Capítulo 11: Os Monstros Saíram
Os monstros saíram do buraco um após o outro. No entanto, como era de se esperar de um grupo de aventureiros de alto escalão, conseguiram manejar os monstros sem problemas.
Foi então que um visivelmente maior rompeu a superfície. Tinha uma vaga forma humanoide, porém ostentava uma forma bizarra, como um amálgama não natural de vários outros monstros. Miasma jorrava de sua boca com cada respiração que dava.
Os aventureiros estavam agitados.
“Ugh, que diabos é aquilo...?”
“Wow, nojento!”
“Este mana distorcido está fundindo monstros, cough... mas assim seja. É um ser inferior, mana inútil de baixa qualidade.” Maria olhou para o monstro com irritação, levantando um de seus dedos emaciados. “Trabalhe comigo, estúpida aprendiz. Vamos lançar o Imperador Relâmpago.”
“Hmph, tão condescendente.”
Miriam, carrancuda, ergueu o cajado. As duas entoaram juntas: “Que as miríades de contas da falsa aurora sejam como uma — levante uma onda para invocar um raio que estilhaça a terra.”
Figuras geométricas translúcidas materializaram-se em torno do par; luz explodiu do dedo de Maria e da ponta do cajado de Miriam. Ao mesmo tempo, nuvens negras sinistras se formaram rapidamente sobre a cabeça do monstro.
No momento em que pareceu que o raio iria cair, Anessa disparou em seguida uma flecha de ferro, que se cravou na testa do monstro grotesco. Em uma mera fração de segundo, um flash furioso irrompeu das nuvens escuras, todas as suas gavinhas se aglutinando na flecha. Depois de um momento tremendo, o monstro se transformou em pó.
Maria olhou para Anessa, com agradável surpresa. “Cough... Nada mal, garota. Boa assistência.”
“Já acompanhei Merry de perto por tempo suficiente.” respondeu Anessa um pouco envergonhada. Sua timidez não a impediu de lançar flechas sem fim, eliminando os monstros que tentavam atacar os outros aventureiros por trás. Maria e Miriam seguiram o exemplo, disparando uma magia que queimou muitos monstros.
Enquanto isso, Angeline observava a cena de braços cruzados.
“Agora, o que devo fazer...”
Os monstros se espalharam sem fim pela vista. Enquanto os aventureiros os estavam oprimindo no momento, eles mal estavam fazendo qualquer progresso. Agora que a barreira havia sido dissipada, a masmorra estava emitindo uma grande quantidade de magia e, talvez, outros monstros externos seriam atraídos para lá. Os movimentos dos aventureiros entorpeceriam quanto mais seu cansaço se acumulasse, o que diminuiria suas chances de vitória caso ficassem cara a cara com um demônio.
“Estaremos em desvantagem quanto mais tempo essa situação se arrastar.” Angeline desembainhou sua espada, se virou para Miriam e Anessa. “Cubram-me.”
Então, ela saiu antes que elas pudessem responder. Angeline não confrontou nenhum monstro, em seu lugar, deslizou direto por entre esses e chegou à entrada da masmorra em um piscar de olhos. Todos os monstros que tentaram atacá-la ao longo do caminho foram eliminados por flechas e magia.
Cheborg e Dortos correram loucamente perto da entrada, e os cadáveres de monstros de Rank A e superiores se espalharam pelo chão. Isso estava mais perto de um massacre do que de uma batalha.
Angeline avistou Dortos e gritou por ele. “Vovô Prateado, não estamos chegando a lugar nenhum... Vamos deixar os fracotes para todos os outros e entrar lá.”
“Faz sentido. Oi, todos vocês! Protejam a retaguarda!” Dortos gritou com os membros de sua equipe atrás dele. Demorou apenas um momento para seus membros mudarem de formação, e estavam trabalhando em seguida para exterminar os monstros ao redor da entrada. Os membros eram elites, e isso mostrava — embora ainda houvesse muitos monstros pela frente, que um caminho direto para a masmorra logo seria assegurado.
“A maioria deles são peixes pequenos! Estamos indo mais fundo!” Cheborg estendeu o punho. Os símbolos que cobriam seu braço iluminaram-se quando uma tremenda onda de choque varreu todos os monstros naquela direção.
Angeline acelerou de imediato, saltando para a entrada da masmorra. Dortos e Cheborg não ficaram muito atrás.
“O que é isso...?” Angeline murmurou enquanto pousava no chão.
A masmorra era originalmente Rank E e seu interior deveria ser nada mais do que terra oca; agora as paredes estavam cobertas por uma substância negra ameaçadora, por vezes tremeluzindo com luz pálida e pulsando como um ser vivo. Era como se tivesse saltado na boca de alguma forma de vida desconhecida.
Em qualquer caso, Angeline correu na frente. Ela ouviu Cheborg gritando atrás dela: “Ange! Deixe o primeiro golpe pra mim!”
“Primeiro a chegar, primeiro a ser servido. Você ficou muito velho para me superar?”
“Ahahahaha! Parece que estou me tornando simplista aqui! Interessante!”
“Não baixem a guarda. Eles estão vindo.”
Monstros jorraram dos buracos para o topo e as laterais do túnel. Em um piscar de olhos, Dortos havia perfurado três, depois dividiu dois ao mesmo tempo em que varria a lança para o lado. Cheborg pulverizou por completo o que quer que viesse em sua direção com os punhos.
“Onde está o corpo principal...?” apesar do ataque, Angeline mal enfrentou qualquer uma das criaturas. Ela semicerrou os olhos, focalizando os traços de mana, e os perseguiu. Tendo dois velhos soldados defendendo-a, poderia assumir a liderança.
Angeline parou assim que alcançou uma bifurcação no caminho. Dortos e Cheborg continuaram matando monstros, deixando-a fazer seu trabalho. Permanecendo cautelosa, Angeline se concentrou. Pense bem. O que o pai me disse? A presença do monstro chefe deve ser sentida como agulhas picando a pele. Sim é isso. Já estive em masmorras o suficiente para saber.
No entanto, com tantos monstros poderosos ao redor, a presença era fraca. Angeline não conseguia se concentrar o suficiente no meio da batalha.
“Isso não é bom o bastante... O pai vai rir de mim.”
Ela respirou fundo e fechou os olhos, parou de pensar sobre e, estranhamente, era como se o clamor em volta tivesse ficado muito distante. Seus sentidos se aguçaram para compensar, e das ondas de mana, a sensação de formigamento veio de...
“Por aqui!” os olhos de Angeline se abriram e então arrancou na direção de sua sensação.
Parecia ser o caminho certo, pois a presença ficava mais densa à medida que avançava. Havia algumas pequenas câmaras nas laterais, porém nada para se preocupar. Para sua sorte, esta era uma antiga masmorra Rank E, e sua estrutura não era tão complexa.
“Só mais um pouco...” Angeline murmurou.
Foi então que sentiu uma onda intensa de mana vindo da parede ao seu lado. Angeline respondeu de imediato e preparou sua espada para se defender. Nem um segundo depois, um monstro enorme irrompeu pelo buraco. Parecia um lagarto, contudo seus membros traseiros eram muito maiores e eram muito mais altos do que Angeline. Suas presas e garras pareciam incrivelmente afiadas e suas escamas tinham um brilho negro de aparência dura. Embora não tivesse asas para voar, Angeline se perguntou se poderia ser uma subespécie de dragão.
Angeline conseguiu recuperar o ataque, mas foi jogada para trás pelo impulso, girando no ar e pousando sem dificuldade.
“Grr... Saia do caminho...”
“Ahahahahaha! Um ataque surpresa, hein? Este lagarto sabe das coisas!” Cheborg riu e esmurrou o dragão. No entanto, o monstro só foi empurrado um pouco para trás, olhando para ele ileso. Seus olhos grandes e arregalados pareciam ter problemas para focar — algo o estava deixando louco. Um tênue véu de miasma vazou de sua boca.
Com um sorriso heroico nos lábios, Cheborg ajeitou o boné. “Oh! Nada mau, não é? Hey! Deixe-me ficar com este, ok? Que tal?”
“Faça como quiser! Vamos, Ange.”
“Tenha cuidado, General...”
Deixando Cheborg com o grande dragão, Angeline seguiu Dortos mais adiante no corredor. Ela ouviu uma respiração ofegante e olhou para o lado. Dortos estava ficando um pouco sem fôlego. Ele massageou o peito, acalmando os pulmões doloridos.
“Tsk... Por que tive que envelhecer...”
“Tudo bem, Vovô Prateado...?”
“Não é nada. Não precisa se preocupar, Ange.” disse Dortos, sorrindo.
Ange, por outro lado, franziu a testa. “Vovô... Isso é aparentemente o que eles chamam de ‘bandeira da morte’.”
“E o que deveria significar?”
“Estava em um livro que li.”
“Não entendo esses jovens e suas palavras inovadoras...” Dortos suspirou.
Os dois destruíram muitos outros monstros em seu caminho. A presença foi ficando cada vez mais densa, e Ange podia sentir a sensação de formigamento cada vez mais forte ao seu lado. Ela havia lutado com muitos monstros de Rank S antes, mas nenhum deles se sentia assim.
Esta será a primeira vez para mim. Angeline tremia de excitação. Não era medo — ao contrário, a jovem se encontrou esperançosa de lutar contra um inimigo formidável.
“Heh...” Angeline renovou seu aperto em sua espada, e cortou direto através de um monstro invasor. Seu sangue ferveu.
Ela logo se viu em uma vasta câmara, onde parou. O teto era redondo, como uma cúpula, mas todas as superfícies ainda estavam cobertas por aquela substância doentia, tremeluzindo e pulsando. Os monstros desapareceram de repente no momento em que entraram naquele espaço. Estava cheio de uma atmosfera peculiar e as agulhas de mana estavam quase como se cravando em sua carne agora.
Havia algo no centro. Era como uma sombra negra, porém tinha uma forma humana. Era pequeno, agachado no chão como um bebê, balançando para a esquerda e para a direita.
“Isso é... Um demônio?”
“Fique alerta, Ange. Algo parece errado.” Dortos se posicionou logo depois com sua lança.
A sombra murmurou enquanto balançava. Angeline afiou seus ouvidos para ouvi-lo.
“Mestre... Mestre... Onde você foi...? Estou sozinho... Tão sozinho.” repetiu baixinho com uma voz infantil.
Angeline inclinou a cabeça. Fosse o que fosse, sem dúvida era o centro da distorção. No entanto, tanto quanto poderia dizer, não significava nenhum dano. Deu uma impressão ridícula de inocência, o que só o tornou mais estranho.
Angeline, como se estivesse em transe, aproximou-se e começou a falar com o demônio. “Hey... Por que está tão triste...? Quem é o seu mestre?”
“Ange?” Dortos gritou.
Um arrepio percorreu sua espinha e imediatamente saltou para o lado. A criatura estava agora onde estivera um instante antes.
“Sozinho... Tão sozinho... Se eu matar mais... Poderei vê-lo de novo...?”
Olhos brotaram no que era provável que fosse seu rosto, fitando Ange. Suas pupilas estavam totalmente pretas, cheias de loucura; era como se Angeline seria sugada se seu olhar permanecesse.
A lança de Dortos avançou como o vento. A coisa levou o golpe de frente e foi enviada voando de volta.
No entanto, Dortos estalou a língua. “Não consigo perfurá-lo... Parece que não é chamado de demônio à toa.”
No final de seu voo, a coisa espatifou no chão, então, lenta e instável, ficou de pé. A criatura estendeu os braços para frente como uma criança inocente estendendo a mão para a mãe, como se quisesse ser abraçada.
Angeline respirou fundo e preparou sua espada.
“Desculpe, Vovô Prateado... Baixei a guarda.”
“Fico feliz em tê-la de volta... Aí vem.”
Os dois correram em direções diferentes. A sombra estava decidida a atacar Angeline, saltando em sua direção muito mais rápido do que um lobo. Os olhos haviam desaparecido de sua face aparente, e tudo o que restava era um grande corte vermelho de uma boca, alinhada com várias fileiras de presas afiadas.
No entanto, Angeline ainda era uma aventureira Rank S; contanto que não fosse pega de surpresa, sua velocidade tão pouco seria ameaçadora. Ela descobriu que o mana distorcido envolvido em seu torno era bastante irritante, mas não o suficiente para entorpecer seus movimentos.
Angeline abaixou sua postura e cortou quando veio em sua direção. Sua lâmina acertou com surpreendente facilidade; nem mesmo fingiu se esquivar. No entanto, ele foi apenas empurrado para trás sem ser cortado de novo.
“Hrah!” enquanto a figura sombria voava, Dortos circulou e enfiou sua lança através dela com um ímpeto monstruoso. Ele investiu de novo, e de novo, sua rajada caindo sobre o demônio com a força de uma chuva de meteoros.
Até mesmo o ser sombrio lutou para suportá-lo, explodindo e colidindo com a parede com um som áspero. No fim, caiu no chão, entretanto ainda cambaleou para ficar de pé.
“Mes... Tre... Tão solitário...”
“Desapareça!” Dortos se retorceu, enrolando todo o seu corpo como uma mola, e usou essa força em seu próximo impulso. Raríssimas vezes esse movimento falhou em significar a morte certa para seus antigos inimigos.
Mais uma vez, a sombra recebeu o impacto da lança — ou assim parecia.
“Hmm?” os olhos de Dortos se arregalaram de surpresa. A criatura pegou sua lança com as presas e mordeu a ponta, exercendo cada vez mais força. Sua lança de prata fez um barulho como se estivesse gritando.
Angeline usou sua imobilidade como uma chance de chutá-lo bem no meio do abdômen, dando-lhe um salto mortal ao longo do chão até que se chocasse contra a parede.
“Você está bem, Vovô Prateado...?”
“Desculpe por isso, Ange. E pensar que poderia quebrar uma lança revestida de magia...”
Havia fissuras e cortes na lâmina. Dortos fez uma careta com essas feridas imprevistas que adornavam o camarada que o havia feito passar por bons e maus momentos por muitos longos anos.
“Eu cuido disso.” Angeline saiu. “Recue.”
“Tudo bem... Que patético da minha parte.” Dortos saltou para trás, recuperando o fôlego frenético.
A coisa saltou uma vez mais e, com a boca aberta, mordeu a espada de Angeline. A jovem mirou em seu estômago e o chutou para cima. Quando largou sua espada, cambaleando com o impacto, Angeline enrolou seu corpo e estocou.
Dortos teve que duvidar de seus olhos por um momento. O que havia acabado de fazer foi quase idêntico ao seu próprio ataque, utilizando esplendidamente a mola de seu corpo inteiro. No entanto, mesmo assim não foi capaz de perfurá-lo.
Angeline estalou a língua. O demônio bateu na parede, onde cambaleou de novo. No entanto, embora parecesse que havia sofrido um pouco de dano, no instante seguinte estava vindo em direção a Angeline tão rápido quanto antes. Seus movimentos foram ficando cada vez mais precisos, como se lutar com Angeline estivesse fazendo com que se lembrasse de como lutar.
Angeline acelerou para igualar. O confronto foi aos poucos ficando tão intenso que o próprio Dortos teria hesitado em entrar, mesmo que sua lança estivesse em um estado utilizável.
Aproximando-se, retirando-se, aproximando-se de novo... Angeline sentia um arrepio cada vez que suas presas afiadas roçavam seu corpo. Suas mãos também eram assustadoras. Não tinha garras ou unhas em seus braços chatos e inexpressivos, mas ficava arrepiada cada vez que evitava um golpe. Essa coisa era como uma massa altamente densa de mana e, era provável que um golpe limpo apagaria todo seu braço.
Quanto tempo fazia desde que ela sentiu que sua vida estava em perigo? Pelo contrário, isso acendeu um fogo em sua alma. O braço da espada e as pernas de Angeline estavam se movendo antes que seus pensamentos os alcançassem. Cada vez que acelerava, era como se o mundo tivesse desacelerado. Apenas a coisa que enfrentava agora parecia se mover junto em seu combate.
Depois de várias dezenas de trocas, Angeline o mandou voando com sua espada. Não conseguia cortá-lo, não importa quantas vezes atacasse. Isso parecia um total desperdício de esforço.
Ao menos sente fadiga? Angeline não sabia.
Contudo, parecia ficar instável toda vez que recebia um ataque, então seus esforços deveriam ter feito alguma coisa. Angeline estava um pouco sem fôlego e sangue escorria de suas feridas superficiais. Todavia, não podia desistir — para não mencionar, esse era o próprio ser que a impedia de ir para casa.
Essa coisa está entre mim e meu pai. O pensamento foi o suficiente para inflamar sua raiva.
Ele ainda estava murmurando, mesmo enquanto ambos lutavam, como se não tivesse visto Angeline. “Quero... Ver você... Mestre... Onde você está...? Ba’al tem sido bom...”
“Não sei quem quer encontrar... Porém também tenho alguém que quero ver.”
Angeline assumiu com calma sua postura e se concentrou. O mana dentro de seu corpo serpenteou e girou, e ela podia senti-lo circular como sangue por todo seu corpo a cada respiração. Através das pontas dos dedos, através de sua espada — o mana prendeu sua lâmina e mão como uma. Sua espada respondeu a isso com um brilho intenso.
“Se quer tanto vê-lo... Pare de vagar por aqui e encontre-o!” Angeline deu o pontapé inicial. O demônio veio em sua direção, suas presas à mostra.
Eles se encontraram — e sua espada o atravessou.
“Mes... Tre…”
Seu ombro estava ardendo; podia sentir o sangue escorrendo. Angeline não tinha perdido o braço, contudo não conseguia exercer nenhuma força mais com ele. Eu coloquei muito naquele ataque?
Angeline caiu de joelhos e Dortos a apoiou antes que desabasse no chão. Angeline tentou se concentrar, mas estava sem fôlego depois de colocar tudo no confronto final. Ainda assim, conseguiu levantar o rosto.
“Vovô... Como foi...?”
Dortos sorriu gentilmente e a cutucou em sua direção. Olhando por cima de seu ombro. Estava no chão em dois pedaços. Seu corpo fervia e borbulhava até que por fim começou a derreter. Ela podia sentir o mana distorcido se dispersando. A substância sinistra que cobria as paredes desbotou, perdeu sua luz e se desintegrou.
Angeline olhou para Dortos. “Nós ganhamos...?” perguntou depois de um momento.
“Sim, é a nossa vitória. Muito bem, Ange.”
A energia foi drenada em seu alívio, e ela quase desmaiou. Dortos a segurou freneticamente mais uma vez, enquanto a Valquíria de Cabelos Negros caía em um sono profundo e pacífico.
○
Enquanto os aventureiros se preparavam para partir, a masmorra abandonada foi deixada em silêncio. Atrás dos restos da criatura estava alguém alto e encapuzado, vestindo uma túnica toda branca em forte contraste com a escuridão.
A figura olhou para a coisa, agora uma poça negra de líquido derretido, e estalou a língua.
“Em que estado patético eu te encontrei...” a figura falou em voz baixa — ao que indicava, a voz de um homem. A pessoa vestida colocou a mão sobre a poça e começou a cantar. As pontas de seus dedos brilharam, a piscina cintilando em sua luz. Logo, uma pequena sombra apareceu na poça, atraindo o líquido para dentro de si como uma esponja. A coisa oscilou para a esquerda e para a direita antes de perceber o homem.
“Mestre... Mestre?”
Cambaleou em sua direção, estendendo os braços. No entanto, o homem chutou-a com força em frustração.
“Tolo! Pareço com Salomão para você?”
A sombra rolou pelo chão antes de ficar de pé.
“Mestre...? Onde...? Ba’al está... Bem aqui...”
O homem de manto estalou a língua de novo. “Basta. Apenas fique quieto até que recupere seu poder.” ele acenou com a mão; a coisa flutuou no ar, antes de se condensar em uma pequena pedra preciosa preta e se estabelecer em sua palma.
O homem de manto enfiou-o no bolso e murmurou: “Fui muito apressado...? Não, julguei mal a guilda de Orphen. Pensei que eram incompetentes, contudo conseguiram farejar este lugar... Pior ainda, é a Valquíria de Cabelos Negros... Mas tanto faz. Ainda nem começamos.”
Ele girou nos calcanhares e foi embora.
○
Angeline abriu os olhos e se viu na enfermaria da guilda. Anessa e Miriam estavam sentadas ao seu lado com olhares ansiosos em seus rostos. Quando acordou, os olhos de Miriam se encheram de lágrimas e ela se agarrou a Angeline.
“Ange! Graças aos deuses! Pensei que você estava morta!”
“Não foi nada tão grandioso assim, Merry... E espere, meu ombro dói... Dói, estou falando!”
“Vamos, Merry, Ange disse que dói.”
Seguindo a sugestão de Anessa, Miriam se separou com um soluço.
“Porém estou feliz que esteja bem... Você de fato derrotou um demônio.” apesar do sorriso irônico de Anessa, seus olhos até estavam um pouco turvos.
Há quanto tempo estou desmaiada? Angeline inclinou a cabeça. Enquanto seu ombro estava enfaixado, o resto de sua roupa havia sido deixada intacta. Seu ombro latejava e ainda não havia se recuperado do cansaço. De acordo com suas amigas, seu sono durou toda a viagem de volta. Já havia escurecido, no entanto o dia até então não havia acabado, e o saguão da enfermaria estava em um tumulto. Os outros aventureiros pareciam estar discutindo algo ali.
“Todos ainda estão aqui...?”
“Sim, embora Maria tenha ido embora dizendo que sua garganta doía.”
“Uma mulher que com certeza tem o coração frio, aquela bruxa com roupas de adolescente!”
Miriam fez beicinho. Angeline riu. Embora a mulher pudesse ser bastante cáustica, era fácil imaginá-la se preocupando com Angeline em segredo.
Seu ombro doía, contudo ainda conseguia ficar de pé. Ela cambaleou e saiu com a ajuda de Anessa e Miriam.
No saguão, os aventureiros que participaram da caça ao demônio se aglomeraram em volta das mesas e se encostaram nas paredes, falando sobre isso e aquilo. Eles pareciam estar trocando suas opiniões francas sobre para onde a guilda se dirigia a partir de então.
O clamor foi substituído por aplausos assim que avistaram Angeline. Todos se levantaram, segurando suas armas e levantando suas vozes.
“Angeline! A Valquíria de Cabelos Negros!”
“A Heroína Matadora de Demônios!”
“Guardiã de Orphen!”
“Parem com isso... Estão me fazendo sentir estranha...” Angeline se remexeu timidamente, suas bochechas ficaram vermelhas.
Cheborg deu um tapinha rude em sua cabeça com uma risada. “Ahahahaha! Uma matadora de demônios! Sabia que iria conseguir, Ange! Não posso acreditar que te deixei me dar uma bronca!”
“General Musculoso... Meu ombro dói, por favor, deixe-me sair ilesa só hoje...”
“Eh? O que? Disse alguma coisa, Ange?”
“Sr. Cheborg, Ange machucou o ombro. Por favor, não seja tão violento.” Lionel puxou a mão de Cheborg. Então ele se virou para Angeline e baixou a cabeça. “Ange, querida Ange, você tem minha maior gratidão. Agradeço como mestre da guilda de Orphen. Sinto muito mesmo por minha incompetência. É graças sua ajuda que a cidade — e, por extensão, nossa guilda — está segura. Não posso te agradecer o suficiente. Oferecerei algo apropriado assim que as coisas se acalmarem, então—”
“Mestre da guilda.” Angeline interrompeu, parecendo bastante descontente. “É bem assustador quando age com tanto respeito... Pare.”
“C-Claro.” os aventureiros riram e cutucaram Lionel provocando-o. Lionel coçou a cabeça com um sorriso amargo. “Tudo bem, bem, como de costume então... Em qualquer caso, deve ter acabado principalmente depois de limparmos os monstros restantes da classe Calamidade. É tudo graças a sua ajuda por cuidar do demônio. Obrigado.”
“Entendo... Então, há um pouco mais de trabalho a fazer?”
“Não, sobre isso...”
Lionel olhou para os outros aventureiros. Dortos acenou-o em encorajamento, com as mãos na cintura. “Nós vamos cuidar do restante. Então, Ange, tire as férias que sempre sonhou. Ninguém vai te segurar. Na verdade, não haverá mais necessidade de tirar férias, você deve ficar livre para aceitar os trabalhos que quiser.” declarou o mestre da guilda.
“Mas...”
“Ahahahaha! Não se preocupe, Ange! Esse ponto só serve para mostrar que ainda temos alguma fúria dentro de nós! É muito embaraçoso quando digo em voz alta!” Cheborg disse, arrancando risos e acenando com a cabeça dos aventureiros aposentados.
“Então vocês estarão de volta por enquanto?” perguntou Ange.
Lionel acenou com a cabeça e encolheu os ombros. “É assim que será. Com a ajuda dos antigos aventureiros, estou pensando em conduzir uma reestruturação fundamental da guilda... Essa experiência de fato deixou claro que precisamos nos livrar de toda a burocracia e formalidades inúteis. Precisamos definir Orphen como uma guilda regional independente com seu próprio sistema ou se não... Portanto, não é hora de relaxar.”
“Naturalmente. Não há como dizer quando algo parecido vai acontecer de novo. Lionel, você deixou ficar tão ruim, então faz sentido que deva reconstruí-lo de forma adequada. Vou ficar de olho em tudo para garantir.”
“Então que tal trocar comigo, Sr. Dortos? Não há muito sentido em colocar um incompetente em um trabalho...”
“Já ultrapassamos o ponto sem volta — assuma a responsabilidade até o fim. Contanto que não tome tudo de forma tola para si mesmo, não falhará tanto.”
Ao ouvir isso, Cheborg abriu um grande sorriso. “Por que está encenando, Dortos? Só quer fazer uma cena porque está frustrado com aquele demônio quebrando sua lança! Posso dizer, eu garanto!”
“Ah, cale a boca, seu idiota...”
“Aha... Ha... Sigh... Mas vai ficar agitado. Preciso ter uma conversa adequada com nosso senhor feudal sobre as defesas da cidade... Em vez disso, estamos completamente sem dinheiro. Primeiro, vou precisar de um plano para levantar alguns... Ah, cara. Sabe, o mestre da guilda deveria ser o tipo de figura de proa para incompetentes... Estou contando de verdade com vocês, ok?” Lionel suspirou.
Angeline sorriu, satisfeita.
Depois que relaxou, seu estômago começou a roncar. Ela precisava comer alguma coisa. Eu vou para o bar de sempre, pensou. Angeline se virou para sair e começou a andar quando Cheborg a parou.
“Pensando a respeito agora, Ange!”
“O que foi, General?”
“Tive notícias de Lionel! Estou surpreso que tenha aguentado esta situação! Foi um fardo enorme, né? Qualquer aventureiro normal teria se cansado e fugido para outra guilda há muito tempo! Diabos, é o que eu teria feito!”
Dortos acenou com a cabeça. “Com certeza. Caça após caça, todas as horas do dia. Nenhum aventureiro de espírito livre deveria ter que suportar algo assim. Além do mais, você quer ver seu pai, não é? Poderia ter ignorado seus pedidos e ido mesmo assim. Enquanto a guilda se deparava com uma situação sem precedentes, eram um pouco autoritários. Sua reputação de aventureiro não teria sofrido se partisse.”
Lionel coçou a cabeça um tanto desajeitado. “Eu sei, certo... Minhas mãos estavam ocupadas, mas foi totalmente minha culpa.”
Angeline encarou-os com uma expressão vazia no rosto. “Quer dizer... Se fizesse isso, seriam os civis que sofreriam. Não a guilda. Como o chefe da taverna, as crianças no orfanato e os padeiros na confeitaria... Meu pai me disse que é natural que aventureiros fortes ajudem os fracos... Ele não ficaria orgulhoso de mim se eu abandonasse Orphen para voltar para casa.”
Dortos, Cheborg e os outros aventureiros ficaram atordoados por um momento, antes de explodir em gargalhadas repentinas. Todos e cada um riram do fundo de seus corações com tanta força que o edifício estremeceu desde os alicerces.
“Isso é um inesperado! Ange! Você tem um ótimo pai aí!”
“Penso a mesma coisa... Meu Deus. Estou tão velho, mas ainda tenho que crescer muito...”
“Então não deixou a guilda por causa de seu pai... Essa é mais uma pessoa a quem este velho deve...”
As velhas mãos gargalharam do mestre da guilda. Anessa bagunçou o cabelo de Angeline, parecendo emocionada, enquanto Miriam a agarrava em lágrimas. Vendo todos os aventureiros animados, Angeline orgulhosamente esticou o peito e declarou: “Isso mesmo! Meu pai é incrível! As pessoas o chamam de o Ogro Vermelho, Belgrieve! O Ogro Vermelho! Lembrem-se do nome!”
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