Capítulo 08: A Oeste de Orphen Havia um Deserto
A oeste de Orphen havia um deserto repleto de rochas de todos os tamanhos. Neste lugar, um padrão geométrico complexo apareceu e permaneceu no ar por um breve segundo, antes de uma poderosa torrente de relâmpagos jorrarem dele. Os demônios-aranha que estavam correndo ao redor da área estavam totalmente pretos.
“Há mais de onde veio esseeee!” cada vez que Miriam balançava com leveza seu cajado, mais padrões apareciam no ar e relâmpagos caíam um atrás do outro.
Angeline e Anessa assistiram por trás.
“Magia com certeza é útil para exterminar hordas...”
“É... Porém você acha que Merry está estressada ou algo assim?”
A força por trás da magia de Miriam estava longe do normal. Parecia enfurecida.
Angeline sorriu. “Tenho certeza... O bolo que Merry queria estava esgotado.”
“É triste dizer que não posso negar a possibilidade.”
Anessa habilmente encaixou três flechas, puxou seu arco e atirou. Essas flechas perfuraram com precisão as sobrancelhas de três aranhas que o raio poupou antes de explodir em chamas. Ao que parece, seus projéteis foram gravados com feitiços para fazê-los explodir.
A onda de choque atingiu a aba do grande chapéu de bruxa de Miriam, fazendo-o voar para o ar.
“Whoa.” Angeline exclamou enquanto corria e o pegava.
Em algum momento, as aranhas que lotavam o deserto foram aniquiladas por completo. As garotas pareciam estar imperturbáveis, apesar do fato de que as aranhas eram monstros Rank AA da classe Calamidade.
Angeline se espreguiçou. “Anne, apresse-se e torne-se Rank S, para que eu possa ter algum tempo livre...”
“De onde veio essa...” Anessa suspirou.
Miriam, enquanto isso, correu até as garotas em uma rajada de movimento. “Aaah, meu chapéu.”
No topo de sua cabeça descoberta repousavam duas orelhas de gato se contorcendo. Era difícil dizer, já que Miriam sempre escondia aquelas orelhas sob o chapéu, contudo a jovem era um homem-fera; seu manto solto também escondia um rabo.
Enquanto ela caminhava mancando, Angeline entregou-lhe o chapéu.
“Aqui.”
“Obrigado, Ange.” Miriam o pegou e puxou para baixo até quase cobrir seus olhos. Seu corpo tremia. “Woooo, esta friiiio. É sem dúvida inverno agora.”
“Certo. Vamos voltar para um pouco de vinho quente.”
As três fizeram as malas e voltaram para Orphen. Ao longo do caminho, as nuvens espessas que surgiram desde a manhã ficaram ainda mais escuras até que por fim começou a nevar. O vento estava gélido, como se estivesse picando sua pele. As orelhas e narizes expostos ficaram vermelhos com a brisa, e suas respirações formaram uma névoa branca antes de derreter no céu cinza perolado de inverno.
Orphen ficava na parte norte do continente e seus invernos eram frios. No entanto, Turnera estava ainda mais ao norte, e Angeline não se importou com isso. Quando era mais nova, costumava brincar na neve com roupas leves, dando a Belgrieve uma grande dor de cabeça.
Soltando um suspiro longo e invernal, Anessa murmurou: “Inverno, hein... Não gostaria que minhas mãos ficassem dormentes.”
“As pontas dos dedos de um arqueiro são sua tábua de salvação. Que tal conseguir luvas?”
“Não, estou acostumada a atirar com as mãos vazias. Talvez luvas sem dedos.”
“Que tal, em vez disso... Usarmos a incapacidade de Anne para trabalhar no inverno como um motivo para sair. Então vou para Turnera. Perfeito.”
“Lá vai você de novo... Em primeiro lugar, a neve é muito forte nessas partes para chegar ao norte.”
“Urgh...” Angeline resmungou.
“Eu, pelo menos, quero um dia de folga. Quero férias.” Miriam entrou na conversa.
Elas haviam recebido pequenos intervalos desde o início do outono, embora Angeline não se lembrasse de ter tido mais do que três seguidos. As garotas caçavam e caçavam, no entanto os monstros não mostravam sinais de se acalmar — na verdade, pareciam mais ativos agora do que nunca. Nos últimos tempos, seu grupo estava sendo chamado para lidar com os monstros do Rank A também. Eram tantos que os aventureiros estavam ficando fartos e deixando Orphen aos poucos.
“A guilda está enfrentando uma séria escassez...” Angeline murmurou.
Anessa acenou com a cabeça em concordância. “Sim, também acho. Não me importo se são apenas Rank B, precisamos de mais aventureiros a bordo.”
“Muitos aventureiros estão deixando Orphen... Mesmo os de alto escalão estão começando a partir. Isso não é bom.”
“Quero dizer, eles não têm tempo para recuperar o fôlego com tantos monstros surgindo. Rumores sobre as condições de trabalho aqui também estão se espalhando.”
“Certo? As pessoas geralmente ficam felizes com o quanto as missões dos classes calamidades pagam, mas agora estão apenas cansadas.”
“Exato. Sem falar que aventureiros são pessoas que não gostam de ser amarrados.”
“Precisamos pensar em algo...”
Em qualquer caso, as três voltaram para a guilda e relataram o cumprimento de seu pedido. A recepcionista sorriu, contudo parecia um pouco exausta ao carimbar o selo de aprovação.
Angeline fez uma careta. “Está cansada...?”
“Eu? Não, hahaha... Pelo menos, não tanto quanto vocês, aventureiros.”
“Hmmm...”
Miriam se espreguiçou. “Tudo bem, vamos para a taverna. Quero um pouco de vinho doce com especiarias.”
“Vá na minha frente.”
“O que está errado? Algo aconteceu?”
“Apenas alguns pequenos negócios. Vou me encontrar com você mais tarde.”
“Ok...? Bem, tanto faz.”
Anessa e Miriam inclinaram a cabeça interrogativamente, mas foram embora de qualquer maneira. Angeline se voltou para a recepcionista.
“Hey, o mestre da guilda está...?”
Ouvindo como Angeline parecia zangada, a recepcionista estremeceu e começou a entrar em pânico.
“U-Uhh, er... Por que a pergunta? Algo está errado?”
“Acha mesmo que não há nada de errado aqui...? Estou aqui para falar sobre negócios sérios — mais sérios do que o normal. Não finja que ele não está — chame-o aqui.”
A recepcionista hesitou, porém acabou desistindo e saiu pela porta dos fundos. Um tempo depois, um homem de meia-idade com cabelo castanho desgrenhado salpicado de manchas brancas emergiu — o mestre da guilda de Orphen, Lionel.
Parecendo exausto, Lionel bocejou e coçou a cabeça devagar. Talvez não tivesse tido tempo de consertar a cabeceira da cama, pois seu cabelo estava uma bagunça completa, brotando de um lado para o outro. Seus olhos se estreitaram com tristeza e deu uma impressão de que estivera dormindo até um momento atrás.
Angeline bufou carrancuda. “Você saiu hoje, Mestre da Guilda. Em vez de fugir...”
“O que quer? Precisará esperar um pouco mais pelas férias, Sra. Ange.”
“Não estou aqui para isso hoje... Há poucos aventureiros. Em primeiro lugar, é estranho que os aventureiros de alto escalão tenham qualquer obrigação para com a guilda. Os aventureiros não devem ser amarrados. Eles deveriam ser livres para decidir quais trabalhos aceitar... É por esse motivo que os aventureiros estão fugindo de Orphen.”
Lionel coçou a bochecha. “Bem, sabe como é, com os surtos anormais de monstros da classe Calamidade e tudo mais. Se fosse deixado ao livre arbítrio, teríamos civis mortos em nossas mãos, junto com todas as cidades destruídas...”
“Então, apresse-se e veja o que está causando esse surto em massa. É injusto que somos nós que temos que lidar com todo problema...”
“Sinto muito por tudo — e muito grato também. Contudo quando você foi promovida a Rank A, expliquei que os aventureiros de alto escalão eram obrigados a ajudar a lidar com os monstros da classe Calamidade, não foi?”
“E quem riu e disse: ‘Mas são raras as vezes que acontece.’?”
“Os regulamentos eram muito frouxos porque nunca houve tantos monstros da classe Calamidade naquela época. Pode mesmo me culpar agora?” Lionel reclamou. “De qualquer forma, honre suas promessas. Aqueles com poder têm certas obrigações.”
“Se você não está fazendo nada para consertar o problema... Pelo menos tenho o direito de reclamar!” Angeline disse, batendo as pontas dos dedos contra o balcão.
Lionel estava começando a parecer frustrado. “É por isso que aumentei suas recompensas de trabalho e estou pagando-a um salário fixo também. Não costumávamos fazer esse tipo de coisa, sabe? Na época em que estava no seu lugar—”
Angeline o interrompeu. “Não é pelo dinheiro! Não me tornei uma aventureira para passar todas as horas do meu dia matando monstros! Não pense que pode tirar vantagem de nós para sempre... Os aventureiros estão todos indo embora! Se não encontrar a causa logo, só vai piorar!”
“Ugh... Sim, eu concordo, no entanto investigar esse evento também é trabalho de um aventureiro. Os monstros estão surgindo mais rápido do que podemos controlar, e não temos ninguém que possamos enviar para investigar. Não podemos apenas ignorar vidas humanas para enviar pessoas para descobrir a causa, e o mesmo vale para as outras guildas. Eles estão enviando todo o seu trabalho para nós, já que temos a maioria dos aventureiros, o que é bastante preocupante. E graças a isso, este velho está todo esgotado.”
Angeline franziu a testa. “Não se faça de bobo, Mestre da Guilda... Tudo que está fazendo é negligenciar isso porque não quer ser incomodado! Se não tem o pessoal, então pode explorar alguns mercenários ou arrastar alguns aventureiros aposentados, e se não houver aventureiros em torno de Orphen, então peça reforços a Estogal! Ora, poderia até colocar o exército do duque para trabalhar também! Não é mais apenas um problema para aventureiros!”
Lionel fez uma careta estranha. “Quero dizer... Se sobrecarregar mais, este velho vai trabalhar até a morte. Já tenho trinta e nove anos.”
“O que está dizendo, depois de todo o trabalho que me colocou para fazer... Você não está mais arriscando sua vida na linha de frente, então fique um pouco mais firme! É por essa razão que os aventureiros estão indo embora!”
Angeline bateu o punho contra o balcão. A recepcionista gritou e deu um passo para trás enquanto as rachaduras ficavam ainda mais profundas.
“Entendo, entendo.” Lionel desistiu. “Há muita papelada para fazer, então não posso resolver ainda, mas vou tentar.”
“É uma promessa, Mestre da Guilda... Se não se apressar, sem dúvida haverá mais mortes.”
“Bem, agora, se realmente chegar a esse ponto, vou apenas ser um pouco mais sério. Já sabe, apesar de tudo, eu costumava ser Rank S.”
Angeline zombou das tentativas de Lionel de acalmá-la. “Está agindo de forma bastante presunçosa para alguém que perdeu para mim com um golpe...”
“Hey! Você prometeu não contar! É mentira! É tudo mentira! O mestre da guilda ainda é o mais forte por aqui!” caindo em um desânimo estúpido, Lionel começou a dar desculpas em voz alta para ninguém em particular. A recepcionista o encarou.
Era uma vez há algum tempo, Lionel se divertia com o ritmo tremendo com que Angeline subia na hierarquia e a desafiou para uma batalha simulada. Uma parte dele queria humilhar uma garotinha que estava ficando um pouco grande para suas calças, porém tudo resultou em Lionel desmaiando com um golpe certeiro na cabeça.
Então implorou a Angeline que mantivesse segredo, na esperança de proteger sua dignidade como mestre da guilda. No entanto, Lionel nunca teve dignidade para começar. Ninguém diria em voz alta, contudo o sentimento era compartilhado por todos, desde as recepcionistas aos aventureiros. A amabilidade de Lionel era seu ponto forte e sua maior falha; em uma situação como essa, sua atitude frívola apenas convidava à irritação.
Mesmo assim, Angeline tinha sua palavra agora, e ela deixou a guilda com os ombros erguidos indignada.
A neve estava caindo aos poucos e cada vez com mais força das nuvens escuras e espessas. Ainda não era meio-dia e, ainda assim, os postes de luz já estavam sendo acesos.
A taverna não tinha aquecimento mágico, mas estava apinhada de gente que Ange quase engasgou com a temperatura quente dos bêbados debatendo veementemente enquanto uma chama vermelha ardia na lareira. Na verdade, os ventos gelados soprando pelas aberturas pareciam revigorantes para ela.
Angeline procurou por um bom tempo por Anessa e Miriam, encontrando as duas no bar. Se sentou junto as garotas, apoiando a cabeça com a mão, e chamou o proprietário do outro lado do balcão.
“Um vinho quente — encha-o com especiarias. Além disso, um pato refogado.”
Enquanto o proprietário estava ocupado com outros clientes, olhou para Angeline e acenou com a cabeça. O proprietário já conhecia seu rosto — embora fosse bastante antissocial ao ponto de Angeline não saber seu nome.
As bochechas de Miriam já estavam vermelhas enquanto saboreava seu vinho e perguntou: “O que foi fazer?”
“Me assegurar de que alguém investigaria a causa desses surtos de monstros.” Anessa passou-a um pouco de queijo.
“Acha que vai dar certo? Os aventureiros de alto escalão estão todos empenhados em outros trabalhos — se já não fugiram para outras guildas. Quem vai investigar o incidente?”
“Poderiam chamar alguns de seus aposentados... como Vovô Prateado ou o General Musculoso.”
“Pare de chamar o Sr. Cheborg de General Musculoso... Ambos estão ficando muito velhos. Talvez não estejam dispostos.”
“Acha mesmo que seria o caso, Anne...?”
“Não... Sendo honesta, não consigo imaginar a velhice fazendo qualquer coisa para detê-los.” Anne respondeu depois de um momento.
“Certo? Não consigo entender por que se aposentaram em primeiro lugar...”
Angeline tomou um gole cauteloso do vinho quente colocado à sua frente. Estava cheio de mel e especiarias, exalando um aroma forte e doce que a fez sentir como se um fogo tivesse sido aceso nas profundezas de seu corpo. Quando atingiu a idade para beber, Angeline sempre o beberia no inverno. Ao mesmo tempo, o pato estava mais suculento do que o normal — uma verdadeira iguaria.
Aos poucos, Angeline podia ouvir o vento externo ficando mais forte, sacudindo as janelas lacradas com o som de chicotes. Cada vez que alguém entrava ou saía, o vento soprava um pouco de neve pela porta. Com certeza seria uma noite fria.
Quando morava em Turnera, Angeline passava noites como essa agarrada a Belgrieve enquanto dormia. Os braços de Belgrieve eram grandes e quentes e a deixaram dormir em paz. Depois de decidir ir para Orphen, ela fez o possível para aprender a dormir sozinha, mas nas noites mais frias, ou quando se sentia mais desamparada, se esgueirava para a cama de qualquer maneira. As mãos de Angeline eram frias por natureza, então Belgrieve sempre se assustava, porém sorria e a deixava dormir junto.
Angeline soltou um suspiro profundo. “Papai era caloroso...”
“O que é que foi isso?”
“Disse que meu pai é bastante caloroso se o abraçar. É perfeito para dias frios como este.”
“Você sem dúvida é uma menina mimada, Ange. Ahaha.” Miriam gargalhou.
Angeline franziu os lábios. “Não há nada de errado em uma filha ser amada pelo pai... E vocês duas?”
“Hã? Somos órfãs, lembra? Deveríamos dormir separadas, porém não é como se o advento do inverno aumentasse de repente o número de cobertores, então alguns de nós se acomodariam na mesma cama e colocariam nossas cobertas para dormir.”
“Certo, certo. Anne, sabe — não é boa com frio, então ela se agarraria a mim.”
“O qu...” Não seja tola! Era você aquela que se agarrava em mim! Me agarrando com essas mãos frias!”
“Mmm-ha-ha-ha, a reviravolta é um jogo limpo.”
Angeline por fim percebeu que Miriam já havia bebido várias xícaras de vinho quente, o que a deixou de bom humor. Suas bochechas rosadas ficaram mais vermelhas, seus olhos estavam desfocados e seguiu bajulando Angeline e Anessa.
“Meowwwn, me sinto ótimo.”
“Ah, sua idiota, bebeu demais. Você não é exatamente boa em beber.”
“Tempo frio. Boas bebidas. O que mais há a dizer?”
“Estou te arrastando de volta antes que seja tarde demais... Ange, o que vai fazer?”
“Vou beber um pouco mais. Para desabafar minha frustração...”
“Aaah, shim, intaum nus vemus amania taben...”
“Chega! Te vejo amanhã, Ange — não exagere com as bebidas.”
Miriam se debateu enquanto Anessa a arrastava para fora da loja. Ao que parecia, as duas compartilhavam uma pequena casa. Elas dormiriam na mesma cama em uma noite fria como esta? Angeline imaginou a cena enquanto colocava o último pedaço de pato na boca.
Agora sozinha, Angeline pediu outro vinho quente, uma salsicha grelhada e um pouco de rabanete em conserva. Olhando ao redor da taverna. Havia várias pessoas que pareciam aventureiras, mas talvez todos estivessem exaustos, já que até sua festa parecia um pouco cansativa.
Se a guilda conseguisse explorar alguns mercenários ou andarilhos habilidosos, ou se os aposentados de alto escalão retornassem, o número de aventureiros poderia se recuperar. Ou, se o exército do senhor partisse, os aventureiros teriam margem de manobra suficiente para investigar a causa. Descobrir a causa tornaria tudo mais fácil de lidar, e o fardo colocado em Angeline e em todos os outros seria substancialmente reduzido. Mesmo ex-aventureiros que não puderam aceitar trabalhos devido à idade avançada ou lesão poderiam, pelo menos, orientar os de escalão inferior. Se a qualidade dos aventureiros aumentasse, no final das contas seria mais fácil para Angeline tirar uma folga.
“Porém vai funcionar tão facilmente...?”
Pensando bem, seu pai tinha sido um excelente professor. Nunca falava muito, contudo estava sempre me observando e dava conselhos quando necessário. Se meu pai pudesse se tornar um instrutor... Assim que pensou até aquele ponto, um relâmpago de repente passou por seu cérebro.
“Por que não percebi isso antes...” Angeline disse pausando.
Em vez de ir para casa sozinha, poderia só deixar Belgrieve vir para a capital. Seria mais do que possível sustentá-lo com sua renda.
Angeline tentou imaginar os dois alugando uma grande casa. Cada vez que completava um pedido e voltava para casa, seu pai estaria lá para dar um tapinha em sua cabeça. Poderia comer as refeições que ele preparava. É claro, também seria muito mais fácil apresentar seus amigos a ele. Sem mencionar que seu pai era forte — sua posição subiria bem rápido se fosse readmitido como um aventureiro. Então, lutar lado a lado na mesma equipe não seria mais um sonho, e todos respeitariam o Ogro Vermelho.
Para sua infelicidade, era inverno e Turnera estava selada na neve. Já era difícil deixar a capital, e também não seria fácil enviar cartas.
“Droga, sou uma idiota...”
Angeline tomou um gole de vinho e suspirou. “Ainda assim...” ela tinha uma vaga sensação de que Belgrieve e Turnera vinham como um conjunto. Claro, queria chamá-lo para a capital e recebê-lo na taverna e na confeitaria. Angeline queria apresentá-lo a Anessa e Miriam, e a todos os outros aventureiros com quem se dava bem.
No entanto ainda mais do que isso, queria colher amoras nas montanhas, lavar pratos e cultivar os campos — especialmente se Belgrieve estivesse lá para cuidá-la.
Seu desejo de que seu pai fosse mais conhecido e seu desejo de monopolizá-lo eram conflitantes. Ambos os desejos eram quase iguais, contudo quando se lembrou da lareira em sua casa em Turnera, seus pensamentos foram movidos nessa direção. Angeline se imaginou ali, sentada no colo de Belgrieve.
“Preciso ir para casa afinal...”
Angeline pressionou o queixo contra o balcão. Era bom e fresco, uma sensação agradável contra seu rosto aquecido pelo vinho. Só quero que meu pai seja meu pai. Suspirou.
Alguém se sentou ao seu lado. Estava tão frio e com neve, mas os clientes continuaram a chegar; sem dúvida, todos buscavam algum calor.
“Hmm...”
O dono colocou uma salsicha, um pouco de rabanete em conserva e vinho quente à sua frente. Como sempre, o fez sem cerimônia. Angeline deu um leve aceno de cabeça e colocou algumas moedas na mesa.
Ela tinha acabado de morder a salsicha, que estava praticamente estourando com sucos carnudos, quando ouviu um “Oh?” ao seu lado. Virando-se para ver, Angeline percebeu a mascate de cabelos azuis sentada lá. Os olhos de Angeline se arregalaram em reconhecimento. Não esperava vê-la de novo...
“Oh... Você não é...?”
“O prazer é todo meu, Sra. Angeline. Você realmente me salvou lá.”
Angeline não via o mascate desde que resgatou Seren dos bandidos. Passou-se quase meio ano desde então, mas as duas ficaram sozinhas na estrada por vários dias, e o impacto de salvar Seren e devolvê-la a Casa Bordeaux garantiu que Angeline se lembrasse dessa mulher. A mascate também não se esqueceu da Valquíria de Cabelos Negros.
“Estou feliz que esteja bem...”
“Sim, graças a sua ajuda.”
“Está fazendo negócios em Orphen agora?” Angeline perguntou hesitante.
“Ahaha, acabei de chegar. Estava carregando peixes de Elvgren para Bordeaux — é mais fácil nesta época do ano, quando não precisa pagar por magia refrescante.”
“Bordeaux... Está ainda mais frio lá...”
“Sim. É o inverno, puro e simples. Também sou de Estogal, então não sou muito boa com frio.”
“Mas ainda foi para o norte...”
“Tee hee, esse é o espírito mascate. A Casa Bordeaux teve uma boa impressão de mim desde então, e se tornou muito mais fácil fazer negócios na região norte. Até fui e comprei um trenó.” a mascate riu enquanto bebia seu vinho fumegante.
A Casa Bordeaux ao que parecia a estava acomodando como uma das salvadoras de Seren.
“Nada mal.” disse ela depois de soprar em sua bebida. De repente, parecendo se lembrar de algo, a mascate falou. “Pensando bem, estive em Turnera para o festival de outono. Encontrei seu pai.”
Angeline de repente se aproximou da mascate, fazendo com que a mesma soltasse um leve “Eek!”
“Como ele estava? Meu pai estava bem?”
“S-Sim, muito. Ele parecia gozar de boa saúde. Conseguiu lidar com toda a guarda de elite da Casa Bordeaux com bastante facilidade...”
“Hein? O quê? O que quer dizer...?”
A mascate explicou a disputa entre Helvetica e Belgrieve durante o festival. Quanto mais falava, mais o descontentamento de Angeline se manifestava — sua testa estava franzida, sua boca franziu o cenho e as pontas dos dedos bateram contra a mesa.
“Meretriz... Então acha que pode arrebatar meu pai, hein? É melhor não esperar que eu a tome levianamente só porque ela é irmã de Seren!”
“V-Vamos, vamos, Helvetica desistiu no final.”
“Bom... Bem, não esperava menos do pai. Foi muito incrível, não foi?”
“Sim, sendo honesta, fiquei bastante chocada. Belgrieve não perdeu nenhum movimento e, embora não haja dúvidas quanto à perna de pau em retrospecto, demorei um pouco para perceber que estava com uma prótese.”
“Certo... Tenho certeza que meu pai seria ainda mais incrível se tivesse as duas pernas.”
“Seu cabelo era de um vermelho esplêndido também — verdadeiramente condizente com o ogro vermelho. E possuía a compostura de um homem adulto maduro. Posso entender porque quer tanto se reunir com ele, Sra. Angeline.” a mascate declarou com alegria. Embora estivesse claramente fingindo, os olhos de Angeline brilharam e ela agarrou a mascate pelo ombro.
“Você entende...”
“Eh? Eu? S-Sim?”
“Não há outra opção. Vamos passar a noite discutindo o brilhantismo do meu pai...!”
“E-Espere, Sra. Angeline?”
“Não se preocupe, pagarei sua conta.”
“Fico feliz em ouvir isso, mas tenho uma negociação comercial amanhã.”
“Não se preocupe. Vou cobrir todas as perdas que te incorrerem.”
“A confiança é muito importante para um comerciante...”
“Mestre, dois vinhos quentes e um pouco de queijo — em dobro.”
Angeline enfiou a mão na carteira e, imprudentemente, bateu com um punhado de moedas no bar. Seus olhos estavam fixos em determinação. O vinho quente estava a afetando. Não adianta, não posso fugir, a comerciante pensou com um suspiro. Contudo sorriu e endureceu sua decisão. Seus parceiros de negócios entenderiam se contasse que foi pega por uma Rank S? Ela só podia ter esperança.
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