Capítulo 52: O garoto de cabelos castanhos
O garoto de cabelos castanhos perseguiu o passo suave do garoto ruivo.
“Espere um segundo. Não me deixe para trás, me ouça!”
O garoto ruivo olhou para trás com um sorriso. “É porque continua se distraindo. Você dormiu o suficiente?”
“Não pude evitar... Havia um grimório interessante.”
“Isso vai ser um problema. Não vai recuperar suas forças se não dormir direito.”
“Quão sério, esse é o verdadeiro problema aqui.” disse o garoto de cabelos castanhos, fazendo beicinho. O ruivo sorriu ironicamente.
Os dois garotos estavam fazendo compras. Haviam usado a maior parte de seus suprimentos na exploração da masmorra do dia anterior e vieram para reabastecer.
A maior parte dessas compras foi deixada para o garoto ruivo. Sua cautela inata o ajudava a pensar em tudo o que seria necessário, e visitava várias lojas para conseguir tudo pelos preços mais baratos. Desta vez, precisavam principalmente de ferramentas encantadas, então o mago do grupo o acompanhou.
Eles pararam em várias lojas, desde a estrada principal até os becos. O garoto de cabelos castanhos era o melhor em discernir a qualidade dos itens encantados, e o garoto de cabelos ruivos não hesitava em andar enquanto o arrastava de uma loja para outra.
“Você é incrível, conhecendo tantas lojas.” disse o garoto de cabelos castanhos.
“Haha, acabei por encontrá-las quando estava procurando os preços mais baratos. Resumindo, sou pobre.” o garoto ruivo riu, e o garoto de cabelos castanhos riu junto.
Orphen era uma cidade grande e havia lojas que nem placas tinham. Algumas eram claramente ilegais também, mas era da natureza de um aventureiro usar o que estivesse disponível. Em suas opiniões, não adiantava ter escrupuloso excessivo e evitar tais lojas se significasse perder a vida.
A farra de compras durava da manhã ao meio-dia. A essa altura, as ruas estavam cheias de gente e um cheiro bom enchia o ar — era a hora do dia que as barracas mais esperavam.
“Hey.” disse o garoto de cabelos castanhos, engolindo em seco de forma audível. “Estou com muita fome.”
“Espere um pouco mais. Só tenho a carteira do grupo hoje.”
“Um pouco não faria mal, certo?”
“Não. Compre com seu próprio dinheiro.”
“Quero dizer, gastei tudo naquele grimório ontem...”
“Então culpe a si mesmo...”.
“Grrr... E você desperdiçou nossos fundos naquele pergaminho de fuga?”
“Nunca sabe quando pode precisar de um. Os pergaminhos de fuga são raros, então tem que comprá-los quando os vir.”
A compra mais cara fora um pergaminho de uma loja obscura em um beco. Era uma ferramenta que poderia ser usada para invocar um feitiço apenas abrindo-o e canalizando magia para ele. Os pergaminhos vinham com vários efeitos, e o que comprou era um que permitia uma saída imediata de uma masmorra. A oferta limitada os tornava o valor bastante caro. Embora a inspeção do garoto de cabelos castanhos garantisse que não era falso, ainda consumia quase todos os fundos do grupo.
“Acho que nunca estaremos em tal aperto.”
“Um aventureiro nunca pode ter certeza.”
“Aw, você é muito exigente... Estou com fome.”
O garoto de cabelos castanhos lançou-lhe olhos desdenhosos, e o garoto ruivo sorriu com ironia em troca. Ele havia recebido o dinheiro do grupo e não queria desperdiçar muito. Embora talvez não precisasse ser tão rigoroso sobre isso — também estava se sentindo bastante faminto e poderia transferir algumas moedas de sua própria carteira mais tarde.
“Isso não me deixa escolha.” o garoto ruivo pegou duas moedas de cobre da carteira do grupo e as entregou. “Só desta vez.”
“Eu sabia que entenderia! Já volto.”
O garoto de cabelos castanhos foi confiante para as barracas. O garoto ruivo encostou-se na lateral de um prédio e esperou.
○
“Entendo... Como pensei, Ange tem agido de acordo com seus próprios caprichos...” disse Yuri.
“Sim. Fico feliz que esteja preocupada comigo, porém, por infelicidade, ela tem muita imaginação e a deixou correr solta.”
“Isso é um alívio, no entanto. Sr. Belgrieve, o senhor é um bom pai, como disse Ange.”
“Não, não sou nada de especial.”
“Não é verdade!” Charlotte entrou na conversa. “Papai é uma pessoa maravilhosa!”
“Charlotte está gostando de você.” Yuri observou, rindo.
Depois de acordar de manhã, Belgrieve começou limpando o quarto de Angeline. Limpou a fina camada de poeira, depois vasculhou as pilhas de presentes e os separou. O cachecol que Charlotte havia tricotado foi direto para ele.
Assim que a manhã passou, Belgrieve se dirigiu à guilda para procurar informações sobre os aventureiros do passado, bem como para corrigir alguns mal-entendidos.
Parecia que Yuri não nutria nenhum ressentimento em relação à Belgrieve. Contudo, saindo da atitude de Angeline que sempre falava a seu respeito, Yuri suspeitava que a garota ignorava os defeitos de seu pai e o estava idolatrando.
“Sinto muito por duvidar, no entanto não sabia nada sobre você, afinal.”
“Hahaha, é claro. Cuidado é uma qualidade necessária para um aventureiro. Não se preocupe.”
“É bom saber. Vou resolver o mal-entendido com meus amigos, ok... Oh?”
Yuri piscou. Belgrieve virou-se para ver um velho musculoso com um boné militar na cabeça se se aproximando com um ar de imensa intensidade. O homem estava sorrindo de orelha a orelha.
“Finalmente aqui, não é? Cabelo ruivo, perna de pau... É aquele cara! Belgrieve o Ogro Vermelho! Gahahaha! Estou ansioso para conhecê-lo!”
O homem agarrou a mão de Belgrieve e apertou-a com tanta força que pensou que poderia arrancá-la.
Belgrieve conhecia esse homem. Não era tão velho da última vez que o viu, mas sua aparência característica, roupas e personalidade deixaram pouco espaço para dúvidas. Belgrieve sorriu.
“É uma honra, Cheborg, o Destruidor.”
“Oh, já me conhece? Gahaha!”
Cheborg, alegre, bombeou o braço de Belgrieve mais algumas vezes, porém Belgrieve não resistiu. Ficou feliz em ver de perto um aventureiro que antes admirava, embora fizesse mal às articulações.
“Senhor Cheborg.” disse Yuri, ansiosa. “Se o sacudir demais...”
“Hã? Quê? Falou alguma coisa, Yuri?” perguntou Cheborg com sua voz estrondosa.
Enquanto Belgrieve dava uma risada tensa, alguém agarrou o ombro de Cheborg por trás.
“Hey, Cheborg. Mantenha sua força absurda sob controle.”
“Do que está falando, Dortos? É o Ogro Vermelho! O Ogro Vermelho! Não pode me pedir para não ficar animado!”
“Apenas solte-o... Meu Deus, desculpe por esse idiota. Meu nome é Dortos. Não posso agradecer o suficiente por tudo que Ange fez por mim. É um prazer conhecê-lo, Belgrieve.” Dortos disse com uma reverência cortês.
Belgrieve baixou a cabeça reservadamente para outra lenda viva. “De forma alguma. Eu deveria agradecer por cuidar da minha garota... É uma honra conhecê-lo, Dortos, o Prateado.”
“A essa altura, sou apenas um homem velho.” respondeu Dortos, rindo.
Esses dois já haviam alcançado o auge da fama quando Belgrieve era jovem. Embora tenha sido bastante agradável conhecê-los em termos amigáveis como esse, também parecia que nada disso era real. Dominado pela intensidade de Cheborg, Charlotte estava se escondendo atrás dele.
“Está tudo bem. Isso te assustou?” Belgrieve disse, dando acariciando sua cabeça.
“O que foi, o que foi? Parece que aqueles pirralhos gostam muito de você!”
“Pirralhos?” Belgrieve olhou duvidosamente para Charlotte, que estava se escondendo em suas costas, e Byaku, que mantinha distância.
Dortos acariciou sua barba e explicou. “Aqueles dois trocaram golpes com Cheborg e Lionel antes. A guilda não se importa de verdade com o ocorrido, porém parece que ambos estão com medo de Cheborg.”
“Estou sendo amigável como sei! Hey, Belgrieve! Ange é uma boa menina! Diga-me o segredo para criar um filho! Os pirralhos da minha casa são tão cruéis comigo! Recentemente, meus netos vivem dizendo que sou muito barulhento! É o suficiente para fazer um homem chorar!”
“Na verdade não fiz nada de especial...”
Dortos suspirou e balançou a cabeça. “Cheborg, é porque você é barulhento.”
“Hã? O que é isso? Falou alguma coisa, Dortos?” Cheborg perguntou em voz alta.
“Estou lhe dizendo para não gritar só porque está perdendo a audição!”
Ambos os homens pareciam estar no mesmo comprimento de onda. Ambos pareciam sinceros e despretensiosos. Talvez aquela pressão que pareciam exercer em sua juventude tivesse sido apenas uma fantasia juvenil.
“Ainda assim, depois de vir até Orphen, sinto muito por não termos conseguido manter Ange por perto. A culpa é nossa...” disse Dortos, com a testa franzida de remorso.
“É mesmo, sobre isso — sinto muito, Belgrieve! Estive pensando em brigar com o arquiduque, no entanto Lionel ficou em cima do muro!”
“D-De jeito nenhum.” respondeu Belgrieve, perplexo. “Não estou bravo com essa situação. Ange está sendo reconhecida por suas realizações.”
Depois de encará-lo em silêncio por um segundo, Dortos e Cheborg trocaram um olhar e riram.
“Wahahaha! Parece que você é mais maduro do que nós!”
“Sem dúvida! Não é de admirar que Ange seja uma criança tão boa! Gahahaha!” Cheborg riu e colocou a mão no ombro de Belgrieve. “Gosto de você! Vamos treinar! Estou interessado na esgrima do Ogro Vermelho!”
“Hã?”
“Gostaria de perguntar o mesmo. Uma espada que supera até a de Ange... Quero gravar essa visão em minha memória.”
“Não sou nada disso, sério...” Belgrieve encolheu-se envergonhado, contudo ficou chocado ao descobrir que uma sua parte aceitava o desafio. Ele ansiava por testar a técnica de respiração que Graham lhe ensinara e o estilo de espada que emergira dela.
Poderia ter uma partida com o Prateado e o Destruidor, ambos o pico de seu ofício. Não havia nada mais que um espadachim pudesse pedir. Belgrieve olhou para baixo por um momento antes de levantar a cabeça.
“Muito bem. Não tenho certeza se vou atender às suas expectativas, mas...”
“Gahaha! Está resolvido então! Para a sala de treinamento!”
E assim Belgrieve foi arrastado. Charlotte correu atrás e agarrou-o pela manga, ansiosa.
“Você vai ficar bem...?”
“Vou ficar bem. Eu acho.”
Eles foram seguidos por uma multidão de curiosos. Isso está se tornando um grande problema, Belgrieve pensou nervosamente.
○
“Vamos, vamos.” Gilmenja disse com um sorriso. “Precisa segurar sua saia, ou pisará em toda a bainha.”
“Grr... Por que é tão difícil andar com vestidos...”
Depois de sair do quarto, Angeline foi lançada em uma luta difícil com um vestido desconhecido. A cada passo, parecia que pisaria na borda e tropeçaria.
Ela deveria segurar a saia, contudo pelo que parecia não deveria levantá-la muito. Parecia difícil em um nível já desnecessário. Além do mais, estava usando sapatos de salto alto e sentiu como se fosse torcer os tornozelos. Estava feliz em usar roupas bonitas, porém com certeza nunca se acostumaria com isso. Angeline havia se acostumado demais com seu equipamento de aventureiro, que foi projetado com a mobilidade em mente.
Guardas se alinhavam nos corredores. Enquanto olhavam para Angeline quando passava, eles permaneceram onde estavam, completamente imóveis. Eles são incríveis, observou Angeline, bastante impressionada.
“O guardas não se cansam de ficar parados assim?”
Gilmenja riu atrás dela. “Essas pessoas, veja — têm suportes descendo pelas costas e pernas onde não pode vê-las. Apoiam seu peso sobre esses; é dessa forma que ficam tão imóveis.”
“Eu sabia que algo estava acontecendo.”
“Não, isso é mentira. Não são incríveis?”
Angeline fez beicinho e aumentou o ritmo, apenas para quase tropeçar outra vez. Foi então que alguém apareceu na esquina e a agarrou antes que caísse.
“Opa... Você está bem?”
“Sinto muito...” Angeline disse, levantando o olhar.
A sua frente viu um homem alto com cabelo castanho acinzentado, aparentando ter seus vinte e tantos anos. Suas feições eram bonitas — um rosto comprido com um nariz de aparência refinada e um bigode bem cuidado por baixo — no entanto seus olhos eram penetrantes e dava uma impressão que deixou Angeline em guarda.
O homem deu um sorriso gentil enquanto colocava Angeline de pé.
“Onde está indo, mocinha?”
“Sim, bem... Em nenhum lugar específico...” antes que pudesse afastá-lo sem rodeios, Gilmenja a cutucou no lado. Angeline corrigiu com pressa sua postura enquanto a falsa empregada gentilmente baixava a cabeça.
“Bom dia, Sir Fernand.”
Angeline o encarou. Este homem imponente era o herdeiro da casa, Fernand Estogal. Angeline curvou a cabeça também.
Com um sorriso, Fernand coçou o bigode e olhou para Angeline. “Nunca vi seu rosto antes. Acho que nunca esqueceria alguém tão bonita quanto você, mas se estiver tudo bem, poderia me dizer seu nome?”
Ela estava perturbada por seus olhos penetrantes e desavergonhados. “É Angeline... Senhor.” respondeu em um sussurro abafado.
“Minha nossa!” Fernand deu um sorriso agradável. “Que surpresa! E pensar que uma dama tão adorável era a suposta Valquíria de Cabelos Negros, a matadora de demônios!” ele pegou Angeline pela mão graciosamente. “Permita-me acompanhá-la. Para onde estava pensando ir?”
“Hm, er... Só para dar uma volta...”
“Entendo! É um bom dia para dar uma volta. Você provavelmente preferiria o quintal à mansão. Por aqui, se quiser.”
E com tal iniciativa, Fernand deu os braços a ela e começou a andar. Angeline não sabia se estava certo se livrar dele, então se apressou em acompanhar seu ritmo. Foi chocante o quanto era mais fácil se mover agora que tinha um braço para apoiar seu peso.
Fernand era um homem, e ainda cheirava bem. Angeline encarou-o.
Embora Fernand estivesse olhando para frente com um rosto indiferente, de repente olhou para Angeline e sorriu, fazendo-a desviou o olhar com pressa. Era a primeira vez que Angeline interagia com um homem assim. Era tão desconhecido que lhe deu um desconforto arrepiante. Ela percebeu que Gilmenja estava contendo o riso atrás deles.
Depois de passar por vários corredores e descer um lance de escadas, os dois chegaram ao lado de fora. O ar estava frio, mas esse frio talvez fosse um resquício da geada matinal. A luz do sol brilhava quente e tornava tudo muito mais suportável.
Angeline levantou os braços e respirou fundo. Todo o tempo que passou na mansão aquecida tornou esse ar frio refrescante enquanto enchia seus pulmões.
“Um gesto sem reservas.” Fernand riu. “Porém isso também é encantador.”
Angeline rapidamente abaixou os braços. “Me desculpe.”
“Não, não se preocupe. Eu não exigiria a etiqueta de um nobre de um aventureiro.” disse.
Entendo, ele é muito diferente de Villard. Angeline reconheceu suas palavras com um aceno de cabeça. Era nítido como Fernand sabia como apelar para outra pessoa. Era por esse motivo que Angeline era cautelosa em seu entorno — não queria ser arrastada por seu ritmo. Contudo, não sabia como agir perto de um nobre, colocando-a em uma desvantagem bastante significativa.
Como esperado, Fernand percebeu sua agitação interna. “Não precisa ter tanto medo. Não vou comer você nem nada.”
“Certo...”
“Ainda assim, o que Villard poderia estar fazendo...? Deixando sua preciosa convidada para trás sem escolta. Que irmão ele é.”
Fernand a conduziu para as cadeiras no final do pátio. Eles cercaram uma mesa redonda por uma fileira de arbustos bem cuidados. Flores carmesins desabrochavam das árvores, enchendo o ar com um aroma ligeiramente doce.
Angeline sentou-se e Fernand sentou-se ao seu lado, olhando-a com curiosidade.
“Como se sente sobre a propriedade? Uma aventureira Rank S como você deve ser convidada para casas nobres com bastante frequência.”
“Não... É minha, hum, primeira vez que venho a um lugar tão extravagante.”
“Entendo, hahaha. Parece que podemos manter nossa dignidade então!” Fernand soltou uma gargalhada.
Quando ele ri, seus olhos lembram um pouco os de Liz, pensou Angeline.
“Perdoe-me.” Gilmenja trouxe o chá com uma expressão despreocupada. Olhou para Angeline com uma piscadela.
"Villard não é o melhor irmão", disse Fernand enquanto pegava uma xícara. “Mas foi uma boa decisão convidá-lo. A cerimônia de entrega será iluminada com alguém tão bonito quanto você.”
“Entendo...”
Uma parte sua sentia que Fernand estava exagerando nos elogios. Porém, o excesso de elogios suavizou sua expressão, quer gostasse ou não. Ela abaixou a cabeça para esconder isso.
Prefiro ouvir essas palavras do meu pai. Isso mesmo, o pai nunca me viu usando um vestido assim. Sei que meu peito e quadris não são tão desenvolvidos, mas os contornos do meu corpo são suaves o suficiente — com certeza, não posso parecer tão ruim. Meu cabelo também está um pouco estiloso agora. Tenho certeza que ele ficaria surpreso em vê-lo agora. Meu pai me chamaria de bonita? Seria bom se ficasse satisfeito em ver o quanto eu cresci.
A expressão de Angeline relaxou enquanto refletia sobre as coisas.
“Angeline? Angeline, está ouvindo?” Fernand parecia confuso.
“Ah, me desculpe.” Angeline ergueu o rosto.
“Você parece cansada. Bem, tome um pouco de chá. Tivemos que importá-lo de Tyldes. A fragrância é um pouco diferente. Consegue dizer?”
“Isso... Cheira bem.”
Angeline notou que tinha um cheiro diferente do chá que bebia no quarto de hóspedes. Parecia que mercadorias de todo o mundo se reuniam nesta mansão.
De repente, sentiu alguém se aproximando.
“Se não é meu irmão.”
Ela se virou para a voz e avistou um homem alto e magro de vinte e poucos anos. Seu cabelo comprido era um pouco mais escuro que o de Fernand ou Villard, e estava preso atrás da cabeça. O homem era seguido por soldados de armadura.
Fernand sorriu levemente. “François.”
“Você parece bem. O que está fazendo aqui?”
“Estou acompanhando a convidada de honra do baile.” disse Fernand, olhando para Angeline, que se curvou levemente para o homem chamado François.
“Sou Angeline... Senhor.”
“Hmm, então esta é a Valquíria de Cabelos Negros?” François comentou, colocando a mão no queixo. “Meu nome é François.”
“Ele é meu irmão mais novo.”
“Entendo... É um prazer...”
Com isso, Angeline conheceu todos os três irmãos da casa.
“Não precisa ser tão cautelosa.” Fernand gargalhou. “Ele arbitrariamente decidiu assumir a segurança da mansão, então olha para todos com desconfiança. Não temos intrusos, não é, François?”
“Não posso dizer. Com tantas pessoas indo e vindo, não seria estranho se alguns estranhos estivessem misturados.” disse François, olhando para Angeline com um sorriso insensível. Gilmenja parecia divertir-se, enquanto Fernand tomava seu chá.
“De qualquer forma, está muito ocupado tão cedo. O que está planejando fazer com tantos soldados?”
“Como acabei de dizer. Com tantas pessoas, pode haver alguns convidados indesejados misturados. Nunca é uma coisa ruim ser cauteloso.”
“Haha, pode ser verdade. Contudo não assuste os convidados, ok? O pai não aprovaria.”
“Então permita-me oferecer alguns conselhos também: não gaste todo o seu tempo perseguindo saias.”
Embora fossem irmãos, parecia haver um clima bastante tenso entre os dois. François tinha que ser o irmão que Gilmenja havia mencionado, aquele nascido de uma mãe diferente. Talvez fosse por essa razão que eles pareciam estar na garganta um do outro.
François olhou para Angeline e zombou. “Agora, Angeline, certo? Não se meta só porque foi convidada aqui. Pode tropeçar onde menos espera.”
“É claro...”
Esse cara tem algo contra mim, pensou Angeline. No entanto isso também fazia parte do trato com os nobres. Se olhasse dessa maneira, era suportável o suficiente.
Ela estava tomando um gole de chá para se acalmar quando alguém correu chamando seu nome. “Ange! Não pensei que a encontraria aqui!”
“Liz... Quero dizer, senhorita Liselotte.”
“Hey! Somos amigas, não precisa agir como um estranho!” Liselotte abraçou alegremente o braço de Angeline.
Fernand riu. “Oi, Liz. Não seja muito turbulenta, é imodesta.”
“Ah, Fernand, François. Bom dia para vocês!” Liselotte ergueu a bainha da saia em uma reverência elegante.
Ter a única pessoa com quem poderia agir normalmente além de Gilmenja presente tirou uma carga considerável da mente de Angeline. Liselotte sentou-se ao seu lado, balançando as pernas com alegria.
“Você é incrível, Ange! Fica muito linda quando está usando um vestido adequado!”
“Hmm... Obrigado... Quero dizer, agradeço o elogio?” Angeline se reformulou depois de olhar para a carranca de François.
“Não!” Liselotte fez beicinho. “Não atue tão distante!”
“Às vezes precisamos manter as aparências, Liz. Por favor, entenda.” Fernand a advertiu com um tom gentil.
“Não quero! Eu não quero ouvir isso, ainda mais de você, Fernand! Depois de agir tão familiar com todas as mulheres bonitas!”
“Bom, me pegou aí.” disse Fernand com um sorriso amargo.
Naquele momento, outra figura entrou na disputa — era um homem, ofegante enquanto se apoiava na mesa para se manter.
“Liz! É problemático quando sai correndo sozinha!”
“Oh, Ozzie... Diz que estou ‘correndo’, mas talvez seja só porque você é muito lento?”
“Meu Deus... Ah, Fernand, François, vocês dois parecem bem.”
O homem chamado Ozzie ajeitou as roupas e fez uma reverência. Era um homem com cabelo loiro avermelhado que parecia ter no máximo dezoito anos.
François sorriu. “Sim, muito bem. Isso o decepciona, Oswald?”
“Haha, suas piadas são sempre tão más...” Oswald sorriu com a boca, porém manteve um olhar feroz.
“Ozzie!” Liselotte falou no mesmo tom de sempre. “Esta é Ange! É uma aventureira incrível! Ange, este é Ozzie! Estamos noivos!”
Oswald olhou para Angeline de maneira duvidosa, e Angeline devolveu um leve acenou. Embora Oswald estivesse encantado por um instante com sua aparência, fez uma cara descontente.
“Então é a senhorita que está enchendo a cabeça de Liz com bobagens. Ela é uma nobre, sabe. Apreciaria de verdade se não a desencaminhasse.”
“Sim, desculpa...”
“Hey! Não pode dizer isso, Ozzie!”
Fernand riu. “Liz não vai deixá-lo por causa de algo assim. E não é seu trabalho como noivo dela mantê-la, Oswald? Se ela fugir, a culpa é sua.”
“Hmm... Isso é verdade.”
“Oswald tem razão. Uma mera aventureira não deve se deixar levar.” disse François.
Liselotte, fazendo beicinho, bateu as palmas das mãos contra a mesa. “Hey! Ange vai ganhar uma medalha, certo? E o pai a reconhece! Se a insultarem, é como insultar o pai! Não é mesmo?”
“Ack!”
“Bem... É verdade.”
“Hahaha, como esperado de Liz. Nunca poderei vencê-la.” admitiu Fernand com bom humor.
Parecia que mesmo homens intrigantes não eram páreo para a inocência de Liselotte. Angeline sorriu.
Depois de conversar um pouco, todos seguiram caminhos separados. Angeline voltou para seu quarto com Gilmenja, consideravelmente mais cansada do que esperava.
Sentou-se no sofá e deixou o corpo pender frouxamente.
“Canalhas, todos eles... Esses nobres são sem dúvida uma força a ser reconhecida.”
Havia Fernand e François, é claro, e até mesmo Oswald parecia ter segundas intenções. Pareciam estar controlando um ao outro, e Angeline se sentia ansiosa apenas ouvindo do lado de fora. Villard não podia esperar competir com nenhum deles. Estava completamente fora do circuito, e até ela começou a sentir pena dele.
“Bom trabalho. Foi a decisão certa ficar em silêncio — melhor do que dizer algo que não deveria. Bem, deu uma boa olhada em todos os perigosos agora, heheheh.”
Gilmenja tirou vinho da prateleira e encheu uma taça para Angeline, que bebeu de um só gole e soltou um profundo suspiro.
“Tudo o que resta é o próprio arquiduque e o príncipe herdeiro, eu acho.”
“Precisamente. Esperemos que nada aconteça. Contanto que consigamos passar a bola, não é da nossa conta o quão confusa é a política dentro da propriedade do arquiduque.”
“Sim, está certa.”
O vinho a ajudou a se acalmar um pouco. Seu corpo estava desgastado depois de usar aquele vestido e aqueles sapatos que eram muito difíceis de andar. Ela fez uma careta quando levantou a saia.
“Tenho que... Dançar em um baile, certo? Devo dançar com tal vestido?”
“Isso mesmo. Está muito fofa agora, então tenho certeza que os nobres cavalheiros irão convidá-la para uma dança ou duas.”
Angeline confiava cansadamente seu corpo nas almofadas. “Estou sendo punida por alguma coisa? Outro copo, por favor...”
Gilmenja serviu-lhe alegre outro copo. Este também foi finalizado com um gole, após o que Angeline fechou os olhos. Uma imagem de Belgrieve passou por sua mente. “Quero ver o pai.”
“Você já tem uma noção da natureza deste lugar? Então devemos começar a praticar etiqueta.”
Angeline fez uma careta. “Não posso começar amanhã?”
“Não pode. Amanhã é o negócio real. Pelo menos aprenda a andar sem cair.”
“Grr...”
Angeline ficou em silêncio por um tempo, mas acabou cedendo.
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