Capítulo 55: O salão era iluminado
O salão era iluminado por vários candelabros suspensos no teto alto. O brilho de suas pedras amarelas refletia no chão de mármore abaixo, onde muitos convidados se reuniram.
No fundo do salão havia uma plataforma ligeiramente elevada alinhada com cadeiras, atrás das quais os estandartes do império e do ducado pendiam em um padrão alternado. Um homem que já passou do auge estava sentado no centro. Já havia uma mancha branca em seu cabelo castanho, rugas profundas se esculpiam em seu rosto e sua tez estava um pouco pálida — talvez de alguma doença. Ainda assim, suas costas eram retas como uma vareta, seus olhos penetrantes e seu porte refletindo a dignidade de um arquiduque do império. O príncipe herdeiro Benjamin sentou-se ao seu lado, depois Fernand e Liselotte no final. Do outro lado do arquiduque estava sentada uma mulher que parecia ser a arquiduquesa, depois Villard, depois François.
Angeline foi instruída a se sentar em uma cadeira à direita do estrado. Ao que parecia, este era um lugar para nobres proeminentes — aqueles com conexões com a casa arquiducal — e convidados de honra.
Oswald sentou-se ao lado de Angeline. Ele parecia estar consideravelmente embriagado agora; estava balançando um pouco de um lado para o outro, seus olhos piscando sonolentos. Embora estivesse noivo de Liz, eles ainda não haviam se casado, então não tinha permissão para sentar-se com a família.
Angeline deu um olhar distraído para os membros da casa, e seus olhos se encontraram com os de Benjamin ao longo do caminho. O príncipe sorriu e piscou, fazendo-a olhar mal-humorada para o outro lado. Não havia dúvidas, era bonito o suficiente para que fosse ela quem ficasse envergonhada ao olhá-lo, mas isso também significava que não sentia nenhuma conexão ou parentesco.
“Hey... Que tipo de pessoa é o príncipe herdeiro?” Angeline sussurrou.
Oswald franziu a testa.
“Você tem que chamá-lo de Sua Alteza... Como pode ver, é alguém de incomparável beleza. E não é tudo — é habilidoso com a caneta e a espada e tem carisma de sobra. Na verdade, sua presença é tão avassaladora que nem houve uma luta pelo poder por sua posição. Fernand não é motivo de escárnio, porém Sua Alteza é algo bem além.”
“Hmm... Então é como um super-humano perfeito.”
“Meus exatos pensamentos. De fato existem pessoas incríveis no mundo. Contudo, sabe...” Oswald baixou a voz e sussurrou no ouvido de Angeline. Ela podia sentir o cheiro de álcool em seu hálito. “Apenas alguns anos atrás, costumavam chamá-lo de imbecil ultrajante. Sua Alteza na verdade era um libertino, usando sua aparência para fazer inúmeras mulheres servi-lo e gastava dinheiro como um louco.”
“E ele mudou?”
“Mudou, sim. Aconteceu de repente, e ninguém ousaria chamá-lo de tolo hoje em dia.”
Angeline deu outra boa olhada em Benjamin. O príncipe parecia estar discutindo algo com o arquiduque, seus maneirismos eram a epítome da elegância. Então é como o lobo alfa entre os nobres, pensou Angeline, achando a analogia estranhamente adequada.
Por fim, o clamor diminuiu e Fernand se levantou.
“Senhoras, senhores, vocês têm minha mais profunda gratidão por se reunirem aqui hoje. Ver nossos queridos amigos de boa saúde é sem dúvida uma grande satisfação. Estão aproveitando? Isso reflete bem o prestígio da casa arquiducal que tantos de vocês reuniram de perto e de longe.”
Com uma voz clara que ecoou por todo o salão, Fernand ofereceu gentis saudações alegres antes de apresentar os membros de sua casa e o Príncipe Benjamin. Como filho mais velho do arquiduque, portava-se com graça, enquanto as suas palavras e gestos criavam uma sensação de intimidade com todos os que o ouviam.
De lá, uma grande faixa de pessoas se aproximou para prestar suas homenagens. Alguns perguntavam sobre a saúde do arquiduque, e outros se voltavam para a multidão para dar sua própria apresentação depois de cumprimentá-lo. No entanto suas palavras sempre cantariam louvores ao grão-ducado e ao império.
É um flagrante favorecimento. Angeline recostou-se na cadeira com um suspiro. Os discursos intermináveis estavam deixando-a terrivelmente sonolenta. Ela se perguntou se era assim que uma cerimônia deveria ser.
Angeline estava prestes a cochilar quando sentiu um cotovelo cutucando seu lado. Seu olhar voltou-se, não para ver Oswald, mas uma mulher peculiar sentada ao seu lado. A mulher usava um vestido violeta e exalava um charme exótico.
Curiosa, Angeline inclinou a cabeça cantes de perceber.
“Espera... Gil?” sussurrou.
“Fica bonito em mim? Ahahaha.” Gilmenja riu, tendo se tornado uma nova pessoa com seu disfarce de nobre. Sem saber se ficava surpresa ou farta de suas travessuras, Angeline estava exausta mesmo assim.
“Onde está Oswald?”
“Ele acenou com a cabeça imediatamente, então eu o fiz sair do palco, hehehe.”
“Você está tão furtiva como sempre, Gil...”
“Deixe-me parar você aí. Agora sou a nobre Condessa Clementine. Por favor, faça direito.”
“Oh, minhas desculpas.” respondeu Angeline, rindo.
Gilmenja se inclinou e sussurrou.
“Agora, está quase na hora da sua medalha. O estúpido segundo filho fará um discurso antes de chamá-la. Apenas se acalme e caminhe até lá devagar.”
“Alguma coisa vai acontecer?”
“Não posso dizer com certeza. Porém há algo suspeito sobre o terceiro filho. Está tão preocupado com sua ilegitimidade que uma paixão sombria queima em seu peito. Sua mãe morreu ao dar à luz. Parece que ele nutre ressentimentos contra toda a família arquiducal. É o tipo do cara ‘meio copo vazio’.”
Angeline fez uma careta ao se lembrar de seu encontro casual com François na noite anterior. Este havia declarado de maneira ameaçadora que havia preparado ‘entretenimento’. Talvez pretendesse encontrar uma maneira de fazer de Angeline motivo de chacota; isso com certeza mancharia o rosto de Villard com lama, já que Villard a havia a convidado para começar. Em contrapartida aumentaria muito sua própria posição dentro da casa. Era indireto, mesquinho e bem desnecessário.
Vai ser um saco, pensou Angeline com um suspiro. Ainda que François quisesse se exibir como o pessimista supremo, ela desejava de verdade que ele não arrastasse os outros junto para seus problemas.
O tom de Gilmenja ficou um pouco sério.
“Ange, não posso ajudá-la quando estiver na frente do arquiduque. Sei que vai ser difícil, contudo aconteça o que acontecer, não pode perder de vista a si mesmo. Esqueça todos esses nobres alheios, apenas lembre-se de todos em Orphen. Eles conhecem todos os seus pontos positivos.”
“Sim... Vou ficar bem. Obrigado Gil.”
É assim mesmo. Por que tenho que me importar com a opinião de pessoas que nem me conhecem? Angeline assentiu.
Gilmenja sorriu e a cutucou.
“É ‘condessa’ para você.”
“Oh, certo...”
Elas compartilharam uma risada furtiva.
Aos poucos, o céu começou a escurecer e todas as luzes do corredor faziam o pátio parecer muito mais escuro em contraste. Os criados começaram a pendurar lanternas e lustres amarelos aqui e ali para criar algum ambiente.
As saudações pareciam estar terminando. Fernand fez um comentário final antes de olhar para Angeline. Assustada, Angeline corrigiu sua postura com pressa. Fernand sorriu antes de se virar para concluir seu discurso.
“Agora, então, chamamos uma convidada muito singular hoje. Embora existam muitos aclamados como heróis neste mundo, poucos podem afirmar que derrotaram um demônio. No entanto não me cabe dizer. Meu irmão Villard é mais adequado para a tarefa de apresentá-la.”
Fernand recuou habilmente enquanto Villard se apressou para frente. Ao contrário de Fernand, tagarelava em um ritmo vertiginoso. Havia pouca graça em suas palavras, nem tinha qualquer leviandade.
Angeline cruzou os braços.
“Ele realmente não tem jeito...”
“Não precisa ser tão má com o rapaz. Está fazendo o seu melhor.” Gilmenja sussurrou em seu ouvido com um sorriso malicioso quando Villard se virou para elas.
“Sem mais delongas! Venha, Angeline!”
Angeline olhou para Gilmenja, que riu da exibição antes de dar um tapinha nas costas de Ange.
“Vá pegá-los.”
“Sim.”
Angeline se levantou e caminhou como havia praticado. Seus movimentos magistrais provocaram suspiros de desejo na galeria.
Villard estufou orgulhoso o peito e olhou para o corredor.
“Contemplem! A bela Valquíria de Cabelos Negros, Angeline! Apesar de sua aparência adorável, ela matou um demônio com aquelas mesmas mãos! Uma heroína que de fato merece uma medalha por seus esforços!”
Angeline abaixou a cabeça em silêncio enquanto aplausos explodiam de todos os lados. Liselotte, que observava alegre ao lado, fez um leve aceno com a mão. Angeline respondeu com um sorriso enquanto beliscava a saia e fazia uma reverência educada ao arquiduque.
Este homem idoso — governante do grão-ducado e um alto nobre do império — encarou-a com olhos penetrantes. Embora seu olhar parecesse tão forte de longe, exalava uma sensação estranhamente triste quando Angeline estava mais perto. Ela se perguntou se era porque tinha que carregar o fardo de sua posição, mais pesado que o da nobreza reunida. Era como se estivesse envolvido em isolamento.
Villard a incentivou a dar um passo em sua direção.
“Agora, pai! Conceda a esta heroína a medalha que merece!”
O arquiduque assentiu e estava prestes a se levantar quando outra voz interrompeu.
“Por favor, espere.”
Villard se virou com um olhar chocado em seu rosto, apenas para ficar vermelho de raiva.
“Afaste-se, François! Está diante do pai... Diante do arquiduque!”
“Não há necessidade de gritar, Villard.” Declarou calmo François em meio a uma risada.
Fernand franziu a testa, claramente desaprovando, mas contido ao dizer.
“François, está impedindo a cerimônia. Deve ter um motivo.”
“É claro.” François caminhou até o centro do palco. “Dizem que ela derrotou um demônio. Isso é, de fato, uma realização maravilhosa. Se for verdade.”
“O que? Está dizendo que está mentindo?” Villard se aproximou de seu irmão com raiva.
No entanto, François o afastou com indiferença.
“Estou dizendo que quero ter certeza. Pelo que ouvi, já faz mais de um ano desde que ela caçou o demônio. Não seria estranho que a história já tivesse sido distorcida. Aventureiros tendem a exagerar suas ações.” François disse, seu olhar se voltando para Angeline.
Angeline silenciosamente olhou para eles. Sem dúvida havia aventureiros que inflaram suas próprias conquistas para ganhar mais trabalho e fama. O “Trovão”, ou melhor, o bandido que encontrou no bar em Bordeaux, foi um bom exemplo.
Todavia, nunca se poderia alcançar os escalões mais altos de aventureiros sem a habilidade correspondente. Como uma Rank S, não havia razão ou motivo para Angeline fazer algo do tipo. Claro, François deveria estar ciente deste e presumiu que estava mostrando desprezo por ela independentemente. Muitos dos nobres visitantes já tinham a tendência de menosprezar os aventureiros, e muitos concordaram com as palavras de François.
“Não seja estúpido!” Villard interveio. “Fiz questão de investigar direito antes de chamá-la aqui. Está tentando manchar meu bom nome com falsas alegações?”
“Acalme-se, irmão. Não estou dizendo para que interrompa a cerimônia. Só estou dizendo que quero confirmar a verdade.” e com isso, François voltou-se para a galeria. “Agora, como podemos provar as histórias da glória de um aventureiro? Sim, a maneira mais rápida seria ver suas habilidades em primeira mão. Por desgraça, nenhum oponente comum seria páreo para aquela que afirma ter derrotado um demônio. Para esse fim, encontrei o oponente perfeito para trazer à tona todas as suas habilidades. Vocês o conhecem? Aquele que derrotou o Senhor do Vaio, o pesadelo que assolou o império — o grande Destruidor de Éter.”
A multidão estava agitada. De repente, o barulho da armadura pôde ser ouvido acima do barulho, e então Liselotte engasgou.
Angeline olhou para ver os soldados liderando Kasim, que vacilante caminhou cambaleando para o corredor. Ele ainda usava a mesma camisa esfarrapada, calças e chapéu-coco, parecendo tão decadente como sempre.
Enquanto suas sandálias batiam de maneira audível no chão, Kasim olhou para Angeline com um sorriso.
“Hey, que bom te encontrar aqui.”
Villard zombou, parecendo ter tomado a aparência de Kasim como um insulto pessoal.
“Esse vagabundo é o Destruidor de Éter? Você é mais engraçado do que eu imaginava, François! Até se iludiria para me derrubar!”
François ignorou as palavras do irmão e trocou um olhar com os soldados. Os homens que trouxeram o mago de repente desembainharam suas espadas e o atacaram de ambos os lados. Houve gritos e alguns ficaram de pé em estado de choque.
Contudo todas as lâminas pararam no ar antes que pudessem alcançar Kasim. Os soldados começaram a suar frio enquanto tentavam colocar cada vez mais força, mas suas espadas não se moviam um centímetro.
Cansado, Kasim acenou com um único dedo. De repente, esses mesmos soldados foram levantados no ar e girados várias vezes antes de cair no chão sem intercorrências. Seus olhos giravam enquanto eles gemiam, tontos demais para ficar de pé.
Kasim suspirou.
“Que desperdiço de esforço...”
“É preciso começar devagar.” François sorriu.
Com o rosto rígido, Villard gritou.
“Basta! Como... Como isso prova que este é o verdadeiro Destruidor de Éter?”
“Sim, penso o mesmo. É por essa razão que começarei provando este ponto. Imagino que saiba sobre a Lança de Hart Langer, a grande magia que eliminou o Senhor do vazio, não é?” François perguntou, antes de comandar Kasim. “Faça.”
Kasim coçou a cabeça de forma cansativa, porém acabou direcionando a mão para o ar livre e mexeu os dedos.
“Que os fios do poder se juntem em uma corda na ponta de meus dedos e estilhacem as mandíbulas da opressão distante.”
O espaço ao seu redor brilhou e distorceu, pouco a pouco se moldando em um padrão espiral. Não demorou muito para que se tornasse um tornado, seu centro gravitando em direção à sua mão enquanto se condensava em uma forma cilíndrica. Um vento forte balançou as cortinas e deixou os nobres sentados em pânico.
Kasim balançou a cabeça e olhou para François.
“Quer que eu dispare isso? Vai explodir o teto.”
“Bem, espere. Precisa de mais alguma prova, Villard?”
Villard ficou estupefato, incapaz de formular qualquer resposta, então Fernand respondeu em seu lugar.
“Nós entendemos, François. Agora, Destruidor de Éter, seria bastante problemático se danificasse a propriedade. Sabemos que você é a coisa real, então guarde suas garras.”
Kasim abaixou a mão. Os redemoinhos de mana e os ventos diminuíram como se nunca tivessem existido, e para os espectadores maravilhados, era como se tudo tivesse sido um sonho.
Uma risada alegre ecoou pelo corredor. O príncipe herdeiro Benjamin parecia encantado.
“Agora isso é interessante! Sim, verdade seja dita, também me perguntei como uma dama tão adorável derrotou um demônio! Se você pudesse ser tão gentil, adoraria ver suas habilidades em primeira mão!”
“Tal como pensei.” disse François. “Agora temos a aprovação de Sua Alteza! Valquíria de Cabelos Negros — esta é sua chance de mostrar o que pode fazer. Lute com todas as suas forças.”
A pedido de François, o capitão se aproximou e estendeu uma espada para Angeline. Ela ficou lá sem uma palavra. Que farsa terrível, pensou. Angeline foi incapaz de ver qualquer significado nessa situação.
Sua luta para se tornar uma aventureira não era para entreter esses nobres, nem seu poder existia para se exibir. Da mesma forma como Belgrieve a ensinou, Angeline se tornou forte para proteger os impotentes e sobreviver para rir outro dia com seus camaradas. Belgrieve até elogiou-a por isso. Deixar-se ser tratada como um espetáculo secundário seria um insulto a todos que amava.
Angeline sentiu um calor na boca do estômago.
“Há algo de errado?” François olhou-a em dúvida. “Está ficando com medo? Foi apenas uma mentira que derrotou um demônio?”
“Pegue.” o capitão zombou, empurrando sua espada para ela.
Angeline franziu a testa ao pegá-la. Então, quando parecia que iria tirar a lâmina da bainha, jogou-a no chão.
“Eu não preciso disso!” bateu o pé, seu espírito de luta exalando de cada poro de seu corpo. O ar tremeu quando rachaduras irradiaram de seu salto pontudo pelo chão de mármore. O capitão recuou nervosamente e todos, exceto Kasim, engoliram a respiração de terror.
Angeline olhou para François, cujo ombro inadvertidamente recuou — entretanto, fora esse deslize, se manteve firme. Ele tentou o seu melhor para encará-la, porém os cantos de seus lábios tremiam.
“Insolente...”
“Escute bem! Minha espada não é para o seu entretenimento! É para proteger os impotentes e exterminar demônios vis!” Angeline olhou para o príncipe herdeiro e o arquiduque enquanto prosseguia. “Aventureiros têm seu próprio orgulho! O orgulho daqueles que empunham espadas e apostam suas vidas! Se o orgulho de um nobre é liderar o povo, o orgulho de um aventureiro é protegê-lo! Querem que eu faça disso um espetáculo inútil? Qual o sentido dessa farsa de luta pelo poder?”
Balançando seu punho, foi levantado um vendaval com a mão nua.
“Uma falsa? Covarde? Se quer rir de mim, então ria! Não é da minha conta se acredita que venci um demônio ou não! Que honra há em receber uma medalha por tal coisa? Serei a primeira a recusar! Se vocês são nobres, então por que não agem com alguma honra?”
A área congelou em silêncio. François cerrou os dentes e tremeu. Aturdido, Villard olhou para trás e para frente entre Angeline e o arquiduque. Kasim, sozinho, tinha um olhar divertido em seu rosto.
Plantando sua bengala no chão, o arquiduque se levantou de seu assento. Fernand recuperou sua presença de espírito e se apressou em oferecer-lhe um ombro para apoiá-lo.
“Precisamente...” falou o arquiduque com uma voz rouca, mas forte. “É apenas inútil. François, o que esperava ganhar com esta batalha? Esperava obter alegria ao ver o homem que trouxe esmagar a campeã de seu irmão?”
“P-Pai, só queria saber se...” François tentou dizer alguma coisa, contudo acabou desistindo, incapaz de encontrar as palavras.
O arquiduque idoso olhou para Angeline com olhos ternos, dando um leve aceno de cabeça em gratidão. Os nobres estavam agitados.
“Angeline, você é uma garota orgulhosa... Peço que perdoe meus filhos por suas graves descortesias.”
Angeline deu uma silenciosa reverencia em resposta.
Endireitando as costas, o arquiduque voltou-se para a galeria dos nobres.
“Me dói que uma aventureira precise nos ensinar a verdadeira nobreza... No entanto devemos levar essa lição a sério. Nós nos vestimos com roupas resplandecentes, entretanto do que temos que nos orgulhar de verdade? Isso é o que devemos nos perguntar... Obrigado, Angeline. E, por favor, aceite esta medalha. Não teria lugar melhor do que sobre o seu coração virtuoso... Está tudo bem sua pessoa, Sua Alteza?”
Benjamin riu e deu de ombros.
“Agora sei, não é a espada, se não o coração que prova a autenticidade. Não tenho dúvidas agora que ela matou um demônio. Não tenho objeções — a medalha é merecida.”
“Aceita, Angeline?”
Angeline se ajoelhou diante do arquiduque.
“Aceito humildemente, Sua Excelência.”
Liselotte ficou com o rosto maravilhado e bateu palmas. Sua atitude gerou aplausos da multidão, e logo o salão foi preenchido com o trovão de inúmeras mãos. O arquiduque se aproximou pessoalmente de Angeline e colocou o medalhão de ouro em seu pescoço com um sorriso.
“É bom saber que alguém como você continua no grão-ducado... Lamento que tenha feito uma viagem tão longa.”
“É uma honra.”
“Por favor, diga-me uma coisa. Onde aprendeu sua honra? Teve um bom mestre?”
Angeline estufou o peito e respondeu.
“Aprendi com meu pai.”
“Entendo. Vejo que tem um pai esplêndido.”
“De fato! É o melhor pai do mundo!”
O arquiduque sorriu mais, contudo parecia um pouco solitário quando deu um tapinha no ombro de Angeline. Ele se voltou para os nobres.
“Vamos terminar a cerimônia com isso. Vá, aproveite o banquete enquanto dura... Fernand, por favor.”
Fernand, que segurava o pai pelo ombro, acenou com a mão e a banda começou a se apresentar. Os nobres deixaram seus assentos com rostos aliviados e rapidamente começaram a conversar e dançar. O arquiduque saiu com Fernand e a arquiduquesa, enquanto François saiu correndo com a humilhação estampada no rosto. E antes que Ange percebesse, Kasim já havia desaparecido.
Liselotte voou para Angeline e a trancou em um abraço.
“Ange! Ange! Você realmente é incrível! Fiquei tão comovida!”
“Liz...” Ange respondeu com um suspiro. “Estou cansada...”
Parecia que ela não era a única, pois Villard parecia levado às lágrimas.
“Bem feito, bem feito! Graças a isso, posso manter minha cabeça erguida!”
“Certo...”
“O que quer dizer com ‘bem feito’, Villard?” perguntou Liselotte. “Ange te salvou! Alguns agradecimentos não são apropriados?”
“B-Bem, Liz, sabe...”
“Não quero nenhuma desculpa! Villard estúpido! Vá embora!”
Liselotte dispensou-o e ele recuou relutantemente.
“Obrigado, Liz.” Angeline deu uma risadinha.
“Ah, tudo bem! Aquele meu irmão ainda não entendeu mesmo depois de tudo que você disse!”
Liselotte estufou as bochechas com raiva. Parece que a filha mais nova é muito mais sábia do que o estúpido segundo filho, pensou Angeline.
○
Em uma sala do posto militar iluminada pela luz de um lampião, François deu um soco na mesa.
“Para o inferno com o orgulho de um nobre! Uma mera aventureira está ficando convencida demais!”
“Senhor, controle-se.” aconselhou o capitão de cabelos louros. “Ainda não acabou.”
“Silêncio! Droga, me humilhando assim... Não pense que vai escapar inteira.”
“Apenas desista dela.”
François olhou para a fonte da voz. Kasim estava sentado no chão, com as costas contra a parede. Em seu rosto havia um olhar bastante agradável.
“Não é nada má, exibindo tanta franqueza na frente do arquiduque... Você não é páreo para ela.”
François franziu o rosto indignado e caminhou até o mago.
“Não fale como se fosse onisciente! Como pode saber alguma coisa sobre a dor de nunca ter suas habilidades julgadas com justiça, só por ser ilegítimo? Onde está o orgulho disso?”
“Haha, você diz que detesta a casa arquiducal, mas se apega ao seu status nobre a cada passo. Não sei sobre ser ilegítimo ou algo assim, porém se os odeia de verdade, deveria sair e fazer um nome para si mesmo.”
“Cale-se! Droga... Se vai ser assim... Deveria tê-lo feito disparar a Lança de Hart Langer...” François murmurou.
Ele tinha um sentimento de inferioridade desde o nascimento. Simplesmente por não ter nascido da esposa legítima do duque, era visto como inferior ao imbecil de Villard, e o nascimento era algo que não podia ser mudado, não importa quanto esforço fosse despendido. Logo, esse sentimento de inferioridade se transformou em ódio e, em seu coração retorcido, sua família se tornou o alvo de sua ira.
Seu pessimismo crescia dia a dia e, em vez de agir por qualquer desejo de poder, passava todos os dias pensando em como poderia infligir o maior desespero a eles. Já havia recebido tantos soldados plebeus que poderia planejar e encenar um golpe de estado a qualquer momento. Contudo isso não seria bom o suficiente. Precisava mergulhá-los todos nas profundezas do medo quando eles se divertiram por tanto tempo nas alturas da sociedade. A bola era a oportunidade perfeita, e em sua mão tinha o maior trunfo — Kasim.
Se Angeline e Kasim tivessem lutado lá, pretendia que Kasim disparasse sua magia e condenasse todo o salão ao esquecimento enquanto seus soldados ocupariam a mansão. Enquanto aquele repugnante arquiduque e sua família — e todos aqueles nobres que os apoiavam — desaparecessem por completo, talvez seu mundo fosse um pouco mais sereno.
Uma vez terminado, teria sido o único herdeiro restante do trono do arquiduque. Não estava interessado em poder, no entanto como qualquer outra pessoa, queria ver o que poderia fazer com seus talentos. Se os plebeus não gostassem dele, não se importaria em ser executado no final.
O que não esperava era que Angeline recusasse a batalha. Havia esquecido um simples detalhe, entretanto esse erro trouxe todo esforço a nada — François desprezava os aventureiros. Tal lembrança o irritou ainda mais.
Uma mera aventureira... Pensou, mordendo o lábio.
“Olá, François.”
Uma voz repentina e alegre o pegou desprevenido. François olhou para ver o príncipe herdeiro Benjamin entrar na sala com um sorriso afável.
François sem apressou em se endireitar, e fez uma saudação.
“O-O que o traz aqui, Sua Alteza?”
“Foi uma pena, não é? Mesmo depois de você ter feito uma proposta tão esplêndida.” Benjamin gargalhou enquanto pegava uma cadeira e se sentava.
François fitou-o com desconfiança.
“O que quer dizer?”
“Eu queria ver uma batalha entre a Valquíria de Cabelos Negros e o Destruidor de Éter.” Benjamin admitiu com um encolher de ombros. “Terminou com alguns elogios e um lindo laço no topo, mas gostaria de acreditar que a verdadeira força também é importante. Você não estava errado no que disse.”
“Oh...” François abriu um sorriso. “Se Sua Alteza concordar...”
“Claro que concordo. É raro conseguir ver dois aventureiros de Rank S lutando até a morte.” o príncipe herdeiro olhou para Kasim. “Certo? Estava falando sério sobre isso, não estava?”
“Não me importo de qualquer maneira.” Kasim gemeu. “Contudo, hey, parece que ela poderia acabar comigo se tentasse...”
Com um sorriso satisfeito, Benjamin voltou-se para François. Seus olhos pareciam anormalmente bonitos, e François se viu engolindo em seco.
“Que tal? Só precisa se desfazer da garotinha que te envergonhou. O Destruidor de Éter está do seu lado, pelo amor de Deus. Não se preocupe, apenas faça o que quiser. Estarei lá, apoiando-o.”
“Se esse é o seu desejo, senhor...”
Benjamim se levantou.
“Espero grandes coisas de você, François. Tente me divertir.”
E com isso, Benjamin se foi. François despediu-se com reverência, no entanto assim que o príncipe se foi, um sorriso feroz surgiu em seus lábios.
“Você não vai me impedir se eu tiver o selo de aprovação de Sua Alteza... Vai?”
“Certamente não.” o capitão sorriu.
A estação ficou barulhenta com o som de armaduras e armas.
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