Capítulo 14.2: Mayoi Snail 006
Felizmente, Mayoi Hachikuji ofereceu muito mais resistência do que poderia esperar, então essa troca chegou ao fim sem ter seguido seu curso, mas sim com todo o meu corpo coberto pelos por marcas de dentes e arranhões de Hachikuji. Depois de cinco minutos, uma aluna do ensino fundamental e um aluno do ensino médio estavam sentados em silêncio em um banco, sem fôlego, encharcados de suor, exaustos.
Estava com sede, no entanto não havia máquinas de venda automática na área...
“Sinto muito...” ela disse.
“Não... Sou eu quem deveria estar se desculpando.”
Desculpas mútuas foram feitas.
Foi um acordo patético.
“... Ainda assim, Hachikuji. Você está acostumada a brigas.”
“Entro em brigas com bastante frequência na escola.”
“Brigas assim? Ah, certo. Não se presta muita atenção em quem é menino e quem é menina quando está no fundamental. Contudo, você com certeza sabe como se meter em encrencas...”
Apesar de suas feições inteligentes.
“O senhor Araragi também parece estar acostumado a lutar. Suponho que batalhas como essa sejam comuns quando se torna um delinquente juvenil?”
“Não sou um delinquente. Sou um fracassado.”
Era o tipo de correção que doía fazer.
Estava praticamente me ferindo.
“Vou para uma escola preparatória, então só porque sou um fracasso não significa que sou um delinquente juvenil. Em primeiro lugar, nem sequer temos um grupo de delinquentes na minha escola.”
“Mas nos mangás, é padrão que os conselhos estudantis dos colégios de elite estejam fazendo coisas bastante perversas nos bastidores. Quanto mais inteligente alguém é, mais malicioso se torna um delinquente.”
“Pode ignorar essa teoria na vida real. De qualquer forma, sim, entro em muitas brigas com minhas irmãs mais novas.”
“Suas irmãs, diz. Lembro que mencionou antes que tinha duas. Então, elas têm mais ou menos a minha idade?”
“Não, ambas são mais velhas. Porém, elas podem ter mais ou menos a sua idade no coração — as duas agem tão infantis.”
Embora nenhuma das duas vá tão longe a ponto de me morder.
Uma delas pratica karatê, então não há muita confusão contra ela.
“Sabe, podem acabar se dando bem com você. São boas com crianças, ou melhor, são praticamente crianças. Vou apresentá-las na próxima vez que tiver uma chance.”
“Oh... Obrigado, contudo vou ter que passar.”
“Está bem então. Sabe, você é muito tímida por todas as suas boas maneiras. Não que seja importante. Bem... Acho que brigas, pelo menos, terminam quando um lado pede desculpas ao outro.”
No entanto, hoje — foi uma batalha de vontades.
Ainda assim, pensei, deveria terminar comigo pedindo desculpas.
Sabia que deveria. Mas ainda assim.
“Aconteceu alguma coisa, senhor Ararragi?”
“Você adicionou um ‘r’ extra desta vez.”
“Sinto muito. Um deslize.”
“Não, acho que fez de propósito.”
“Um lapso de língua.”
“Ou talvez não!”
“Desculpe, mas todo mundo se equivoca em suas palavras de vez em quando. Ou está tentando dizer que nunca teve um lapso de língua?”
“Não vou tão longe, contudo nunca errei ao dizer o nome de alguém antes.”
“Tudo bem, então diga ‘Ela bombardeia conchas na praia’ três vezes seguidas.”
“Você estragou tudo sozinha.”
“O que quer dizer com ‘conchas’? As mulheres são tudo no que pensa?”
“Você é quem disse isso, não eu.”
“O que quer dizer com ‘conchas’? As mulheres são tudo no que pensa?”
“Sequer entendo o que isso quer dizer...”
Foi uma conversa divertida.
“Agora que penso a respeito.” observei. “É muito difícil dizer de propósito. Com concha, com concha...”
“Com com-concha!”
“...”
Entre todos os deslizes e gaguejos, sua boca estava se trabalhando muito hoje.
“Então, aconteceu alguma coisa, senhor Araragi?” perguntou Hachikuji.
“Não aconteceu nada. Estou me sentindo um pouco deprimido imaginando como devo me desculpar com minha irmã.”
“Vai se desculpar com por que tocou o peito dela?”
“Nunca tocaria o peito da minha irmãzinha.”
“Ah, então toca o peito de uma aluna do fundamental, mas não o da sua irmãzinha. Entendo, então é aí que você traça a linha.”
“Não posso te subestimar, hein? Isso é algum sarcasmo. Que grande ilustração do fato de que qualquer situação pode ser distorcida para fazer um homem perfeitamente inocente ser como o vilão.”
“Acho que não distorci nada sobre a situação.”
Hachikuji estava certa; só explicou o que tinha acontecido. Na verdade, fui eu quem precisou lutar e distorcer o contexto de uma maneira quase heroica para desculpar minhas ações.
“Tudo bem, então vou colocar de outra forma.” ela ofereceu. “Você tocaria o peito de uma aluna do primário, senhor Araragi, mas não o peito de uma garota mais velha.”
“Quem quer que seja esse senhor Araragi de que está falando, parece um pedófilo. Não é alguém que gostaria de contar como amigo.”
“Parece estar tentando negar que é um pedófilo.”
“Pode apostar.”
“Entendo que os verdadeiros pedófilos se recusem a se rotular como tal sob quaisquer circunstâncias. Eles consideram as jovens inocentes mulheres adultas e companheiras adequadas.”
“Obrigado pelo factoide¹ indesejado...”
Aprender trivialidades inúteis nada mais é do que um desperdício de espaço no cérebro.
Contudo, mais importante, não era algo que queria aprender com uma aluna do ensino fundamental.
“De qualquer forma.” acrescentou. “Acho que é descartável como um ato de Deus em uma briga, mesmo que seja sua irmã mais nova.”
“Droga, não arraste esse tópico. O peito de sua irmã conta ainda menos como peito de mulher do que de uma aluna do fundamental. Precisa entender esse ponto.”
“O caminho dos peitos. Foi muito esclarecedor.”
“Não siga isso nem nada, estou te implorando. Seja como for — tive uma pequena discussão quando estava saindo de casa hoje. Não uma briga, uma discussão. E não para repetir o que você disse antes, no entanto sinto que preciso me desculpar, ainda que não seja minha culpa. Se isso vai suavizar as coisas. Estou ciente. É o que devo fazer.”
“Sim, é.” Hachikuji assentiu com uma expressão solene. “Meu pai e minha mãe sempre brigavam. Não lutas, veja bem, mas discussões.”
“E então — se divorciaram.”
“Pode não ser o meu lugar para dizer como sua única filha, porém entendo que eles se levavam muito bem — no começo. Ouvi dizer que estavam loucamente apaixonados um pelo outro antes de se casarem. Contudo — nunca os vi se dando bem. Os dois estavam sempre brigando.”
Mesmo assim.
Ela disse que não achava que iriam se divorciar.
Na verdade, a ideia de que poderiam fazê-lo era distante para Hachikuji — ela acreditava que as famílias sempre ficavam juntas. Não devia saber que existia uma prática chamada divórcio.
Não devia saber.
Que seu pai e sua mãe pudessem se separar.
“Porém, em termos do que é natural.” continuou. “Sem dúvida é o mais natural. Os dois são humanos, então é claro que discutem e brigam. Você morde, é mordido, ama, odeia, isso é o que vem naturalmente para nós. E então — o que precisavam na verdade era trabalhar mais se quisessem continuar apaixonados.”
“Tem que trabalhar duro para seguir apaixonado? Não sei — não chamaria de insincero, todavia também não parece muito sincero para mim. Ter que se esforçar para amar algo — é como se estivesse fazendo um esforço consciente para que ocorresse.”
“Contudo, senhor Araragi.” insistiu Hachikuji. “O sentimento que chamamos de amor não é uma coisa muito consciente?”
“... Sim, suponho.”
Hachikuji estava certa.
Talvez fosse — algo que merecesse trabalho, esforço.
“É doloroso ficar entediado com algo que ama, odiar algo que você ama — não é? É triste, não é? Se amou alguém dez vezes, é como se o odiasse vinte vezes apenas para odiá-lo tanto quanto costumava amá-lo. Isso é tão — esmagador.”
“Hachikuji.” a chamei. “Você ama sua mãe, não é?”
“Sim, a amo. E, é claro, amo meu pai também. E entendo como se senta, e entendo que nunca quis que as coisas acontecessem do jeito que aconteceram. Foi difícil para ele por muitas razões. Ele era o padeiro da família.”
“Então seu pai também cozinhava...”
Que cara.
Não é à toa que tinha tanto em seu prato.
“Meu pai e minha mãe brigaram e se separaram como resultado — mas eu ainda amo os dois.” disse Hachikuji.
“Hm... Tudo bem.”
“Contudo, é por esse exato motivo que me sinto tão desconfortável.” a maneira como Hachikuji olhou para o chão, acreditei nela. “Meu pai parece de fato odiar minha mãe agora — e não parece ter nenhum interesse em me deixar encontrá-la. Ele não me deixa ligar para ela e disse que nunca deveria vê-la de novo.”
“...”
“Eu me pergunto se não vou esquecê-la algum dia — se não vou parar de amá-la algum dia se ficarmos separadas assim — e isso me deixa tão desconfortável.”
É por isso.
Por essa razão que veio aqui — sozinha.
Não tinha um motivo.
Só queria ver a mãe.
“... Um caracol, hein.”
Cara.
Por que Hachikuji não pôde realizar seu modesto desejo?
Não estava pedindo muito.
Aberração ou o que quer que fosse, Vaca Perdida ou o que seja — por que estava atrapalhando Hachikuji? Uma e outra vez, nesse sentido.
Nunca poderia chegar lá.
Estava sempre perdida.
... Hum?
Espere um segundo, pensei — Oshino tinha dito que esta Vaca Perdida era como o que aconteceu com Senjougahara e o caranguejo. O mesmo padrão... O que quis dizer? É verdade que aquele caranguejo nunca trouxe nenhuma calamidade para Senjougahara. Os resultados do que isso trouxe sobre ela foram calamitosos, porém esses foram apenas resultados. De certa forma, um sentido essencial — Senjougahara só conseguiu o que queria.
O caranguejo havia concedido o desejo de Senjougahara.
E este era o mesmo padrão... Se esta fosse a mesma fórmula, só que com variáveis diferentes, o que significava? Quais foram exatamente as implicações? Se o caracol que Hachikuji encontrou na verdade não estava tentando impedi-la—
Se disséssemos que estava tentando conceder seu desejo.
O que exatamente o caracol estava fazendo?
O que Mayoi Hachikuji queria?
Se encarrasse dessa forma... Não parecia que Hachikuji não tinha interesse em exorcizar essa Vaca Perdida?
“...”
“Oh? Aconteceu alguma coisa, senhor Araragi? Começando a me encarar de repente. Não sabe que vai me fazer corar?”
“Hum... Como posso dizer.”
“Apaixone-se por mim e vai se queimar.”
“... O que isso deveria significar?”
Hachikuji estava fazendo minhas vírgulas proliferarem sem uma boa razão.
“O que é tão confuso? Sou uma friend fatale², é justo que eu use frases legais como essa.”
“Ok, Hachikuji, então é óbvio para mim que você quis dizer femme fatale agora, mas nem sei de onde tirar a piada a partir daí. Além do mais, não é estranho para você estar chamando uma linha sobre se queimar de ‘legal’?”
“Hmph. Tem razão. Tudo bem então.” Hachikuji ponderou por um momento antes de se reformular. “Apaixone-se por mim e terá uma queimadura de baixa temperatura.”
“...”
“Isso é apenas chato!”
“E ainda não é nada que chamaria de legal.”
Então ela estava calorosa como um cobertor elétrico?
Parecia uma pessoa maravilhosa.
“Oh, já sei o que devemos fazer.” disse Hachikuji. “Nós só temos que mudar nosso terreno. Podemos manter a linha e encontrar uma descrição diferente para mim. Embora eu deseje manter o rótulo legal, não tenho escolha a não ser desistir. Como dizem, não se pode fazer uma omelete sem quebrar alguns ovos.”
“Faz sentido. Na verdade, isso pode ser um movimento bastante padrão, mudando seu terreno para fazer sua linha assassina funcionar. Como chamar uma série de ‘já popular’ na capa quando é apenas o segundo lançamento. Bem, vamos experimentar. Nunca saberemos o contrário. Ok, então ao invés de dizer que você é legal─”
“Vamos me chamar de ardente.”
“Hot-pot Mayoi.”
“Ainda pareço uma pessoa maravilhosa!” Hachikuji lamentou exageradamente. Porém, como se tivesse percebido algo, fez uma pausa e disse. “Você está tentando mudar de assunto, senhor Araragi!”
Então se deu conta.
“Nós estávamos falando sobre como estava me encarando, senhor Araragi. Qual é o problema? Poderia ter se apaixonado por mim?”
“...”
Ela não tinha percebido nada.
“Embora na verdade eu não goste de ser olhada de soslaio, admito que tenho braços muito atraentes.”
“Isso seria uma propensão única.”
“Oh? Está dizendo que não sente nada pelos meus braços? Está os vendo, não é? Sua beleza funcional?”
“O quê, algum burocrata decidiu que eles são bonitos?”
Funcional, talvez.
“Está sendo tímido, senhor Araragi? Então você tem um lado fofo. Tudo bem, então, vou tentar entender. Posso esperar. Por favor, deixe pra próxima.”
“Desculpe, mas não tenho nenhum interesse em pirralhas.”
“Pirralha!” Hachikuji olhou para mim com tanto choque que pensei que seus olhos fossem saltar das órbitas. Em seguida, sua cabeça começou a balançar para frente e para trás, como se estivesse tendo uma tontura. “Que insulto terrível... Essa palavra é tão horrível que eu não ficaria surpreso se ela fosse banida do rádio algum dia...”
“Suponho que seja bem maldosa.”
“Você me feriu, gravemente! Estou me desenvolvendo muito bem, de verdade! Pelo amor de Deus, Senhor Besta por Igual!”
“Ei, não aja como se não houvesse problema em trazer isso à tona de novo. Chamar alguém assim é tão terrível quanto, se não pior.”
“Tudo bem então. Em vez, vou chamá-lo de Senhor Homem por Igual.”
“Agora é como se eu não fosse realmente humano!”
Na verdade, me chamar desse jeito não era motivo de riso quando tinha sido atacado por um vampiro e era semi-imortal. O insulto doeu porque atingiu muito perto do alvo.
“Ah, entendi. Sei o que podemos fazer. Nós apenas temos que olhar de uma maneira diferente, Senhor Araragi. Vamos inventar neologismos. A sociedade sempre tentará policiar quais palavras podem e não podem ser usadas, já que as pessoas se ofendem com essas, mas sempre há a chance de que neologismos sejam aceitos.”
“Faz sentido. Sim, tem razão. A introdução de uma nova palavra permite que comece com uma nova lousa, por isso pode não parecer tão ofensivo. Como ‘lolicon’ não soa tão ruim quanto ‘pedofilia’. Tudo bem, vamos tentar. Então, precisamos criar novas palavras para ‘pirralha’ e ‘homem por igual’─”
“Urchine e Beastus.”
“Wow, agora soamos como uma dupla de combate ao crime!”
“Soamos! As escamas estão sendo arrancadas dos meus olhos!”
Soa doloroso.
Bom, não é tão doloroso quanto nos ouvir falar, aposto.
“De qualquer forma, retiro o que disse. Porém, sabe, Hachikuji, para uma aluna do fundamental, você está muito bem, uh...”
“Está falando do meu peito? Está falando do meu peito, não é?”
“Apenas em geral. Mas mesmo assim, ainda está no nível do fundamental. Acho que não te chamaria de super diferenciada.”
“Oh. Então, para seus olhos de colegial, meu corpo do ensino fundamental é uma figura pouco interessante.”
“Não posso tocá-los quando eles fogem ao estandarte.” ela não tinha exatamente curvas, também.
Mesmo que estivesse se desenvolvendo bem, como disse antes.
Hachikuji quis dizer “esbelta”, a propósito.
“... Então, senhor Araragi, por que estava olhando para mim com toda aquela paixão em seus olhos?”
“Bem, é que... Espere, paixão?”
“Aquele olhar que estava fazendo meu diafragma contrair.”
“Isso se chama soluço.”
Estava ficando difícil acompanhá-la.
Essa situação estava se tornando um teste para minha resistência como o brincalhão designado.
“Ah, não vale a pena se preocupar.” eu disse.
“Mesmo. Tem certeza?”
“Sim, eu acho.”
É o contrário?
Poderia ser tão profundo em seu coração, ao contrário do que ela estava dizendo — não queria realmente ver sua mãe? Ou talvez quisesse, contudo temia que sua mãe a rejeitasse? Havia até a possibilidade de sua mãe ter dito-a para não vir vê-la — e parecia muito real, dado o que ouvi até agora sobre o ambiente familiar de Hachikuji.
Se fosse esse o caso... As coisas não seriam fáceis.
Nem precisaria olhar para o exemplo de Senjougahara para—
“... Há o cheiro de outra mulher aqui.”
Hitagi Senjougahara apareceu, completamente sem aviso prévio.
Ela entrou no parque ainda na minha bicicleta, exibindo seu total domínio. Senjougahara era bem versátil.
“O-Oh... Isso foi rápido, Senjougahara.”
Sua viagem de volta levou menos da metade do tempo que gastou para chegar ao lugar de Oshino.
Sua entrada foi tão repentina que não tive tempo de ficar surpreso.
“Fiz algumas curvas erradas no meu caminho para lá.” disse Senjougahara.
“Oh sim. Aquele cursinho pode ser bem difícil de encontrar. Acho que deveria ter desenhado um mapa para você ou algo do tipo.”
“E depois de toda vangloriação que fiz. Me sinto envergonhada.”
“Acho que estava se gabando de sua memória ou algo assim, não estava...”
“Fui humilhada em suas mãos, Araragi... Não posso acreditar que se divertiu tanto me desonrando assim.”
“Espera aí, eu fiz algo? Você só tem que a si mesma pra culpar!”
“Então é disso que gosta, Araragi. Forçar as garotas a um jogo de humilhação é o que te excita. Vou te perdoar, no entanto. Não posso culpar um jovem saudável por ter esse tipo de interesse.”
“Não, esse é um jovem bastante insalubre!”
Ao ouvi-la, lembrei que Oshino havia falado de um limite espiritual — uma barreira ou algo parecido — ao redor do cursinho. Talvez eu devesse ter ido no seu lugar de fato.
Mas seja qual for o caso, Hitagi Senjougahara estava agindo de forma terrivelmente descarada para uma mulher em desgraça. Ou melhor, não havia como ela ficar envergonhada. Se alguém estava sendo submetido a um papel de humilhação, estava começando a sentir que era eu...
“Não me importo...” disse Senjougahara. “Posso aguentar qualquer coisa, desde que seja você fazendo-o comigo, Araragi...”
“Ouça, precisa se ater a uma personalidade! Não estará adicionando mais amplitude ao seu personagem quebrando-o por completo! E se você se importa comigo mesmo, Senjougahara, precisa me advertir assim que eu exibir essas características doentias!”
“Bem, na verdade não me importo contigo, Araragi.”
“Não pense assim!”
“Se isso me diverte, então tanto faz.”
“Está sendo agradavelmente honesta agora, na verdade!”
“E também, Araragi. Se formos honestos, então sim, me perder foi parte do motivo pelo qual demorei tanto para chegar, contudo também porque tive que almoçar.”
“Então já almoçou... Você sempre atende às minhas expectativas. Não que me incomode, isso é sua própria escolha, é mais do seu feitio.”
“Também almocei por você.”
“Fez até isso... Bom, espero que tenha gostado.”
“Fiz, obrigado. Há o cheiro de outra mulher aqui.”
Senjougahara apressou-se em nossas cortesias para que pudesse arrastar nossa conversa de volta para sua primeira linha.
“Alguém esteve aqui?” perguntou.
“Hmm...”
“Esse cheiro — Hanekawa?”
“Hã? Como é capaz de descobrir isso?” fiquei surpreso de verdade. Assumi que Senjougahara tinha perguntado por brincadeira. “Quando diz ‘cheiro’, quer dizer... Como a maquiagem? No entanto, não acho que Hanekawa use maquiagem...”
Ela estava vestindo seu uniforme escolar, afinal. Não ficaria surpreso se me dissesse que os protetores labiais estavam fora dos limites. Quando Hanekawa estava com essas roupas, pelo menos, era como um soldado de uniforme. Hanekawa nunca se desviaria das regras da escola de maneira tão flagrante, nem mesmo por acidente.
“Estou falando do cheiro do xampu que usa. Quero dizer que a única garota da nossa classe que usa essa marca é Hanekawa.”
“Espere, sério? As mulheres podem se dar conta de algo assim?”
“Até certo ponto.” Senjougahara disse em um tom explicativo. “Pense como fosse sua habilidade de identificar uma garota pelos quadris, Araragi.”
“Não me lembro de ter exibido essa habilidade especial!”
“Oh? Espere, não consegue fazer isso?”
“Pare de agir surpresa!”
“Porém, você teve a gentileza de me dizer outro dia: ‘Ah, essa bonita e consolidada pélvis, e esses seus quadris maternais. Aposto que vai dar à luz um menino saltitante, gehehehe!’”
“Isso é o que um velho sujo diria!”
Além do mais, seria preciso muito mais do que algo assim para me fazer dizer: “Gehehehe!” E enquanto estou nesse assunto, pensei, não descreveria seus quadris como maternais.
“Então, Hanekawa. Ela estava aqui.”
“...”
Será que percebeu o quanto estava me assustando?
Quase tive vontade de fugir.
“Acho que esteve aqui, mas já foi embora.”
“Você a chamou aqui, Araragi? Embora, agora que mencionou, Hanekawa mora nesta área, não é? Seria bom tê-la por perto como guia.”
“Não, não a chamei. Hanekawa acabou de passar. Igual a você.”
“Hmph. O mesmo que eu.” repetiu Senjougahara. “Suponho que seja assim que as coincidências são. Nunca sabe quando podem vir em pares. Hanekawa disse alguma coisa?”
“O que quer dizer?”
“Nada.”
“... Não, na verdade não. Conversamos um pouco... E então Hanekawa deu um tapinha na cabeça de Hachikuji e foi para a biblioteca... Não, não a biblioteca. Mas foi para algum lugar.”
“Deu um tapinha na cabeça dela. Hm — ok... Bom, posso imaginar Hanekawa fazendo isso — suponho?”
“Hã? Quer dizer que Hanekawa gosta de crianças, diferente do seu caso?”
“Sim, Hanekawa e eu com certeza somos diferentes uma da outra. Sim, não somos iguais. Nós não somos iguais — então se me der licença por um momento, Araragi.” Senjougahara disse, antes de aproximar seu rosto do meu. Me perguntei o que estava tentando fazer no início, até que percebi que Senjougahara parecia estar verificando algo como meu cheiro. Não, é provável que não fosse eu que ela estava tentando cheirar — provavelmente era...
“Hum.” Senjougahara se afastou. “Então parece que não houve uma cena de amor entre vocês dois.”
“... Com licença? Estava verificando se Hanekawa e eu estávamos nos braços um do outro? Então consegue até detectar com exatidão o quão forte é o cheiro dela... É algo incrível, sabia disso?”
“E não é tudo. Agora sei como é seu cheiro, também. Pelo menos lhe darei um aviso prévio de que, de agora em diante, deve agir sob a suposição de que estou observando cada movimento seu.”
“Não sei nem o que dizer a respeito, além de que gostaria que não o fizesse...”
Mas, ainda assim, o que Senjougahara tinha feito não era uma façanha trivial para uma pessoa comum, então seu olfato deve ser excelente. Porém, espere, pensei... Lutei com Hachikuji não uma, mas duas vezes enquanto Senjougahara estava fora. Poderia o seu cheiro realmente não ter passado para mim? Talvez Senjougahara não se deu ao trabalho de mencionar. Talvez a primeira briga que nós dois tivemos à vista dela a tivesse despistado. Ou Hachikuji poderia estar usando um xampu sem cheiro. O que quer que seja. Não parecia importar.
“Então, Oshino te contou o que estava acontecendo, certo? Apresse-se e me diga, Senjougahara. O que precisamos fazer para levá-la para onde está tentando ir?”
Para ser honesto, as palavras de Oshino ficaram gravadas em mim todo esse tempo — quero dizer a parte sobre se eu teria ou não sorte o suficiente para a mocinha tsundere (também conhecida como Senjougahara) sair e me contar.
Isso é — ele prefaciou.
É por essa razão que me peguei persuadindo Senjougahara a me dar a história completa — Hachikuji estava olhando preocupada para Senjougahara também.
“Aparentemente é o contrário,” Senjougahara divulgou. “Araragi. Parece que preciso me desculpar com você — foi o que o senhor Oshino me disse.”
“Hã? Oh, espere, você mudou de assunto? Assim que te agrada sair de um e entrar no outro. Ou o contrário? Você precisa se desculpar comigo?”
“Tomando as palavras do Senhor Oshino.” Senjougahara continuou, ignorando minhas perguntas. “Digamos que pegamos um determinado fato — e duas pessoas o observam de acordo com seus pontos de vista e chegam a conclusões diferentes. Nesse caso, não há uma maneira verdadeira de determinar qual ponto de vista é o certo — não há como provar que está certo neste mundo.”
“...”
“Contudo, é igualmente errado determinar que deve estar enganado nesse caso — de acordo com ele. Oshino de fato fala como se visse através de tudo, não é?”
Odeio isso, ela disse.
“Espere... Do que está falando, Senjougahara? Bem, não você, mas Oshino? Como o que disse se aplica à nossa situação atual─”
“Segundo Oshino é muito simples se livrar do caracol — a Vaca Perdida. Explicá-lo em palavras seria muito simples. Isto é o que o senhor Oshino me disse — você continuará perdido enquanto seguir o caracol, e não estará perdido se se distanciar dele.”
“Segui-lo — e é por esse motivo que se perde?”
O que isso deveria significar? Era tão simples que não fazia sentido. Como se tivesse deixado algumas palavras de fora. Na verdade, pareciam um pouco fora do alvo para Oshino. Olhei para Hachikuji, no entanto ela não estava reagindo. As palavras de Senjougahara pareciam estar afetando-a de algum jeito, embora seus lábios estivessem fechados.
Hachikuji não disse nada.
“Em outras palavras, não há necessidade de exorcismo ou oração. Ninguém foi possuído e ninguém está sendo ferido — ao que parece. É o mesmo que ocorreu comigo e aquele caranguejo. E tem mais — com o caracol, a pessoa alvo está na verdade se aproximando da aberração. Não de forma inconsciente ou subconsciente. Totalmente por vontade própria. Eles estão apenas indo junto com o caracol. Estão escolhendo segui-lo porque é o que querem. E é por esse motivo que se perdem. É por esse motivo que você precisa se distanciar do caracol, Araragi — é tudo o que precisa fazer.”
“Espere, não estamos falando de mim aqui. Estamos falando de Hachikuji. De qualquer forma, nesse caso, qual o sentido de tudo? Não é como se Hachikuji quisesse seguir esse caracol — como poderia ser que ela está fazendo-o?”
“É o que estou tentando dizer. Ao que parece — é o contrário.”
O tom da voz de Senjougahara não era diferente do habitual, o mesmo velho e monótono. Você não conseguia ler nenhuma emoção nele.
Ela não era nenhuma atriz.
No entanto — parecia estar de mau humor.
Muito mau humor.
“Aparentemente.” continuou Senjougahara “A aberração conhecida como Vaca Perdida não te faz se perder no caminho para o seu destino. Você se perde no caminho de volta.”
“N-No caminho de volta?”
“Isso não impede o de chegar lá, o impede de voltar — de acordo com Oshino.”
Não era sobre ir — mas sobre voltar?
Voltar... Voltar para onde?
Para sua própria casa?
Visitando e — chegando?
“Ok, tudo bem.” eu disse. “Porém — e daí? Entendo o que está tentando dizer. A-Ainda — a casa de Hachikuji... Não é como se ela estivesse tentando voltar para lá, não é? É claro que está tentando chegar ao seu destino, a casa da senhorita Tsunade─”
“É por essa razão — que preciso me desculpar contigo, Araragi. Eu sei, sei que sim, porém, por favor, deixe-me explicar. Não estava fazendo isso por maldade... Ou mesmo intencionalmente, tinha certeza de que era eu quem estava enganada.”
“...”
Não entendi o que estava tentando dizer — contudo.
Podia dizer — que parecia carregado de significado.
“Como poderia não estar? Havia algo estranho em mim por mais de dois anos. Foi só na semana passada que por fim voltei ao normal. Então, se algo acontecesse, não poderia deixar de pensar que sou a única que estava enganado.”
“Ei... Senjougahara.”
“Era como eu e o caranguejo — a Vaca Perdida só pode ser vista por alguém que tenha um motivo. É por esse motivo que se apresentou a você, Araragi.”
“... Não, como venho dizendo, o caracol não se apresentou para mim, mas Hachikuji─”
“Sim. Hachikuji.”
“...”
“Araragi, é isso que estou tentando dizer. Você se sentiu estranho porque era Dia das Mães, brigou com suas irmãs e não quer ir para casa. Então aquela garota ali, Hachikuji?” Senjougahara apontou para Hachikuji. Ou pelo menos, ela deve ter pretendido — Sua direção estava totalmente errada.
“Eu não posso vê-la.”
Fiquei surpreso — e meus olhos correram para dar uma olhada em Hachikuji.
A menina com traços inteligentes.
Com a franja tão curta, as sobrancelhas estavam à mostra, com o cabelo preso em tranças.
Vendo-a, carregando aquela mochila grande — ela de alguma forma parecia um caracol.
Notas:
1. Factoide é uma informação falsa ou não comprovada que se aceita como verdadeira em consequência de sua repetida divulgação pela imprensa.
2. Hachikuji comete um pequeno erro com o termo femme fatale (mulher fatal) com friend, que traduzido seria amiga.
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