quinta-feira, 27 de abril de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 05 — Capítulo 70

Capítulo 70: Era um vento do sul

Era um vento do sul — quente, ao contrário dos vendavais gelados do norte, mas trazia nuvens pesadas que aos poucos escureceram o céu e a neve molhada que caía desde o início da manhã.

Em uma sala da mansão de Bordeaux, Belgrieve e Kasim sentaram-se em frente à Yakumo.

“Hah, não posso reclamar do saquê... Ainda assim, não esperava que Ange fosse tão criança. No meio do caminho, ela não saía de suas costas.” disse Yakumo, sufocando uma risada.

Belgrieve coçou a bochecha.

“Ange é uma boa menina na maior parte do tempo... É só que não consegue me deixar ir.”

“Hm hmm, porém você não parece muito infeliz com isso.”

“Bem... Também não consigo largá-la, ao que parece.”

“O que tem de mau? Gosto quando você e Ange se dão bem.” Kasim riu.

Belgrieve coçou a cabeça e se virou para Yakumo.

“Então... Vai embora agora?”

“Sim, é o melhor. Parece que o status de Sir Hrobert ainda não é estável. Vendo como descartou Charlotte com tanta facilidade, presumo que esteja fazendo um cuidadoso ato de equilíbrio. Se ele está mais preocupado em remover a incerteza do que em ganhar uma vantagem, é difícil dizer que tem uma base estável.”

“A situação política geral em Lucrecia também não parece estável...”

“De fato. Eu não gostaria de voltar apenas para descobrir que Sir Hrobert perdeu sua autoridade há muito tempo. Se ele vai desaparecer, com certeza será depois de pagar nosso contrato.”

“Vejo que é muito honesta. Não odeio isso.” disse Kasim.

Yakumo pegou seu cachimbo com um sorriso, apenas para franzir a testa ao perceber o pouco tabaco que restava. Mesmo assim, ela o colocou na boca e soltou uma baforada de fumaça.

“Agora então... Sobre o Lâmina Exaltada.”

“Certo.” Belgrieve assentiu e endireitou a postura.

Depois da peça que fizeram para Hrobert, acabaram bebendo para comemorar até altas horas da noite. As meninas ainda estavam dormindo em outro quarto. Apesar de não beber, Byaku foi forçado a beber também e agora estava prostrado no chão como se estivesse morto.

De sua parte, Kasim bebia muito e Belgrieve conseguiu controlar o ritmo. Eles fizeram questão de ficar acordados para ouvir a história de uma mulher que parecia saber sobre Percival, o Lâmina Exaltada.

Yakumo girou o dedo no ar.

“Agora, por onde devo começar?” perguntou.

“Hm... Para começar, Percy está vivo, certo? Está indo bem?”

“Está. Pelo menos, estava quando nos separamos. Com isso dito, ele não fala muito e quase não mostra nenhuma expressão, então não posso dizer se está bem ou não.”

Kasim soltou um suspiro solitário.

“Ainda sente um senso de responsabilidade, hein...”

“Qual é a sua relação com Percy?”

“Foi por pouco tempo, contudo lutamos do mesmo lado. Não que estivéssemos em um grupo ou algo do tipo; nós apenas compartilhamos o mesmo campo de batalha.” Yakumo esfregou as pontas dos dedos. “Existe uma cordilheira entre Tyldes e Dadan, as Montanhas Nyndia. As falésias são acidentadas e íngremes, e os rios correm com força pelas gargantas. Nenhuma pessoa normal se aproxima de lá. No coração há um poço — vocês já ouviram falar sobre?”

“Não nunca. Conhece, Kasim?”

“Ouvi rumores. Pelo que me lembro, há um abismo que leva ao inferno nas profundezas de uma cordilheira inexplorada... Presumi que fosse uma história exagerada. É disso que está falando?”

Yakumo assentiu.

“Essa mesma, de fato. Aqueles que conhecem chamam-lhe o Umbigo da Terra. Claro, não leva ao inferno. É só um mergulho na terra que parece um grande buraco de longe, no entanto faz um trabalho incrível em acumular mana. Por esse motivo, monstros da classe calamidade aparecem em grande número ao seu redor... O nível de perigo e a raridade dos materiais que se obtém lá o tornaram um segredo comercial.”

“Foi para lá que Percy foi?”

“Sim. Os monstros poderosos produzem materiais de alta qualidade, e aqueles com orelhas afiadas e braços hábeis na arte da espada se reúnem de todo o continente na esperança de ficarem ricos rapidamente. Lucille e eu estávamos entre estes aventureiros. O orgulho desnecessário só fará com que você seja morto lá fora. Todos os que viessem trabalhariam juntos para derrotar os monstros e dividir as recompensas. Entre eles, havia apenas um homem solitário que se recusou a associar-se com os outros. Um homem que lutou contra os monstros sozinho e sobreviveu. Essa é o Lâmina Exaltada.”

“Não me diga que Percy ainda está procurando uma maneira de consertar a perna de Bell...?” Kasim murmurou.

Os olhos de Yakumo vagaram em pensamento.

“Não tenho tanta certeza. Parecia que não tinha interesse nos materiais. Ele só derrota monstro após monstro. Sejam de Rank AAA ou Rank S, os enfrenta sem hesitar e os esmaga de frente. Sem nunca usar nenhum truque barato. Lutando como se quisesse ser encurralado. Estávamos do mesmo lado, mas eu o achei bastante assustador.”

“Mas isso é estranho. Então não seria estranho haver rumores... Os menestréis, ou o diabo que for, qualquer um que goste de fofoca, teriam se agarrado à história da extraordinária batalha do Lâmina Exaltada em uma terra secreta.”

Yakumo balançou a cabeça.

“O Lâmina Exaltada nunca fala uma palavra sobre si mesmo. Os outros que lutaram no abismo não sabiam sequer que era o Lâmina Exaltada, nem sabiam seu nome. Há também um entendimento tácito de não divulgar o Umbigo da Terra. Não é um lugar para passear.”

“Então por que vocês dois o conheceram?”

“Haha... Lucille o acompanhou. Você viu como pode ser se estiver interessada em alguém; não se importa se estão irritados com ela. Lucille continuou rondando ao redor dele até que perdeu sua persistência e expôs sua identidade com a promessa de não contar a mais ninguém... Nunca pensei que encontraríamos alguém que o conhecesse aqui.”

O destino trabalha de maneiras misteriosas. Belgrieve gemeu ao perceber repentinamente que nunca teriam aprendido essa informação se tivessem se tornado inimigos de Yakumo e Lucille.

“Então, quando deixaram o abismo?”

“Foi há cerca de um ano. Nós fomos lá, pensando que seria mais fácil do que trabalhos clandestinos, porém não foi muito diferente... No mínimo, foi muito mais fácil de entender do que esse trabalho acabou sendo. Tudo que precisa fazer é lutar.”

“Acha que Percy ainda está aí?”

“Sim. Ele é o tipo de cara que encontra significado na batalha. Não consigo pensar em nenhum outro lugar ao qual pertenceria, então acho que continua lá.”

“Entendo...” era bom saber que Percival ainda estava vivo. Contudo, ao que parecia, seguia se martirizando, passando cada momento acordado lutando. Belgrieve se perguntou se tal atitude vinha de seu sentimento de culpa ou algo diferente. Qualquer que fosse o caso, não parecia bom.

“Sra. Yakumo... O que vai fazer depois de passar por Lucrecia?”

Yakumo coçou o pescoço.

“Hmm... Acho que podemos voltar a trabalhar no Umbigo da Terra. Com o tanto de problemas que este trabalho teve, é melhor ficarmos quietas por um tempo. É um lugar bastante conveniente para se esconder.”

“Hehe, entendo. Então estará esperando a poeira abaixar.”

“Por aí. Não há problema em ser cauteloso, especialmente quando estamos enganando nosso cliente desta vez.”

“Desculpe. Nós a enviamos por um caminho perigoso.”

“Não é nada; nos apaixonamos pela bondade de seu caráter. Estou feliz por termos saído sem lutar. Já aceitei e posso lidar com o que está por vir.” Yakumo riu, colocando as mãos nos bolsos. “Então, que mensagem quer que eu passe para seu amigo?”

Kasim olhou para Belgrieve, evidentemente se submetendo a sua opinião. Depois de fechar os olhos e pensar por um momento, Belgrieve por fim disse.

“Por favor, não o diga nada. Não precisa contá-lo sobre nós.”

“Hmm? Tem certeza?”

“Tem certeza, Bell? Não precisa dizê-lo que está em Turnera. Apenas diga-o que iremos em sua direção...”

“Percy não virá nos ver se o contarmos. Se dissermos que vamos para lá, poderá fugir.”

"Entendo. Faz sentido.”

Um homem que lutou para amenizar sua culpa realmente gostaria de encontrar a fonte dessa culpa? Belgrieve não sabia. Era difícil imaginar que escuridão tomou conta de Percival ao longo dos anos. Contudo era por esse motivo que sabia que tinha que encontrá-lo. Ele ainda se lembrava daquele menino alegre de suas memórias.

Yakumo deu de ombros.

“Estranho, cada um de vocês...”

“Haha... Desculpe, de novo. De qualquer forma, iremos para o Umbigo da Terra em um futuro próximo.”

“Entendo... Certo, então, estarei ansiosa para vê-los de novo.” disse Yakumo com um sorriso.

Charlotte, tendo sido apreendida por Lucille, gritou quando foi cheirada por toda parte. Ela foi impedida de fugir pelo braço que Lucille envolveu em volta de sua barriga por trás. Lucille enterrou o nariz no cabelo agora mais curto de Charlotte, respirando freneticamente.

“Cheiro gostoso, gatinha...”

“Ahh, pare já com isso... Eep!” sentindo cócegas quando a respiração de Lucille fluía por seus cabelos e roçava sua pele, Charlotte se contorcia e soltava um grito perturbado toda vez que isso acontecia. No entanto não percebeu nenhuma má intenção de Lucille; era apenas como se um cachorrinho excitável tivesse a feito de seu brinquedo.

Angeline, que estava deitada em sua cama, rolou para encará-los.

“Você ainda não se entediou disso...?”

“Nunca entediada... Super feliz... Amor e paz.” os olhos de Lucille se estreitaram de satisfação, suas orelhas caídas se contorcendo para frente e para trás quando por fim afrouxou seu aperto. Charlotte desmontou, mole e cansada.

Angeline soltou uma risada leve. A importunação de Lucille tinha feito maravilhas para evitar que Charlotte pensasse em todas aquelas coisas desnecessárias, e talvez fosse o melhor para a garota no momento.

Olhando pela janela, Anessa soltou um suspiro.

“Não tem jeito. Não parece que vai parar hoje.”

“Mesmo quando está relativamente quente.” Miriam resmungou. “Ah, talvez seja porque está quente?” Miriam se sentou em uma cadeira, balançando distraidamente para lá e para cá.

Lá fora, uma neve úmida caía sem fim à vista. Depois da façanha da noite anterior, eles se divertiram com as irmãs Bordeaux. Angeline ficou bastante excitada com a sensação de libertação que a alcançou quando todos os tipos de inibições foram retiradas de seus ombros até que, antes que percebesse, foi colocada na cama. Em sua memória se lembrava de que tinha bajulado Belgrieve por causa da bebida, e as memórias trouxeram um sorriso ao seu rosto. Seu corpo rolou antes de se deitar de costas, onde se divertiu traçando os intrincados padrões do teto com os olhos.

De acordo com a Helvetica, o grupo poderia partir para Turnera nos próximos dias. A manutenção das estradas estava em andamento, o que significava que o transporte se tornaria um pouco mais conveniente nos próximos anos. Dessa forma, Angeline poderia voltar para casa com muito menos problemas.

Em todo caso, não havia nada que a impedisse de seguir seu caminho. Embora algumas coisas tivessem acontecido, o fato de ter conseguido trazer todos para Turnera ilesos a deixou mais feliz do que qualquer coisa.

“Isso é um alívio... Só falta um pouco mais.” Charlotte murmurou. Finalmente livre das garras de Lucille, a garota rastejou até a barriga de Angeline. “Como pode me abandonar assim, mana...”

“Desculpe, desculpe... Parecia que você estava se divertindo...”

“I-Isto... Não é verdade...”

As bochechas de Charlotte ficaram vermelhas quando pressionou a testa contra o estômago de Angeline. Seu cabelo curto ainda parecia macio como seda.

A porta se abriu, admitindo Yakumo.

“Hey, é hora de ir.”

“Tem certeza disso, Yakinha? Hoje é um daqueles dias do tipo ‘gotas de chuva continuam caindo na minha cabeça’.”

“Cale-se. Não temos tempo para ir com calma.”

“Como as pessoas do passado costumavam dizer, ‘avance devagar e sempre’.”

“Apenas comece a fazer as malas.”

Um olhar para o rosto dela foi o suficiente para saber que Yakumo estava claramente sem paciência e não tinha intenção de entrar no jogo.

Angeline sentou-se devagar, levantando Charlotte junto.

“Vocês vão...?”

“Sim. Nosso trabalho ainda não acabou.” Içando sua lança e suas bolsas sobre o ombro, Yakumo rolou a cabeça para tirar o torcicolo do pescoço. Lucille pegou seu estojo de instrumentos e sua mochila.

Miriam, apoiando o queixo na mesa, murmurou.

“É estranho, mas... Vou sentir sua falta.”

“Penso o mesmo... Hehehe, que trabalho estranho foi esse.”

“‘Simples reviravolta do destino’, baby.”

“Porém estou feliz que foram vocês que vieram atrás de Char. Não sei o que teria acontecido se fosse alguém que não estivesse disposto a conversar...” disse Anessa.

Angeline assentiu.

“Se isso for suficiente para convencê-los da morte de Char, não enviarão a Inquisição atrás dela. Poderemos visitar Turnera sem nos preocuparmos... Obrigado. E você também, Lucille.”

“Vamos devagar e ‘agitar’ da próxima vez, ok, Ange?”

“Sim, agite, agite.”

“Baby.”

“Parece que elas chegaram a um entendimento.” disse Anessa com um suspiro.

Quando saíram para se despedir das duas viajantes, Belgrieve estava esperando por eles. Coube a ele providenciar a diligência.

“Vamos nos encontrar novamente.”

“Eu voltarei.”

E através da neve úmida, a carroça partiu, espalhando lama por todos os lados. Angeline soltou um grande bocejo, então estremeceu.

Belgrieve pegou a sua mão.

“Está com frio?” perguntou.

“Só um pouco...”

“Sim... Estamos todos muito cansados. Vamos voltar para dentro.”



Ainda em Bordeaux, o grupo havia estocado sal e açúcar, entre outras coisas, para se preparar para a partida em pouco mais de uma semana. Também receberam uma carta da Helvetica referente às estradas. A obra estava sendo realizada tanto em Rodina quanto em Turnera e seria concluída quando as duas equipes se encontrassem no centro. Seria um bom trabalho para os agricultores de Turnera no período de entressafra.

Agora, com uma carroça emprestada, o grupo começou a jornada mais ao norte.

Embora a neve ainda permanecesse, o frio havia diminuído em grande parte, e brotos verdes agora espreitavam sob a extensão branca que se derretia. O trigo da primavera começou a crescer nos campos ao redor de Bordeaux e, em breve, a mente de Belgrieve voltou-se para como administraria sua fazenda na primavera.

Ao chegar a Rodina, Belgrieve ficou aliviado ao ver que o comércio com Turnera já havia reaberto. Era normal que o comércio fosse retomado nessa época do ano, contudo havia alguns anos em que o frio era forte demais para os viajantes fazerem a viagem. O próprio Belgrieve estava um pouco apreensivo, no entanto parecia que seria um ano como a maioria dos outros.

De acordo com o calendário, faltava apenas uma semana para o início oficial da primavera. Eles estavam um pouco atrasados, mas se tudo corresse bem, levaria apenas um dia para chegar a Turnera de Rodina.

“Parece que mal chegaremos a tempo para o festival da primavera...” Belgrieve meditou. “Vamos comprar carne de porco, pai. Tenho certeza que topos vão adorar.”

“Certo... Não poderemos ajudar com os preparativos, então é o mínimo que podemos fazer.”

Famosa por sua carne de porco, Rodina criava seus porcos com as abundantes bolotas da floresta circundante, o que contribuía para seu famoso sabor fino. Essa também era a estação em que a carne crua e sem conserva não apodrecia. Assim, Belgrieve comprou carnes cruas, salgadas e defumadas para presentear a vila.

Depois de passar uma noite em Rodina, partiram cedo na manhã seguinte para viajar mais ao norte pelas estradas que descongelavam. Exuberantes brotos verdes brotavam das manchas escuras de terra no meio das manchas persistentes de neve. Uma cotovia chilreante levantou voo das sombras de um penhasco quando passaram. Como o ar estava frio, o céu estava claro e azul, e Belgrieve sentiu como se fosse sugado para ele se olhasse por muito tempo.

Kasim esticou os braços.

“Hah, é com certeza bem pacífico aqui. O ar está bom e fresco.”

“Não é?” Miriam entrou na conversa. “Você também acha, Sr. Kasim?”

“É claro. Tenho uma sensação boa e clara em meu peito — whoa, aí!” a carroça sacudiu quando uma das rodas rolou sobre uma pedra.

Um fino rendilhado branco de neve se espalhava como veios sobre as montanhas azuis ao longe. Embora já houvesse derretimento considerável, os picos ainda estavam coroados com gelo de marfim. O frio que ainda se agarrava à brisa ocasional provavelmente vinha dessas montanhas.

A partida de manhã cedo significava que estavam se aproximando de Turnera quando o sol começou a se pôr. Os aldeões estavam plantando trigo nos campos, cultivando o solo e plantando batatas. Quando viram Belgrieve a bordo da carroça que se aproximava, acenaram com os braços e gritaram.

“Bem-vindo de volta!”

A neve havia sido escavada em montes ao redor da vila, deixando a maior parte do terreno livre. Eles cruzaram o caminho ao som de ovelhas e cabras balindo de dentro de suas cercas enquanto andavam de um lado para o outro enquanto as galinhas ciscavam o chão.

Kasim colocou a mão na borda da carroça e observou alegremente a vista.

“Então esta é sua terra natal, Bell?”

“Sim.”

A carruagem subiu chacoalhando até a casa. A porta fora deixada aberta; talvez Graham estivesse fora, pois não conseguia sentir nenhuma presença lá dentro. Parecia que nada havia mudado. Talvez fosse de se esperar, já que estava ausente desde antes do inverno — porém parecia que ele havia partido por muito mais tempo.

Foi só depois que desembarcou e descarregou suas coisas da carroça que alguém por fim apareceu.

“Então você está de volta, Bell...”

“Graham? Obrigado por... Oh, wow.”

Belgrieve abriu a boca inexpressivamente. Graham havia enrolado seu cabelo comprido e amarrado em um coque, com um lenço enrolado na cabeça como se para escondê-lo. Trajava um avental sobre as roupas de trabalho, com um bebê amarrado às costas com um pano, outro preso ao peito e várias outras crianças pequenas reunindo-se à sua volta.

“O que está fazendo?”

“Eu...? Cuidando das crianças.” Graham respondeu com uma inclinação interrogativa de sua cabeça.

“Vamos brincar, vovô.” as crianças chamavam enquanto puxavam seu avental. Marguerite estaria rolando no chão de tanto rir se visse tal cena, pensou Belgrieve, mal contendo o próprio riso.

Angeline, que colocou a cabeça para fora da porta para ver, piscou com a visão.

“Quem é?”

“Certo, deveria apresentá-los. Este é Graham, tio-avô de Marguerite. Graham, esta é minha filha Angeline e seus amigos...”

Graham assentiu, incapaz de cumprimentá-lo com a criança em seus braços.

“Eu sou Graham... Por favor, perdoe minha aparência. Bell tem sido muito bom para mim.”

“O Paladino...?”

“O-O real...? Wow... Contudo ele é um pouco... Hehe...”

As meninas ficaram confusas ao encontrar um herói direto de seus contos de fadas, no entanto longe de parecer uma figura imponente, o encontraram vestido como uma dona de casa com crianças agrupadas ao seu redor. A surpresa delas rapidamente deu lugar a risadas.

“Você mudou bastante desde a última vez que te vi.”

“Quer dizer meu cabelo? Eles continuam puxando, então...”

“Certo...”

Ao que parecia, Graham havia amarrado o cabelo porque as crianças achavam divertido puxá-lo. Pensando bem, lembro-me de terem puxado meu cabelo também, pensou Belgrieve com um sorriso torto.

Kasim coçou a barba.

“Agora, isso não é algo...” ele disse com um suspiro. “Faz muito tempo desde que conheci alguém que nem consigo me imaginar derrotando...”

“Você também, Sr. Kasim...? Me sinto da mesma maneira.” admitiu Angeline.

“Se o enfrentasse dez vezes... Talvez tivesse uma pequena chance uma vez.”

“Sim... Eu conheci pessoas para quem não poderia me imaginar perdendo, entretanto esta é a primeira vez que vejo alguém que não consigo imaginar derrotando.”

Com um olhar de soslaio para os aventureiros Rank S que pareciam estar falando em um nível totalmente diferente, Belgrieve começou a levantar suas malas e carregá-las para dentro de casa quando um pensamento repentino lhe ocorreu e se virou para Graham.

“Onde está o Mit?”

“Estava correndo sozinho.”

“O que? Hey, vamos, isso não é um pouco...”

Então veio o tamborilar de pequenos passos quando uma criança com feições andróginas correu em sua direção, seu cabelo preto flutuando atrás. Os olhos de Belgrieve se arregalaram.


“Hã... É você, Mit?”

“Bem-vindo de volta, pai.” Mit olhou para Belgrieve com seus olhos redondos e negros. Ele era um pouco mais alto e sua maneira de falar também havia melhorado. Apesar de parecer ter no máximo cinco anos quando Belgrieve partiu, agora parecia ter cerca de dez.

Incapaz de entender a situação, Belgrieve olhou para Graham, que deu de ombros.

“Ele cresceu...” disse o velho elfo.

“Neste... Curto espaço de tempo?”

Foi apenas um inverno, Belgrieve se maravilhou.

Percebendo a confusão de Belgrieve, Mit inclinou a cabeça.

“Há algo errado?”

“Não é nada. De qualquer forma, estou em casa.”

“Pai... Pai! É este o irmão mais novo de quem você estava falando?”

“Sim, isso mesmo... Mit, esta é sua irmã mais velha.”

“Irmã mais velha?”

“Isso mesmo! Eu sou a irmã mais velha!”

“Eu sou... Mit... Irmã.”

“Q-Que fofo. Hehehehe…”

Os olhos de Angeline brilharam quando lançou os braços em volta do menino. Embora Mit parecesse bastante confuso, não ofereceu resistência. Anessa, Miriam e Charlotte o cercaram, beliscando suas bochechas e passando as mãos por seu cabelo.

Byaku franziu a testa.

“Isso deveria ser um demônio?” ele sussurrou para Belgrieve.

Bem, sim... O que está acontecendo, Graham?”

“Bem, Mit não é humano, estritamente falando... Também não é homem nem mulher. Parece que pode mudar por um capricho. Tenho certeza que depois de interagir com todos os tipos de pessoas e aprender com elas, seu corpo amadureceu.”

Belgrieve segurou a cabeça. Nesse ritmo, seria apenas uma questão de tempo até que os aldeões descobrissem que Mit não era humano.

Foi quando Kerry apareceu de repente. Era evidente que havia saído do trabalho, pois suas roupas estavam sujas com manchas de lama.

“Hey, bem-vindo de volta, Bell! Como a vida na cidade grande te tratou?”

“Kerry... Bom, consegui encontrar um velho amigo. Obrigado por manter o forte.”

“Oh, não se preocupe! De qualquer forma, não seja um estranho! Se Mit não era humano, poderia só ter dito antes.”

“Hã?” Belgrieve olhou fixo para Graham, que parecia completamente inabalável com as palavras de Kerry. “Graham... Você contou para todo mundo?”

“De fato. Não temos como encobrir essa quantidade de crescimento, então eles saberiam em breve.”

“Eu entendo, mas...”

Kerry gargalhou.

“Hey, vamos, é um pouco tarde agora. Ninguém vai reclamar de você levar outras raças para sua casa neste momento! Alguma coisa que tenha feito azedou desde o momento em que veio para Turnera? Todo mundo confia em você, não há necessidade de se esgueirar!”

“Ha... Haha... Entendo.”

“É uma boa vila que tem aqui, Bell.” Kasim deu um sorriso presunçoso, dando um tapinha no ombro de Belgrieve. Byaku soltou um suspiro cansado.

Os aldeões de Turnera lamentaram seu tratamento outrora severo com Belgrieve e, dada a magnitude de suas contribuições para a vila desde então, depositaram uma confiança quase absoluta em suas ações. Agora parecia idiota que se preocupasse tanto e mantivesse a natureza de Mit em segredo, e Belgrieve de repente se sentiu exausto. Com toda a sua cautela desnecessária, talvez fosse ele quem não confiava nos aldeões.

“Kerry... Comprei um pouco de carne de porco quando estávamos em Rodina. Por que não o usa para o festival?”

“Oh, obrigado! É seu amigo aí? Parece que tem mais crianças juntas também.”

“Muita coisa aconteceu... Vou contar tudo, porém deixe-me descansar um pouco. Me sinto exausto.” Belgrieve coçou a cabeça de maneira desajeita. Por enquanto, tudo o que queria era um copo de chá de quaresma.


Angeline desceu a encosta, tomando cuidado para não pisar nos brotos de grama, antes de parar para descansar contra o tronco de uma árvore. O sol da manhã abriu caminho através dos galhos sem folhas para brilhar sobre ela. A neve permaneceu onde as sombras permaneceram, tendo sido coberta por cristais escarpados de gelo. O matagal marrom havia começado a revelar um verde fresco por baixo de seu exterior murcho.

Era o primeiro dia do festival da primavera, e Angeline havia saído da vila — ocupada como estava com os preparativos — para dar um passeio solitário pela floresta. Na semana desde que voltou, passou um tempo à vontade com os amigos da vila, que reafirmaram em seu coração que aquele era realmente o seu lar.

“Obrigado por me abandonar... Não, acho que soa estranho.” Angeline murmurou.

Ela veio para o mesmo lugar onde Belgrieve a encontrou quando criança. Assim que voltou para Turnera, pediu a Belgrieve para guiá-la até lá.

Como Belgrieve contou, passou vários dias depois de encontrá-la vasculhando a área geral para ver se alguém havia desmaiado ali, então se lembrava bem do local. Em última análise, seu pai não encontrou uma alma, morta ou viva. Agora fazia sentido para que tivesse mantido silêncio sobre seus pais, com tão pouca informação para dar.

Angeline olhou em volta. A floresta levemente inclinada era composta por uma mistura de árvores decíduas e perenes, bem como arbustos que chegavam à altura de sua cintura. Foi à sombra de um deles que foi colocada há tanto tempo, envolta em um pano e deixada em uma cesta tecida com trepadeiras de glicínias. Angeline foi deixada lá junto com algumas ervas medicinais entrelaçadas — o pensamento que a fez se sentir como se pudesse se lembrar do cheiro.

De repente, todas as cores desapareceram de sua visão, lançando o cenário ao seu redor em tons de sépia. Pensou que poderia apenas distinguir uma figura além da luz de fundo ofuscante.

“Urgh... Grr...” Angeline segurou a testa com os olhos apertados. Quando abriu os olhos, sua visão voltou ao normal.

“Está bem. É o bastante.”

Angeline colocou a mão na presilha, sentindo o frio metálico com as pontas dos dedos enquanto levantava o rosto.

Havia vozes alegres vindo do sopé da montanha. O sol foi subindo gradualmente no céu e a vila já estava envolvida em um clima de festa.

Angeline saiu correndo da floresta e voltou para casa. Belgrieve e os outros homens já haviam partido, deixando apenas as meninas para trás.

Miriam riu quando notou Angeline.

“Você finalmente voltou.”

“Sinto muito... Estavam esperando por mim?”

“Pode dizer que sim.” Miriam respondeu.

“Certo.” Anessa assentiu.

Charlotte levantou-se cheia de alegria.

“É hora de te embelezar, mana!”

“Hã... O-O que quer dizer...?”

Miriam sorriu enquanto pegava um vestido — o mesmo que Angeline havia recebido de Liselotte quando deixou a propriedade do Arquiduque Estogal. Ela queria que Belgrieve a visse com o vestido, contudo ficou tímida agora que chegara a hora de usá-lo.

“Por que usar algo assim quando não há ocasião para fazê-lo?” dizia, continuando a dar desculpas.

Angeline corou e se inquietou.

“M-Mas... Pensando bem, é embaraçoso. É como se eu fosse a única ficando ansiosa...”

“O que há de errado com isso? É um festival! Também quero ver!”

“Já ouviu, irmã! Você tem um vestido tão bonito, então tem que usá-lo!”

“Agora pare de reclamar e tire a roupa.”

“Eep!”

Angeline foi realmente despojada de suas roupas e forçada a vestir o vestido antes de fazer o cabelo sob as instruções de Charlotte, que era bem versada nesse tipo de ocasião. Seja Estogal, Orphen ou Turnera, parecia que as meninas compartilhavam a mesma paixão pela moda.

Eventualmente, ela terminou de mudar. Embora não usasse maquiagem, seu cabelo estava bem penteado e depois trançado. Embora usasse seus sapatos habituais, eles ainda combinavam bem com o vestido.

Charlotte soltou um suspiro de desejo.

“Lindo... Muito, muito bom!”

“Fofo... Oh, eu adoraria um.” Miriam disse.

“Sim, você parece ótima.” acrescentou Anessa.

“A-Acham mesmo?”

Angeline esfregou as mãos sem jeito. Não estava acostumada com roupas tão cheias de babados e, de alguma forma, o fato de o local ser Turnera gerou uma estranha sensação de vergonha.

A música da praça chegou aos seus ouvidos — as apresentações já haviam começado. No entanto Angeline ainda estava indecisa, e as outras três tiveram que arrastá-la para onde os jovens da vila dançavam ao som das alegres melodias. Os aldeões que estavam bebendo e rindo de repente perderam as palavras quando avistaram Angeline. Isso a deixou ainda mais constrangida, e ela se viu segurando as bochechas avermelhadas. Nunca tinha se sentido assim em Estogal.

Belgrieve sentou-se atrás da multidão, discutindo algo com o chefe da vila, Hoffman. Kasim e Graham estavam sentados perto, o último bebericando um pouco sua cidra.

“Hey, Sr. Bell!” Miriam levantou a voz e acenou.

O coração de Angeline disparou enquanto avançava.

“Oh.” disse Kasim. “Então trouxe o vestido junto? É uma boa, de fato.”

“Hehe...”

Seu constrangimento estava começando a fazê-la sentir-se tonta quando se virou para Belgrieve cheia de timidez.

Belgrieve olhou-a com a boca entreaberta. Ele parecia confuso. O vestido não combina comigo? Meu pai está revoltado? Os lábios de Angeline se curvaram em uma careta nervosa.

Foi então que as lágrimas de repente começaram a rolar pelo rosto de Belgrieve, e sua expressão tensa caiu em pedaços. Era difícil dizer se estava rindo ou chorando, mas sua expressão trêmula era de alegria.

“Ange... Você realmente cresceu... Serve-lhe como uma luva... Sinto muito por nunca ter comprado nenhuma roupa bonita para que usasse...” Belgrieve cobriu os olhos, suas palavras sufocadas por suas lágrimas. Kasim e Hoffman riram e deram um tapa em suas costas.

Quanto a Angeline, seu embaraço e vergonha rapidamente se dissiparam, e ela correu para Belgrieve com o coração explodindo de alegria.

“Vamos dançar, pai!”

“Hã? E-Espere, o pai não é tão bom em...”

“Não se preocupe! Apenas se apresse!”


Angeline o arrastou para o círculo de dança e os aldeões aplaudiram. Angeline deu um passo alegre, com a mão travada na dele, e todos riram de suas tentativas desesperadas de acompanhá-la.

Não havia uma nuvem à vista no céu de primavera; um único pássaro voou um circuito através do azul.

Nenhum comentário:

Postar um comentário