Capítulo 17: Intermissão — Miyama Kaito ~ Mudando um coração covarde e indeciso ~
Você já foi infeliz em sua vida? Se me perguntar, a única resposta que posso dar é “Não sei”.
Quando começou? Passei a me sentir mais confortável com alegria e tristeza ao mesmo tempo do que apenas sendo feliz... Não penso no que teria acontecido se tivesse feito isso ou aquilo, e cheguei a descartar esses eventos do passado como algo inevitável...
Não sou particularmente rico, nem pobre. Nasci em uma família muito comum e tive uma infância não tão incomum. Lembro-me de brincar muito ao ar livre quando estava no ensino fundamental, e mesmo que não possa dizer que tinha muitos amigos, ainda tinha algumas pessoas que podia chamar de um.
Se eu quiser resumir minha vida, uma folha de papel A4 seria suficiente. É o quão mundano, plano e imutável minha vida é... A única grande coisa que aconteceu comigo foi que ‘meus pais morreram de repente’ quando tinha 12 anos, acredito?
Não é como naqueles dramas de TV em que seus pais sofrem de uma doença incurável nem estão envolvidos em um grande incidente. Há centenas de milhares de acidentes de trânsito por ano só no Japão, e eles foram pegos em um desses...
Estávamos voltando de uma viagem em família quando ocorreu um engavetamento na via expressa por onde passamos. Nosso pequeno carro da família foi espremido entre um automóvel grande e um caminhão, e foi esmagado entre os dois. Meus pais se foram em um instante, enquanto eu sobrevivi por um milagre com apenas um pequeno ferimento e uma laceração da orelha ao pescoço.
Naquele infeliz acidente, tendo sobrevivido milagrosamente... Suponho que signifique que tive sorte. Tive sorte e sobrevivi, enquanto meus pais tiveram azar e morreram.
É assim que as pessoas vivem e morrem no final. Algumas pessoas morrem jovens, não importa como cuidem de sua saúde, enquanto algumas pessoas vivem o suficiente, mesmo quando estão fumando pilhas de cigarros ou bebendo como um peixe.
Nunca pensei na morte de meus pais como sendo irracional, nem pensei em mim como um personagem trágico. Na verdade, os parentes que me acolheram foram bons para mim e não tive queixas do meu dia-a-dia.
No entanto, comecei a pensar nisso com frequência. Pensei que boa e má sorte são como dois lados da mesma moeda... Nem sempre terá sorte em sua vida. Também não existe uma vida repleta de infortúnios. Se tiver a sorte de tê-lo, uma quantidade apropriada de infortúnio também cairá sobre você...
Não há moeda que continue mostrando um lado só. Se eu tiver sorte o suficiente para sobreviver, algum dia vou sacar o outro lado dessa moeda milagrosa? Ou talvez, a morte de meus pais foi na verdade o outro lado dessa moeda?
O que aconteceu quando comecei a pensar assim? Acho que escapei no começo.
Tenho certeza de que os riajuus¹ devem ser pessoas felizes que podem criar uma ampla gama de relacionamentos com amigos, amantes e familiares. Se for esse o caso, no entanto, terão que estar preparados para a mesma quantidade de infelicidade que acontecerá em suas vidas.
Uma vida com apenas felicidade é assustadora. É difícil se sentir seguro quando não há um conjunto de eventos bons e ruins.
Por isso, fugi. Voltei minha atenção para jogos e livros, e me deleitei com minha sensação temporária de realização.
Na faculdade, aprendi a me encaixar no entorno. Aprendi a arte de ser brando, naturalmente distante e sozinho. Não preciso de uma vida dramática. Estou confortável com os dias sendo planos e imutáveis, contente em ser um ator coadjuvante.
Então, quando cheguei ao outro mundo, fiquei aliviado por não ser o Herói nem ter algum tipo de poder especial. Pensei que poderia ser comum aqui também, e tudo ficaria bem...
... Sim, todas essas vezes... Tenho tentado arranjar desculpas para mim mesmo.
“Eu amava meus pais. Realmente amava minha mãe gentil e meu pai maravilhoso.”
... Não é isso.
“Fiquei muito feliz em fazer essa viagem com minha família. Acreditava que teríamos mais momentos como esse no futuro.”
... Não pensei assim.
“Gritei, culpando a Deus, me perguntando por que fui o único que sobreviveu, por que ele não me deixou morrer com meus pais, que eu tanto amava.”
... Não é isso.
“Estou assustado. Tudo o que conseguia pensar é que se eu conhecer alguém, me dar bem com ele e ficar feliz, tenho medo de perder tudo de novo.”
... Também não é isso.
“Não queria ficar sozinho. Queria um amigo. Queria ter uma amante. Tinha inveja de quem tem família. No entanto, estava com muito medo de me aproximar dos outros, então continuei fugindo, desesperadamente inventando desculpas para ficar sozinho.”
... Não pensei assim.
“Tenho medo de perdê-los. Tenho medo de adquirir o que queria. Contudo, não posso desistir e, assim, adquiri o hábito de manter distância dos outros. Mantive uma distância segura deles, certificando-me de dizer apenas as coisas apropriadas, para que as pessoas não me odeiem, nem gostem de mim.”
Não, você está enganado.
“Meu coração ficou preso no acidente daquele dia, e fui deixado quando criança, agachado e tremendo no lugar... Não importa quem seja, quero amá-los. No entanto, não consigo me aproximar deles. Então, por favor, estenda sua mão, me ajude a pegar os pedaços quebrados do que costumava ser meu coração, pois nem eu mesmo me conheço mais.”
Não, você está errado, não é isso!
“Eu tinha grandes esperanças. Quando descobri que fui pego na convocação do Herói, pensei que também poderia ser especial, e se sou alguém especial, alguém estenderia a mão e me ajudaria... Mas no final, mesmo em outro mundo, não seria especial. Sou apenas um solitário sem amigos e conhecidos, e mesmo estando em um mundo diferente, nunca fui capaz de mudar a mim mesmo...”
...
“A verdade é... Eu estava com medo. Um mundo que não entendia, minhas circunstâncias e pessoas que não conhecia... Porém é por isso que fiquei calmo. Tive que me comportar e desesperadamente controlar minha ansiedade. Se pensassem que eu era um adulto patético, Kusunoki-san ou Yuzuki-san poderiam desistir de mim. Se acharem que sou um pé no saco, Lilia-san e Lunamaria-san podem me abandonar.”
...
“Também estou fazendo o meu melhor! Continuo mentindo para mim mesmo, mesmo que esteja me esforçando tanto para parecer bem para os outros! Por que, oh por quê? Por que só eu já tive coisas ruins acontecendo comigo? Nunca pedi para morar em uma residência que deveria ser proibida para homens! Nunca disse nada sobre querer sair no primeiro dia que vim para um mundo diferente! Nunca quis ser convocado pela amada irmã do rei, Lilia-san!”
...
“Só queria que alguém estivesse ao meu lado... Só queria alguém que afirmasse que não há problema em ser indeciso... Só queria alguém que estendesse a mão cheia de carinho para mim...”
...
Este era provavelmente um choro que sempre esteve em meu coração o tempo todo. Ninguém percebe, e nem eu entendo bem. Esses meus desejos egocêntricos que parecem egoísmo de criança.
Antes que percebesse, eu mesmo a fiz. Uma parede no meu coração, alta o suficiente para me esconder. Uma gaiola para esconder minha fraqueza, um escudo para proteger meu eu covarde...
—Olha, eu não te disse antes? Que se você estiver em uma situação difícil, posso ajudá-lo.
Ninguém deveria ter notado. Não há como isso ser notado. Sim, foi o que pensei...
—É por isso que não há problema em você estar vazio por enquanto.
No entanto, antes que percebesse, ela apareceu.
—Eu vou te ensinar! Coisas que você não sabe, pontos turísticos que nunca viu, este mundo em si!
Ela entrou nas profundezas do meu coração como se fosse natural, como se dissesse que nunca houve uma parede em meu coração desde o início.
◇
—Onde você — é o protagonista desta história!
E então, como se fosse natural, ela estendeu sua mão para mim.
—Mhmm, se não falar comigo como costuma fazer, eu não vou gostar.
Sendo empurrado às vezes como um amigo faz...
—Acho muito legal que uma criança possa fazer isso naturalmente.
E às vezes, me encorajando como uma amante faz...
—Está tudo bem. Estou aqui com você...
E às vezes, ela era como uma mãe para mim, me dando as palavras que queria ouvir.
É como se pudesse dizer que sabe tudo sobre mim, ela era turbulenta, calorosa, inocente e gentil... Sempre me dando o sorriso que eu mais queria.
Abraçando meus pensamentos indecisos, ela pegou os pedaços quebrados do meu coração e gentilmente empurrou de volta para o meu corpo.
Ah, entendo — então é assim que é. Posso entendido por fim. A coisa que queria — a coisa que sempre procurei—
Minha consciência desperta lentamente do meu sono agradável. Assim que abri os olhos, o que vi foi um par de olhos gentis me encarando.
◇
“... Kuro?”
“Bom dia, Kaito-kun.”
“Bom dia... Há quanto tempo estou dormindo?”
“Uma hora mais ou menos?”
“Entendo.”
Aos poucos, eu me sento. Estranhamente, me senti leve, como se algo que pesava sobre meu corpo desaparecesse.
“Você parece meio revigorado, hein.”
“... Ah, sim. Bem, como devo dizer...”
Sendo honesto não tinha uma resposta para o que queria fazer nem o que queria que acontecesse.
Só tinha o pensamento na minha cabeça de que deveria parar de me agachar no lugar.
“Acho que quero fazer o meu melhor em várias coisas de novo.”
“Entendo... Então, estarei torcendo por você. Faça o seu melhor, Kaito-kun!”
“Sim, obrigado.”
Ainda não sei muito sobre este mundo e sobre mim... Porém as circunstâncias finalmente mudaram. Já está na hora de eu começar a andar também.
Sim, vamos começar com a autodescoberta ou como eles chamam. Estou um pouco nervoso e com medo, mas acho que vai ficar tudo bem. Porque recebi a coragem de começar a andar. Assim como Kuro disse, vamos começar de novo aqui, neste mundo.
O que uma vez encerrei. A história daquele que se chama Miyama Kaito...
Notas:
1. Riajuu é uma gíria que significa ‘quem vive a vida produtiva’ ou que ‘tem uma boa vida’, tendo status social, normalmente um relacionamento amoroso, entre outros fatores invejados.
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