sábado, 22 de abril de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 05 — Capítulo 68

Capítulo 68: A fumaça de sua boca

A fumaça de sua boca permaneceu no ar, ondulante, antes de desaparecer gradualmente. Yakumo encarou-a enquanto batia nas cinzas de seu cachimbo e apoiava um cotovelo na mesa.

“Bem, eu vou ser...”

“Nós somos sem dúvida os caras maus aqui. Que saia justa, querida.”

“Tsk. Não pensei que existissem pessoas que fossem tão boas assim... Ahh, nós nunca deveríamos ter aceitado esse trabalho.”

“Como diriam as pessoas do passado, ‘o show deve continuar’.”

“Cala a boca. Droga, quando foi a última vez que aceitei um trabalho que deixou um gosto tão ruim na minha boca...?”

Yakumo encheu seu cachimbo com ervas, irritada, enquanto Lucille se jogava de lado na cama.

“Tivemos que recorrer a aquilo de novo porque o Sr. Kasim não confiava em nós... Pode ter sido uma má ideia testá-los.”

“Hmm... Oh, você quer dizer aquela informação que Bell queria. Teria sido mais fácil se eles fossem o tipo de pessoa que entregaria Char para obter informações... Meu Deus, não há nada mais difícil de lidar do que alguém sem segundas intenções.”

Yakumo deu uma tragada na fumaça, tossindo um pouco enquanto soltava. Lucille rolou e olhou para o teto.

Essas mulheres trabalhavam como aventureiras há muito tempo. Elas eram habilidosas o suficiente para enfrentar trabalhos que chegavam pela porta dos fundos e haviam superado campos de batalha suficientes para temperar sua coragem. No entanto, agora essa experiência mostrava sua cara feia, trazendo apenas incerteza para sua tarefa.

Os trabalhos pela porta dos fundos na maior parte das vezes envolviam canalhas buscando ajuda em seus crimes. Para as duas, seus corações não teriam sido influenciados, fosse para salvar ou matar seu alvo. Mesmo que seu trabalho causasse ondas nas lutas de poder entre a nobreza, e se sangue fosse derramado como resultado, não era das suas contas uma vez que o trabalho terminasse. Por alguma razão, porém, sabiam que este deixaria um gosto ruim persistente.

Se fosse normal, levariam Charlotte para Lucrecia, receberiam seu pagamento e se fariam de bobas depois disso. Não importava quem em Lucrecia ansiava pelo poder, e não importava se Charlotte estava presa como fantoche.

Contudo, a garota expulsa de seu país que deveria ter sido vítima de um culto herético agora levava consigo um sorriso alegre, cercada por adultos confiáveis. Estava claro como o dia que sua vida seria muito pior em sua terra natal. Elas não podiam nem justificar isso dizendo que a estavam salvando dos vilões.

“Na verdade, estaríamos melhores se Sir Hrobert fosse um vilão.” disse Lucille.

“Nunca é tão conveniente. E não vamos esquecer que estamos lidando com os ex-companheiros do Lâmina Exaltada. Não temos muitas opções. Não, a menos que a própria Char diga que quer ir...”

“Mas eles tinham razão. Acha que alguém pode estar nos enganando? Digamos que levemos Char até lá e que Sir Hrobert seja um canalha. Você seria capaz de viver consigo mesma?”

Yakumo suspirou. Uma parte sua desejava que Hrobert fosse uma farsa. Todavia, os anéis lucrecianos estavam ligados à própria vida de seus donos e não podiam ser transmitidos sem uma cerimônia adequada. Se Hrobert estivesse morto, o anel deixaria de existir. Portanto, aquele anel era uma evidência bastante forte para sugerir que ele era o verdadeiro.

“Isto é um trabalho. Precisamos encontrar uma solução.”

“Eu gosto de Char. Quero ‘agitar’ com ela.”

“Investir-se muito pessoalmente é uma boa maneira de morrer jovem.”

“A vida é muito curta. É tudo parte do rock ‘n’ roll.”

“Então, o que quer fazer, afinal?”

“Quero ter certeza.” Lucille remexeu no peito e tirou um colar. Um cristal azul claro pendia do cordão.

Yakumo fez uma careta.

“Esse comunicador só vai para um lado. Recebemos ordens. Não temos como contatá-los e não recebemos uma única mensagem desde que nos dirigimos para o norte.”

“Farei o meu melhor.”

“Pare com isso. O que vou fazer se você desmaiar? Só vai te exaurir tentar.”

“Hmph.” Lucille fez beicinho, mas não podia negar que era impossível, e guardou o colar de volta. Mesmo assim, ainda não havia desistido. Seu olhar transitava para a esquerda e para a direita enquanto pensava. “Que tal conseguir a ajuda do Sr. Kasim? Se ele e Merry estiverem conosco, talvez possamos enviar uma mensagem.”

“É inútil. Caso consigamos estabelecer contato, seguirá não garantindo que nosso cliente esteja dizendo a verdade. E suponhamos que esteja dizendo a verdade — o que faremos se for um pedido genuíno? Então não teremos escolha a não ser lutar.”

“A... Acho que devemos considerar cuidadosamente com quem nos alinhamos.”

“De que adianta aliar-se a um bando de gente voltando para o campo? Quer que comecemos a cultivar também ou algo assim?”

“Urgh... Woof.” Lucille rolou e enterrou o rosto no travesseiro, suas pernas balançando no ar.

Yakumo suspirou, exalando uma corrente de fumaça.

“Estou tão irritado quanto você. Por enquanto, vamos esperar pela resposta deles.”

Do lado de fora da janela, a escuridão caía sobre as animadas ruas de Bordeaux.


A noite veio e passou, e depois de uma breve parada na guilda dos aventureiros, Belgrieve voltou para a pousada com o mestre da guilda, Elmore, a reboque. Belgrieve havia pedido uma carruagem para levá-los à propriedade de Bordeaux.

Elmore se alegrou com o reencontro e, no momento em que soube de suas circunstâncias, lamentou por Charlotte e Byaku. Ele considerava o caos obra do conde Malta e não nutria nenhuma má vontade em relação às crianças.

“Sinto muito pelo pedido repentino, Elmore.”

“Do que está falando, Belgrieve? Nunca poderia recusar um pedido seu.”

Belgrieve abriu a porta do quarto, chamando a atenção de Angeline e dos outros para os dois.

“Oh, Elmore.”

“Já faz um tempo, pessoal.” Elmore sorriu, seu comportamento tão suave como sempre. “Fui informado da situação. O incidente foi trágico, porém não é motivo para deixar de lado as crianças que estão tentando corrigir seus erros.”

“Obrigado... Vamos, diga alguma coisa.” Angeline gentilmente deu um tapinha nas costas de Charlotte.

Charlotte caminhou com timidez para frente. Em um esforço para evitar se destacar, ela prendeu seu cabelo característico sob o chapéu. Durante o caos em Bordeaux, havia marchado com ímpeto junto ao Conde Malta e expulsou um falso demônio de sua própria criação. Suas belas feições eram tão notáveis que qualquer um que tivesse testemunhado aquela façanha poderia agora reconhecê-la.

Charlotte ficou ali inquieta, incapaz de levantar a cabeça, então Angeline deu-lhe outro empurrão suave.

“Está tudo bem.” disse à garota.

“Hmm... Eu sou... Er...” Charlotte abaixou a cabeça. “Desculpe...”

“Parece que está muito mais em paz do que da última vez que te vi.” Elmore deu um tapinha na cabeça de Charlotte com um sorriso. A menina começou a chorar.

A expressão de Angeline se suavizou de alívio quando arrastou Byaku em seguida.

“Sua vez de se desculpar também.”

“Desculpe.”

“Faça melhor do que isso.”

“Oh não, não me importo, Angeline... Lembro-me de ter tido alguns problemas com você.” disse Elmore com uma risada.

Coçando a bochecha sem jeito, Byaku respondeu.

“Bem, desculpe por aquilo.”

“Haha, gostaria de dar uma boa olhada em sua magia um dia desses. Pois bem, arranjei uma carruagem. Senhorita Helvetica deve estar na mansão, então devemos ir para lá agora?”

Charlotte assentiu nervosa. Belgrieve coçou a barba. Não queria pensar que Helvetica condenaria de maneira impiedosa as crianças, contudo havia sua posição de senhor feudal a considerar. Talvez, em vez de seu julgamento pessoal, a julgasse como a condessa Bordeaux. Ele se perguntou o que fariam naquela situação.

“Seja o que seja...”

Belgrieve tinha feito o que podia. Agora, cabia a Charlotte determinar se sua sinceridade iria ou não alcançá-la. Vendo que Angeline estava prestes a se oferecer para acompanhar Charlotte, Belgrieve a deteve.

“Vamos em uma carruagem diferente. Vamos deixá-los aos cuidados de Elmore e Kasim.”

“Por que...?”

“Ange, nós dois ficamos famosos por aqui. Se fôssemos com essas crianças, estaríamos chamando todo tipo de atenção desnecessária.”

“Entendo. Tudo bem então.”

Angeline e Belgrieve eram ambos bem conhecidos em Bordeaux graças aos contos de Sasha e suas conquistas legítimas durante a última batalha. Mesmo na noite anterior, os aventureiros os chamaram, o que os obrigou a enviar às pressas Charlotte e Byaku para o quarto. Nem todo mundo seria tão compreensivo quanto Elmore; os rumores sobre o tumulto ainda eram um sussurro no vento, e sem dúvida havia aqueles por perto que reconheceriam Charlotte e Byaku. Afinal, não havia tantas garotas albinas por perto. Deixando de lado a verdade, seria impossível discutir racionalmente o que aconteceu quando as emoções tomaram conta.

Depois de confirmar que a primeira carruagem partiu, Belgrieve juntou-se a Angeline, Anessa e Miriam na próxima. Todos sabiam que eram convidados bem-vindos à mansão, assim, embora recebessem olhares, nenhuma suspeita caiu sobre eles.

Os outros estavam esperando quando chegaram à porta da frente. Ashcroft estava lá junto, parecendo bastante apreensivo.

“Já faz um tempo, pessoal... É uma variedade e tanto que temos aqui.”

“Você vai ter que nos desculpar, Ashcroft... A senhorita Helvetica pode nos ver?”

“Ela pode, claro... Não sei as circunstâncias, no entanto imagino que esses dois não sejam um perigo?”

“Posso garantir, não são.”

“Bom, Elmore está com você, então sei que deve ficar tudo bem... Mas que coisa, você está sempre cheio de surpresas.” Ashcroft ergueu os óculos enquanto olhava para Charlotte e Byaku. Os soldados de guarda trocavam olhares confusos e cochichavam entre si. Charlotte cambaleou desajeitada até Angeline.

“Por aqui, então.”

“Vou esperá-los aqui. Não sou bom com esse tipo de lugar.” disse Kasim, encostado em um dos pilares da entrada.

Com suspeita palpável, Ashcroft sussurrou para Belgrieve.

“Quem é ele?”

“É um velho amigo meu... Sinto muito, não é de fazer cerimônia.”

“Hmm... Muito bem então.”

Ashcroft os levou para dentro. As cicatrizes da batalha feroz foram apagadas e, embora o edifício ainda fosse um tanto áspero nas bordas, recuperou a aparência de uma mansão refinada. Foi nesses pequenos detalhes que Belgrieve vislumbrou a popularidade e as capacidades da Helvetica.

Angeline segurou a mão de Charlotte.

“Está assustada?”

“Estou bem...” Charlotte respirou fundo e olhou para frente.

O grupo foi conduzido à sala estudo. No fundo da sala, Helvetica estava sentada atrás de uma mesa de escritório, enquanto Seren estava ao seu lado, examinando os documentos. Sua surpresa ao perceber seus visitantes deu lugar brevemente ao calor antes de ficar tensa quando seus olhos caíram sobre Charlotte e Byaku.

“Belgrieve, Angeline, bem-vindos.”

“Permita-me pedir desculpas por nossa visita não anunciada, senhorita Helvetica.”

“Eu não me importo.” Helvetica respirou fundo e riu. “Pretende explicar, não é?”

“Claro. Resumindo, é por isso que estamos aqui.”

“Minha nossa.” Depois de soltar um suspiro preocupado, Helvetica os agraciou com um sorriso malicioso. “Primeiro vem quando não estou aqui, depois me surpreende com convidados inesperados. Você está sempre brincando comigo.”

“Minhas desculpas.” disse Belgrieve, coçando a cabeça.

“Vamos nos sentar primeiro. Seren... Seren?”

Seren, que estava olhando fixa para Charlotte, de repente voltou a si e balançou a cabeça. “Sim, agora mesmo.”

Ela deu ordens aos servos de prontidão, que voltaram com cadeiras suficientes para todos. Não demorou muito para que todos se acomodassem.

Embora a expressão de Helvetica fosse pacífica, seus olhos permaneciam afiados, fixos em Charlotte.

“Agora então, sobre essa explicação.”

Belgrieve assentiu e contou a história, com comentários ocasionais dos outros. Descreveu a jornada de Charlotte e Byaku após o ataque à cidade, a revolta em Lucrecia, a Inquisição, o ataque em Orphen, seu desejo de expiação e sua jornada de volta a Bordeaux.

“O que os dois fizeram não vai desaparecer. Todavia ainda são crianças. Acredito que julgá-los com muita severidade e arrebatar seu futuro só proporcionará um alívio temporário. Você poderia encontrar em seu coração espaço para perdoá-los?”

“Compartilho do sentimento deles, senhorita Helvetica. Sem falar que foi o Conde Malta quem elaborou aquele plano vil. Pode ser difícil fazer com que essas crianças carreguem seus pecados.” acrescentou Elmore.

Charlotte tremeu enquanto inclinava a cabeça.

“Sinto... Sinto muito... Farei qualquer coisa para merecer seu perdão.”

Embora segurasse a língua, Byaku também refletiu o gesto de Charlotte.

Helvetica suspirou.

“‘Qualquer coisa’ é um pouco demais, não acha? O que pode fazer com esses seus braços esqueléticos? A propriedade e a cidade já estão quase restauradas e não precisamos de sua ajuda.”

“Ugh...” Charlotte gemeu.

Incapaz de ficar parada por mais tempo, Angeline entrou com seu próprio apelo.

“Por favor, Sra. Helvetica. Perdoe Char e Byaku. Estou te implorando.”

Seguindo o exemplo de Angeline, Anessa e Miriam também baixaram a cabeça.

Belgrieve fechou os olhos.

“Se houver alguma maneira... Por favor.”

Após um momento de silêncio, Helvetica abriu um sorriso.

“Sério, com todos os benfeitores de Bordeaux curvando a cabeça assim... Vocês estão me fazendo parecer a garota má aqui.” ela olhou diretamente para Charlotte e disse. “Como Condessa Bordeaux, não posso perdoá-la tão facilmente. Tal ato significaria menosprezar meu próprio povo, e seria uma terrível irresponsável de minha parte.”

Charlotte se encolheu com medo.

Helvetica se levantou com um sorriso e colocou a mão em seu ombro.

“Porém, como apenas Helvetica Bordeaux, se continuar a fazer mais bem do que mal, eu a perdoarei.”

“Ah... Ah...” Charlotte começou a chorar.

A força foi drenada do corpo de Angeline em seu alívio.

“Obrigado, Sra. Helvetica.”

“Hehehe, o que mais poderia dizer? É um pedido dos salvadores da Casa Bordeaux. Com todos vocês juntos, tenho certeza de que essas crianças nunca se desviarão do caminho errado.”

“Contudo seria melhor se ficassem fora da cidade.” disse Ashcroft. “A memória das pessoas ainda não desapareceu. Poderia incorrer em uma comoção.”

Helvetica assentiu.

“Certo. Não desejamos nenhum tumulto desnecessário. Você terá que ficar conosco por enquanto. Entendeu, Charlotte?”

“Sim...” Charlotte assentiu fervorosamente.

Helvetica virou-se para Seren, radiante.

“Que convidada encantadora nós temos. Prepare um quarto para ela e trate-a bem.”

“Tem certeza sobre isso?”

“Seren...?”

Seren mordeu o lábio antes de olhar para Charlotte e Byaku.

“Talvez devêssemos perdoá-los. Contudo... Essa garota profanou os restos mortais do pai.”

“A-Ah, eu... Eu...” Charlotte ficou incoerente quando as lágrimas começaram a brotar outra vez. Angeline saiu para cobri-la.

“Seren, isso foi porque o Conde Malta ordenou-a que...”

“Eu sei que!” gritou Seren, fazendo com que todos os presentes engolissem a respiração. Seren começou a chorar, com as bochechas vermelhas.


“Sei que meu raciocínio é infantil também... Mas quando me lembro daquela visão... Eu só não consigo...”

“Seren.” Helvetica declarou, sua voz mais clara do que nunca. “Entendo como se sente, porém isso é apenas egoísmo. Você precisa esfriar a cabeça.”

Seren se levantou e, oferecendo uma rápida saudação, saiu correndo da sala. Charlotte reflexivamente começou a persegui-la antes que Belgrieve a agarrasse pelo ombro. Ele balançou a cabeça sem dizer nada. Charlotte baixou seu olhar lacrimoso e voltou para sua cadeira.

Com uma risada perturbada, Helvetica virou-se para Belgrieve.

“Minhas desculpas por mostrar a você algo tão desagradável.”

“Não, entendo como a senhorita Seren se sente. Sinto muito por desenterrar essas memórias terríveis.” disse Belgrieve com um aceno de desculpas.

Helvetica fechou os olhos.

“Ela é uma garota de bom coração, contudo ainda não colocou seus sentimentos em ordem. Deve se acalmar depois de uma boa noite de descanso...”

De repente, Byaku se levantou. Tomou a mão de Charlotte e a colocou de pé também.

“Hã? Byaku?”

Byaku se virou para Belgrieve com seu rosto taciturno de sempre.

“Você realmente vai apenas ignorar Seren, então?”

“Não podemos ter uma conversa racional enquanto está emotiva. Terei uma conversa adequada com ela assim que todos nos acalmarmos.” explicou Belgrieve.

“E daí, estamos implorando perdão enquanto fugimos da garota cujo perdão mais precisamos? Quando está com muita raiva de nós... Não é esse o momento em que precisamos enfrentá-la de frente e pedir desculpas? É assim que se corrige as coisas.”

“Hmm...” Belgrieve não esperava por isso, e se viu sem palavras. Estava pensando em como manter Charlotte e Byaku fora de perigo, contudo as crianças pareciam muito mais empáticas do que esperava.

“Sim... Você está certo.”

“Sei que está pensando em nós. No entanto este é o nosso problema. Precisamos acertar as contas sozinhos. Não é legal deixá-lo cuidar de tudo.” disse Byaku, parecendo ganhar força.

Belgrieve estreitou os olhos.

“O que vai fazer?”

“Falar — sobre tudo, começando com a criação dessa garota. No final de tudo, pedimos desculpas. É assim que se chega a um entendimento e pede perdão, certo? Não tem nada a ver com estar ‘calma’ ou não.”

“Eu também vou.” disse Angeline e se levantou.

Byaku franziu a testa.

“Como disse, este é o nosso...”

“Sua habilidade de comunicação é péssima, e Char pode chorar. Estou muito preocupada para enviar vocês dois sozinhos. Vamos Char.”

Antes que Byaku pudesse falar alguma coisa, Angeline levou Charlotte para fora da sala. Embora estalasse a língua em exasperação, Byaku correu atrás delas.

“Está tudo bem, senhorita Helvetica?”

“Sim.” Helvetica sorriu. “Com isso, acho que vou perdoá-los, afinal.”

“Mas sua irmã pode ficar ainda mais magoada no final.”

“Talvez. Seren é inteligente e fortemente empática, porém por essa mesma razão, não tem muitas chances de confrontar as pessoas com suas emoções expostas... Fico feliz que Byaku e Charlotte sejam tão fortes. Acho que esta será uma boa oportunidade para Seren.”

“Todas as crianças têm que crescer um dia. Talvez fui muito intrometido para o meu próprio bem.” admitiu Belgrieve. Ele sabia que havia momentos em que a preocupação dos pais poderia prejudicar o crescimento de uma criança. Esta não era uma chance apenas para Charlotte e Byaku crescerem, era para Seren também. Belgrieve sentiu vergonha de ter tentado tirar isso dela.

Em todo caso, não havia lugar para Belgrieve neste caso. Sua filha, sem dúvida, mediaria às coisas; o resto era com as duas crianças e Seren.

Helvetica riu.

“Estou surpresa, de verdade, para ser honesta. Veio mesmo até aqui por causa daquelas crianças?”

“Não só por essa razão. Estávamos voltando para Turnera... Como está a neve?”

“Vamos ver... As estradas para Rodina estavam livres, então acho que o caminho para Turnera deve abrir em uma semana.”

“Entendo... Isso é bom.”

“Pode ir bem e tranquilo até então. Adoraria ouvir o que estiveram fazendo.”

“Com prazer... Contudo isso deixa um pouco de problema. Vou precisar de Kasim para este.”

“Oh, eu vou buscá-lo.” Anessa fez sinal para Belgrieve ficar sentado e saiu da sala.

Helvetica inclinou a cabeça com curiosidade.

“Aconteceu alguma coisa?”

“A verdade é que eu gostaria de algumas informações sobre Lucrecia. Ao que parece, houve uma mudança de regime há cerca de meio ano.”

“Sim, ouvi falar. Mas por que Lucrecia?”

“Tem a ver com Charlotte.”

Ao saber que Charlotte era filha de um cardeal lucreciano, Helvetica levou a mão à boca e franziu a testa.

“Entendo... Ouvi falar do expurgo da facção antipapal. Achei que não encontraria uma conexão aqui... Ashe, temos alguma notícia de Lucrecia?”

“Temos algumas informações sobre a revolta de meio mês atrás. Porém, Lucrecia não tem muita relação com o Bordeaux... Não saberemos quanta informação temos até que investiguemos.”

“Por favor, então. Precisamos saber quanta influência a facção antipapal detém. Especialmente as pessoas ao redor de Balmung e Hrobert. Elmore, a guilda tem alguma informação?”

“Vou cavar um pouco. Se me der licença.”

Ashe e Elmore saíram juntos, cruzando o caminho de Anessa e Kasim na porta.

“Haha, este lugar não é tão apertado quanto eu esperava. Muito bom. A mansão do arquiduque era tão arrumada que era difícil se sentir à vontade em qualquer lugar.”

“Quem seria este?”

“Este é Kasim, um velho amigo meu. Kasim, esta é a senhorita Helvetica, Condessa de Bordeaux.”

“Oh meu Deus, e tão jovem também. O nome é Kasim. Prazer em conhecê-la.”

“Meu nome é Helvetica Bordeaux. É um prazer conhecê-lo, Kasim.” Helvetica beliscou a bainha de sua saia, fazendo uma reverência natural e elegante.

Kasim, por sua vez, pegou desajeitadamente o chapéu.

“Não estou acostumada com esse tipo de coisa...”

“O que está falando...? De qualquer forma, pedi a ela para investigar Lucrecia por enquanto. Podemos planejar nossa abordagem com base no que descobrirmos.”

“Hmm, seria uma grande ajuda. Contudo podem conseguir tanta informação de tão ao norte?”

“Hehehe.” Helvetica riu, um pouco orgulhosa. “Estabeleci uma espécie de rede de inteligência no ano passado. Ficamos um pouco cautelosos depois das intrigas do Conde Malta. Com a cooperação da guilda, acho que nos achará um pouco mais precisos do que o seu corretor de informações da vizinhança.”

“Que senhorita assustadora você é. Tem certeza de que deveria estar nos contando isso?”

“Ah... Bem... Agradeceria se vocês mantivessem isto em segredo.”

“Helvetica...” Belgrieve soltou um suspiro cansado, provocando risos de Anessa. Quer tenha sido apenas um deslize ou se mostrou a extensão de sua confiança neles, Helvetica ofereceu informações um tanto arriscadas.

Seus olhos vagaram enquanto ela corrigia sua postura.

“Ahem... Por enquanto, esperemos que possamos encontrar algo sobre os assuntos domésticos de Lucrecia e as relações de poder entre a facção antipapal.”

Kasim colocou o chapéu de volta com um sorriso.

“Ótimo. Seria uma grande ajuda. Contudo você é capaz de tudo isso?”

“Nobres têm sua própria maneira de fazer as coisas. Por enquanto, por favor, descanse um pouco até que a informação chegue. Vou preparar um pouco de chá.”

“Obrigado. Pensando bem, o que aconteceu com Sasha?” Belgrieve perguntou.

“Oh, Sasha foi verificar Hazel. Deve estar de volta hoje ou amanhã.”

De qualquer forma, parecia que eles fariam algum progresso. Belgrieve abordou o assunto de Lucrecia apenas esperando que pudesse aprender algo com outro nobre, todavia conseguiu mais do que esperava.

Eu deveria ser grato por isso, pensou, reclinando-se em sua cadeira. Me pergunto como estão às coisas com Charlotte...


A batida na porta recebeu uma resposta muito mais calma do que Angeline esperava. Angeline abriu devagar e entrou para encontrar Seren sentada em uma cadeira perto da janela. Seus olhos seguiam vermelhos e brilhantes, no entanto ela esboçou um leve sorriso ao ver sua convidada.

“Sinto muito, Angeline... Não deveria ter agir assim.”

“Não, de jeito nenhum. Posso entender de onde seus sentimentos vêm.”

Apenas imaginar o que teria acontecido se Belgrieve tivesse se tornado um morto-vivo naquela época foi o suficiente para deixar Angeline com os olhos marejados. Nunca considerou dar um sermão Seren por isso.

Contudo, Angeline ficou ali inquieta enquanto organizava seus pensamentos.

“Hmm... Realmente não há nenhuma forma pela qual possa perdoar aqueles dois, não importa o que...?” Angeline perguntou, encontrando por fim suas palavras.

Seren baixou a cabeça enquanto pesava suas palavras.

“Não sei.” concluiu. “Na minha cabeça, tenho certeza de que estou latindo para a árvore errada ao culpá-los.”

“Os dois estão aqui comigo, do lado de fora da porta.”

Seren franziu a testa.

“Eu não sou boa, sou... Tenho que manter minha compostura, porém só...”

“Sabe... A mãe e o pai de Char também foram mortos.”

Seren encarou Angeline, que devolveu o olhar com firmeza.

“No começo, também não conseguia perdoá-los.” continuou Angeline. “Quando os vi em Orphen, pensei em cortá-los ou entregá-los aos soldados... Mas depois de ouvir a história de Char, sabia que ela tinha passado por uma situação difícil... Não consigo entender como pensa uma pessoa nas profundezas do desespero. Sei que apenas estar com dor não significa que pode se safar de tudo, entretanto... Quero que a ouça antes de decidir se vai perdoá-la ou não.” Angeline abaixou a cabeça. “Por favor, Seren.”

“Angeline...” Seren fechou os olhos por um momento antes de finalmente concordar. “Tudo bem. Eu não deveria ter fugido.”

“Sinto muito por fazê-la reviver essas memórias.”

“Se fugir, minha irmã ficará desapontada comigo... E eu também passaria a me odiar.”

Angeline acenou do lado de fora da porta, convidando Charlotte e Byaku a entrar.

“Perdoe-nos.” disse Byaku. “Nós queríamos vir sozinhos, originalmente.”

“Não, poderia tê-los expulsados se Angeline não estivesse aqui junto... Não vou gritar com vocês desta vez.”

Seren endireitou os óculos e olhou para Charlotte. Charlotte oscilou com timidez para frente e abaixou a cabeça.

“Desculpe. Fiz algo terrível com você.”

“Não acho que sou capaz de perdoá-la ainda.”

“Claro...”

“Então, por favor, fale comigo para que eu possa perdoá-la. Porque fez tal coisa? O que estava pensando e o que a levou a vir aqui outra vez?” Seren perguntou, acenando para os dois se sentarem. “Ouvi dizer que também perdeu seus pais. Por favor, pode tomar o seu tempo.”

Através de suas lágrimas, Charlotte falou sobre sua educação e suas viagens. Às vezes, Byaku entrava na conversa com um detalhe perdido, porém foi Charlotte em grande parte quem falou. Ela havia caído de uma vida de luxo e foi forçada a uma jornada miserável após a morte de seus pais. Por esse motivo, foi movida pelo ódio e pela vingança e, em sua visão nublada, passou a se ressentir do mundo.

Contudo seu fracasso em Bordeaux a fez perceber seus erros e encheu seu coração de arrependimentos. Desde aí, começou a tentar se redimir à sua maneira e, independentemente das punições que a esperavam, ansiava por vir a Bordeaux para se desculpar...

Quando a história chegou ao fim, a expressão sombria de Seren se suavizou um pouco. Em contraste, o rosto de Charlotte agora estava vermelho de todas as lágrimas que derramou.

“Naquela época, odiei tudo e todos, e não consegui entender por que era a único que nunca podia ser feliz... Por esse motivo fiz algo tão cruel. Desculpe.”

Seren sorriu.

“Também a desprezei, e o conde Malta também. Parecia que a felicidade que eu havia desfrutado no dia anterior havia sido destruída em uma única noite... Por fim aceitei a morte de meu pai apenas para que ele fosse trazido à tona novamente.”

As lágrimas de Charlotte escorriam por seu rosto miserável.

No entanto Seren continuou.

“É verdade que o ódio obscurece os olhos. Mesmo agora, meus pensamentos estão sendo limitados pelo meu ódio pelos dois. Se estivesse no seu lugar... Talvez também odiasse de maneira irracional aqueles mais afortunados do que eu. Talvez tivesse caído em tais atos de crueldade.”

“Mas, mas...”

“O que fizeram nunca irá embora. Todavia acho que tenho menos motivos para te odiar. Foi difícil, não foi, Charlotte?”

“Seren...”

Charlotte se agarrou a Seren em lágrimas. Seren esfregou as costas da garota com um sorriso, olhando para Byaku.

“Você fez o seu melhor também, Byaku.”

“Sendo honesto, não vou reclamar se for condenado à morte, se isso for necessário para que ela seja perdoada.”

“Chega disso.” disse Angeline, dando um tapinha na testa de Byaku.

Seren riu.

“Sash é a aquela com quem deveria se desculpar. Esse está fora de minhas mãos.”

“Imagino.” Byaku coçou a cabeça sem jeito.

Aliviada, Angeline correu até Seren e colocou a mão em seu ombro.

“Obrigado, Seren.”

“Eu deveria ser a única a agradecê-la. É graças a sua ajuda que pude perdoá-los.”

Em certo sentido, talvez fosse mais difícil perdoar do que ser perdoado. Porém Charlotte e Seren conseguiram superá-lo. Angeline respirou fundo, aliviada pela lacuna ter sido preenchida. Essa foi uma questão resolvida, contudo outra permaneceu. Essas crianças trabalharam tanto; agora, tinha que contribuir um pouco também.


Yakumo entrava e saía de seu quarto, bastante irritada. Estava acostumada a esperar, no entanto vendo que não havia recebido nenhuma palavra ao anoitecer de ontem, agora encontrava sua mente divagando. Eles não nos abandonaram e fugiram para Turnera, não é? imaginou. No entanto é algo difícil de imaginar, dado o caráter de Belgrieve.

Yakumo se viu balançando a cabeça.

“Meu Deus, ele deve ser um grande vigarista.”

Apesar do pouco tempo que passaram na companhia um do outro, Yakumo se viu com uma estranha confiança em Belgrieve. Tendo conhecido todos os tipos de pessoas até agora, poucas delas conseguiram fazê-la baixar sua guarda tão rápido. Se essa era uma manobra, Belgrieve era um ótimo ator.

A cadeira de Lucille rangeu quando balançou para frente e para trás.

“As pessoas do passado costumavam dizer: ‘a pressa é inimiga da perfeição’ ou algo nesse sentido.”

“Você foi bastante ambígua sobre isso... Fwah...” Yakumo soltou um grande bocejo. Em seu estado inquieto, havia passado a noite anterior em um ciclo difícil de sono superficial e despertar. Ela havia pensado em acordar Lucille muitas vezes, que estava roncando pacificamente ao seu lado. Ela se sentia bastante privada de sono, e talvez fosse por isso que seus pensamentos estavam tão confusos agora.

Yakumo encostou-se à parede, perdida em pensamentos. Está ficando complicado; o que fazer agora? Claro, ela estava apreensiva. Não só seria muito difícil continuar trabalhando como aventureira por algum tempo se abandonasse esse trabalho, mas sua vida também estaria em risco. A rede de informação usada pela porta dos fundos se estendeu além do que qualquer um poderia imaginar e colocou muito peso em sua reputação. Depois de mediar tal trabalho, eles precisariam punir o fracasso. Eles eram o tipo de pessoa que alegremente apresentaria a Hrobert sua cabeça decepada em uma das mãos e uma lista de novos aventureiros na outra.

Porém isso não significava que Yakumo estava pensando em tomar Charlotte à força. Estava confiante em Lucille e em suas próprias habilidades, contudo não seriam páreas para dois aventureiros de Rank S. Yakumo sequer tinha certeza se teriam chance contra apenas um dos dois. Teria sido muito mais fácil se estivessem lidando com alguém que pudesse ser movido por dinheiro ou interesse próprio. No entanto, seus inimigos eram motivados por boas intenções e eram muito habilidosos para seu próprio bem.

Depois de atravessar incontáveis campos de batalha, Yakumo estava sem opções. Estava entre a cruz e a espada. Quanto mais pensava a respeito, mais sentia que estava condenada. Ela conseguiria arrebatar Charlotte se investisse tudo em um ataque furtivo? Se tivesse Lucille lançando uma cortina de fumaça e colocando cada fibra de seu ser em fugir...

“Até parece, não tem como enquanto tiverem uma espadachim e um mago de primeira classe ao seu lado.”

Terá de ser o último recurso, pensou Yakumo, enfiando ervas secas no cachimbo com irritação e fazendo uma careta ao ver o pouco que restava. Não tinha nada para fazer aqui, mas também não podia só ir embora. Assim, girou os polegares e fumou através de seu estoque que se esgotava rapidamente.

“Eles vendem tabaco nesta cidade...?”

Quando estava prestes a acender o cachimbo, a porta do quarto se abriu. Yakumo ficou em guarda quando Angeline entrou.

“Cough, cough... O-O quê, é só você... Não me assuste desse jeito.” ficar assustada assim fez com que Yakumo inalasse de maneira errada a fumaça, e agora seus olhos estavam marejados enquanto tossia um pouco.

“Algum novo desenvolvimento...?” Lucille perguntou, entrando na conversa.

“Sim. Você vem comigo...”

Yakumo e Lucille trocaram um olhar com o tom definitivo de Angeline.

“Não está aceitando não como resposta, está?”

“Não estou.”

Yakumo suspirou. A garota diante de seus olhos não mostrou a menor abertura em sua postura e, embora Yakumo tenha considerado usar a força por um breve momento, esses pensamentos desapareceram logo em seguida. Os aventureiros do Rank S de fato estavam em outro nível; mesmo que quisesse resistir, as duas não seriam páreas para a renomada Valquíria de Cabelos Negros.

“Muito bem. Nós seguiremos.”

“Hmm...”

Por insistência de Angeline, elas deixaram o quarto. Embora a possibilidade parecesse remota, ambos rezaram para que a Valquíria não pretendesse enterrá-las em segredo.

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