Capítulo 02.2: Tudo Calmo na Frente Oriental
Ela foi encontrada pelo inimigo. No instante em que compreendeu a realidade, Sua Alteza, a Princesa, não pôde fazer qualquer tipo de reação. Enquanto fazia o som seco de pisar em um galho morto, sabia que a presença estava se aproximando rapidamente. Passos ásperos e respiração se sobrepuseram e começaram a ser audíveis. Ele não estava sozinho. Eram dois, ou três, ou mais —— a princesa, em estado de quase pânico, não sabia o que fazer com seus pensamentos, que operavam inutilmente como se para compensar seu corpo imóvel.
“Levante as duas mãos agora e saia! Temos uma arma, se houver um comportamento estranho, vamos atirar!”
O substantivo arma, o verbo atirar —— a princesa lembrou pela segunda vez a imagem da morte esculpida no mar tempestuoso. Mesmo que tivesse que escapar o quanto antes, quando isso aconteceu, seu corpo ouviu cada vez menos o que sua mente estava dizendo. Enquanto enfrentava sua ruína, desta vez como antes, prender a respiração e se agachar era o melhor que podia fazer, mas...
“P-Pare, não atire! Estou saindo agora...!”
Um grito de pânico reverberou das sombras de uma árvore diferente da área onde Sua Alteza, a Princesa, estava agachada. Seus olhos fechados com força se abriram. Essa era sem dúvida a voz de Ikuta Solork.
“Ali! Não faça mais movimentos, confirmaremos sua localização a partir daqui.”
Seguindo aquela voz, uma luz ofuscante percorreu o centro da floresta escura. Os inimigos, parecendo ter o suporte de um espírito da luz também, usaram um farol alto e começaram a sondar a fonte da voz. Em pouco tempo, um jovem de cabelos pretos foi iluminado dentro da luz branca.
“Sua fala, é um dialeto do Império, não é? Quem diabos é você? Por que está aqui?”
“E-Eu escapei do Império e vim para cá! Como a guerra nunca vai acabar, e minha casa foi incendiada pela Unidade de Guerra Aérea, estou farto do Império! Quero dizer, a República parece muito boa, não é? Leve-me junto como um aliado...!”
Cada palavra das falas de Ikuta implicava desespero, e mesmo para Sua Alteza, a Princesa, que estava ouvindo por perto, não parecia ser uma encenação. Ele estava se agarrando apenas à esperança e fugindo para cá, apenas um refugiado implorando por sua vida.
“... Imaginei que era isso, outro refugiado, hein.”
“Ah, sim! Na noite da tempestade anteontem, atravessei a fronteira por mar! Fui pego nas ondas, pensei que ia morrer, mas, por fim, mal consegui chegar aqui!”
“E seus aliados? Você veio sozinho?”
“Minha mãe está comigo! Ela está dormindo na caverna no lugar bem na frente daqui! Seu corpo está frio porque ela continuou sendo atingida pela chuva. Quero dizer, vocês são soldados do Exército Kioka, não é? Ajude-nos!”
Enquanto apertava os olhos no brilho do farol alto, Ikuta continuou suas palavras com uma expressão desesperada. Seu discurso fervoroso parecendo ter dado resultados, os homens, vestindo uniformes militares verdes escuros com seus rifles de ar¹ preparados, se aproximaram dele.
“Nós entendemos as circunstâncias, nos conduza até a caverna. Pode relaxar. A República aceita universalmente os refugiados.”
“... Vocês vão nos ajudar? O-Obrigado, é por aqui! Não é tão longe —— ah, ai!”
Ikuta, virando seu corpo com um rosto como se encontrasse o Buda no inferno —— possivelmente tendo uma experiência ruim com uma raiz de árvore —— tropeçou com força. Quando tentou se levantar às pressas, dessa vez deu um grito e acabou se agachando.
“Hss, eu torci meu tornozelo... S-Soldado, desculpe, poderia me emprestar um ombro...?”
“Você é um cara problemático, não é... Ei, Nihad. Ajude aqui. Irik também, não precisamos mais do farol alto, então venha aqui com uma lanterna.”
Um soldado segurando um rifle de ar veio e pegou a mão de Ikuta. Além do mais, por trás, o homem com o espírito da luz se aproximou enquanto transformava a luz emitida da ‘cavidade de luz’ em uma lanterna suave.
“E-Esses são todos? Minha mãe não consegue andar sozinha, e até para carregá-la, a ajuda...”
“Somos os únicos que vêm aqui. Mas, desde que não seja uma senhora muito gordinha, devemos conseguir nos virar.”
“... Entendo. Então ‘são os únicos’?”
Ikuta, murmurando baixinho, inocentemente esticou os dois braços. Fazendo isso, segurou com força, cada um na palma da mão esquerda e direita, os canos dos rifles de ar dos soldados cujas mãos pegou emprestado para se levantar.
“... O que? O que está fazendo? Solte...”
“Padrão 3! Destrua-os, Yatori, Torway!”
Justo quando Ikuta gritou de frente para a escuridão do fundo, o som modesto, porém penetrante, do disparo de um rifle de ar ecoou. Um soldado, o portador do espírito da luz, a carne de seu rosto arranhada por uma bala de chumbo, segurou sua bochecha e deu um grito.
“... Gh, faltou um pouco...!”
A voz de Torway reverberou, maníaca de irritação. Um primeiro ataque extremamente eficaz foi desperdiçado. Os soldados do exército de Kioka, sentindo que haviam caído em uma armadilha, começaram a se recuperar em seguida.
“Irik, você está bem? Cesse a luz agora e recue! Há pessoas com rifles de ar no outro grupo, seremos alvos assim!”
Enquanto chutava Ikuta, que pegou as armas, como se estivesse arrancando-o, o soldado de meia idade que parecia ser o líder gritou em voz alta. Foi o julgamento correto dado à situação, contudo foi por isso que foi possível para Ikuta prever suas ações.
“... Kusu, holofote...!”
Suportando a dor de ser chutado, apesar de teimosamente agarrado aos canos, Ikuta também enviou instruções. Kusu, antes colocado de prontidão em uma árvore com boa perspectiva, as recebeu e emitiu um farol alto de seu torso. O soldado ferido que tentou apagar a luz e mergulhar na escuridão foi iluminado uma segunda vez no meio da escuridão.
“B-Brilhante... Gah!”
O quarto tiro que Torway disparou perfurou as mãos que ele ergueu tentando bloquear a luz. A bala penetrou em seu globo ocular e atingiu seu cérebro, e seu inimigo lamentável afundou em um sono eterno do qual não acordaria mais.
“—— Irik! Porra, não vou deixá-lo escapar, seu bastardo!”
Um chute encorpado e pesado de raiva empurrou Ikuta para o lado e derrubou seu corpo no chão.
“Morra, escória imperial!”
As bocas de duas armas, famintas por uma refeição, estavam apontadas para Ikuta, que estava exposto indefeso. No entanto, no instante em que os gatilhos estavam prestes a ser puxados sem piedade —— uma sombra vermelha correndo pelo mato dançou em volta das costas dos dois soldados de Kioka.
“—— O vento...!”
Rastros de prata cortavam a escuridão. Um sabre à direita cortou o pescoço do primeiro e, com uma sequência fluida de movimentos, um gauche principal à esquerda apunhalou as costas do segundo. Fazendo jus à fama do ‘Igsem da Lâmina’, desde o momento em que ela se aproximou até Yatori derrubar o inimigo, nem dois segundos se passaram.
Os dois corpos caíram com um baque quase ao mesmo tempo. Contudo, não podiam ser descuidados ainda. De frente para a direita e para a esquerda, enquanto virava as pontas de seu sabre e gauche principal em direção aos dois pescoços, Yatori deu um aviso.
“Não se movam, espíritos! Se resistirem, seus mestres morrem!”
Apesar de se atrapalhar com os longos canos dos rifles de ar, os espíritos do vento que escaparam tentando se levantar do outro lado pararam com suas palavras. Todos os espíritos agiam com a vida dos humanos com quem fizeram um acordo como sua principal prioridade. Tomar seus parceiros como reféns era uma maneira eficaz de tornar os espíritos impotentes.
“Ikuta, tudo bem? Torway! Leve os espíritos dos oponentes que derrubei com você!”
Acenando para as instruções de Yatori, Torway se aproximou com cautela do lado dos soldados caídos. Os cadáveres estavam deitados de bruços. A figura do espírito da luz remanescente, sacudindo o corpo de seu mestre com pequenas mãos, foi de partir o coração.
“... Espírito, seu mestre já——”
Morreu —— Torway não conseguia pronunciar essa palavra no momento. Não, era impossível. Até agora, ele conseguiu evitar entrar no campo de batalha, mas tanto para si mesmo como seus aliados, esta era a primeira vez em um combate real.
O instante em que se experimenta a realidade de ‘eu matei alguém’ varia dependendo da pessoa. No caso de Torway, não foi quando aquele que matou estava na sua frente, mas sim quando experimentou com amargura ver ‘as figuras dos que ficaram’.
“Torway, deixe esse luxo para depois. Ainda não acabou.”
O conselho insensível de Ikuta veio a tempo para afastar o sentimentalismo para longe do soldado em sua primeira luta. Torway sufocou com força as emoções que brotavam do fundo de seu coração e, pegando em seus braços os espíritos imóveis após a morte de seus mestres, voltou na direção de seus aliados.
“Nnn, aquele cujo pescoço você cortou está morto. Parece que o único que ainda está respirando é aquele cujas costas foram esfaqueadas.”
Sentado perto do inimigo em colapso, Ikuta confirmou a morte de seus parceiros de cena. O jovem descontraído de sempre não estava lá. A partir do momento em que o alarme soou, Ikuta estava —— mais do que ninguém —— composto e cruel.
“Desculpe, não tive tempo para pensar em capturá-los vivos...”
Yatori, que os havia cortado pessoalmente, acreditava que eram feridas fatais. Ikuta também deduziu o mesmo e assentiu.
“Não há nada que possamos fazer. Bem, sua boca pelo menos deve estar funcionando.”
Tendo o dito, o corpo do soldado inimigo foi virado para cima. A facada não atingiu o coração, parecendo ter de alguma forma perfurado os pulmões, e a respiração do soldado inimigo estava assobiando e trêmula. De qualquer forma, ficou claro pela quantidade de perda de sangue que não havia muito de sua vida restante, porém Ikuta, além de ciente desse fato, começou a conversar com ele.
“Ei, pode me ouvir, certo? Seu nome é? Ahh, na verdade, não importa o seu nome. Você tem uma chapa de identificação?”
A mão de Ikuta se esticou e retirou a placa de cobre pendurada no pescoço do soldado. Confirmando que estava sendo observado pelos olhos de seu companheiro, que estavam perdendo a luz, continuou.
“Membro do Sétimo Batalhão Independente do Exército da República, Soldado Nihad Hyu da Unidade de Guerra Aérea. Você é um novato bastante azarado.”
“... S-Salve-me...”
“Nós lhe daremos assistência médica. No entanto, só depois de responder às nossas perguntas. Se não for claro, estaremos abandonando-o e voltando.”
Ikuta colocou uma esperança superficial diante de seus olhos, mas o soldado moribundo não teve escolha a não ser se agarrar a ela. Considerando que sua vida restante estava passando, as perguntas começaram.
“Pergunta Um: Onde é sua base? Aproximadamente a que distância fica do local?”
“... P-Para o leste, meio dia com um dirigível...”
“Tudo bem, isso é bom. Pergunta Dois: Qual sua missão e quantas forças foram mobilizadas? Por que pousaram aqui?”
“... Missão, patrulhar o interior da fronteira... Forças... Forças, não unidas... Esquadrões de três por grupo, vieram aqui em dirigíveis... Aterrissamos aqui, uma caverna boa para acampar... Cough, cough.”
No meio de sua resposta, o soldado Nihad cuspiu uma tosse misturada com sangue. Enquanto enxugava inexpressivo uma gota de sangue que grudava em seu rosto, Ikuta continuou o questionamento.
“Entendo, então era para passar a noite em terra firme. Bem, então, Pergunta Três: onde está o dirigível com o qual vieram?”
“...”
“Não posso te ouvir. O atendimento médico será tarde demais, responda corretamente.”
“... Saindo da floresta, direto na praia... Está frio... Por favor... Por favor, pare o sangramento...”
“Entendido, a próxima é a última pergunta: Nihad Hyu, esteve na fronteira?”
Reunindo suas forças e virando o pescoço para a esquerda e para a direita, Nihad tossiu violentamente e cuspiu sangue pela segunda vez. Com isso no auge, sua respiração enfraqueceu ainda mais rápido... Dentro de um minuto, o movimento de subida e descida de seu peito desapareceu por definitivo.
Murmurando um “bom trabalho” curto para o jovem que não conseguia mais responder nada, Ikuta se levantou.
“Ahh, pode sair agora, princesa. Todos estão mortos.”
Com aquela voz desapaixonada, Sua Alteza, escondida nas árvores, congelou seu corpo. Havia algo que rejeitava estranhos na atmosfera ao redor de Ikuta no momento.
Percebendo que Sua Alteza, a Princesa, estava assustada, Yatori foi receber a menina sozinha no decorrer de suas próprias suposições.
“Vossa Alteza, é Yatori. Por favor, venha aqui. Ahh, graças a Deus, você está ilesa.”
Com o ombro apoiado por Yatori, a princesa por fim se levantou corretamente. Quando as duas voltaram juntas, Ikuta, reunindo os espíritos que perderam seus mestres em um só lugar, virou-se para eles e fez uma proposta.
“É uma pena, mas seus parceiros —— todos morreram. Tenho certeza de que há aqueles entre vocês que querem relatar suas mortes de volta à sua unidade ou algo assim. No entanto, não podemos permitir isso. Porque devemos seguir com vida.”
Nem uma negociação nem uma persuasão, isso era uma espécie de formalidade. Quando apenas os espíritos inimigos que perderam seus mestres permaneceram no campo de batalha, quanto ao seu tratamento, foi decidido pelas Escrituras de Aldera, que pregavam a amizade entre humanos e espíritos.
“Juro pelo nome de Alderamin, Deus Supremo dos céus, que vamos reencarná-los na Igreja do Império, e depois prometemos o tratamento apropriado como prisioneiros de guerra —— portanto, por favor, confie-as a nós, suas almas.”
Um pouco depois de conceder atenção às palavras de Ikuta, enquanto faziam um som como objetos duros sendo esfregados, os três espíritos caíram de bruços. Da nuca, uma seção de ardósia preta medindo vários centímetros voou. Era chamada de “pedra da alma”, a fonte da vontade de um espírito.
“... Obrigado. Eles estão sob nossos cuidados.”
Quando Ikuta os entregou a seus aliados depois de coletá-los e pegá-los com os dedos, ele se agachou e pegou no ombro o cadáver de Nihad, ainda com o calor de sua vida. Em sua ação, Torway revelou sua confusão.
“Hã? Você vai carregar o cadáver...? Se eles não tiverem mais aliados, então se escondermos o corpo no mato...”
“Estamos seguros por enquanto. Torway, pode aproveitar o sentimentalismo de sua primeira luta o quanto quiser agora.”
Uma voz forte interrompeu seu raciocínio. Enquanto avançava passo a passo, Ikuta falava como se estivesse fazendo um grande esforço.
“Portanto, permita esse luxo para mim também. Esse cara falou claramente, não foi?”
Não havia ninguém que tivesse o privilégio de apresentar uma opinião diferente.
Depois de tudo, com cerca de duas viagens de ida e volta, os restos mortais dos soldados de Kioka foram transportados para as proximidades da caverna sem que um único ficasse para trás. Matthew e Haro, cumprimentando os quatro que voltaram, deram um suspiro de alívio antes de qualquer coisa. Depois disso, Matthew saiu junto com Ikuta, e Haro foi designada para cuidar de Sua Alteza, a Princesa, que estava em um leve estado de choque.
Dentro da caverna, restaram dois grupos: Haro e Sua Alteza, a Princesa, e Yatori e Torway. Torway estava olhando para seu próprio rifle de ar diante do fogo, com uma expressão tão deprimida quanto a da princesa.
“... Para errar dessa forma...”
Ele não conseguiu derrubar o inimigo com o primeiro tiro e, como resultado, parecia se sentir culpado por ter exposto Ikuta àqueles olhos perigosos. Do outro lado do fogo, enquanto segurava sua espada na mão, Yatori o interrompeu.
“Um inimigo em movimento é completamente diferente de alvos durante o treinamento. Se o derrubou com quatro tiros, então é uma boa performance para sua primeira luta.”
“Mas, o inimigo estava quase parado...”
“Estou dizendo, qualquer um ficaria nervoso nessa situação. É normal que alguém não consiga produzir nem metade de sua verdadeira habilidade.”
“Isso não passa de uma desculpa. Agora mesmo, Yatori-san e Ik-kun foram compostos e dedicaram o seu melhor.”
Yatori se levantou e segurou o rosto de Torway, que estava preso em um laço de autocondenação, com as duas mãos.
“Não seja tão presunçoso, Torway Remeon. Não se valorize por algo como ser capaz de fazer as mesmas coisas que eu e Ikuta. Os talentos que as pessoas têm são coisas diferentes, dependendo do indivíduo. No que diz respeito à força do desempenho, me orgulho de não perder para ninguém. Que alguém queira me imitar tão facilmente é insuportável.”
Torway arregalou os olhos e encarou Yatori, porém ao mesmo tempo não pôde deixar de notar. Que as palmas das mãos de Yatori, tocando suas bochechas, estavam frias, e que estavam tremendo um pouco mesmo agora.
É verdade. Hoje, pela primeira vez na vida, ela também roubou a vida de um estranho com aquelas mãos.
“O importante é que Execute de forma confiável as tarefas que pode. Como detentores de rifles de ar, você e Matthew são ativos valiosos no momento. Já que a pior bala, ainda que não acerte, pode deixar seu oponente cauteloso. Desta vez, já que fez o inimigo apagar sua luz como resultado, não consegui me aproximar com relativa segurança?”
Ao ouvi-la, Torway assumiu uma expressão levemente confortada. Yatori bufou e se afastou.
“... Deveria aprender pouco observando Ikuta. Ele pode ser despreocupado, mas esse cara sempre sabe as coisas que pode e não pode fazer e age de acordo. Desta vez, como não podia se tornar um ativo imediato, assumiu o perigoso papel de chamariz, e o outro papel miserável. Você seria capaz de completar esse interrogatório em um humano moribundo?”
Torway baixou o olhar e ficou em silêncio. Lembrou-se das figuras dos espíritos perplexos perto dos cadáveres.
“Não seria, certo? Contudo, está bem assim. Por enquanto, pelo menos. Ou seja, seu papel nesta equipe é ser um irmão mais velho gentil e cavalheiresco. Não precisa se sentir obrigado a fazer mais. Ikuta sabe melhor do que ninguém e se mantém nessa posição.”
“... Yatori-san, você entende Ikuta muito bem, não é?”
Yatori deu de ombros e respondeu ambiguamente, ‘quem sabe’, para o jovem que a olhava com expressão conflitante.
Sua Alteza, Chamille, aparentemente tendo recuperado a compostura de alguma forma como resultado do conforto de Haro, conversou com Yatori, que parecia estar terminando de segurar sua espada, com a voz tensa.
“Yatori, posso ver também os cadáveres dos soldados de Kioka?”
“... Isso é —— minhas desculpas, no entanto...”
Yatori hesitou um pouco, contudo vendo a expressão atormentada da princesa, as palavras, ‘Eu não acho que deva’, recuaram para dentro de sua garganta. Atando ao cinto suas duas espadas guardadas em suas bainhas, ela pegou a mão de Sua Alteza, a Princesa, e saiu da caverna.
Três cadáveres estavam alinhados sob uma árvore de dipterocarpo notavelmente grande. Seus uniformes militares e etiquetas foram retirados, deixando apenas suas roupas de baixo. Sugerindo que seriam úteis mais tarde, aquele que tirou tudo o que tinham dos mortos inocentes também foi Ikuta. Sua Alteza, a Princesa, não conseguia entender esta simples ideia.
“... Ouvi dizer que Solork os enganou fingindo ser um refugiado do Império.”
“Ha...”
“Que tipo de reação os soldados de Kioka tiveram? Eles foram rudes ou corteses?”
Quando Yatori considerou Sua Alteza, o estado mental da princesa, não conseguiu responder de imediato. No entanto, no final, não podia ferir honra dos mortos mentindo.
“... Acho que foram corteses. Parecia que... Não, a própria República atual é proativa no que diz respeito à aceitação de refugiados. Se a República receber calorosamente os cidadãos imperiais refugiados, as pessoas da Província Oriental que abandonam seu país e fogem aumentarão cada vez mais, e isso está relacionado ao efeito da redução do poder do Império.”
“Nossos oponentes que estenderam a mão para nos aceitar, nós os matamos com um ataque furtivo...”
Yatori podia vê-la um pouco desconfortável... Ela estava se sentindo culpada por matar os soldados do estado vizinho com o qual eles estavam em guerra com métodos injustos? Não que ela não entendesse, mas não eram estranhas as palavras da Família Imperial? No mínimo, como postura oficial da nação, toda guerra conduzida deveria ser fundada em nome da justiça. E embora Sua Alteza, Chamille fosse membro da Família Imperial, ou seja, uma figura principal que assumiu o nome daquela justiça——
“Essa é a verdade. No entanto, Sua Alteza, suas palavras...”
A princesa balançou a cabeça e interrompeu Yatori, que abriu a boca para defender sua honra e a de seus aliados.
“Todo mundo diz isso, eu entendo. Esta é minha responsabilidade. Aquela que te ordenou a ‘me levar de volta em segurança para o Império’, não foi outra senão eu. Como posso criticá-la?”
Enquanto mantinha um olhar fixo nos cadáveres dos soldados de Kioka, Sua Alteza, a Princesa, estava quase que de forma inconsciente, roendo a ponta de seu dedo indicador. As palavras que podiam ser ouvidas de sua boca não eram mais dirigidas a ninguém.
“... Três pessoas morreram aqui. Enquanto continuarmos assim, mais pessoas continuarão a morrer. Tanto amigos quanto inimigos... A nação que deveria existir para sustentar a vida das pessoas, então por que a Família Imperial continua a prejudicar suas vidas dessa maneira...?”
Seu monologo continuou interminavelmente. Ainda que os dentes roendo seu dedo tivessem rompido a pele, a própria pessoa não percebeu.
“Perdoe-me... Por favor, perdoe-me... Devo voltar para casa viva... A fim de acelerar o processo em que a grande árvore se decompõe e desmorona, mesmo por um segundo, devo fazer qualquer coisa para retornar... Ainda que minha punição seja o inferno, de alguma forma... Mesmo que meus membros sejam arrancados, ou meus intestinos arrancados... Mesmo que eu esteja alinhada com o imperador reinante e seja crucificada, assim que...”
O sangue escorria da pele de seu dedo. A cor de seus olhos era claramente incomum. Embora a princesa continuasse a murmurar como se estivesse delirando, Yatori, ciente de que era sua atendente, hesitou em...
“——Acalme-se, princesa. Um luxo como a automutilação é aquele que deve ser desfrutado quando voltar para casa em segurança.”
Felizmente, Ikuta, tendo voltado, cruzou essa linha em seu lugar. A princesa, com o braço agarrado pelo jovem e possivelmente assustada com o contato repentino, entrou em pânico e sacudiu os braços e as pernas.
“Solte, solte, Solork...! Quem disse está bem para você me tocar...?”
“Desculpe-me por não ganhar algo como sua aprovação. Mais importante, olhe, está saindo sangue, sangue. Sua mão está toda vermelha, não é? Entende que esse fluido vermelho é literalmente uma gota de sua vida nessa condição em que está?”
“Sangue, sangue, você diz? Não me importo. Esta substância irritante deve vazar sem que uma única gota reste! Não entende vendo isso? Está podre, é podre! Meu sangue —— a linhagem Katjvanmaninik —— foi corrompido há muito tempo!”
Enquanto lutava com ainda mais força, Sua Alteza, a Princesa, gritava coisas incompreensíveis. Ikuta observava sua condição com um rosto sério, contudo em pouco tempo, enquanto soltava um leve suspiro, ele puxou com força o braço da princesa para si, e sem dizer uma palavra pressionou os lábios no ferimento em seu dedo.
“O qu...”
Até Sua Alteza, a Princesa, parou de lutar e congelou. Ikuta chupou grosseiramente o fluido que fluía de seu dedo indicador ferido com a boca até que o sangramento diminuísse, então liberou seus lábios como se nada tivesse acontecido.
“Não sinto isso vendo, nem provando... Princesa, o material chamado sangue é criado e substituído dentro do corpo de forma contínua, entende? Não apodrecerá enquanto estiver dentro de criaturas vivas. Portanto, seja irritante ou qualquer outra coisa, sua maneira de dizer não é científica.”
“Não é... Cien...?”
“É um neologismo dos intelectuais. Em suma, é uma maneira de pensar incômoda e irracional que é amplamente inútil. Não precisa querer nem aderir a isso; você deve pensar de forma mais simples e ver a verdadeira natureza de tudo. Por enquanto, você quer voltar para o Império, não é?”
À pergunta, a princesa devolveu um aceno reflexivo. Ikuta ergueu os lábios em um sorriso.
“Se for esse o caso, só deve pensar em como permanecer viva. Quando distribui energia para coisas desnecessárias, seus problemas só aumentam. Além do mais, princesa, pode ter esquecido, mas quando o navio afundou, eu mesmo estive lutando para salvá-la... Não digo que foi nada como um trabalho absurdo, porém se acabar se tornando um fardo e eu estiver infeliz, sentirei apenas ódio pelo esforço desperdiçado.”
As mãos de Ikuta seguraram sua pequena mão direita entre elas. O mesmo calor de antes atingiu a princesa em sua pele.
“Então, por favor, trate sua vida com cuidado. Mesmo uma pequena ferida pode se converter em uma doença grave como o tétano, sabe.”
“... Solork. Então você não me odeia?”
“Não, não acho que tenha nada em contra com relação a Sua Alteza, pessoalmente. Sobre o que houve antes... Bem, foi algo como uma explosão infantil de raiva minha. Se não for tarde demais agora, peço desculpas. Isso foi imperdoável.”
Curvando o rosto rapidamente, Ikuta soltou a mão da princesa enquanto voltava para a caverna e disse.
“Vou buscar Haro.”
Observando suas costas com o rosto atordoado, a princesa olhou para o dedo indicador de sua mão direita, consciente da sensação dos lábios ressecados que ali permaneceram por um breve momento.
“... Yatori. Ikuta Solork, afinal, que tipo de homem ele é...?”
À pergunta de Sua Alteza, Chamille, Yatori, depois de muito pensar, respondeu com clareza apesar de dar uma risada sarcástica.
“Ele é um homem retorcido... No entanto, Sua Alteza, não se pode construir uma casa apenas com troncos retos.”
Depois de tudo, Sua Alteza, Chamille e Yatori retornam à caverna. Com o som de sapatos pisando na terra úmida ecoando na escuridão, Ikuta inesperadamente vagou de volta na frente dos cadáveres que jaziam imóveis.
“——Desculpe por isto. Mesmo no que diz respeito às ofertas, é tudo o que tenho.”
Deixando essas palavras, Ikuta alinhou carne de javali defumada e polpa de caju na frente dos cadáveres. Quando acabou, ele fez Kusu acender uma lanterna perto dos soldados de Kioka em repouso e saiu olhando cada uma de suas etiquetas.
“Soldado Nihad Hyu da Unidade de Guerra Aérea, Soldado Irik Bahuzah da Unidade de Guerra Aérea, Sargento Hadiakka Ogholee. Com certeza me lembrarei de seus nomes... Nnn, acho que Irik era um tanto bonito. Isso não foi legal da nossa parte.”
Olhando para seu rosto, que havia sido irreconhecivelmente destruído por uma bala, Ikuta deu um leve suspiro. Enquanto olhava para o perfil de seu rosto, Kusu inseriu algumas palavras.
“Foi um ato justificado de legítima defesa. Ikuta, por favor, não desanime.”
“Obrigado, Kusu. Claro que foi uma ação justificada. Talvez, para eles também.”
Por um longo tempo depois disso, Ikuta ficou quieto, olhando para os cadáveres. Pois sabiam que eles, sem salvar as almas dos mortos, estavam apenas confortando seus próprios corações.
Em pouco tempo, o céu noturno começou a ficar claro, e Ikuta, sem dizer uma palavra o tempo todo, virou-se e voltou para a caverna. No final, não conseguiu expressar as palavras que estava refletindo o tempo todo do começo ao fim.
No dia seguinte, ao qual recebeu enquanto estava privado de sono, Ikuta trouxe todos os seus aliados para a praia ao longo do centro da floresta tropical. Depois de caminharem por quase uma hora, quando estavam suando sob a roupa, por fim chegaram ao local de destino.
“Aqui está. Se estamos aqui, não podemos ser vistos da fronteira, e mesmo que saiamos para a areia, acho que não há problema.”
Incentivados por Ikuta, os demais saíram de dentro da floresta e foram ao sol pela primeira vez em um tempo, arregalando os olhos para a grande silhueta que estava lá.
Um domo inflado em uma grande esfera, e uma pequena cesta destinada a ser instalada embaixo dela com o objetivo de abarcar uma tripulação. Visto de perto, era muito maior do que se dizia e, se as coisas não corressem bem, pareceria mais um monstro do que um meio de transporte.
“Waah —— então isso é um dirigível...?”
Haro, com os olhos brilhando de curiosidade, rapidamente se aproximou.
Ikuta deu um aviso a Yatori, Torway e Matthew, as três pessoas que seguiam atrás.
“Hey, está proibido fogo perto do dirigível. Shia deveria saber, então acho que está tudo bem, mas certifique-se de não produzir faíscas batendo suas espadas ou rifles de ar juntos.”
Eles pareciam entender o motivo da ‘proibição de fogo’, porém de qualquer forma, ficando cautelosos, pararam a meio caminho do dirigível. Espiando dentro da cesta, Haro inclinou a cabeça para o que estava dentro.
“Isso é um espírito do fogo? Aquele e os outros três cujas almas recolhemos...”
“Ahh. Quando viemos para uma inspeção preliminar antes do amanhecer, já que ele estava no dirigível, desconectamos sua pedra da alma e o transformamos em nosso prisioneiro. Estávamos nervosos porque achamos que seu parceiro humano poderia estar por perto, no entanto não parecia que isso possível devido ao que Ikuta disse...”
“Além da tripulação e deste espírito, mais três espíritos do fogo são necessários para um dirigível, meu amigo Matthew.”
Alguns olharam surpresos para Ikuta, que deu uma explicação plausível, e outros, com dúvida.
“Do jeito que disse, Ik-kun, você conhece a mecânica de um dirigível...?”
“Incrível —— onde aprendeu isso? Com certeza não é feito com a Igreja de Aldera... Ah...”
Lembrando que Sua Alteza, a Princesa, estava bem perto, Haro entrou em pânico e calou a boca. A própria pessoa balançou a cabeça com um olhar inocente.
“Não sou padre, e este é um momento de emergência para todas as nossas vidas. Contanto que não vá muito longe, pode desconsiderar os princípios da Igreja de Aldera. Se necessário, por favor, faça o seu melhor.”
“Se até Sua Alteza está dizendo, então, Ikuta, não se segure e nos diga... Em primeiro lugar, como algo como um dirigível flutua no céu? É porque está inflado e cheio de ar? Se for, sapos ou baiacus também não deveriam poder voar?”
Quando Matthew discutiu suas especulações ingênuas, Ikuta assentiu sonolento enquanto coçava a cabeça.
“Se estão curiosos a respeito, não tenho escolha, então... Vou explicar a mecânica de forma simples... Responda isso primeiro, meu amigo Matthew. Você já foi nadar no oceano?”
“Claro que fui. Também não sou ruim nadando.”
“Eu sei, ser capaz de se mover relativamente rápido considerando seu físico é um dos seus pontos fortes. Agora que estabelecemos que, sempre que você nada, como seu corpo flutua na água? Existe algum tipo de truque?”
“Um truque... Se estiver apenas flutuando, suponho que seja não gastar energia atoa e manter muito ar em seu peito.”
“Exato, se armazenar o ar na água, consegue flutuar, não é? Essa razão é simples, porque o ar é muito mais leve que a água. As ‘bolhas’ que cospe da boca dentro da água vão direto para a superfície da água, não? O mecanismo de um dirigível flutuando no céu é exatamente o mesmo. Resumindo, você está apenas fazendo isso no ar.”
“No ar...? Mas, a coisa que está inflando o dirigível é o ar, não é?”
“É verdade, contudo há muitos tipos de ar, Matthew. Hmm, vamos mudar um pouco nossa comparação? Então, Haro, não se sente mais refrescada quando se deita em um dia quente?”
“Ah... Sim, me sinto. Muitas vezes eu tirava cochilos à tarde junto com meus irmãos mais novos.”
“Obrigado por esse episódio emocionante. É assim mesmo, você fica mais frio quando está dormindo do que quando está em pé porque o ar quente sobe para o topo e o ar frio desce para a parte inferior. Então, quero que relaxem suas mentes e façam um exercício mental —— colocando em outras palavras, isso não significa que o ‘ar quente é mais leve que ar frio’?”
As primeiras coisas depois dessas palavras, como se algo tivesse clicado em sua mente, Torway bateu palmas.
“Entendo, entendi, Ik-kun! Em outras palavras, o ar dentro da cúpula, ou dirigível, é aquecido pelas chamas de um espírito do fogo, tornando toda a fuselagem mais leve que o ar de fora e flutuando!”
O jovem respondeu alegremente, mas Ikuta virou o polegar para baixo enquanto mostrava a língua.
“Bzzt! Desculpe arruinar esse rosto triunfante, contudo está errado, Ikemen. Bem, ainda que em teoria poderia voar com isso. No entanto, o problema prático é que os espíritos do fogo não podem criar fogo de forma indefinida —— eventualmente ficarão sem fogo e, no dia em que carregarem o combustível, ficará muito pesado e não poderá flutuar. O balão de ar quente que está falando é um transporte imaginário por enquanto. Hey! Conseguiram entender?”
“Quando você está falando com Torway, sua atitude se torna bastante franca, não é...? Está tudo bem, então diga-nos a resposta certa.”
Ikuta, advertido por uma Yatori de rosto atordoado, assentiu levemente e se virou para ela.
“Oook. Como Shia também está aqui, será mais rápido com um show prático. Vamos ver... Alguém tem um lenço de seda ou algo assim? Seria melhor se fosse o mais fino e com textura fina possível.”
Ikuta não perdeu os movimentos de Sua Alteza, a Princesa, que agarrou por reflexo o bolso no momento em que perguntou.
“Ah, princesa. Parece que você tem algo que se encaixa na descrição.”
“V-Você não pode tomá-lo! Encontre outra coisa!”
“Você é muito cruel, não é? Mesmo que antes tenha dito: ‘. Se necessário, por favor, faça o seu melhor’.”
A princesa, cutucada em um lugar doloroso, interrompeu suas palavras de rejeição. Ikuta já sabia como lidar com ela. Como parte da Família Imperial, era a rara força de seu senso de responsabilidade a virtude de Sua Alteza, Chamille, bem como sua fraqueza.
“Embora, para elaborar um plano que funcione deste ponto adiante, esta é uma explicação muito importante... Não vai me deixar tê-lo, não importa o quê?”
Ao ser questionada de novo dessa maneira, a princesa, sentindo que tinha uma obrigação, não pôde continuar balançando a cabeça horizontalmente. Ikuta pegou o lenço que a jovem tirou do bolso com a mão trêmula.
“Sou grato por sua gentileza... Ahh, este é um bom tecido. Voltarei depois de molhá-lo um pouco.”
Quando Ikuta confirmou que o pano atendia às suas necessidades, correu para a beira da água e mergulhou o lenço na água do mar. Trazendo-o de volta sem torcer a umidade, ele envolveu a mão direita do espírito do fogo, Shia, que Yatori estava abraçando, com o pano pingando.
“Haro, deixe Shia beber um pouco de água da ‘bica d'água’ de Miru para mim. Yatori, se lembra disso, não é?”
“Sim. Coloquei minhas mãos diretamente acima de sua ‘câmara de fogo’, não coloquei?”
Quando Shia bebeu cerca de uma taça de água, enquanto colocava a palma da mão na mão direita dela, Yatori deu uma ordem.
“Shia, acenda uma chama em sua mão direita. Um minuto será suficiente.”
Shia balançou a cabeça e recusou seu comando. Foi porque ela não podia infligir uma queimadura a sua mestra.
“Não pode acender? Não vai funcionar desse jeito, por favor, faça o máximo que puder.”
Quando Yatori modificou e repetiu sua ordem, depois de um tempo, o som sibilante do ar escapando do lenço que cobria a mão direita de Shia começou a ser ouvido. Depois disso, o lenço que cobria a mão do espírito do fogo subiu gradualmente com a pressão interna.
“Tudo bem, parece bom.”
Escolhendo um momento adequado, Ikuta tirou do bolso do peito um barbante destinado a costurar e juntou-o com a parte de baixo do lenço inflado. Fazendo isso, ele então soltou a pequena cúpula de pano que prende o gás dentro da mão de Shia e mostrou a todos.
“Por favor, observe com cuidado, já que é apenas por um momento. E vai!”
A mão de Ikuta soltou o lenço inflado em uma baixa altura, não cedendo à gravidade, pelo contrário, este subiu para o céu. Quando vozes surpresas se ergueram, ele pegou o lenço que escapava para o céu com as duas mãos.
“Um dirigível a gás flutuante dependente do ar leve que os espíritos do fogo produzem quando bebem água, como quando fiz com esse truque —— mais conhecido como ‘ar ascendente’. Esse é o princípio por trás do dirigível da República de Kioka. Aliás, se aplicar fogo no ‘ar ascendente’, ele explode. Esse é um tipo de fogo chamado ‘fogo-fátuo’ que aprende no Departamento Espiritual de Teologia de Aldera. Os cidadãos imperiais não fazem nada além de olhar para o fenômeno chamado ‘fogo’, mas também devem se voltar para o gás que atua como sua fonte, não?”
As sobrancelhas bem desenhadas de Torway se ergueram muito com o impacto da coisa que ocorreu na frente de seus olhos.
“Isso é incrível, Ik-kun... Eu também sabia sobre ‘fogo-fátuo’, porém não ouvi nada, exceto que era fogo inútil que não fazia nada além de explodir ferozmente. Pensar que tinha uma função tão inovadora...”
“Isso porque o ‘ar ascendente’ só mostra seu valor real quando o usa em grandes quantidades. Sob condições normais, é difícil de usar, mesmo que o queime.”
“É bem estranho... Por que não falam sobre ‘ar ascendente’ na aula mesmo que ensinem sobre ‘fogo-fátuo’? É porque a construção de um dirigível é proibida?”
Yatori respondeu gentilmente à pergunta de Matthew, que estava cheia de descontentamento.
“Você inverteu a causa e o efeito, Matthew. É porque o ar ascendente só pode ser obtido dessa maneira que a Igreja de Aldera proibiu a construção de dirigíveis. Embora eu ache que você entende desde que viu o truque mais cedo —— desta vez ‘fiz Shia produzir’ algo que normalmente não seria capaz de fazer ela produzir.”
“Hã? Ela não faria isso para você normalmente se pedisse?”
“Claro que não. Mesmo se ordenar algo como ‘produza ar ascendente’ ou ‘produza a fonte do fogo-fátuo’, um espírito do fogo nunca produziria a mesma coisa. Essa coisa chamada ‘ar ascendente’ não é mais do que um subproduto dos esforços de Shia para não me queimar se ela puder evitar e, de alguma forma, produzindo o ‘fogo-fátuo’.”
“... Entendo. Significa que não dá para obtê-lo sem ‘enganar seu espírito’. Eu não entendo isso. Considerando que o ser humano obtenha isso, não é a verdadeira intenção para um espírito nem para o Deus Supremo, o que seria um argumento razoável do ponto de vista da Igreja de Aldera que orienta a todos...”
“Embora, em relação à proibição de dirigíveis, haja também a razão separada de se engajar em ‘comportamento insolente, como subir aos céus com um corpo humano, ou tentar se aproximar do Deus Supremo dos Céus sem reconhecer seu lugar’. Bem, seja qual for o caso...”
“É igualmente ‘não científico’, como você disse, Solork.”
Sua Alteza, Chamille, fazendo beicinho, pegou suas próximas falas mais cedo. Enquanto dava de ombros, Ikuta desamarrou a corda que prendia o lenço emprestado como se tivesse acabado de se lembrar.
“Não, não, eu não pensaria essas coisas desrespeitosas nem em um sonho.”
Sua Alteza, a Princesa, agarrou o lenço, que Ikuta inocentemente tentou tocar na testa, com uma expressão desesperada. Quando se lembrou como o tinha usado na noite passada, ela estava prestes a emitir chamas de seu rosto apenas por tê-lo segurado por outra pessoa.
Ao dar um sorriso completamente desenfreado para a princesa —— que estava o encarava de forma ameaçadora —— Ikuta retomou seu discurso.
“Bem, então, fugimos um pouco do assunto. Já que meu ponto era como usar este dirigível.”
“Não podemos todos montá-lo e cruzar a fronteira? É apertado, contudo se de alguma forma nos forçarmos...”
“Muito desafiador, meu amigo Matthew. No entanto, sinto dizer, porém o limite de passageiros é de três pessoas. Bem, Sua Alteza, Chamille, é pequena, e se as três garotas e o velho eu magrelo embarcarem juntos, talvez mal consigamos ir com quatro pessoas. Embora, pelo contrário, se Matthew e Torway embarcarem, estará em plena capacidade apenas com isso.”
“Além do mais, a direção do vento é um problema, não é? Como o dirigível não tem propulsão própria, o movimento depende por completo do vento. Assim como um veleiro, para ler e pegar o vento, é preciso habilidade e familiaridade com o terreno. Os soldados de Kioka que praticaram aqui são os únicos que o podem fazer. Não podemos compensar o conhecimento e a experiência.”
Yatori adicionou, e Matthew e Haro gemeram com caras carrancudas. Era um problema bastante difícil. O dirigível deixado para trás pelos soldados de Kioka não parecia ser um ‘presente da providência’ suficiente para eles ficarem calmos.
Entretanto, Ikuta balançou a cabeça de uma maneira bastante casual.
“Não, não é nada para ficar tão desapontado. Já que, felizmente, sobra bastante gás dentro da cúpula. Uma vez que Shia o reabasteça um pouco e libere o lastro, podemos pelo menos flutuar o dirigível.”
“Mas o que você vai fazer quando estiver flutuando...? Se não podemos avançar na direção desejada, então não tem sentido...”
Ikuta deu um sorriso aparentemente mesquinho para Sua Alteza, a Princesa, que estava acumulando rugas na testa.
“Princesa, em tempos como este você muda sua perspectiva. Se não podemos usá-lo como transporte, devemos pensar em outra maneira de usá-lo. É como o vestido de uma dama, sendo adaptado para servir a qualquer medida.”
Haro e Matthew inclinaram a cabeça de lado, e Torway foi o mais rápido a adivinhar a intenção de Ikuta.
“Entendo... Este dirigível em si pode ser material para uma troca com o Exército de Kioka?”
“Desta vez você acertou, Ikemen. O dirigível, que foi responsável por determinar sua superioridade nesta guerra, tem um alto custo de fabricação e, para o Exército de Kioka, cada aeronave é um tesouro precioso. Eles não vão largar um tão facilmente. Claro, não espero que seja igual a algo como os corpos de seis meros refugiados.”
“Então é um refém não convencional... Porém, ainda há um problema. Como planeja levar nossos oponentes à mesa de negociação? Mesmo que os ameace com algo como ‘se não aceitar nossas demandas, nós o destruiremos’, os dirigíveis, ao contrário dos humanos, não andarão. Não há como cruzar a fronteira enquanto o empurramos com um rifle de ar nas nossas costas e devolvê-lo quando chegarmos ao outro lado.”
“De fato. O Exército de Kioka pode desconfiar de nós por tentarmos trocar um dirigível pela nossa passagem para o lado do Império. Seja como for, já que não seria só um comportamento de refugiado, é inevitável que suspeitem de sermos espiões. Deveria provavelmente ser uma negociação envolvendo o comandante dos guardas da fronteira. Se ele vir através da nossa identidade nesse momento —— mesmo que percam um único dirigível —— podemos ser aqueles a apresentar uma refém bastante valiosa do nosso lado...”
No entanto, o sorriso de Ikuta não vacilou nem um pouco com as objeções de Yatori e Sua Alteza, a princesa.
“Isso pode acontecer se as negociações se arrastarem... Contudo não pretendo que envolvam seus superiores. Estou mirando oficiais de classe inferior como o líder de esquadrão ou comandante de pelotão. Também pretendo preparar alguns truques baratos do nosso lado para que não possam exercer seu próprio julgamento.”
Os olhares de seus companheiros indagavam em silêncio sobre o ‘esquema’. Ikuta enfiou a mão no bolso da calça e tirou a etiqueta que tomou do infeliz soldado de Kioka da batalha da noite anterior.
“Primeiro, como os uniformes do Exército de Kioka são de uma cor verde escura, se lavar as manchas de sangue, ficarão imperceptíveis. Segundo, o falecido dono desta etiqueta não é tão diferente de mim em idade e físico. E terceiro —— acho que Yatori já sabe desse, será minha piada de marca registrada quando entretenho mulheres, a série ‘atuando como um cidadão de Kioka’.”
Os olhos de todos aos poucos adquiriram a cor da compreensão. Ikuta observou-os até ficar satisfeito, então falou.
“Espero que funcione. Ainda que esse tipo de atuação seja um êxito com alguém desse grupo, não quero pensar que não me dirijo ao público adequado.”
Incumbido da posição de comandante do 67º Pelotão da Unidade de Defesa da Fronteira Ocidental do Exército de Kioka ao longo da costa, o segundo tenente Nejif Halrum não era exatamente um grande comandante dotado de talento, porém havia uma reputação estabelecida na confiabilidade de sua ética de trabalho. Seu senso de dever, compreendendo sua posição como suboficial e cumprindo a tarefa que lhe foi dada sem deficiência nem excesso, sendo valorizado por seus oficiais superiores.
Guardar a fronteira exigia paciência. E, no entanto —— porque a oportunidade de realizar uma ação ou serviço brilhante era quase inexistente —— era ainda mais uma tarefa que pessoas talentosas ou ambiciosas não estavam inclinadas a assumir. Durante todo o dia, enquanto continuavam a trocar olhares com o Exército Imperial que montou acampamento no lado oposto da fronteira, também havia a necessidade de direcionar sua consciência para o oceano para que não pudessem dar a volta de barco.
Bem, eles terminaram apenas enviando o sinal de luz ‘sem anormalidades’ para seu oficial superior, no geral, três vezes ao dia. Eles davam o máximo de comida que podiam aos refugiados que cruzavam a fronteira e, a cada semana, ajudavam a enviá-los para a aldeia na retaguarda. Era um motivo de aborrecimento que seus números aumentassem a cada dia.
“Já é hora do pôr do sol. O soldado Romari da Correspondência solicita um relatório do Comandante do Esquadrão.”
Mesmo quando davam ordens aos soldados da Correspondência, não precisavam mencionar cada detalhe. Nada aconteceu hoje que merecesse um relatório. Seus parceiros de palco também estavam plenamente conscientes disso.
“Meu Deus, então hoje também amanheceu e anoiteceu sem nada...”
Parece que ele esqueceu que estamos em guerra —— pensou Nejif enquanto o observava partir. A razão é que o Império não havia conduzido uma invasão em larga escala na República nem uma vez desde o início da guerra. Como resultado da atividade da Unidade de Guerra Aérea, a progressão da guerra de forma consistente e unilateral mudou a seu favor. Como pessoal que foi separado como preparação para o ataque, o trabalho de Nejif e dos outros praticamente não era diferente do que se estivessem em condições de tempo de paz.
“Se for assim até o fim, é bom por terminarmos sem que nossos aliados morram, mas... O Império não tem intenção de travar uma guerra a sério?”
Era óbvio para Nejif. Para o Império, que não tinha como combater prontamente os soldados da Unidade de Guerra Aérea, atacar era a única maneira de ter algum sucesso nesta guerra. Se estão apenas se exaurindo ao continuar mantendo a defensiva, por que não implementar um plano de ataque? Ainda que fosse algo que até uma criança entenderia —— como seu inimigo, ele estava ficando frustrado.
“Segundo Tenente, há tropas amigas na retaguarda!”
As coisas que preocupavam o oficial de baixo escalão —— suas meditações fúteis —— foram interrompidas pela atualização de seu oficial subordinado correndo para a tenda. Enquanto pensava se ele tinha um compromisso para uma visita de algum tipo, Nejif se levantou da cadeira.
“Isso não é repentino? De qual unidade são? Não temos os preparativos para recebê-los, mas...”
“A afiliação deles não é clara, no entanto são um número pequeno. Porém, mesmo à distância, é uma formação estranha...”
Havia perplexidade no rosto de seu subordinado. Nejif, decidindo agora ver por si mesmo, saiu da tenda.
As tropas amigas inesperadas estavam se aproximando, uma a uma, de uma distância onde já podia discernir seus rostos. Havia um soldado da República, dois homens —— um gorducho e o outro alto —— vestidos com roupas levemente sujas e, além desses, três jovens do sexo feminino.
“... Uma entrega de refugiados?”
Era comum que soldados designados para a missão de patrulhamento encontrassem e capturassem refugiados e depois levassem essas pessoas para a Unidade de Defesa de Fronteiras. Embora fosse um caso raro que os refugiados fossem ainda maiores do que os soldados.
“Pare aí! Soldado na frente, revele sua unidade afiliada e nome completo!”
Determinando que seus visitantes haviam chegado a uma distância que sua voz poderia alcançar, Nejif os comandou em voz alta. Ao ouvi-lo, o soldado endireitou a coluna e curvou-se, depois começou a falar em um ritmo rápido do qual se podia sentir um leve pânico.
“Sou um membro do Sétimo Batalhão Independente do Exército da República, a bordo do dirigível 24, Soldado Nihad Hyu da Unidade de Guerra Aérea! Peço desculpas por não seguir o protocolo, contudo gostaria de pedir uma audiência com seu comandante o mais rápido possível!”
“Soldado da Unidade de Guerra Aérea Nihad? Sou o segundo tenente Nejif Halrum, comandante do 67º Pelotão da Unidade de Defesa da Fronteira Ocidental do Exército de Kioka, mas por que você está com tanta pressa? Primeiro, se estiver em uma missão de patrulha, deve se mover em grupos de três por esquadrão. O que aconteceu com os outros dois?”
Quando a resposta veio em seguida, o jovem soldado que se apresentou como Nihad —— um Ikuta Solork disfarçado —— mostrou um rosto pálido que não parecia uma encenação.
“Devido a certas circunstâncias eles não estão aqui. De qualquer forma, como não há tempo, vou dar uma breve explicação. Por favor, olhe para o céu oriental. Vê o dirigível está flutuando lá?”
Ao ouvi-lo, Nejif também notou a silhueta redonda flutuando no céu do pôr do sol. Como não era estranho que os dirigíveis voassem para as proximidades da fronteira pela parte traseira, não estava particularmente ciente disso até agora, contudo...
“Está voando a uma altitude bem baixa, não é? O que está fazendo? E uma vez que o sol se ponha o pouso também se tornará bastante difícil...”
“Mesmo que queira pousar, não conseguirá. Os que estão a bordo daquele dirigível agora não são meus companheiros, são os aliados dessas pessoas.”
Nihad apontou para as pessoas que trouxe. Nejif ergueu as sobrancelhas sem pensar.
“... O que você disse?”
“Essas pessoas são refugiados que vieram do Império. No dia da tempestade de antes. parece que chegaram à República em um pequeno barco. Como estávamos designados para uma missão de patrulhamento, desembarcamos nesta vizinhança temporariamente, já que a noite estava se aproximando, porém encontramos essas pessoas na floresta ao longo da costa.”
“Hmm... E então?”
“A partir daqui a história fica complicada... No momento em que os encontramos, quando disparamos um tiro de um rifle de ar para intimidá-los, o bando assustado começou a fugir de uma só vez. Perseguindo-os, conseguimos capturar um por um, mas infelizmente, a direção para onde escaparam foi o local onde deixamos o dirigível e...”
Ele parecia ter ficado em silêncio de vergonha, e Nejif adivinhou toda a situação.
“... Foi roubado! Você sofreu uma derrota embaraçosa nas mãos dos refugiados e perdeu o precioso dirigível do Exército da República!”
“Não tenho desculpas. Não teria nenhuma objeção em ser despedaçado no Tribunal Público por isso.”
Na abertura, quando a emoção da surpresa superou a suspeita dentro de Nejif, Ikuta misturou seus truques baratos.
O ‘Tribunal Público’ era o nome popular do Poder Judiciário da República de Kioka, e permitia o comparecimento de cidadãos comuns para preservar a imparcialidade dos arranjos. Por assim dizer, era ‘um lugar onde os pecados das pessoas são julgados abertamente com o público —— soberano da nação —— observando com atenção’, mas por outro lado, os cidadãos da república, em especial funcionários do governo e soldados, cargos que recebem salários dos impostos, seguem o clichê onde refletem e contemplam suas próprias vidas.
No monárquico Império Katjvarna, a frase para lidar com essa situação seria perante Sua Majestade, o Imperador sem sequer uma defesa’, ou ‘relatar humildemente uma falha em um tribunal de lei marcial’. Foi uma pequena diferença que deu origem às variações entre os sistemas de governo e as características de seus cidadãos, contudo se não fosse por essa pequena parte, os humanos considerariam seus parceiros de palco como compatriotas.
“... No entanto, Nejif-dono. Antes disso, você não pode ajudar a aliviar meu crime?”
“Ainda se quisesse, devemos recuperar o dirigível, não importa o quê!”
“É por esse motivo que eu gostaria de receber sua ajuda. Um dos refugiados que roubou aquele dirigível, no curto espaço de tempo em que saíram do chão e flutuaram alto no céu, lançou um acordo para nós.”
“Um acordo...? Quais eram os detalhes?”
“Era, ‘dê muita comida à minha família e aliados, e os leve ao Império sob o pretexto de retornar prisioneiros de guerra. Assim que ver que suas seis figuras cruzaram a fronteira no meio do caminho, vou baixar o dirigível’.”
A expressão de Nejif se distorceu com aborrecimento, e sua boca cuspiu palavras improdutivas.
“Ridículo, pensei que estivessem abandonando sua terra natal. Eles acham que o Império agora os iria recebe calorosamente quando o abandonaram e voltaram correndo? Render-se a nós e se tornar cidadãos da República é de longe a escolha mais sábia.”
“É o que penso também, porém não há como persuadir as próprias pessoas disso agora. Por outro lado, já que estão aterrorizados e roubaram nosso dirigível, devem estar em um estado de espírito em que não responderão às nossas tentativas. Quando os conhecemos, se os tivéssemos recebido de forma pacífica sem intimidá-los, então poderia ser uma história diferente, contudo...”
“Isso mesmo”, Nejif parecia prestes a gritar. Não importa se eram refugiados que abandonaram o Império, é provável que seus corações estivessem vacilando no espaço entre sua terra natal e esta nova. Se uma arma ou algo assim fosse disparada de repente no meio, não é impossível que eles acabem pensando que Kioka não tinha intenção de recebê-los.
“Ainda que uma ordem para dar aos refugiados uma recepção calorosa tenha sido dada, você fez uma coisa muito impensada... Não, não vou começar a culpar apenas você, soldado da Unidade de Guerra Aérea Nihad. Mais importante, e os outros dois? Na formação da Unidade de Guerra Aérea, um sargento não deveria estar incluído?”
Era lógico que a pessoa de patente mais alta viria ao seu encontro —— Nejif estava implicitamente o reprovando. Sob uma falsa expressão de pânico, Ikuta estava de fato nervoso. Porque se poderia ou não manipular essa parte decidiria o sucesso ou o fracasso do esquema.
“Houve circunstâncias... Meus aliados estão seguindo um caminho diferente do meu, e agora estão seguindo de baixo o dirigível. As pessoas que estão agora a bordo são amadores, então não é impossível que em algum momento por algum motivo afundem no chão, ou até mesmo sejam pegos no vento e carregados para o lado do Império. Tivemos que deixar algumas mãos para proteger ou destruir a fuselagem se viesse a ocorrer. No mínimo, duas pessoas são necessárias para protegê-lo, e quando se trata da decisão de destruí-lo, aquele que tem a pesada responsabilidade dessa decisão, seria ninguém além do líder do esquadrão...”
Faltaram palavras de reprovação para Nejif. Sem dúvida, se isso significasse entregá-lo às mãos do inimigo, teriam que destruí-lo. Talvez porque não havia muito gás no interior porque foi roubado logo após o pouso, o dirigível estava agora apenas vagando ao alcance de um rifle de ar. Se fosse esse o caso, talvez fosse possível derrubá-lo.
No entanto, como era um dirigível, derrubá-lo com um rifle de ar veio com a possibilidade de um desastre —— o dirigível explodindo e se espalhando —— o que não podiam ignorar. Se acontecesse, a morte dos que estavam a bordo era certa, e os soldados de Kioka também teriam perdido um precioso dirigível em sua totalidade. Precisavam evitá-lo na medida do possível. Foi agora que Nejif entendeu o que estava enfrentando.
“Não me diga, soldado Nihad... Planeja ceder às ameaças e fazer com que os refugiados passem para o lado do Império? Não, o fato é que está inferindo essa responsabilidade para mim?”
“Estou envergonhado, mas é tal como adivinhou...”
“Ridículo. Como se eu pudesse me envolver nesse tipo de conduta por vontade própria! Em primeiro lugar, não tenho autoridade! Minha missão é me livrar de pessoas que tentam cruzar a fronteira sem permissão —— não posso transportar pessoas que já estão dentro da fronteira para o outro lado!”
“Estou ciente, contudo, por favor, considere com cuidado. Os culpados pelo fracasso não se restringem apenas a nós. Esses refugiados vieram para cá atravessando o oceano sob a jurisdição do tenente Nejif.”
Com essas palavras, Nejif arregalou os olhos em choque... Estava correto. Ele não havia feito nada além de criticá-lo, porém quando o viu dessa perspectiva, não foi também seu próprio erro? Mesmo tendo os dado a ordem de receber os refugiados calorosamente não significava que se deveria deixá-los passar pela fronteira sem detê-los. É claro, para incitar um cidadão do Império a fugir, criaram intencionalmente várias brechas na defesa na linha de fronteira. Todavia, essas pessoas não tinham atravessado por essas brechas.
Ikuta viu o coração de Nejif oscilando entre responsabilidade e autopreservação, estava sob seu poder. Como alguém com um forte senso de responsabilidade, não estava correndo para uma solução simples de autopreservação, porém mesmo assim, Nejif possuía esse tipo de caráter.
O jovem podia discernir isso. Na arte da guerra, deve-se criar uma rota de fuga para um inimigo empurrado para a parede.
“... Tenente Nejif. Se me permite expressar meus próprios pensamentos, devemos fazer da recuperação do dirigível nossa maior prioridade. O crime de enviar refugiados de volta, o crime de perder um dirigível. Quando os compara, o que o Tenente deve escolher é aquele que resulta em menores perdas para a República, não é?”
O lado astuto de Ikuta estava em fazer coexistir a conquista da autopreservação e da responsabilidade. Ele o deixou digerir que a deportação de refugiados, ou abuso de autoridade, era um problema pequeno em comparação ao grande negócio de recuperar o dirigível. Essa autopreservação acabou por ser nada mais do que uma consequência dessa ação. Para torcer o caráter de uma pessoa firme, esse tipo de cenário é muito eficaz.
“... N-Não posso tomar a decisão sozinho. Entrarei em contato com o comandante da companhia por meio de sinal luminoso, então, por enquanto, apenas...”
“Por favor, pare com as piadas! Retransmitir essas circunstâncias por sinal de luz exigiria muito tempo e esforço, e você acha que esse dirigível permanecerá nos céus de Kioka até que termine de falar com seu superior? Se me permite dizer como uma pessoa alinhada como o mais baixo dos soldados da Unidade Guerra de Aérea, a possibilidade de que o vento no céu comece a soprar em direção ao oceano a partir de agora é forte. Se acontecer, já que o dirigível pode descer até o mar aberto, não teremos escolha a não ser derrubá-lo. De qualquer forma, um armamento precioso será perdido de nossas mãos!”
Por suposto, Ikuta não tinha intenção de deixá-lo se comunicar com seu superior nem conceder tempo pensar com calma a respeito. Esse esquema, se a pessoa estivesse calma, tinha vários buracos a serem encontrados. Mais importante do que qualquer coisa era roubar seu tempo para tomar uma decisão. Ele teve que fazê-lo acreditar que o plano que propôs era ‘a única coisa que poderiam fazer’.
“U-Uma vez que levemos essas pessoas, há uma garantia de que aquele dirigível descerá? Do ponto de vista daqueles a bordo, não seria retornar no meio de seus inimigos uma missão suicida?”
“Não, eles com certeza vão descer... Tenente, já esteve a bordo de um dirigível?”
“Bem, não, mas...”
“Então é provável que não saiba como é solitário embarcar nisso e flutuar no céu. As pessoas por natureza são criaturas que vivem com os pés plantados no chão. Desafiar tal coisa e subir ao céu requer imensa coragem. Durante o treino, até fui tomado pela sensação de que meu corpo estava paralisado. Naquela época, havia apenas uma coisa que conseguia pensar... Eu quero voltar ao chão, mesmo que um segundo antes, só isso. Não havia espaço para se preocupar com mais nada.”
“M-Mas eles não estão fazendo isso justo agora e aguentando?”
“Se a vida da família e dos amigos estiver em risco, até o medo pode ser superado pelo desespero. Porém no exato momento em que a corda tensionada for cortada, perceberão o fato de que estão no céu sem ninguém para quem recorrer.”
O raciocínio que Ikuta usou para persuasão foi, é claro, pura improvisação, contudo para Nejif que o ouviu, ecoou fortemente como uma experiência da qual apenas ‘alguém que conhece o céu’ poderia falar. Mesmo as cinco pessoas se passando por refugiados e espionando a situação não poderiam deixar de se surpreender com sua habilidade de atuação.
A autoridade desapareceu da objeção de Nejif. Com isto, Ikuta sabia que havia superado a parte difícil da negociação.
“... Ainda se levarmos essas pessoas para o lado do Império, já é quase noite. Conseguiram ver do dirigível?”
“Não sei. No entanto, na verdade é mais conveniente sob a escuridão mais espessa, e há um espírito da luz entre eles. Assim que cruzarmos a metade do caminho até a fronteira, se enviarmos um sinal de luz estilo imperial, a comunicação com o dirigível pode ser possível. Ou seja, é necessário alguém para fazê-los enviar, então devo ser eu quem irá junto com eles e meu rifle de ar.”
Como se a responsabilidade fosse sua, Ikuta sugere que acompanhe os refugiados que cruzariam a fronteira. Como era uma ideia espontânea em termos do fluxo da conversa até agora, Nejif não sentiu que havia nada fora de lugar.
“Entendo o que está dizendo. Eu entendo, mas...”
Mas a ansiedade que permaneceu dentro de Nejif foi o último obstáculo que o impediu de balançar a cabeça em autorização. Como comandante da Unidade de Defesa da Fronteira, o risco envolvido em deixar pessoas cujas identidades desconhecia entrar e sair da fronteira o deixava desconfortável.
“Entendo como se sente. Entretanto, por favor, observe com cuidado, segundo tenente Nejif. Essas pessoas parecem espiões ou soldados do império?”
Com isso dito, Nejif reexaminou com atenção as pessoas para quem Ikuta havia apontado. Jovens que provavelmente não eram adultos, sendo três garotas. Por mais incompetente que fosse o Exército Imperial, era impossível para uma Unidade que arriscasse suas vidas e se infiltrasse em terras inimigas ter esse tipo de composição.
“Se ainda tem dúvida, tudo que precisa fazer é inspecionar seus pertences, certo? Não temos margem de manobra para interrogá-los um por um, porém acho que podemos ter tempo para uma revista.”
Essas palavras se tornaram o empurrão final. Nejif juntou rugas em sua testa e após cerca de um minuto de silêncio, virou-se para seus subordinados que haviam se reunido em torno de si por uma coisa ou outra, e por fim enviou ordens com uma expressão amarga.
“Procure os pertences dessas pessoas. Pressa!"
Cinco minutos depois, a inspeção dos pertences terminou sem problemas, e os seis, incluindo Ikuta, se reuniram e cruzaram a fronteira. Os soldados do segundo tenente Nejif dirigiam os olhos vigilantes para suas costas, contudo a distância entre os dois grupos já era bastante grande.
“Bem, foi melhor do que eu esperava. Obrigado a todos, estou aceitando aplausos e doações em dinheiro, você sabe.”
Supostamente os vigiando, Ikuta, personificando o soldado Nihad Hyu do Exército da República da Unidade de Guerra Aérea, fez uma piada pela primeira vez enquanto apontava um rifle de ar —— é claro, um tomado do soldado de Kioka —— para as costas de seus aliados em fila indiana. Yatori deu uma pequena bufada da vanguarda.
Esse foi o plano, colocar para flutuar um dirigível não tripulado e usá-lo para coerção. É difícil dizer desde daqui, mas não havia ninguém a bordo do dirigível em questão. Tudo o que fizeram foi deixar alguns de seus pertences dentro. Ikuta, tanto para negociação quanto para persuasão, inventou um terrorista imaginário impossível e, assim, enganou o segundo tenente Nejif.
“O que os soldados de Kioka mais temem é perder um dirigível. Pensei que se usássemos esse ponto como base, esse método de ameaça serviria bem ao nosso propósito sem precisar apontar uma arma.”
“Ao inventar um terrorista imaginário, você desviou o foco do segundo tenente Nejif de nós, não foi? Como esperado de Ik-kun. Acho que, se fosse uma negociação cara a cara, a outra parte tem sua reputação de comandante e talvez não pudéssemos passar.”
Torway dirigiu um olhar reverente para Ikuta. Na sua frente, Haro também assentiu uma e outra vez.
“Sinto o mesmo. Como era na forma de ‘conselho de um soldado amigo’, também era mais fácil para ele ceder... E, além do mais, sua habilidade de atuação! Aposto que o segundo tenente-san do outro lado provavelmente não suspeitou das palavras de Ikuta até o final. Sério, nem imaginava que você pudesse falar tão fluentemente com um sotaque de Kioka.”
Ikuta, elogiado por seus aliados, ergueu o nariz triunfante. A única pessoa entre o grupo com uma expressão taciturna era Matthew.
“Hmph —— não vou te encher de elogios. Já estava começando a conseguir me acostumar com aquele rifle de ar, sabia?”
“Meu amigo Matthew, por favor, me perdoe por isso. Se estivesse segurando um rifle de ar estilo imperial ou um sabre, então você não pareceria um refugiado inofensivo, certo? É porque os deixamos que conseguimos passar pela inspeção.”
Como essas palavras indicavam, Yatori, Torway, Matthew —— nenhuma das armas que aqueles três carregavam em seus corpos permaneceu. Mesmo os que haviam levado junto do navio afundando. Yatori e Torway apenas não comentaram, mas também guardavam aqueles itens queridos em seus corações.
“Matthew, em vez de suspirar pelas coisas que perdeu, mostre algum apreço pela vida que conseguiu manter. Aliás, não é como se tivéssemos jogado nossas armas fora. Embora, deixamos para o destino se elas vão ou não voltar para nós.”
Yatori acalmou as coisas com indiferença. Em suma, esses foram os objetos que deixaram dentro do dirigível não tripulado. Embora fosse um pequeno consolo, estavam apostando na possibilidade de que o dirigível flutuasse para o lado do Império com a direção do vento.
“Parece que chegamos à zona de controle. Bem, então, Kusu, você enviaria um sinal de rendição ao lado do Império para mim?”
Ao ouvir o pedido de Ikuta, Kusu, que estava dentro da bolsa no quadril de Matthew, pulou no chão. Como era necessário que Ikuta se transformasse em Nihad durante as negociações, os dois trocaram temporariamente de espírito com o outro. É claro que, como não se podia dar ordens a um espírito com o qual não havia sido contratado, o rifle de ar que Ikuta estava mirando antes não era diferente do papel machê.
Enquanto Kusu enviava o sinal de luz, Ikuta de repente se lembrou de algo, e soltou o cano do rifle de ar do torso do espírito do vento Tsuu, que ele havia emprestado de Matthew. De seu ‘túnel de vento’, Ikuta tirou um pequeno anel que havia escondido dentro.
“Princesa, eu devolvo isso para você. Mas, por favor, não deixe cair. A partir daqui, essa é a nossa prova de identidade.”
O anel gravado com o selo do Império foi entregue a proprietária. Falando em Sua Alteza, a Princesa, tanto sua roupa quanto sua pele estavam cobertas de poeira, semelhante ao resto dos atores. No entanto, para que sua beleza não se destacasse, espalharam lama em seu orgulhoso cabelo loiro. Ikuta também estava em um na mesma condição trágica, porém para sua estranheza, a própria pessoa, não dando especialmente uma resposta, apenas olhava para o jovem imóvel com seus dois grandes olhos.
“... Tem algo no meu rosto?”
“... Não. Além do nariz, olhos e boca, nada.”
Ao dar uma resposta sem sentido, a princesa não desviou os olhos dele. Quando Ikuta inclinou a cabeça, Haro, que estava ao lado de Kusu, gritou em voz alta.
“Ahh! Os soldados do Império estão aqui! N-Nós não seremos baleados, certo?”
“Como mal escapamos do território inimigo com nossas vidas, sermos baleados por tropas amigas e perecemos... Não seria nem um pouco engraçado, sabe.”
Todos sentiram um calafrio na espinha com aquela imagem, contudo para sua sorte acabou sendo apenas paranoia. O selo do Império, que Sua Alteza, Chamille, mostrou aos soldados, provou ser mais eficaz do que imaginavam.
Quando o anel foi confirmado como autêntico pelos oficiais militares de alto grau designados para a Defesa da Fronteira, os seis foram levados para dentro do território imperial com excessiva cerimônia. Esta foi a sua fuga do inferno em que tinham descido, mas por uma pequena margem minúscula.
Notas:
1. Dei uma leve adaptada no termo para ficar mais coerente.
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