Capítulo 80: Os ventos eram fracos
Os ventos eram fracos, mas o farfalhar das árvores ressoava sem parar. A terra se aqueceu na escuridão da madrugada enquanto o céu brilhava com as estrelas. A silhueta da montanha tornou-se uma sombra escura e imponente, fazendo parecer que o mar de estrelas havia sido partido em dois.
Acordando cedo demais para anunciar o amanhecer, Angeline foi dar um passeio fora da vila. Assim que o sol nascesse, ela entraria na floresta para descobrir a causa desses estranhos acontecimentos. Então, essa situação peculiar chegaria ao fim. Claro, estaria acompanhada por seu grupo, e Graham, e Kasim, e até mesmo Belgrieve.
“Hehe...”
Angeline sabia que era imprudente da sua parte, porém não conseguiu conter o sorriso. Finalmente estava explorando uma masmorra com seu pai, como sempre sonhou. Por fim, seria capaz de experimentar em primeira mão aquela paz de espírito que Kasim havia descrito. A ideia a excitava, e sua inquietação a fez acordar cedo. Uma vez acordada, não podia só ficar sentada em casa.
Angeline respirou fundo antes de exalar. Embora os ventos noturnos estivessem calmos, eles pareciam muito mais frios do que os do meio-dia. A brisa contra seu pescoço até deixou seu cabelo em pé. Contudo também era uma sensação reconfortante para seu corpo febrilmente quente, surgindo como estava com uma energia inquieta.
Depois de um tempo, chegou à pequena colina que sempre visitava em sua patrulha matinal. Daqui, podia observar toda a vila. Ainda era noite e precisava se concentrar para ver qualquer coisa. Mesmo assim, não conseguiu distinguir nada com clareza na terra, e apenas as silhuetas planas e escuras contavam a história de como as coisas deveriam ser.
Deixando a lanterna na mão, Angeline sentou-se no topo de sua pedra. Podia sentir sua superfície fria através de sua roupa. Então, abraçando os joelhos contra o peito, olhou para longe.
“Quem e para quê?” murmurou.
Pelo que ouviu, eles estavam enfrentando um inimigo formidável. Até Graham e Kasim pareciam tensos.
De sua parte, Angeline não tinha nada contra lutar contra adversários fortes. Era uma pessoa que se esforçou para buscar aventuras como uma ocupação, então, é claro, possuía a coragem de aproveitar o perigo. Embora quisesse ser uma aventureira calma e digna como Belgrieve, não conseguia conter seu espírito jovem e imprudente para a aventura.
Por infelicidade, no entanto, ela não conseguiu fazer isso quando Turnera estava em perigo. De volta a Orphen, não importava as crises absurdas que se abatessem sobre a cidade, tinha paz de espírito sabendo que seguiria tendo um lar para onde voltar. Talvez fosse por esse motivo que ela podia ficar tão animada com cada pequena coisa.
Mas a aventura agora a perseguia por todo o caminho de volta para casa. Ela tinha certeza de que não odiava o perigo, porém se sentia um tanto inquieta. Talvez para Angeline, Turnera fosse uma espécie de lugar sagrado.
“Talvez não haja maneira de contornar isso...”
Contudo nós temos o pai e o Sr. Kasim. Com certeza ficaremos bem. Vamos resolver assim mesmo, e tudo voltará ao normal. Assentindo para si mesma, Angeline deslizou da rocha para o chão e, no mesmo movimento, deitou-se de costas no chão. Em contraste com a escuridão da terra, havia tantos pontos de luz acima que mal conseguia encontrar uma lacuna considerável entre eles. Ficando deitada lá por algum tempo, sentiu o formigamento da grama e o orvalho molhado em suas costas.
De repente, Angeline ouviu um som chocante desagradável. Dando um salto do chão com a mão na espada, seus olhos afiados olharam na direção do som, direto para uma única árvore murcha. Os galhos e as raízes da árvore se espalham como braços e pernas.
“Um pastor de árvores...?”
Os galhos velhos do pastor estalaram quando se aproximou. As únicas folhas que tinha eram esparsas e desbotadas, existindo apenas onde seu rosto poderia estar. Angeline deixou a tensão drenar de seu corpo.
“Não me assuste desse jeito...” falou com um suspiro. Angeline se sentou exatamente onde estava sentada antes, e o pastor de árvores se alinhou ao seu lado. Mantendo o silêncio, Angeline olhou para a vila. Era menos confortável, agora que sentia um olhar peculiar do pastor, que para começar não tinha olhos. Não demorou muito para que não pudesse mais suportar.
Ela se virou para ele e perguntou.
“O que é?”
Perguntou, mesmo sabendo que não obteria resposta. Afinal, os pastores eram incapazes de falar.
Uma forte rajada de vento balançou a trança solta de Angeline, começando a fazê-la sentir o frio mais forte na pele, o que a levou a cruzar os braços e esfregar os cotovelos com as mãos. Em seguida, soltou um grande bocejo.
A aventura começaria desde o raiar do dia. Ela acordou cedo demais, mesmo para uma missão inicial. Talvez fosse uma boa ideia dormir um pouco mais quando voltasse. Decidida, Angeline levantou-se para sair.
Salve-os.
“Hã?” Angeline sentiu como se alguém tivesse falado, e se virou para olhar para o pastor. No entanto, o pastor estava lá, não diferente de antes.
“Você disse alguma coisa?” Não tem como... pensou, apenas para ouvir logo em seguida a voz novamente.
Eles estão todos com dor.
“Dor...? De quem está falando...” Angeline começou, todavia antes que pudesse terminar o pastor de árvores de repente começou a tremer, quase como se estivesse em convulsão. As folhas em sua cabeça farfalharam, soltando várias delas que caíram no chão.
Angeline olhou para a vila com um sobressalto. No escuro, era como se algo se aproximasse como uma onda. Antes mesmo de entender o que estava acontecendo, os pés de Angeline estavam correndo morro abaixo.
Graham se levantou, jogando seu manto sobre os ombros antes mesmo de ficar de pé.
“Cuide de Mit para mim!” ele gritou enquanto corria para fora da casa.
Belgrieve deu alguns tapas em suas bochechas para clarear sua cabeça sonolenta antes de puxar Mit para mais perto. Kasim também estava acordado, olhando pela janela em dúvida. Embora não entendessem totalmente a situação, Anessa e Miriam já tinham suas armas em mãos.
“O-O quê? Aconteceu alguma coisa...?” Charlotte murmurou, esfregando os olhos sonolentos.
Byaku transferiu uma chama para a lâmpada.
“Algo está vindo.”
“Tsk, tinha que ser a esta hora ímpia? Estamos tentando dormir aqui.” resmungou Kasim, colocando seu chapéu e se virando para Belgrieve. “Vou dar uma olhada, Bell.”
“Entendi.”
Depois que Kasim saiu correndo, Belgrieve prendeu com cuidado sua perna de pau e se levantou, enfiando a espada no cinto. Ansioso, Mit segurava um de seus braços e, com o outro, Belgrieve agarrou a mão de Charlotte.
Houve um som à distância como um estrondo ou uma voz baixa que causou um arrepio em sua espinha só de ouvi-lo. Era nítido que algo estava errado, e talvez estivessem mais seguros se fortificassem a casa. Todavia os instintos de Belgrieve diziam que tinha que sair.
Após um breve momento de hesitação, Belgrieve voltou-se para Anessa e Miriam.
“Vamos sair também. Não sabemos se é seguro aqui.” com isso decidido, ele saiu, ainda segurando as mãos de Mit e Charlotte.
Do lado de fora, podia ouvir gritos e berros e, à distância, podia ver línguas de fogo subindo e tremulando. Talvez Graham e Kasim já tivessem engajado seus atacantes.
“Então eles reagiram assim que perceberam que o pólen mana foi cortado...”
Mas não pensei que agiriam tão rápido. Talvez eu tenha estado um pouco relaxado demais, pensou Belgrieve, estalando a língua. Este não era o trabalho de nenhum monstro comum; esses inimigos mudaram de planos assim que souberam que seu meio inicial de ataque havia falhado. Além do mais, aproveitaram o momento — atacando no escuro, quando sabiam que todos estariam dormindo. Contra tais inimigos, não havia como exercer muita cautela.
MIIIIIIIIITTTT...
“Eek!” Mit soltou um leve grito, segurando o braço de Belgrieve ainda mais apertado.
Belgrieve estreitou os olhos.
“O que é que foi isso...?”
“Senhor Bell!” exclamou Anessa.
Sem perder tempo, Belgrieve pegou as duas crianças e se abaixou para o lado. O galho de um pastor de árvores que silenciosamente se aproximou deles por trás passou pelo espaço onde estivera um momento antes. Nem um momento depois, um raio caiu sobre o pastor. A criatura caiu, queimada, sobre a terra.
As orelhas de gato de Miriam estremeceram enquanto ela erguia seu cajado.
“E-Eu fui e fiz... Sem pensar... Tudo bem?”
“Essa foi a escolha certa dada a situação... Era óbvio que estava atrás do Sr. Bell.”
“Por que os pastores…” a questão inacabada pesava na mente de todos: por que um pastor de árvores — uma criatura que raras vezes se tornava hostil aos humanos — estava agindo dessa maneira?
Uma vez que ela foi abaixada no chão, Charlotte voltou aos seus sentidos e olhou em volta.
“Onde está Ange?”
Pensando bem, Ange não estava lá quando acordamos. Ela saiu com Graham? Estava escuro como breu e ele não estava acordado, então suas memórias eram confusas.
“Ange pode cuidar de si mesma.” argumentou Belgrieve. “Agora, devemos nos preocupar com...” seu olhar voltou para Mit. O menino estava tremendo de medo, agarrado a Belgrieve para salvar sua vida.
Ao seu redor, o farfalhar das folhas parecia ficar mais forte. Não havia como saber se era causado pelo vento ou se algo estava se aproximando. De qualquer forma, era inútil ficarem por aqui. Certamente teriam uma compreensão mais clara da situação na praça da cidade.
De repente, seus arredores foram iluminados por uma luz dourada arenosa. Os círculos mágicos tridimensionais de Byaku flutuavam, com um leve brilho, permitindo que Belgrieve visse seus pés e o chão que antes estava envolto em escuridão.
“Precisamos nos apressar.”
“Haha, obrigado, Byaku.”
“Hmph...”
Com o chão sob seus pés visível, correr agora era uma opção, então o grupo correu para a praça.
O farfalhar agora era pontuado por gritos — claramente, havia algo errado acontecendo. Mais adiante na estrada, uma forma sombria podia ser vista se contorcendo na escuridão. Um dos sigilos brilhantes deu um zoom à frente para lançar uma luz sobre ele, revelando um pastor de árvores segurando algo em seus galhos — uma criança, chorando e se debatendo sem sucesso, pois estava firmemente nas garras do pastor. Assim, o pastor estava saindo da cidade.
“Anne!” gritou Belgrieve. Anessa disparou uma flecha que explodiu no momento em que perfurou o pastor, partindo seu enorme tronco.
Dois fazendeiros — os pais da criança — saíram correndo de uma casa próxima de pijama.
“Oh, oh graças a Viena…” a mãe chorou enquanto agarrava a criança que havia caído no chão. O pai avistou Belgrieve e correu até ele, inclinando a cabeça enquanto as lágrimas escorriam de seus olhos.
“Bell! Obrigado! Obrigado!”
“Me agradeça depois! Corra para a praça!”
Pelo que parecia, os pastores estavam lançando ataques em todas as casas. Sob o manto da escuridão, eles vieram em grande número, e Belgrieve mal conseguia entender a situação.
“Vamos torcer para que não estejam mantendo Graham à distância.”
Anessa e Miriam firmaram suas armas.
“Vou ver se alguém precisa de ajuda!”
“Sim! Não adianta ter todos nós em um só lugar!”
“Obrigado! Diga a todos para virem para a praça!”
As duas garotas assentiram e saíram correndo pela escuridão. Belgrieve, por sua vez, conduziu a família que acabavam de salvar para a praça, onde os aldeões já haviam começado a se reunir. Fogueiras ardentes foram acesas e orações à Grande Viena enchiam o ar.
“Parem de entrar em pânico, seus idiotas!” gritou o Chefe Hoffman. “Fique de olho nos seus filhos! Atla! Temos alguns feridos chegando; pode preparar algum remédio?”
“Chefe!” Belgrieve gritou, correndo para o lado de Hoffman.
Hoffman devolveu um sorriso, parecendo tranquilizado por sua chegada. “Oh, Bell! Que bom que está bem!”
“O que exatamente aconteceu? Qual é a situação?”
“Eu realmente não sei. Aquelas árvores ambulantes começaram a aparecer por toda parte. Elas estão arrombando portas e parece que estão tentando sequestrar pessoas. Por sorte a senhorita Sasha se apressou em assumir o comando e nos reuniu aqui.” explicou Hoffman.
Entendo. Então a reunião da vila é graças a Sasha, pensou Belgrieve, sentindo um pouco de tensão drenar de seus ombros.
Byaku aumentou o número de seus círculos mágicos, e sua luz de areia dourada limpou a escuridão restante, dando aos aldeões reunidos alguma paz de espírito. Mesmo assim, não havia como dizer que ameaças ainda espreitavam na escuridão.
O som estrondoso baixo — como algo gemendo de dor — continuou, e o farfalhar das árvores só ficou mais intenso a cada momento que passava. No escuro, eles só podiam imaginar o que estava acontecendo ao seu redor. Talvez as árvores, conduzidas pelos pastores, estivessem se aproximando deles.
“Mas a barreira...”
Belgrieve olhou para o centro da praça. A espada sagrada de Graham ainda estava fincada, emanando uma luz fraca. Certamente a barreira ainda era eficaz. Então, como os pastores de árvores se infiltraram? E por que estão tentando fugir com os aldeões?
Naquele momento, Angeline chegou, liderando alguns retardatários. Ela os encontrou quando veio ajudar depois de descer correndo a colina.
“Pai!”
“Ange! Onde você foi?”
“Acordei cedo, então fui dar uma volta... Hey, as árvores estão se aproximando da vila.”
“Árvores... Então é isso que está acontecendo. Elas já entraram na vila?”
“A barreira embotou seus movimentos, porém estão avançando aos poucos... Havia monstros também, contudo esses parecem não conseguir entrar.”
O que significa que as árvores da floresta são algo separado dos monstros. Então a barreira não é ineficaz, no entanto não pode parar por completo seu avanço. Não podemos fazê-lo da maneira usual. Belgrieve franziu a testa.
O número de aldeões reunidos aumentou cada vez mais até que a praça se encheu de gente. Anessa e Miriam voltaram depois de vasculhar a vila de ponta a ponta; Belgrieve notou que Sasha, Seren e os três jovens aventureiros também vieram. O ar estava cheio de sussurros ansiosos e fungadas. Cada família se amontoou perto, encolhendo-se com o terror invasor.
Finalmente, Graham apareceu.
“Graham!”
“Eu verifiquei todas as casas. Todos deveriam estar aqui.”
“Entendo... E a barreira?”
“De fato... E pensar que haveria um inimigo sobre o qual eu entendia tão pouco. Mas é estranho.”
O ruído baixo ficou cada vez mais alto. Quanto mais perto chegava, mais claro ficava que não era apenas um estrondo qualquer. Este era um ruído de gemido, cheio de ressentimento, reverberando por toda parte como se ecoasse infinitamente através de um abismo escuro. Houve uma chamada distinta misturada com os gritos.
MIIIIIIITTTTT...
Mit fechou os olhos com força e pressionou o rosto contra Belgrieve.
“Assustador... Não quero ir...”
“Não se preocupe.” Belgrieve estava acariciou com gentileza a cabeça do menino quando os rosnados da espada sagrada ficaram mais altos. Uma árvore pesada apareceu, descendo a rua da praça. Graças ao poder da barreira, ao que parecia não poderia se aproximar, nem tinha o poder de derrubar nenhuma casa em seu caminho. Porém, seu tronco grosso continuou a avançar, empurrando contra a força sagrada e, a cada vez, a espada sagrada ficava mais forte em oposição.
Angeline saltou adiante, apunhalando sua espada na árvore. Contudo, isso não conseguiu deter seu avanço ou derrubá-la. Este era um confronto ruim para um espadachim.
Belgrieve estava prestes a chamar Graham e olhou para o homem apenas para ser pego de surpresa. Graham parecia estar com falta de ar quando caiu de joelhos. Ele soltou respirações pesadas enquanto olhava para a árvore a sua frente.
“O que está acontecendo...? Por que há tantos de vocês...?”
“Graham? O que está errado? O que aconteceu?” Belgrieve gritou, colocando a mão nos ombros do amigo, que arfava a cada inspiração. Vendo um guerreiro tão robusto reduzido a tal estado, Belgrieve chegou à terrível conclusão de que seu inimigo também poderia usar magia.
“Ange! Abaixe-se!”
A voz de Kasim explodiu. Belgrieve se abaixou antes mesmo de pensar nisso. Angeline estava se preparando para seu próximo ataque, mas rapidamente saiu do caminho e abaixou sua postura.
Uma lança de chamas afiada e ardente saiu de trás deles. No momento em que o fogo perfurou a madeira, toda a área foi iluminada por uma explosão quando um enorme buraco foi feito no tronco. Acompanhando-o, houve um ruído estridente e forte quando a árvore se contorceu e balançou com força antes de cair imóvel. Antes que alguém tivesse tempo de comemorar sua derrota, outra árvore escalou seu cadáver, partindo-o sob os pés. Ela empurrou contra a barreira assim como a anterior.
Kasim correu para o lado de Belgrieve, estalando a língua.
“Bem, continuar... Isso não vai fazer nada... Um grande feitiço pode explodir a vila, e teremos uma grande conflagração em nossas mãos se eu não pensar antes de atirar...”
“Você pode fortalecer o barreira?" Angeline perguntou.
“Não mais do que está agora. Em vez disso, a barreira serve apenas para retardá-los. Não está cumprindo seu propósito original, pelo amor de Deus. O que está acontecendo? É a primeira vez que enfrento algo assim.” Kasim balançou a cabeça cansadamente, apontando os dedos para frente para seu próximo feitiço. Apenas aniquilar essas árvores teria sido uma tarefa simples para ele, todavia seria inútil se a vila fosse destruída no processo.
MMMIIIIIITTTTTT...
As vozes eram implacáveis. Era como se cada árvore individual estivesse chamando. As árvores mais altas agora podiam ser vistas elevando-se acima dos edifícios da vila. A área ao redor da praça já estava lotada delas, e com tantas folhas farfalhando e roçando, era como se estivessem no meio da floresta. Parecia que uma estranha atmosfera opressiva os estava esmagando.
Foi em meio a toda confusão que alguém começou a murmurar.
“Você acha que Mit... As chamou aqui?” de repente, todos os olhos na praça estavam em Mit. Mit estremeceu e se escondeu atrás de Belgrieve quando o clamor começou.
“Droga, por que eu tive que ser arrastado para essa bagunça...?”
“A casa está arruinada...”
“Estão chamando por Mit, certo? Então, se nós o entregarmos...”
“Hey, pare com isso.”
“É verdade, não pode ser culpa do Mit. Com certeza não é.”
“Mas você sabe, há tantas árvores...”
“Imagine o que devem ter feito com os campos de trigo...”
Angeline cerrou o punho.
“Parem com essa besteira! Não é culpa de ninguém! E sem dúvida não é do Mit!”
Os aldeões baixaram a cabeça.
“Eu entendo, porém...”
“Mas sabe...”
“Mesmo se sobrevivermos a isso, como sobreviveremos ao inverno sem colheitas...?”
“Tsk, por causa de uma certa pessoa...”
“Parem! Agora não é a hora!”
“Que outra chance teremos?”
“Grr, tenho certeza, no fundo, você também está pensando isso!”
“Hey, sem brigas! O que vocês estão pensando?”
Parecia que todos estavam procurando uma maneira de desabafar suas frustrações — no que dizia respeito a eles, haviam sido submetidos a uma violência repentina e irracional, e uma mistura de medo e raiva lentamente os roubou de sua compostura.
Vozes iradas começaram a surgir entre a multidão em meio aos gritos dos feridos.
Sasha, Seren e Hoffman tentaram acalmá-los, contudo sem sucesso.
Foi quando Belgrieve estava prestes a abrir a boca — para dizer qualquer coisa que pudesse para controlar a situação — que pôde sentir a mão de Mit escorregando da sua.
“Sinto... Muito...” lágrimas caíram dos olhos de Mit.
“Mit...”
“Sinto muito... Sinto muito...” o garoto olhou suavemente para Belgrieve. “Adeus.” Esquivando-se da mão estendida de Belgrieve, Mit saiu correndo.
“Mit! Espere!”
As árvores cheias de obstinação que tão cortaram todas as estradas para a praça abriram caminho em um piscar de olhos. As árvores agiam como um túnel, abrindo-se para a escuridão além. Mit mergulhou e desapareceu.
Antes que Angeline e Kasim pudessem se recuperar do choque e correr atrás de Mit, Graham começou a persegui-lo, seu cabelo prateado tremeluzindo no ar como uma imagem residual. Graham desapareceu na escuridão pouco antes de as árvores se fecharem de novo. Então, o túnel se foi. Como uma onda recuando, as árvores recuaram em um ritmo tremendo — seu objetivo havia sido cumprido.
Belgrieve estava prestes a persegui-lo, no entanto se deteve. Ele poderia dizer que aquelas árvores estavam saindo muito mais rápido do que qualquer humano poderia correr. Sabia que nunca seria capaz de alcançá-los.
“Como pode ser possível...?” Belgrieve fechou os olhos, cobrindo o rosto com as mãos.
A floresta não tinha interesse em Turnera. Talvez tenha atacado os aldeões e fingido sequestrá-los só para aumentar seu ressentimento e isolar Mit. Eles caíram direto em seu estratagema e Mit partiu por conta própria.
O céu do leste estava começando a se iluminar.
○
Kasim com raiva passeava pelo quintal.
“Eu não os suporto. As coisas que eles disseram...”
Belgrieve olhou silenciosamente para sua espada da frente para trás e verificou o conteúdo de sua bolsa de ferramentas. Ele desamarrou o cabelo, depois amarrou-o outra vez antes de vestir o manto.
Kasim bateu os dedos dos pés no chão.
“Você vai, não é? Para salvar Mit e o velho?”
“Claro que vou.”
Todavia uma vez que o fizesse, talvez precisasse decidir deixar Turnera. Quando acolheu Mit, Belgrieve decidiu arcar com todos os problemas que surgissem com essa escolha. Ele tinha um vago pressentimento de que poderia haver dificuldades, embora não imaginasse que aconteceriam tão de repente.
Kasim continuou vomitando injúrias contra os aldeões. Do jeito que viu, eles praticamente os traíram. Entretanto Belgrieve podia entender como os aldeões se sentiam. Afinal, era de Turnera e vivera na vila por muito mais tempo do que longe dela. Era uma vida de lavrar a terra e plantar as raízes. Gostassem ou não, as pessoas que viviam assim eram ruins em acompanhar mudanças repentinas. Seu trabalho era o mesmo ano após ano e, de certa forma, suas vidas eram uma repetição. Para isso ser revirado de repente assim era uma coisa terrível em si.
Então Belgrieve não podia falar os maldizer. Na verdade, estava grato por terem aceitado Mit graciosamente, mesmo depois de saber que não era humano. Belgrieve não poderia ser tão impiedoso contra aqueles que ficaram com raiva depois de serem colocados em uma situação tão ultrajante e injusta.
“O que será, será, eu acho... Mas esta é uma pílula amarga de engolir.” Belgrieve murmurou, atingido ao perceber que teria que abandonar sua casa agora, na sua idade.
O sol nascente coloria a terra com tons vívidos. Angeline saiu de casa com um olhar manso no rosto.
“Você vai?”
“Sim. Já está pronta?”
“Acha que vamos conseguir?” Anessa murmurou um pouco ansiosa.
“N-Nós ficaremos bem.” Miriam disse com alegria forçada em sua voz. “Quero dizer, o velho Graham está os acompanhando.”
“Porém Graham, ele... Não trouxe sua espada...” disse Angeline, deixando Miriam sem palavras.
De fato, Graham não havia arrancado sua espada do chão naquela noite. Ele sabia que isso dissiparia a barreira e que as árvores inundariam a praça.
“Vamos começar por aí então. Se pudermos retirá-la, precisamos entregá-la a Graham.”
Ao decidirem seu curso de ação o grupo seguiu seu caminho.
Os restos devastadores da batalha da noite anterior ainda persistiam. As estradas estavam cheias de buracos e muitos cantos dos telhados foram destruídos. Como a barreira havia drenado a força das árvores, as próprias casas ainda estavam de pé, no entanto os campos e galinheiros dos aldeões foram destruídos. O lado oeste do campo de trigo estava praticamente destruído e partes do lado sul estavam uma bagunça. Por sorte, o leste estava intocado, mas isso sem dúvida significaria uma grande redução no rendimento. Belgrieve deu um suspiro melancólico.
A espada de Graham seguia cravada no centro da praça. A espada estava emitindo um rosnado baixo e um brilho fraco. Parada ao seu lado estava o jovem trio de aventureiros, que correu assim que avistou Belgrieve e os outros se aproximando.
“Senhor Belgrieve!”
“Oh, estou feliz em ver que vocês três estão bem.”
Sola girou sua espada.
“Você está indo para a floresta, certo? Hmm, bem, posso não ser capaz de fazer muito, porém gostaria de ajudar.”
“Por favor, leve-nos! Não podemos ficar parados...”
Vendo Sola e Jake fazendo tal tumulto, Kain abaixou a cabeça com um sorriso preocupado.
“Vamos tentar ficar fora do seu caminho. Que tal?”
“Agora olhem aqui.” disse Kasim, coçando a cabeça. “Estamos indo direto para o meio de um inimigo que talvez não sejamos capazes de enfrentar. Um passo errado e vocês podem morrer.”
Os três ficaram sem palavras. Enquanto refletiam as palavras de Kasim, outra voz se juntou a discussão.
“Eu vou ajudar!”
Era Sasha. Ela tinha a espada na cintura e parecia perfeitamente preparada.
Angeline pareceu agradavelmente surpresa.
“Sasha... Vai ser perigoso.”
“É claro. E quem mais senão um aventureiro pularia de cabeça no perigo? Pensei que você poderia usar outra mão no trabalho.” Sasha declarou antes de olhar para o grupo de três. “Nós quatro cuidaremos dos pequenos inimigos. Vocês devem preservar sua força, ou não poderão usá-la quando precisar. Eu sou uma aventureira de Rank AAA, sabe. Eu não vou te segurar.”
“Meu Deus...” Kasim suspirou, olhando para Belgrieve. “O que acha? Não parece que ela seja do tipo que se deixa dissuadir.”
“Tenho algumas condições. Sua própria segurança vem em primeiro lugar. Não se force e siga minhas ordens. Contanto que todos façam isso...” Belgrieve abaixou a cabeça. “Então, por favor, empreste-nos sua força.”
Sasha e os outros jovens aventureiros apressadamente correram para Belgrieve.
“Me-Mestre!”
“Não, não! Por favor, não se curve a nós!”
“Isso mesmo! Este é apenas o nosso capricho egoísta!”
Foi quando outro grupo de vozes animadas se aproximou.
“Ah! É o tio Bell!”
“Todo mundo está aqui!”
Belgrieve se virou para ver que muitas crianças pequenas haviam se reunido — tantas que se perguntou se eram todas as crianças da cidade. O grupo foi pego de surpresa. Na mão de cada criança havia uma espada ou bastão de madeira, que giravam com entusiasmo.
“Nós vamos salvar Mit!”
“Vovô Graham também!”
“Vamos todos!”
“E-Esperem! Isso está indo longe demais!” Belgrieve balançou a cabeça freneticamente, apenas para as crianças começarem a clamar alto.
“Mit é um amigo!”
“Nós gostamos do vovô!”
“Mit estava chorando...”
“Quero jogar juntos de novo!”
Belgrieve coçou a cabeça.
“Obrigado. Eu aprecio o sentimento.”
“Então?”
“Não, não dá. É muito perigoso. Não sei se seremos capazes de proteger todos.”
“Então, que tal nós, Sr. Bell?”
Mais uma voz se intrometeu. Belgrieve virou-se surpreso ao descobrir que os jovens da vila estavam reunidos ali. Estes eram os mesmos rapazes e moças que ele e seus camaradas magistrais haviam instruído em feitiçaria e esgrima. Barnes se aproximou, com um sorriso amargo no rosto enquanto segurava um arco.
“Não podemos só empurrar o problema para todos vocês.”
“Vocês estão indo salvar Mit, certo?” Rita empinou o peito.
Os outros jovens balançaram suas armas em concordância.
Bem, vamos... Belgrieve não sabia bem o que dizer enquanto fechava os olhos. Ele acariciou sua barba. Houve outro estrondo de passos, juntamente com o barulho de ferramentas de metal.
“Bell.”
“Kerry? O que está fazendo aqui...?”
Kerry e Hoffman lideraram os outros adultos da vila. Mesmo aqueles que haviam sido tão hostis na noite anterior chegaram, todos carregando facões, pás, enxadas, serras de madeira e machados.
“Deixe-nos ajudar também.”
“Hmm, desculpe pelo que aconteceu lá atrás. O sangue subiu direto para a minha cabeça...”
“Entregar Mit para resolver as coisas é algo que simplesmente não me agrada.”
“Mit é um bom garoto. Não tem como ser culpa dele.”
“Podemos cultivar outro campo, contudo Mit está lá sozinho.”
“Estávamos prestes a cometer o mesmo erro que cometemos quando te evitamos, Bell.”
“Por favor, Bell. Vamos salvar Mit e Graham.”
Kasim inclinou o chapéu sobre os olhos enquanto ria dos céus acima.
“Eles são idiotas, todos eles...”
“Pai!” Angeline, alegre, pegou o braço de Belgrieve. De sua parte, Belgrieve ficou em silêncio com os olhos fechados por um momento antes de balançar a cabeça.
“Não posso deixar.”
“Be-Bell...?”
Seus olhos se abriram e ele olhou direto para os aldeões.
“Obrigado. Estou realmente grato... No entanto é muito perigoso desta vez. Posso não voltar vivo, e até mesmo Ange e Kasim podem não estar seguros. Não posso colocá-lo em mais nenhum perigo.”
Os aldeões baixaram a cabeça.
“Porém então... Vamos contar com você para tudo de novo.”
“Não, há algo que só vocês podem fazer.” Belgrieve sorriu. “Quando Mit chegar em casa... Poderiam recebê-lo? Sorrir e dizer que ele fez um bom trabalho ao voltar?”
“Bell...”
Alguns dos aldeões pareciam prestes a chorar.
“Hmm... Tudo bem! Vamos deixar Mit e Graham para você!” Kerry sorriu e deu um tapinha nas costas de Belgrieve. Os aldeões assentiram e comemoraram.
As bochechas de Angeline coraram quando acenou com os braços. “Tenha um banquete esperando por nós!”
“Pode deixar!”
“Deixe com a gente!”
Então, a praça estava animada por um motivo diferente. Ainda podemos ficar aqui, percebeu Belgrieve. O pensamento o exultou mais do que qualquer outro.
Enquanto isso, o sol subiu mais alto no céu quando um vento suave começou a soprar do leste. Este era um clima perfeito para aventuras.
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