriam, esticando os braços. Charlotte logo voltou, arrastando Byaku logo atrás.


Nuvens grandes e fofas pairavam aqui e ali ao redor do céu de verão, sua brancura refletindo a luz do sol quase ofuscante. Marguerite tirou o chapéu de palha e enxugou o suor com as costas do pulso.

“Tão quente. Por que tenho que lidar com isso?”

Ela havia tirado o casaco de pele que costumava usar e seus membros pálidos e esguios recebiam diretamente a luz do sol. E, no entanto, não mostrava o menor indício de bronzeamento.

Belgrieve deixou de lado as ervas daninhas que havia arrancado, olhando para a extensão das sombras e a posição do sol.

“É quase meio-dia. Quer encerrar aqui?”

“Com certeza. Ahh.” ela respirou fundo, como se tivesse esperado por esse momento o dia todo, abanando o rosto com a mão. “Como está tão quente?”

O auge do verão havia ficado para trás, todavia o calor persistia com força, e as plantas cresceram vigorosas. A autossuficiência era padrão em Turnera, então a regação diária era um trabalho crucial. Para sua felicidade, os poços e rios não pareciam estar secando; talvez as florestas vibrantes que os cercam tenham desempenhado um papel nesse detalhe.

Assim que o tumulto de Mit na floresta se acalmou, Belgrieve voltou para a vida agitada no campo. Nunca faltou ao treino matinal ou noturno, mas o braço na espada não punha comida na mesa. Após o treinamento, trabalhava nos campos, cortava lenha e seguia para a floresta. As ovelhas foram todas tosquiadas e os talos de trigo do plantio da primavera esticaram suas folhas verdes e balançaram ao vento. Estava quase na hora de começar a se preparar para o inverno.

Graham estava ocupado cuidando das crianças da vila e de Mit; talvez estivessem na praça da vila. Duncan saiu para ajudar os lenhadores.

Marguerite olhou para Belgrieve, que havia começado a encher sua cesta com legumes para o almoço, e perguntou. “Hey, eu suei muito; posso ir para o rio bem rápido?”

“Vá em frente. Vou fazer o almoço, então tente não demorar.”

Marguerite sorriu antes de correr em direção ao rio.

Não havia banhos em Turnera; no máximo, os aldeões se enxugavam com toalhas embebidas em água morna, porém nesses dias quentes de verão, isso só os faria suar mais. Quando o calor era muito forte, os aldeões costumavam fazer a caminhada até o rio para mergulhar na água fria que fluía da montanha. Este rio nasceu da neve que derreteu nas altas montanhas que cercam a vila, por isso era fresco mesmo no verão. Estava muito frio para entrar na maioria das outras vezes, então esse foi um dos grandes eventos do verão. Já havia algumas pessoas à sua frente lavando o suor do trabalho da manhã, muitos deles jovens.

“Hmm, nada além de caras naquela direção.” Marguerite observou, examinando o leito do rio de longe.

Ela podia ser um pouco áspera no exterior, contudo ainda era uma garotinha e se sentia envergonhada de mostrar sua pele para o sexo oposto. Depois de olhar ao redor, por fim decidiu caminhar mais rio acima, onde havia menos pessoas.

O rio gradualmente se arrastou para dentro da floresta, onde as margens se estreitaram e o fluxo aumentou. No entanto, ocasionalmente havia lugares onde as correntes eram mais calmas, e esses lugares eram perfeitos para um mergulho. Marguerite não podia sentir outra alma uma vez que entrou na floresta, e havia arbustos e moitas que poderiam escondê-la bem o suficiente.

Enquanto os aldeões prosperavam com as bênçãos da floresta, eles estavam com muito medo de entrar nela sem o devido cuidado. Marguerite não compartilhava nenhum de seus medos; como elfa, ela se sentia mais em casa entre as árvores do que em qualquer outro lugar.

Marguerite jogou suas roupas de lado e mergulhou os dedos dos pés no riacho antes de descer lentamente o resto de si mesma. A água era de gelar os ossos, mas era ao mesmo tempo refrescante em sua pele pegajosa.

“Ahhh... Vivi para isso.”

Submersa até o pescoço, seu corpo se inclinou para trás o suficiente para que todo o cabelo enrolado logo ficasse encharcado. Então, permitiu que a tensão drenasse de seu corpo, flutuando com suavidade para a superfície. Além dos galhos que balançavam na brisa, podia ver o céu azul de verão, e as folhas caídas faziam cócegas em seus lados enquanto flutuavam.

Depois de aproveitar o rio por mais algum tempo, se levantou com um grande respingo, com a água saltando de sua pele pálida. Marguerite descobriu depois de ficar de pé que a água estava apenas na altura da cintura. Ela se agachou, pegou água com as mãos e jogou no rosto.

“Phew... Está uma delícia.”

Desatando o cabelo úmido, a jovem elfa o recolheu, então passou as mãos com força de cima para baixo, fazendo com que a água saísse das pontas. O que antes era uma brisa morna agora estava fria contra seu corpo úmido. Ainda assim, era como se o calor tivesse apenas sido selado profundamente dentro dela, e ainda estivesse queimando por dentro.

Sentando-se na margem do rio com apenas os pés na água, Marguerite deixou seu olhar vagar. Aqui e ali, os raios do sol filtravam-se através das árvores e rebatiam na superfície do rio, enquanto usava as mãos para escovar algumas gotas perdidas, ficando sentada mais um pouco enquanto secava.

“Tudo bem, vamos voltar. Estou morrendo de fome.”

Marguerite se levantou, examinando a margem do rio em busca de suas roupas.


Orphen estava situado no extremo norte do ducado, de modo que a região não ficava muito quente nos meses de verão. No entanto, era uma grande cidade onde muitas pessoas se reuniam. Os prédios estavam apertados com pouca ventilação e havia pouca vegetação para ser encontrada. Muitas ruas e estruturas foram construídas em pedra, que absorveria o sol e irradiaria calor. Uma nuvem de poeira era levantada dos caminhos laterais não pavimentados toda vez que pessoas ou carroças passavam, criando uma névoa peculiar em torno da multidão que dificultava um pouco a respiração. Não havia chovido nos últimos dias, então o solo estava árido.

Abrindo caminho através das nuvens de poeira, Angeline chegou à casa de banhos. Não havia muitos plebeus em Orphen que possuíam seus próprios banhos; as classes mais baixas costumavam lavar-se em balneários públicos.

O interior era feito de madeira, pedra e gesso, com um grande buraco cavado no centro. Este poço foi mobiliado com grandes pedras de fogo na borda. A água crepitava e vaporizava quando um cano a depositava sobre as pedras. Como a produção de calor podia ser alterada com base na disposição dessas pedras, era fácil controlar a temperatura. Uma grade de madeira foi colocada ao redor como medida de segurança.

Angeline pegou um pouco de água morna para lavar o rosto.

“É uma boa casa de banho...”

“É.” Charlotte disse de seu assento ao lado de Angeline. O sol ainda estava alto e, graças ao vapor que subia, a luz que entrava pelas janelas parecia bastões sólidos.

Estava quente no banho, mas muito melhor do que grelhar sob o sol de verão. De fato, por alguma razão peculiar, parecia muito mais fresco lá fora depois de um bom banho quente. Um vinho gelado depois também era algo pelo qual ansiar. A magia refrescante era confortável e conveniente, porém Angeline não era muito fã — até onde sabia, só se tornava muito mais desagradável quando precisava sair para as ruas escaldantes.

Angeline encostou-se na borda da banheira e olhou para o teto.

“Você nunca poderia imaginar isso em Turnera...”

“Sério? Como tomam banho em Turnera?”

“Não tem uma casa de banho... Na maioria das vezes só se enxuga com uma toalha molhada. Contudo no verão não é o suficiente, então joga um pouco de água do poço, ou dá um mergulho no rio...”

Angeline lembrou como Belgrieve costumava levá-la ao rio quando era pequena. Por infelicidade, Belgrieve era um péssimo nadador devido à sua perna de pau, e sempre a observava nadar em águas rasas. Ela se lembrava de pescar com seu pai mais do que nadar juntos. Os únicos com quem nadava eram com suas amigas e as meninas mais velhas da vila. Quando jovem, Angeline ficava frustrada com o fato de Belgrieve nunca se juntar, não importa quantas vezes o convidasse para nadar com as outras garotas. Pensando agora, havia sido bastante imprudente.

Durante sua última visita, não teve a chance de nadar. Contudo apenas lembrar o frio de gelar os ossos daquela água foi o suficiente para afastar o calor do verão.

“Você nada no rio? Nua?”

“Sim.”

“Ninguém te ve? Isso é um pouco embaraçoso.” disse Charlotte, inquieta.

Angeline deu uma risadinha. “Bem, às vezes os homens vinham espiar. Eu era criança, então não ligava, mas... As meninas mais velhas jogavam pedras neles.”

“Turnera parece um lugar animado.” Charlotte se levantou e soltou um suspiro. “Estou me sentindo tonta. Vou dar um mergulho na banheira fria.”

“Sim, eu também deveria...”

Então Angeline também se levantou e acompanhou a garota até o banho de água fria. O calor significava que o banho frio estava muito mais lotado. Angeline de alguma forma conseguiu se espremer, mas não estava tão frio quanto esperava. O rio de Turnera era frio mesmo durante o verão. Ela se lembrou de uma vez em que estava nadando sozinha e uma fada travessa havia escondido suas roupas.

Era uma questão trivial agora e trazia consigo uma sensação de nostalgia. Depois do verão virá o outono e, desta vez, colheria amoras silvestres com certeza. Angeline jurou tanto para si mesma quanto se encharcou até os ombros.


Ao passar pela porta com Mit, Graham imediatamente olhou ao redor da sala.

“Onde está Marguerite?”

“Bem, ela disse que estava indo para o rio e ainda não voltou.” Belgrieve cruzou os braços, sua expressão ficando preocupada. O ensopado de legumes de verão e carne seca que estava preparando borbulhava na panela.

Marguerite tinha ido ao rio no final da manhã, porém não estava em lugar nenhum. Com certeza ela devia saber que o meio-dia já havia passado e era difícil imaginar que tomaria o caminho errado.

“Maggie poderia estar perdida?”

“Perdida? Bem, acho que ela conhece o lugar bem o suficiente... Ah, hey, vamos.” Belgrieve levantou Mit quando este estava prestes a morder um prato. Então, olhando para Graham, disse. “Por enquanto, vamos comer sem ela. Talvez Marguerite apenas tenha feito um desvio.”

“Tudo bem.” Graham assentiu, pegando uma concha de madeira.

No mesmo momento, Marguerite estava perdendo o juízo. As roupas que pensou ter tirado na beira do rio pareciam ter desaparecido. Suspeitando de um pervertido ou um ladrão, procurou de alto a baixo, no entanto não encontrou nada. Na verdade, estava confiante de que teria sentido qualquer um que se aproximasse. Será que sua roupa caiu no rio e foi embora?

“Droga, por que isso teve que acontecer comigo...” resmungou.

Sem suas roupas, não poderia voltar para a vila assim. Considerou nadar rio abaixo para pedir ajuda às pessoas que tomavam banho lá embaixo, entretanto achou a ideia bastante embaraçosa e sem graça. Dito isso, não era como se tivesse ideias melhores. Ela foi deixada nua sob o sol de verão, e a estupidez da situação a irritava.

De repente, notou um tremor no matagal próximo. “Eek!” gritou, escondendo o peito. “Quem está aí?”

Um coelho selvagem irrompeu da vegetação. Isso a deixou bastante deprimida ao descobrir que um mero coelho a deixou tão nervosa. Ponderou para si mesma como estava ansiosa por não ter nada para vestir. De qualquer forma, não estava chegando a lugar nenhum assim. Marguerite estava prestes a procurar suas roupas uma vez mais quando sentiu que alguém finalmente se aproximava.

“A julgar pela sua voz, é você, Maggie?”

“Duncan... Ah, droga!” Marguerite pulou com pressa na água. Duncan ficou surpreso por um momento quando saiu do matagal, mas se virou logo depois. “P-Perdoe-me. Não esperava pegá-la tomando banho...”

Ele estava prestes a partir quando Marguerite o chamou freneticamente. “Espere, espere, Duncan!”

“Hã?” Duncan parou, embora tomasse cuidado para não se virar. “O que foi?”

“Bem, uh... Minhas roupas foram... L-Levadas, então... Me desculpe, mas poderia me trazer roupa para vestir de casa?”

“Oh, que azar. Entendo, vou resolver já.”

“Desculpe e obrigado. Ah! Mantenha-o em segredo do tio-avô e de Bell!”

“Entendo... Tem certeza? Por quê?”

“Quero dizer, é... Embaraçoso...”

Duncan saiu correndo com um sorriso irônico. Ele estava carregando seu machado junto, então talvez estivesse na floresta ajudando os lenhadores.

Marguerite encontrou um bom lugar ensolarado para se sentar. O calor era bom em seu corpo agora gelado. Ela secou em um instante e também não estava suando, então foi uma sensação bastante libertadora. Nem estava mais ansiosa, agora que sabia que Duncan iria buscar suas roupas. Depois que se acalmou, ficar nua também não foi tão ruim.

“Mas quem diabos é esse ladrão de roupas... Ah, estou morrendo de fome.”

Marguerite franziu os lábios, então plantou as palmas das mãos no chão atrás dela e se recostou. Uma brisa confortável soprava e cada vez que as árvores farfalhavam, a luz abaixo mudava. No fim, tinha acabado de decidir cair para trás e deitar quando sentiu algo macio sob suas costas onde se reclinou. Levantando-se, encontrou a roupa que pensava ter perdido.

Ela rapidamente examinou a área. Nenhum traço de ninguém, e certamente não havia nada quando se sentou. Esse fenômeno misterioso a fez estremecer. Para o bem ou para o mal, suas roupas estavam de volta. E estava seca também. Marguerite vestiu-se com pressa e saiu correndo. Havia algo errado aqui, algo fora de lugar, e queria fugir o mais rápido possível. Há muito havia se esquecido de Duncan.


Ficou muito mais frio quando o sol começou a se pôr. Ainda assim, os edifícios de pedra continuaram a emanar calor e só esfriariam por completo por volta da meia-noite. A cidade continuaria um tanto abafada até então.

Depois de esperar a noite cair, Angeline levou Byaku e Charlotte ao bar de sempre, onde Anessa e Miriam a esperavam.

“Hã... Vocês estão adiantados.” comentou.

“Sim, nosso negócio terminou cedo.”

“Já começamos a beber sem você.” Miriam cacarejou com uma bebida já na escotilha.

Angeline alegremente se sentou. O vinho foi servido na taça vazia que havia sido reservada para ela e, depois de erguê-la em vivas, o bebeu de um só gole. Foi muito delicioso e refrescante. Olhando em volta, pode ver que o lugar estava lotado como sempre. Não era sofisticado o suficiente para ter resfriamento a magia, então o calor de tantas pessoas tornava a experiência estonteante.

“Pato salteado e omelete, carne de porco estufada e berinjela, um pouco de salsicha... E vinho gelado, uma jarra inteira. Também pão e mingau de trigo, por favor.”

Angeline ordenou as primeiras coisas que lhe vieram à mente enquanto se recostava. Assim que percebeu que o dia havia acabado, se sentiu estranhamente exausta; talvez o álcool tenha desempenhado um papel.

Charlotte, um pouco tímida, abriu a boca para perguntar. “Hmm, como está Rosetta?”

“Está bem.” respondeu Anessa. “Ainda não pode trabalhar, mas pode ficar de pé e andar por aí.”

“Mais do que bem, eu diria.” Miriam entrou na conversa. “Ela tem muita energia e está furiosa por não ter onde colocá-la. Sempre foi uma pessoa trabalhadora.”

Angeline colocou a mão na cabeça de Charlotte e a acariciou. “Vamos vê-la amanhã...”

“S-Sim! Obrigado, irmã!” a garota deu um sorriso tímido.

“Então, como é? Vai voltar para Turnera no outono?”

“Sim... Esse é o plano.”

“Hehe, partindo tão cedo? Tem certeza de que o Sr. Bell não ficará desapontado com você?”

“Não vai ficar... Meu pai vai ficar feliz. E é melhor eu sair rápido se quiser levar Char até lá.”

“Hehe, mal posso esperar...” Charlotte sorriu de orelha a orelha, apoiando a cabeça com uma das mãos. Ela parecia estar ansiosa para conhecer Belgrieve.

Será tarde demais para nadar no rio no outono, pensou Angeline. Contudo eles ainda podiam pescar e colher cogumelos e frutas junto com outras bênçãos do outono. Só de pensar a respeito, seu coração disparou. Angeline gostava de acerolas cruas, porém cozinhá-las frescas em um molho e despejá-las sobre elaenia assada também era uma delícia. As bagas agridoces combinavam bem com a rica gordura da ave.

Miriam mastigou milho cozido e disse. “A comida de Turnera estava muito boa. O Sr. Bell é um bom cozinheiro.”

“Sim. O tempero é simples, mas tem um sabor agradável e rústico.”

“Eu sei, certo...” Angeline assentiu cheia de orgulho. A comida de Orphen a agradava, porém houve momentos em que sentiu um desejo irresistível de comer a comida caseira de Belgrieve. Na verdade, sentia esse desejo em quase todas as refeições. Embora Angeline muitas vezes cozinhasse para si mesma, nunca foi uma chef exigente, e a comida que fazia apenas para se sustentar ficava bastante sem graça. Em comparação, a comida feita para ela por Belgrieve carregava uma espécie de calor além do sabor.

“Era framboesa? Tinha um cheiro interessante. Eles realmente não usam isso nessas partes.”

“Sim, sim. Fiquei confusa da primeira vez, mas gostei bastante.”

“Que tipo de cheiro?” Charlotte perguntou, piscando.

“Sim, o sabor é meio pruriginoso, contudo também é macio como casca de árvore... É difícil de explicar.”

“Hey, Ange — já que todo mundo cultiva sua própria comida lá, os pratos devem mudar a cada estação, certo?”

“Certo. Há uma abundância de vegetais do verão ao outono. Carne e peixe também. A comida no festival de outono antes do inverno é extravagante. O início da primavera é quando os suprimentos estão mais baixos.”

“Oh, sério? Havia bastante comida no festival da primavera...”

“Aquele pão doce, aquele com frutas secas amassadas — foi um sucesso.”

“Wow... Parece gostoso.”

“É saboroso. Você poderá experimentar muitas coisas se chegarmos a tempo para o festival de outono...”

A saudade a atingiu de novo, e Angeline soltou um suspiro. No entanto, uma vez que o prato fumegante de pato foi colocado à sua frente, seu estômago vazio imediatamente afastou a memória dos sabores de sua terra natal e, por enquanto, incitou-a a pegar uma colherada e saborear. Mais sabor vazava a cada mordida. Apesar de toda a sua conversa sobre a cozinha de Turnera, a comida aqui também era deliciosa; era precisamente por isso que eram clientes tão frequentes.

“Vamos, Bucky. Pode comer também.”

“Não me chame de Bucky.”

Tendo ficado quieto o tempo todo, Byaku estava tão mal-humorado como sempre. Miriam de brincadeira estendeu a mão e beliscou sua bochecha.

“O calor está deixando você irritado? Que tal sorrir às vezes, Bucky?”

“Bêbada...”

“Parando para pensar a respeito, você não tomou uma gota. Não gosta de vinho?”

“Não aguento o sabor. Me deixe em paz.”

“Tal criança...”

“Hã?” a ruga na testa do menino se aprofundou quando ele olhou para Ange.

“O que foi? Tente dizer de novo.”

“Não se preocupe, não se preocupe... Sua irmãzona não se importa se não aguentar a bebida.” disse Angeline enquanto saboreava cada gole de vinho.

Com uma carranca, Byaku pegou violentamente um copo e o bebeu.

“Wow.” Miriam se maravilhou. “Esse é o espírito. Que viril.”

“Não o incite, sério... Oi, Byaku... Byaku?”

“Hã... Byaku? O que há de errado?”

Quando Charlotte lhe deu um tapinha no ombro, seu corpo balançou. Uma inclinação logo se transformou em uma queda de sua cadeira. Anessa se levantou com um sobressalto.

“Hey!”

“H-Hã... Bucky? Você está bem?”

Byaku estremeceu em silêncio. Ele tentou levantar uma mão trêmula apenas para que ela caísse impotente. Seu rosto estava vermelho, seus olhos desfocados. Estava bêbado por uma única taça de vinho.

“Não pensei que seria tão fraco...”

“Byaku! Controle-se!"

“Ahh... Se você é fraco, é só dizer. Não precisa ser teimoso...”

Por enquanto, elas lhe emprestaram um ombro para colocá-lo de volta em seu assento. Porém seu corpo estava flácido, e o jantar era a menor de suas preocupações. Elas ainda não tinham terminado de comer; Angeline cruzou os braços, imaginando o que fazer agora. Todo o tempo, Miriam gargalhou, tendo por fim perdido para sua bebida.


A água foi adicionada ao ensopado que sobrou do almoço, depois cevada e, para finalizar, o peixe salgado que compraram de um mascate que passava. A berinjela em fatias finas era frita em óleo e misturada com ervas secas e sal. Com isso, o jantar foi servido. As montanhas ocidentais significavam que o pôr do sol chegou rápido a Turnera. Ao contrário de Orphen, não havia muitos edifícios de pedra para reter o calor. A sujeira e a grama abundantes fizeram com que a temperatura caísse imediatamente com o sol.

“Isso deve resolver. Você almoçou tarde, Maggie, ainda pode comer?”

“Não se preocupe. Posso comer.”

“Haha, que bom, ser jovem...”

“Mas este peixe é muito salgado! O que estavam pensando?” Marguerite franziu a testa assim que um pedaço de peixe salgado entrou em sua boca.

“Estamos bem longe do mar.” explicou Belgrieve. “Vai apodrecer se não salgarem tanto.”

“Hã? É peixe do mar?”

“Sim. É um pouco caro, mas dura muito e não é preciso muito para dar sabor a um prato.”

De tempos em tempos, essas mercadorias chegavam por meio de mascates. Às vezes eram trocados, enquanto outros mascates só aceitavam dinheiro. Independente do caso, a moeda era muito menos útil aqui do que na capital.

De repente, Belgrieve relembrou seu tempo como aventureiro. De volta à capital, era impossível viver sem dinheiro. Ele poderia cultivar a comida de que precisava aqui em Turnera, no entanto lá o dinheiro era uma necessidade absoluta para colocar as refeições na mesa. Todos os dias, estava ocupado correndo, caçando monstros ou coletando materiais. Nesse ponto, sentiu que ter que usar o dinheiro como meio de troca de mercadorias era apenas uma chateação.

Não muito tempo atrás, ele viajou para Bordeaux com o grupo de Angeline e pagou uma pousada e uma refeição pela primeira vez em muito tempo. Foi uma experiência estranhamente nova, e se lembrava de ter tido alguns problemas para superar essa lacuna conceitual quando partiu também. Ange passou por isso? ele se perguntou.

“Maggie, o dinheiro é usado em território élfico?”

Marguerite inclinou a cabeça. “Dinheiro? Não, eu realmente não entendo...”

“Na Floresta Ocidental, cada família cultiva, caça ou coleta sua própria comida.” Graham respondeu a pergunta para ela. “Alguns lugares perto de nações humanas começaram a fazer comércio, contudo... Não havia muitas transações financeiras no assentamento onde Marguerite e eu morávamos.”

“Entendo...”

Nesse caso, talvez Marguerite tivesse alguns problemas se decidisse partir para Orphen.

“Entretanto Duncan com certeza está tomando seu tempo hoje. Você acha que seu trabalho o está atrasando?”

“Duncan trabalhando?” Mit se contorceu nos braços de Graham.

Belgrieve sorriu. “Sim. É como se Duncan fosse parte de Turnera agora.”

E esse foi precisamente o momento em que Duncan invadiu a porta. Ele parecia inquieto, então atordoado assim que notou Marguerite.

“Você encontrou suas roupas, Maggie?”

“Hã? Eu? Eu...” Marguerite murmurou sem jeito. Ela correu de volta com pressa, ficou envergonhada ao longo do caminho e decidiu não dizer uma palavra sobre o que aconteceu na floresta.

“Roupas? Aconteceu alguma coisa?” Belgrieve perguntou curioso.

“Verdade seja dita, encontrei Maggie por volta do meio-dia na floresta.”

“Na floresta? Não, Maggie foi para o rio. Acho que não foi tão longe.”

“S-Sim...” Marguerite assentiu, com uma expressão estranha no rosto.

“Mas eu... Hmm, isso significa que deve ter sido uma fada...”

“Hmm?”

“Bem, vi Maggie nadando em um rio na floresta. Como me disse que suas roupas haviam sido levadas, então queria que eu corresse para casa e pegasse algo para vestir... Foi por esse motivo que voltei correndo com algumas roupas, mas ela não estava em lugar algum... Acha que foi uma brincadeira de uma fada? Hahaha!” Duncan riu, aparentemente aceitando isso como um fato.

“Entendo...” Belgrieve acariciou sua barba. “As fadas por aqui adoram suas travessuras. Elas costumavam me provocar quando era mais novo.”

“Oh? Você também, Bell?”

“Sim. Elas fingiam serem peixes e puxavam minha linha, ou gritavam com as vozes dos meus amigos... Isso mesmo, uma vez esconderam minhas roupas quando estava nadando. Fiquei bastante perdido na época, já que não podia só ir para casa nu. Bem, as encontrei no final — essas fadas são muito melhores que os monstros.” Marguerite estremeceu.

“Contudo é raro irem atrás de adultos. No geral só brincam com crianças...”

“Hmph, significa que sou uma criança?”

“Não foi o que quis dizer... Talvez as fadas tenham pensado que você iria brincar junto?”

“Hmmm... Mas essa transformação foi tão magistral. Tenho certeza que até você cairia nessa, Bell. Era perfeitamente Maggie da voz ao rosto. Até me disse para ficar quieto com você e Graham porque estava envergonhada.”

“Hmm? Que fada estranha.”

“V-Você deve estar cansado, Duncan. Bem, o jantar está feito. Sente-se!”

“Certo. Bem, obrigado, eu acho...”

“Agora Bell! Eu cuido disso! Não se preocupe, apenas sente-se! Ok?”

Marguerite limpou a mesa, colocou os talheres e de repente ficou muito interessada em ajudar. Duncan coçou a bochecha enquanto Belgrieve acariciava curiosamente sua barba.


“Você está estranhamente prestativa hoje, Maggie...”

“Hey, só estou de bom humor às vezes.” Os dois homens trocaram um olhar e um encolher de ombros. Apenas Graham olhou para a garota ocupada como se soubesse de tudo. O carvão estalou na lareira, enviando um fio de fumaça saindo da chaminé.



Nenhum comentário:

Postar um comentário