quarta-feira, 4 de maio de 2022

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 02 — Capítulo 27

Capítulo 27: O Céu estava Claro


O céu estava claro, como se as nuvens pesadas de ontem não tivessem sido nada além de um sonho, e a sensação calorosa da primavera foi levada pelo vento enquanto roçava com suavidade na pele. Tufos macios de grama brotando cobriam o chão em que pequenos animais e insetos corriam atarefados para lá e para cá, e um pássaro solitário traçava um anel ao ar livre.

Charlotte estava distraída sob o sol, olhando para aquele pássaro. Suas roupas e cabelos brancos estavam sujos; ela não tinha se limpado desde o tumulto da noite anterior.

“Até o fim, não consegui agradecê-lo...”

“O que há de errado?” perguntou Byaku, que estava sentado no chão ao seu lado. Suas roupas estavam esfarrapadas, mas suas feridas estavam fechadas. Ainda assim, estava em seu período de recuperação e fazia caretas e pressionava os cortes cada vez que o vento os roçava.


Charlotte suspirou enquanto se sentava ao lado dele. Ela descansou o queixo sobre os joelhos e, levantando a mão direita, observou a luz filtrar através das aberturas em seus dedos. Seu anel não tinha mais uma pedra preciosa — não restava um pingo de poder.

“Não tenho mais o anel de Samigina... O que devo fazer agora?”

“Como vou saber? O que quer fazer, Sua Santidade?”

“Não me chame assim. Foi uma farsa e acabou.”

“E sobre se vingar do culto de Viena?”

“Eu ainda os odeio. Claro que sim, mas...”

É realmente a coisa certa a fazer? Considerou Charlotte.

Charlotte era filha de um cardeal em Lucrecia, foi criada na felicidade, protegida como uma princesa. Naquela época, tinha sido uma devota seguidora de Viena, e ficou maravilhada com as maravilhosas bênçãos da deusa.

No entanto, quando tinha oito anos, a Inquisição bateu à sua porta. Lucrecia estava repleta de intenso conflito político entre os cardeais, e seu pai se envolveu nele. A profundidade de sua fé seria irrelevante para saber se eles eram hereges ou não — no final, tudo se resumia a dinheiro e poder. E nesses pontos, sua casa havia perdido.

Eles foram assim rotulados como hereges. Embora a alegação fosse falsa, o fator decisivo foi o albinismo de Charlotte e o fato de possuir uma tremenda mana. Sob circunstâncias diferentes, esses fatores podem tê-la elevado como uma santa, porém o que importava quando seus inimigos estavam apenas procurando por qualquer motivo que pudessem usar?

Charlotte caiu em desespero. Ficou furiosa com a Igreja de Viena, que desprezava os inocentes como pecadores. Ela amaldiçoou a deusa que não salvaria aqueles que viveram tão devotos, oferecendo de todo o coração suas orações. Os nobres lucrecianos que deram meia-volta no momento em que o veredicto foi proferido, e os clérigos que tão de forma tão presunçosa os chamariam de hereges — todos eram detestáveis. E as massas — oh, as massas — que acreditaram na acusação sem dúvida e aplaudiram a execução de sua família com olhares de auto satisfação em seus rostos...

Não era tão ruim em outras nações, contudo os hereges eram desprezados em Lucrecia. Qualquer um que o clero acusasse de heresia seria condenado à morte como traidor de Viena — e se aquele herege fosse um cardeal de alto escalão, sua família seria morta junto.

Seus pais arriscaram suas vidas para deixá-la escapar. Charlotte fugiu sozinha, e que fuga difícil foi. Suas roupas foram reduzidas a trapos, e havia dias em que vasculhava o lixo em busca de comida. Depois, houve às vezes em que foi atacada por rufiões. Como alguém que foi criada sem falta de nada, esses dias de peregrinação foram bastante cruéis e patéticos; vez e outra, a mesma ansiava pela morte. Contudo, quando pensava em seus pais, não conseguia prosseguir com a ideia.

Foi então que conheceu um homem. Ele falou com ela sobre Salomão, que uma vez teve todo o continente na palma da mão, e dobrou os demônios ao seu capricho. O homem disse que o traria de volta e perguntou se Charlotte seria a sacerdotisa de Salomão.

Charlotte estava em transe. Com esse poder, poderia salvar aqueles que sofriam de serem marcados como hereges e poderia se vingar desses sacerdotes e nobres. Eu subirei ao palco como a santa de Salomão e os mostrarei como é sofrer. Verei seus rostos se contorcerem de angústia e desespero. Com esse pensamento, pegou a mão do homem.

Em apenas dois anos, estava dando sermões em todo o império vizinho da Rodésia com Byaku, seu seguidor designado. Com as feições refinadas de Charlotte e o dom inato da fala, sua mensagem se espalhou pelos territórios governados por senhores corruptos. Com o Anel de Samigina poderia realizar ‘milagres’ que o homem lhe dera e conquistar nobres sedentos de poder ao seu lado.

Rodésia estava trilhando um caminho de corrupção semelhante ao de Lucrecia; antes que isso pudesse acontecer, Charlotte o salvaria das garras de Viena. Então, faria seu retorno triunfante à sua terra natal.

Esse era o plano, pelo menos. A essa altura, seguia perdendo a convicção de que essa era a coisa certa a fazer. Parecia que o fervor aquecido que nublava sua visão estava desaparecendo.

“Sua mão... Estava quente...”

Ela se lembrou da sensação de uma mão acariciando sua cabeça. Meu pai me deu um tapinha assim? Não me lembro. Seu pai era um pouco mais jovem que o homem barbudo, no entanto.

É claro, seu ódio pelo culto de Viena e o clero em Lucrecia ainda existia. No entanto, talvez o que quisesse não fosse vingança, mas o carinho que um pai poderia oferecer. Talvez tenha desistido, certa de que era um sonho dentro de um sonho, e seguiu seu caminho de vingança para esquecê-lo. Afinal, não havia garantia de que, em tempos de desespero, a mão que se estendia para você fosse de fato uma mão justa.

Byaku balançou preguiçosamente para trás e caiu de bruços no chão.

“Você se apaixonou pelo velho?”

“O que…? Não seja bobo! Só estou dizendo que ele tinha uma mão quente! Achei que era como meu pai, só isso!”

“Um pai, eh... Hmm.” Byaku meditou, descontente fechando os olhos.

O amor de um pai — algo tão doloroso de lembrar que ela achou melhor esquecer, porém agora estava voltando ao coração de Charlotte. De repente, a maldade de tudo o que fez pesou sobre seus ombros, e a jovem cobriu o rosto. Que coisas terríveis eu fiz, pensou. Suas lágrimas caíram em um fluxo interminável.

“Ahh... Waaaaaaah!”

Byaku se levantou em silêncio e colocou a mão na cabeça de Charlotte.

“Pare de chorar. É irritante...”

“Hic... Ugh...”

Charlotte enxugou as lágrimas dos olhos com a palma da mão. “Hey, Byaku...”

“Hum?”

“Se... Hipoteticamente, você sabe. Se dissesse que vou desistir da vingança, você ainda me seguiria?”

Byaku hesitou por um momento. “Sou seu seguidor. Só faça o que quiser.”

“Sim... Claro. Obrigado...”

Suas lágrimas se transformaram em uma torrente. Ela enterrou o rosto nos joelhos em uma tentativa inútil de escondê-lo enquanto se apoiava em Byaku.


“Eu baixei minha guarda dessa vez! Parece que Sasha Bordeaux tem um longo caminho pela frente! Hahaha-ow, ow ow ow!” no meio de sua risada despreocupada, Sasha de repente agarrou seu braço esquerdo com um olhar de angústia.

Seren correu e deu uma tapinha no seu ombro. “Para falar em voz alta, Sash. Está ferida, então fique quieta...”

“Sim... Como é amargo não poder se mexer...”

Sasha se recostou na cabeceira de sua cama, os lábios franzidos. Apesar do estado terrível da mansão, aqueles reunidos em um dos poucos quartos intocados sorriram.

Houve mortes entre os aventureiros e os soldados que guardavam a propriedade Bordeaux, mas como que por um milagre, enquanto alguns civis ficaram feridos, nenhum morreu. A relação cooperativa entre os soldados e os aventureiros e as rápidas contramedidas valeram a pena. Claro, as contribuições de aventureiros de alto escalão como Angeline não poderiam ser desconsideradas.

Houve um pouco de barulho quando o Conde Malta foi encontrado morto. Ele foi morto com uma lâmina, então não poderia ter sido um dos mortos-vivos. Sua morte foi objeto de muita especulação, porém como os soldados em patrulha disseram que o viram vagando pelas ruas sozinho, os moradores da cidade chegaram à conclusão de que havia sido atacado por um saqueador. As roupas do conde eram de alta classe e tão visíveis assim; era fácil imaginar alguém aproveitando o caos para ganhar algum dinheiro extra.

Seu povo nunca gostou tanto do conde, então receberam bem a notícia. A facção anti-Bordeaux, no entanto, era outra história. O desaparecimento de seu mediador fez com que sua aliança secreta desmoronasse. Afinal, o cadáver do conde era sem dúvida um aviso de Helvetica.

Com isso dito, contudo, não havia uma única alma corajosa o suficiente para acusá-la publicamente do ato. Não importa o que dissessem, a popularidade da Helvetica na região era surpreendente. Ninguém acreditaria em tais alegações, e só resultaria na reputação do acusador sendo atingida. Esses nobres adversários temiam o dia em que recebessem uma intimação da condessa, controlando sua oposição pública com imparcialidade indiscutível.

O surto de mortos-vivos e a luta de Belgrieve com Charlotte deixaram a mansão ainda pior do que antes. Levaria algum tempo para fazer os reparos, e tão pouco haveria mão de obra que pudesse ser poupada para as estradas agora. Não que o plano fosse ser abandonado — assim que as coisas se acalmassem em Bordeaux, enviariam um mensageiro a Turnera. Belgrieve não tinha objeções; seria cruel exigir mais, dada à situação.

Angeline estava em perfeita forma desde o momento em que acordou, incapaz de se acalmar sem se manter de pé. Por consequência, estava ausente da sala e, ao invés, seguia correndo pelo jardim da frente, arrastando Anessa e Miriam junto, ambas parecendo desgastadas. Como Angeline, Belgrieve podia sentir a energia surgindo através de seu corpo, e achou um pouco inquietante enquanto estava sentado ali.

O elixir provou ser mais eficaz do que imaginara. Porém agora havia acabado — havia um limite para a quantidade de líquido que cabia dentro de uma garrafa pequena o suficiente para segurar.

Belgrieve ofereceu um sorriso irônico. “Você levou uma surra real, Sasha. Se eu ainda tivesse um pouco do elixir que Ashcroft me deu, teria o compartilhado...”

“Ah, de jeito nenhum, Mestre! Nossa casa sempre tem elixires prontos para usar! Não precisa se preocupar! Tenho mais vergonha de me mostrar em um estado tão patético!”

“É assim mesmo...”

“Hmm... Sir Belgrieve?” Ashcroft se aproximou. “Você já usou o elixir?”

“Sim, desculpe por isso. Uma gota para Ange, uma gota para mim e... bem, o resto para outra coisa.”

“Uma gota... Só?”

“Hã? Acho que sim.”

Os cantos dos lábios de Ashcroft se contraíram quando disse.

“Ahem... Sei que esqueci de mencionar, mas... Um elixir geralmente deve ser diluído em água.”

“O que?”

“Achei que saberia...”

De acordo com Ashcroft, um elixir era forte demais para ser bebido puro. Os produzidos no império não eram tão eficazes, então alguns aventureiros tomavam a mistura não diluída no meio da batalha para um aumento explosivo de poder, no entanto os elfos eram algo completamente diferente. Recomendava-se misturá-lo com várias dezenas de vezes o seu volume em água e ingeri-lo devagar. Tomar muito de uma vez induziria a inquietação, como aconteceu com Angeline. Nos piores casos, produziria uma discrepância entre o corpo físico e os sentidos.

Em suma, Angeline e Belgrieve seriam incapazes de se acalmar até que gastassem toda a sua resistência amplificada. Não é à toa que me curei tão rápido. É por isso que estou me sentindo quente há um tempo? Belgrieve ponderou. E enquanto ele agora tinha uma explicação, também se sentia terrivelmente envergonhado.

Havia pouco que poderia ter feito — um aventureiro Rank E teria sorte de ter um vislumbre de um elixir. Ainda assim, usou algo tão valioso em uma única noite e o usou de maneira incorreta.

“Hahaha!” Sasha gargalhou. “Como esperado do Mestre! Sempre indo grande!”

“Você não precisava dizer isso, Sash!”

“Haha... Desculpe...” Belgrieve suspirou, coçando desajeitado a cabeça.

Sua mente estava clara, e não se machucou em lugar nenhum. Porém agora que Ashcroft tocou no assunto, podia sentir um pequeno atraso entre como seu braço se movia e como achava que deveria se mover. Ele temia o que aconteceria se acostumasse a se mover assim antes que os efeitos passassem. Talvez pudesse ter conseguido isso em sua juventude, contudo em sua idade atual, talvez tivesse o hábito de fazer movimentos além do que seus velhos ossos podiam suportar. Os efeitos poderiam ser estendidos com outra gota, mas os elixires élficos não eram tão fáceis de encontrar.

Helvetica entrou na sala com Elmore. Parecia cansada, mas em paz. “Como está sua condição, Sasha?” perguntou.

“Ah, irmã. Não é tão ruim quanto parece.”

“Estou feliz que esteja bem.” disse com uma risada. “Vamos almoçar então? A mansão está uma bagunça, então terá que ser no quintal se ninguém se importar.”

Seren assentiu alegremente. “Soa bem. O clima está lindo.”

“Então aí — ow, ow, ow, ouch!”

“Por favor, não se esforce, senhorita Sasha...” Ashcroft correu para apoiar a garota quando quase caiu depois de ficar de pé.

Quando Belgrieve saiu, Elmore se dirigiu a ele. “Trabalho esplêndido, Belgrieve. Graças a sua ajuda e a todos os outros, os danos à cidade foram contidos ao mínimo. Ofereço-o meus agradecimentos como mestre da guilda de Bordeaux.”

“O que está dizendo? Quase não fiz nada.”

“Posso dizer depois de lutar ao seu lado. Suas habilidades com a espada são excepcionais. Dei uma boa olhada no Ogro Vermelho em ação.”

“Esse nome me faz sentir coceira...”

Embora ainda não se encaixasse com o título, Belgrieve ainda esperava que tivesse trabalhado duro o suficiente para viver de acordo.

Elmore sorriu. “Quanto tempo vai ficar em Bordeaux?”

“Bem, vamos ver... Terminei meus negócios aqui, então acho que vou depois de ajudar a limpar um pouco a mansão. Dois a três dias, diria.”

“Se estiver tudo bem... Você não se juntaria à guilda aqui? Com habilidades como a sua, tenho certeza de que ninguém reclamaria se eu o colocasse em um posto mais alto. Acenderia um fogo sob nossos mais jovens.”

“Deve estar brincando. É tudo ladeira abaixo para mim. Meu trabalho agrícola tornou-se uma segunda natureza para mim. Agradeço o convite, no entanto terei que recusar.”

“É mesmo... Uma pena, mas compreensível. Afastei-me da linha de frente quando descobri que o trabalho de mesa era uma segunda natureza para mim, então não sou de falar.” Elmore deu uma risada amigável.

Era difícil dizer que Belgrieve não tinha nenhum apego persistente à vida de aventuras. Entretanto este não era o lugar onde pertencia e tinha certeza disso.


Belgrieve e Angeline passaram os próximos dias limpando a mansão, curtindo a cidade e fazendo lutas de treinos com soldados e aventureiros. Sasha, incapaz de participar devido a seus ferimentos, cerrou os dentes e suportou, embora tenha feito Ashcroft entrar em pânico quando tentou participar de qualquer maneira.

Belgrieve achou ser tratado como um herói bastante desconcertante, todavia Angeline estava acostumada com o tratamento. Vendo sua filha se comportar com tanta compostura, Belgrieve sentiu que sua filha o havia superado por completo.

Seus dias em Bordeaux foram divertidos e bem diferentes de Turnera, porém Belgrieve achou que já era hora de ir. Estava ficando cansado e se preocupava com seu campo. Muitas vezes, se perguntava se as crianças aproveitariam sua ausência para entrar na floresta por conta própria.

Embora fosse triste se separar de Angeline e suas amigas, sabia que ela era capaz de se sustentar sozinha. E, claro, não pretendia que esta fosse uma despedida para toda a vida.

Dito isto, no momento em que disse que estava pensando em sair, Angeline ficou ao seu lado e não desgrudou mais. Mesmo enquanto arrumava suas coisas, Angeline permaneceu agarrada às suas costas, empurrando o rosto em suas costas e seu cabelo. A sensação de cócegas de sua respiração em seu cabelo e roupas era bastante irritante.

“Ange.”

“Sim pai?”

“O que está fazendo?”

“Estou reabastecendo meu suprimento de páterio.”

“O que acontece quando terminar?”

“Eu estarei cheia de energia.”

“Entendo.”

Ele não entendeu, mas ela soava bem certa do que dizia. De qualquer forma, não era a primeira vez que Angeline o agarrava assim. Com um sorriso conflitante no rosto, estava prestes a desistir quando Miriam se aproximou.

“Vou estocar um pouco do Sr. Bellium também, então.”

“Hey, hey, você também não, Merry... Preciso fazer as malas...”

O efeito do elixir por fim passou e seus sentidos se realinharam. Felizmente, suas dores nas articulações e nos músculos não haviam voltado, então era menos doloroso ter duas garotas penduradas nele do que era problemático como elas o impedindo de fazer qualquer progresso. As duas brincavam como crianças, porém eram muito maiores do que as crianças com quem estava acostumado a lidar.

Anessa assistiu a cena, um olhar exasperado em seu rosto. “Vamos... Se o Sr. Bell está indo embora, devemos seguir nosso caminho para Orphen também. Talvez vocês garotas devam começar a se preparar...”

“Hee, hee, eu sei que você está com ciúmes...”

“Não sendo honesta, certo Anne?”

“O que?” o rosto de Anessa ficou vermelho, sua boca abrindo e fechando sem expressão enquanto Angeline e Miriam sorriam para ela.

Belgrieve suspirou. “Anne tem um ponto. As duas terminaram suas próprias malas?”

“Nunca tive nenhuma bagagem para começar...”

“Viajar com pouca bagagem é fundamental para ser um aventureiro, Sr. Bell.”

“Hmm...”

Elas tinham um ponto. Acho que não sou páreo para aventureiras ativas, pensou Belgrieve. Mesmo assim, terminou de uma forma ou de outra. Não era como se Belgrieve tivesse muito para arrumar; havia trazido pouco mais do que suas roupas, embora tivesse comprado algumas coisas em Bordeaux nesse meio tempo. Estes incluíam um grande saco de sal e outro de açúcar, algumas bolsas menores de especiarias, um forte licor destilado e utensílios de cozinha feitos de ferro de alta qualidade.

Bordeaux era uma cidade grande; ficava na rota comercial para o norte, e ali se reuniam mercadorias de todas as partes. Belgrieve não resistiu a pegar o tipo de mercadoria que era inatingível em Turnera, ou que os mascates atribuíam um alto preço. Em suma, havia comprado muitas lembranças. O dinheiro era principalmente desnecessário em Turnera, então se viu esbanjando assim que teve a oportunidade.

“Não que Ange seja muito melhor...” Belgrieve murmurou, lembrando-se da montanha de presentes que trouxera. Eles seguiram um ao outro das maneiras mais estranhas.

Belgrieve acabou com o cavalo e a carroça que Angeline havia comprado em Orphen, já que o grupo não tinha utilidade para nenhum desses uma vez que estivessem de volta na cidade grande; eles pelo menos veriam mais utilidade em Turnera. As meninas viajaram com pouca bagagem e não compraram nada para levar de volta.

Logo a carroça estava carregada e Belgrieve pronto para partir. Uma simples entrega de carta se transformou em algo completamente diferente, pensou enquanto coçava a bochecha.

Belgrieve havia começado seus preparativos de manhã cedo e ainda não era meio-dia. Se saísse agora, estaria na próxima cidade antes do pôr do sol. Não que tivesse algo contra acampar, mas as noites ainda eram frias.

“Tudo bem... Lá vamos nós.” seus ombros fizeram um barulho de estalo quando ele estirou.

Angeline, Miriam e Anessa, tendo terminado seus próprios preparativos, despediram-se dele.

Elas iriam embora um pouco mais tarde.

Sasha se levantou, pegando emprestado o ombro de Seren. Helvetica e Ashcroft estavam ausentes, talvez ocupados demais, enquanto Elmore havia retornado à guilda.

“É uma pena que eu não pude ter uma partida com você, Mestre... Outra vez, com certeza!”

“Por favor, certifique-se de se recuperar primeiro.”

“Ele tem razão. Você deveria ouvi-lo, Sash.” Seren deu um tapinha no ombro da irmã enquanto inclinava a cabeça para Belgrieve. “Você fez muito por nós, Sir Belgrieve. Se estiver na área, sinta-se à vontade para parar em Bordeaux. Será sempre bem-vindo.”

“Obrigado, Seren. Estarei ansioso por isso então.”

Enquanto Belgrieve se movia para embarcar na carroça, Angeline o abraçou. Apertando o rosto com força, tomando uma profunda baforada.

“Vamos, vamos.” Belgrieve acariciou sua cabeça. “Você sempre será a garotinha do papai, Ange.”

“Hmm... Tudo bem!” Angeline de repente levantou a cabeça. “Vou fazer o meu melhor. Vou trabalhar duro e estarei de volta no próximo outono.”

“Não é muito cedo?”

“Está bem. Quero comer mirtilos. Certo?” disse, olhando para os membros de seu grupo. As duas assentiram.

“Foi breve, mas divertido.”

“Voltarei para brincar um pouco mais!”

Belgrieve sorriu, estendeu a mão e colocou as mãos sobre suas cabeças. “Sim, pense nisso como sua própria casa. Eu estarei esperando.”

Demorou um pouco para entender, porém quando aconteceu, suas bochechas ficaram vermelhas de vergonha.

De repente, passos leves, mas rápidos, foram ouvidos. Belgrieve se virou para ver Helvetica, um tanto sem fôlego. Uma vez que o alcançou, ela colocou as mãos nos joelhos, ofegante. O suor em sua testa adicionava um brilho incomum à sua franja.

“B-Bom... Cheguei a tempo...”

“H-Helvetica. Não precisa vir se estava ocupada...”

“O que está dizendo? Seria uma mancha no nome da família se eu não me despedisse do nosso benfeitor.” Ela respirou fundo e sorriu. “Volte novamente. Estarei esperando.”

“Obrigado. É uma honra par...” ele foi interrompido quando um perfume suave e doce penetrou em suas narinas quando sentiu algo suave em sua bochecha. Belgrieve foi pego de surpresa.

Com uma risada travessa, Helvetica colocou um dedo nos lábios.

“Foi apenas a bochecha desta vez... Quem sabe o que vai acontecer da próxima vez?”

“Por favor, não me provoque tanto...”


Belgrieve coçou a cabeça um pouco timidamente. Então foi puxado para baixo pelas lapelas, e lá estava Angeline com o rosto choroso.

“Pai...”

“A-Ange...”

“Eu sabia... São os peitos...”

“O que você está falando?”

Parecia que um bom momento havia sido arruinado. Angeline rosnou para intimidar Helvetica enquanto Helvetica ria para si mesma. As garotas que assistiram estavam um pouco vermelhas ou sorrindo.

“Minha nossa.” Belgrieve suspirou. “Estou indo embora.”

“Sim...”

Angeline o soltou, simples assim. Depois de acariciar suavemente a mão na cabeça dela mais algumas vezes, pulou a bordo da carroça. Belgrieve bateu as rédeas para o cavalo ir em frente.

“Estou indo, pai!” Angeline gritou.

“Eu voltarei!”

“A-Até logo...!”

Miriam e Anessa se juntaram.

É quase como se elas estivessem aceitado a ideia, Belgrieve pensou consigo mesmo. Mesmo assim, ele retornou a despedida.

“Volte para casa são e salvas!”

A carruagem avançou lentamente. Com um céu azul acima, e um vento perfumado de grama acariciando sua bochecha.

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