Capítulo 89: Fora da cidade de Orphen
Fora da cidade de Orphen, a luz do sol do início do verão caía incessantemente e se refletia na grama curta e exuberante. Houve um som esmagador quando botas de sola grossa pisaram nele, revelando o solo nu abaixo.
O garoto ruivo conseguiu escapar de um golpe, mas logo em seguida levou o impacto de outro golpe em seu ombro.
“Por que está tentando se aproximar de lá?” disse o garoto de cabelos louros enquanto batia cansado com sua espada de madeira no ombro do outro garoto. “Não é como se fosse ganhar de alguma forma, desde que fique no meio disso. Você... Você é bom em avaliar a situação. Não jogue isso fora — está desperdiçando seu forte. Não vai me vencer me imitando.”
“Grr...”
“Deve se ater ao que está acostumado.” disse a garota élfica com uma risada. Ela havia assistido de seu poleiro em uma pedra próxima.
O garoto ruivo coçou a cabeça.
“Hmm... Porém, sabe...”
“Ficar na retaguarda foi o que te fez ser expulso daqueles outros grupos?”
O garoto ruivo sentiu como se seu coração tivesse parado. Vendo os olhos de seu oponente começar a se mover, o garoto loiro sorriu.
“Escute aqui. Vou apenas dizer, acho que você nunca será um espadachim melhor do que eu ou ela. Não é isso que estou esperando de você. É outra coisa.”
“Isso meio que... Dói quando diz tão abertamente.”
“Não estou te chamando de fraco. Não seja tão impaciente. Olha, estou tendo dificuldade em colocar isso em palavras, contudo há o seu próprio papel a cumprir. Apenas deixe a ofensiva comigo. Ok?”
“Tem razão. Não sei sobre ele, no entanto eu sou um gênio. Apenas deixe comigo, hehe.”
A risada da elfa fez o garoto loiro franzir a testa.
“O que é que foi isso? Está querendo uma briga?”
“Uh-huh, então que tal encerrarmos nossa longa série de empates!” a garota elfa girou sua espada de madeira ao se levantar.
“Finalmente pronta para perder? Bom! Vou te dar exatamente o que pediu.”
“Vou devolver essas palavras e mais algumas!”
Com um olhar de soslaio para o par briguento, o garoto ruivo recuou para uma distância segura com um suspiro.
Divisão de trabalho... Até agora, cabia em maior parte ao garoto ruivo monitorar o campo de batalha e procurar inimigos. Também era sua responsabilidade cuidar dos preparativos de cada aventura e fazer várias outras tarefas diversas. Ele era bom nisso, com certeza. Sem mencionar que o garoto de cabelos louros, a garota elfa e o garoto de cabelos castanhos eram um tanto desleixados quando se tratava dessas coisas. E assim, o garoto ruivo passou a entender essas coisas como seu dever.
Quando se tratava da espada, sabia que não era páreo para os outros dois — nem em termos de técnica, nem de esforço ou talento. Ele olhou para o ataque corajoso do garoto de cabelos cor de palha e ficou encantado com os movimentos fluidos e dançantes da garota elfa.
Mesmo assim, tinha algum respeito próprio como espadachim. Sabia que era um erro competir com eles na esgrima, no entanto pelo menos queria a força para ficar no mesmo campo de batalha que eles. Em todo caso, não estava bom como estava agora. Que estilo é certo para mim? perguntou-se, fechando os olhos.
Um espadachim luta na vanguarda para proteger a linha de trás. Suas posições eram a que enfrentavam os monstros com mais frequência. Mas, não era isso que o loiro queria da sua parte.
Certamente, o grupo já contava com três espadachins, incluindo ele mesmo. Não fazia sentido ter todos na linha de frente. Se estivesse lado a lado com aqueles dois, só iria atrapalhá-los. Em sua terra natal, o garoto ruivo podia se orgulhar de suas habilidades, porém o mundo era um lugar vasto.
Em meio ao tempestuoso embate das lâminas de madeira, se aproximou do garoto de cabelos castanhos, que observava alegremente o duelo de mais longe.
“Hey. Parece que esses dois são os mesmos de sempre.”
“Hey, o que acha? Que estilo de espada eu deveria estar usando?”
“Está perguntando pra mim? Hmm...” o garoto de cabelos castanhos cruzou os braços com uma expressão de conflito no rosto. Ele também era um gênio, contudo mais significativamente, era um mago. Talvez perguntá-lo sobre esgrima fosse um equívoco. O garoto ruivo coçou a cabeça. No entanto antes que pudesse dizer qualquer outra coisa, o garoto de cabelos castanhos de repente bateu palmas — aparentando ter algum tipo de epifania.
“Um escudo.”
“Hã?”
“Você sabe, esses dois gostam de avançar, e se eu tivesse que escolher um lado, estou mais voltado para o ataque. Sendo honesto, temos capacidade de dano mais do que suficientes.”
“Então, um escudo? Quer que eu seja o escudo?”
“Não estou dizendo para sair na frente e atacar, mas você é melhor defendendo do que atacando. Na verdade, é quem está olhando para trás quando estamos com os olhos focados no que está à frente... O resto de nós, tendemos a esquecer o que nos rodeia quando nos deixamos levar. Sei que precisamos consertar isso.” o garoto de cabelos castanhos gargalhou.
Talvez estivesse certo. Um espadachim que se concentrava na defesa — mesmo tentando isso, ele seria vaiado de outras partes. Porém nesse grupo era o que todos insistiam que o garoto ruivo fizesse.
“Minha nossa...”
Ele passou muitos dias e noites praticando lâminas ofensivas, esperando competir com o loiro. Fora uma luta infernal; parecia que estava usando roupas que eram do tamanho errado, e parecia que tudo tinha sido em vão.
E agora, ainda que chamasse de ‘espada defensiva’, não sabia ao certo o que implicaria. Todas as tentativas e erros que realizou depois de chegar à cidade grande só o deixaram ainda mais confuso.
“Acho que vou precisar fazer ainda mais testes...”
“Ah, outro empate.” o garoto de cabelos castanhos exclamou.
Ambas as espadas fizeram contato ao mesmo tempo. A garota elfa segurou sua cabeça. O garoto de cabelos cor de palha segurou seu flanco. Ambos tremiam de joelhos.
O garoto ruivo tirou de sua bolsa uma pomada que sabia que funcionaria bem em inchaços e contusões.
○
As folhas de grama captavam a luz, brilhando de branco cada vez que o vento as fazia balançar. Era como se ondas de luz estivessem fluindo e desaparecendo ao longo das planícies em intervalos regulares. Angeline olhou para esta vista e se espreguiçou.
Todas aquelas fofocas de amor foram divertidas, e estas levaram a conversas acaloradas das garotas assim que colocaram um pouco de álcool em seus sistemas. Houve algum atrito, porém uma vez que tudo foi dito e feito, elas conseguiram aceitar o pedido da guilda; assim, se separaram de Sierra e deixaram Mansa, e agora viajavam para o sul ao longo da estrada.
Parecia que haviam conquistado a confiança total de Sierra; metade de sua recompensa foi paga antecipadamente e o restante seria emitido na guilda de destino. Além do mais, eles receberam um mapa detalhado, comida, água e todas as outras necessidades para a viagem, e uma carroça de dois cavalos foi emprestada sem custos. Transportar documentos da guilda era um trabalho importante, e havia dois aventureiros Rank S lidando com o pedido, contudo esses não pareciam ser os únicos motivos pelos quais estavam sendo tratados tão favoravelmente.
Sentado em frente à Angeline, Kasim olhava distraído para o céu. Sua feição parecia um pouco aliviada. No final, ele e Sierra vagaram sem rumo até tarde da noite, conversando sobre todo tipo de coisa. Depois que tudo foi resolvido, prometeram se encontrar novamente.
“Uma donzela é uma donzela, não importa quantos anos tenha.” Angeline riu enquanto se aninhava em Belgrieve. “Certo, pai?”
“Hum? Oh, sim...”
Belgrieve parecia ter algo em mente. Ele só deu uma meia resposta e deu um tapinha na cabeça dela. A outra mão segurava o mapa.
De acordo com Sierra, encontrariam alguns assentamentos desertos ao longo do caminho, no entanto nenhuma cidade. Alguns pioneiros partiram para reivindicar a terra, uma vez. Todavia não havia minérios valiosos a serem encontrados e nenhum monstro raro o suficiente para que os aventureiros saíssem de seu caminho. Ficava longe de grandes cidades que ajudariam o comércio a prosperar e era inconveniente para viagens. Em última análise, não havia nada para mantê-los lá. As pessoas apenas fizeram as malas e foram embora.
De qualquer forma, isso significava que muito poucas pessoas usavam essas trilhas. Talvez os nômades passassem, mas não seguiam rotineiramente as mesmas rotas, então as estradas não serviam para eles.
Entendo. Ao contrário de todas as rodovias largas que usamos até agora, é difícil dizer que esta foi mantida. Houve muitos solavancos e depressões, e a carroça chacoalhava com mais frequência do que nunca. Belgrieve parecia um pouco desconfortável, pois tinha de ajustar sua postura com frequência. Era compreensível por que tão poucos mercadores iriam para o sul.
Porém não era como se ninguém usasse a rota. Embora coberto de ervas daninhas, ainda havia rastros de rodas de carroça que pareciam abranger todo o comprimento. Os trilhos desviaram ligeiramente para o oeste. Eles foram colocados em direção a uma imponente cordilheira azul que parecia derreter no céu. Os cumes eram cobertos por picos brancos de neve. A face azul da montanha destacava ainda mais a neve branca.
Angeline deu uma olhada no mapa. As planícies continuariam por mais algum tempo, contudo, eventualmente, o terreno se tornaria mais rochoso e seria como um terreno baldio quando chegassem às montanhas. Haveria desfiladeiros que abrigavam bandidos e monstros. Para seu azar, o fato de o caminho ser tão pouco usado significava que havia pouca informação para seguir. Talvez houvesse algo que Sierra não sabia, então ela os advertiu para ficarem em alerta máximo.
Era fascinante aventurar-se no desconhecido — ainda mais pelo perigo que acarretava. E, no entanto, Angeline sentiu uma estranha sensação de segurança, apesar de tudo. Não havia dúvidas de que era porque Belgrieve estava os acompanhando. Ela não sabia se ele sentia a mesma emoção, mas ela conseguia se conter, sabendo que estaria experimentando as mesmas emoções que seu amado pai.
Inclinando-se para fora da carroça, Miriam estreitou os olhos e olhou para as montanhas. Uma corrente de ar carregava nuvens sobre os picos altos.
“O ducado fica do outro lado daquelas montanhas, certo?”
“Sim. É apenas uma cordilheira, porém o clima é bem diferente daquele lado.” respondeu Anessa, que estava segurando as rédeas.
Orphen, dada a sua localização ao norte, era um lugar seco. Contudo nevou no inverno e choveu outras vezes. As nuvens pesadas e úmidas pareciam ter ficado presas na cordilheira, no entanto. Em Tyldes, as chuvas eram mais escassas e o ar ainda mais árido do que em Orphen — embora talvez o início do verão fosse refrescante devido à aridez.
Isso me lembra de Turnera, pensou Angeline. Turnera desfrutou de muita neve, entretanto quase não choveu. Os verões eram frescos e revigorantes.
Imagino se Charlotte e Byaku estão cuidando do campo lá atrás. Talvez Turnera seja muito fria em comparação com o sul de Lucrecia. Mit estará brincando bem com os outros? Talvez Graham tenha levado ele e as outras crianças para ver a floresta.
Marguerite nunca parecia se cansar do cenário que passava. Ela se inclinou um pouco, olhando para a distância.
“Algo está lá.” avisou.
“Hum?”
Antes que Angeline pudesse levantar a cabeça, Marguerite saltou da carroça e saiu correndo como se estivesse ziguezagueando pela grama. Ela arrancou o que parecia ser um poste envolto em folhagem e voltou.
“É uma espada... Uh, é uma espada?”
“Wow, está toda enferrujada.”
Era uma arma com cabo longo. O cabo era de ferro e as partes da lâmina que haviam sido cravadas no chão estavam enferrujadas. A lâmina era longa demais para ser uma lança, e o cabo longo demais para ser uma espada. Era uma arma que parecia estranha para todos.
Marguerite tentou encontrar uma maneira confortável de segurá-lo enquanto olhava ao redor.
“Está tudo enterrado na grama, no entanto há muitas armaduras e armas enferrujadas por aqui.”
“Hmm... Você acha que este é um antigo campo de batalha?” Angeline perguntou e olhou para Belgrieve.
Belgrieve assentiu.
“É provável. Essa arma foi projetada para ser mais fácil de manejar a cavalo.”
Entendo. Uma arma com bom alcance seria mais vantajosa em um cavalo.
Marguerite levantou-se, investiu para trás e jogou-a. A arma que acabou de pegar voou para longe e se cravou no chão.
“Mesmo assim, não há absolutamente nada.” disse Marguerite. “Um monstro ou dois animariam o lugar.”
“Não é como se estivéssemos em uma masmorra. Existem monstros que atacariam em plena luz do dia?” Kasim se perguntou, bocejando. Ele tirou o chapéu sobre o rosto e se agachou para dormir.
As planícies continuavam, porém provavelmente poderiam alcançar a base das montanhas ao pôr do sol. Contudo, embora o caminho corresse ao longo da cordilheira, não significava que sempre estaria contra as montanhas. Isso só aconteceria quando estivessem mais ao sul.
Angeline demorou meio mês a chegar a Estogal. Eles iriam ainda mais longe do que aquela viagem, então havia muito tempo restante. Isso era de se esperar de qualquer um que não pudesse se teletransportar ou voar.
No entanto essa era a alegria da jornada — pelo menos até onde Angeline via. Se fossem rápido demais, não conseguiriam apreciar a paisagem assim, e não poderiam conversar à vontade.
Às vezes, eles faziam pausas para os cavalos beberem e pastarem. O sol dourado no céu ocidental cresceu e até pareceu se tornar mais massivo até começar sua descida além das montanhas. A visão ofuscante fez Angeline piscar. De repente, um vento forte soprou sobre seu corpo. As lâminas de grama balançando serradas umas contra as outras com um farfalhar feroz.
Quando olhou para o lado, viu que os olhos de Belgrieve estavam fechados e seus braços cruzados. Ele ainda não estava dormindo, entretanto estava quase caindo no sono.
Angeline rastejou em suas mãos e joelhos até Marguerite.
“Você ve alguma coisa...?”
“Nada além de grama. Algumas pedras grandes de vez em quando e algumas armas antigas outras vezes.”
As planícies ondulavam suavemente com a brisa, elevando-se em colinas em alguns lugares. Se uma cavalaria de bandidos viesse atacando lá de cima, talvez eu não fosse capaz de lidar com eles sozinha, pensou Angeline. Ela não achava que perderia, mas temia que a carroça fosse quebrada no processo.
Mesmo assim, haviam Kasim e Miriam e, mais importante, Belgrieve notaria a emboscada antes de qualquer outra pessoa. Não há com o que se preocupar, concluiu Angeline com um aceno de cabeça.
Marguerite olhou para Angeline em dúvida e perguntou.
“O que está pensando?”
“Se algum bandido for atacar, sua melhor oportunidade seria de lá.”
“Haha, entendo... Porém com a luz de fundo agora, poderiam tentar essa direção.” disse Marguerite, apontando na mesma direção em que o vagão estava indo. Com certeza estava claro, e os bandidos teriam vantagem se atacassem com o sol nas costas.
“Anne, você ve alguém na direção que estamos indo?”
“Não, nem um indício de ninguém.” disse Anessa, olhando por cima do ombro.
Ela estava usando o chapéu de Miriam para bloquear parte da luz.
“Pode me dar algo para beber?”
“Cidra?”
“Nah, sem álcool, se possível.”
“Hmm... Que tal água de menta?”
“Sim, obrigado.”
“Se houver um ataque, certo? Começariam enviando suas flechas voando de longe. Provavelmente.” disse Miriam, procurando em sua bolsa.
Angeline assentiu.
“Então, enquanto estamos em pânico, vão atacar de um ponto alto... Eu acho.”
“Se não tiverem muitos arqueiros, vão mirar no motorista primeiro. Anne, é melhor tomar cuidado.”
“Eu saberei imediatamente se algo estiver voando em minha direção...”
“Então começamos com contramedidas de flechas, certo? O que deveríamos fazer? Estou confiante de que posso acertar qualquer flecha que vier em minha direção, contudo não posso bloqueá-las para todos nós.”
“Maggie, você já trabalhou como guarda costas antes...?”
“Hmm... Acho que quando deixei Turnera com Bell, isso conta? Não desde que vim para Orphen, no entanto. Eles não têm empregos de guarda para os de baixos escalões que trabalham sozinhos, não é mesmo? Yuri me disse para esperar até entrar em um grupo.”
Pensando bem, aventureiros de alto escalão às vezes podiam receber trabalhos de guarda-costas, mesmo que trabalhassem sozinhos. Os de escalão inferior não poderiam oferecer o mesmo nível de segurança ou confiança, raciocinou Angeline.
“Na maioria das vezes, grandes caravanas contratam alguém especifico para lidar com flechas, então você discute com eles primeiro... Na maioria dos casos, você coloca tábuas na lateral do vagão.”
“Hmm, sim... Acho que já vi isso antes.” Marguerite cruzou os braços e acenou com a cabeça enquanto se lembrava da carroça da mascate de cabelos azuis.
Anessa olhou firmemente para a estrada à frente.
“Pensando bem, você deve ser capaz de fazer trabalhos de guarda de caravana por conta própria. Eles não contratam apenas uma única parte; reúnem vários aventureiros diferentes.”
“É mesmo? Pensei que era impossível, então nunca verifiquei... Já pegou um sozinha, Anne?”
“Não, antes de Merry e eu nos juntarmos a Ange, estávamos em um grupo com nossos amigos do orfanato. Nunca tive problemas em aceitar trabalhos de guarda. Certo, Merry?”
“Certo, certo. Naquela época, não podíamos ir muito longe. No entanto foi divertido visitar os lugares ao redor de Orphen.”
“E no seu caso, Ange?”
“Eu subi na hierarquia muito rápido. Nunca precisei me preocupar a respeito.”
“Tsk. Apenas observe. Serei uma Rank S em pouco tempo.”
“É importante que coordene com seu cliente, a propósito... Pode ser inadequado para alguém tão egoísta quanto Maggie.”
“O que está querendo dizer? Como se fosse melhor que eu, sua pirralha insociável.” Angeline e Maggie brincavam uma com a outra.
“Vamos, vamos, sem briga. Coma alguns doces e façam as pazes.” Miriam pegou um biscoito polvilhado com açúcar com um sorriso.
Por fim, o sol desapareceu completamente além das montanhas e sombras foram lançadas no caminho da carroça. O vento estava frio contra a pele, e Angeline mais uma vez vestiu o casaco que havia tirado antes. O céu ainda estava azul profundo e radiante; estava apenas escuro onde eles estavam agora, o que parecia um tanto absurdo.
A carroça deu um solavanco ao rolar sobre uma pedra. Kasim deu um pulo, talvez depois de levar uma pancada na cabeça.
“Gah!” gritou ele. “Yawn... Oh, já está escuro. Fiquei apagado por muito tempo?”
“Está tudo bem, Kasim...? Ainda consegue dormir à noite?”
“Não se preocupe. Vou apenas ficar de vigia se não puder.” disse Kasim enquanto esticava o pescoço e os ombros.
O sol mergulhou mais longe. No momento em que as montanhas queimavam em um vermelho ardente, o grupo chegou a uma pequena cidade fantasma. Estacionaram a carruagem nas sombras de um prédio de pedra em ruínas e amarraram os cavalos a uma árvore crescida demais. O poço em ruínas havia secado e desmoronado, mas havia um pequeno riacho por perto.
Quando juntaram lenha suficiente, a cordilheira estava púrpura e os céus acima estavam tingidos de uma cor índigo. Apenas as metades inferiores dos finos fios de nuvens foram tingidas de vermelho pelo pôr do sol invisível. As estrelas estavam começando a se revelar. O vento estava frio no início do dia, porém agora estava de gelar os ossos. Contudo, as velhas paredes de pedra fizeram maravilhas para afastá-lo.
Marguerite cantarolava uma música enquanto preparava o jantar. Embora esta princesa elfa falasse e agisse duramente, ela superava Angeline quando se tratava de culinária. Foi um pouco irritante. Não que Angeline não soubesse cozinhar, todavia decidiu que iria praticar mais quando voltasse para Orphen.
Belgrieve colocou uma pequena caixa com uma alça.
“Estou deixando meus temperos aqui, Maggie. Não use muito.”
“Entendido. Apenas deixe comigo.”
Ele a observou abrir a caixa e examinar as pequenas garrafas dentro. Então Belgrieve se virou com seu manto arrastando por trás. Angeline se levantou e o seguiu.
“Onde está indo, pai...?”
“Pensei em patrulhar a área... Não há como dizer o que pode estar à espreita.”
“Vou ir também...”
“Quer vir? Então precisa se vestir com algo mais quente.”
A lua ainda não havia nascido, entretanto os olhos de Belgrieve se acostumaram ao escuro e ele conseguia andar com pouca dificuldade, movendo-se com mais cautela do que o normal. Havia pedras de todos os tamanhos escondidas na grama; sua perna esquerda poderia se adaptar a elas, porém ele cairia se sua perna de pau direita caísse em um ângulo estranho.
Havia várias casas abandonadas onde os telhados haviam desabado. Em um delas jazia uma estátua lascada e surrada da Deusa Viena, exposta a todos os elementos. Certamente houve campos cultivados em algum momento, contudo não havia vestígios remanescentes.
De acordo com Belgrieve, a vila foi colonizada pela primeira vez pelo império. Os nômades de Tyldes geralmente não construíam casas com fundações, em vez disso viajavam pelo campo com grandes tendas. Mais a leste, nas terras de Keatai, as estruturas foram construídas com pedra, terra e madeira. Em comparação, as vidas transitórias das pessoas ao redor dessas partes significavam que não faziam estruturas permanentes.
“Você é experiente, pai.”
“Acabei de ler em um livro uma vez. Deve estar em lá casa, pelo que me lembro. Deveria lê-lo na próxima vez que visitar.”
“Não sabia que tínhamos um livro assim.”
“Comprei de um mascate enquanto você estava em Orphen.”
Enquanto caminhava, Angeline notou as armas arruinadas que cobriam o chão, mesmo aqui. Ela se perguntou se a aldeia havia sido abandonada por causa da guerra.
“Há muitas armas...”
“Sim... De muito tempo atrás.” Belgrieve olhou em volta, acariciando a barba. “Nenhum vestígio de monstros. Também não vejo nenhum sinal de que bandidos montaram base aqui... Agora, vamos voltar.”
“Sim, estou com fome.” concordou Angeline, segurando a mão de Belgrieve.
O jantar estava pronto quando voltaram. Eles comeram um ensopado quente de carne-seca e feijão com pão duro. Quando a panela e os talheres foram limpos, uma lua crescente surgiu no céu, lançando uma luz azul clara sobre as planícies abertas.
Eles observaram o fogo, com as costas apoiadas na parede. Cada vez que a chama piscava, as suas sombras dançavam no teto. Era um tanto perturbador, e Angeline se pegava olhando para trás várias vezes.
Depois de inspecionar seus suprimentos, Anessa levantou-se com seu arco e aljava de flechas. Miriam também havia segurado seu cajado.
“Vamos sair um pouco, Sr. Bell.”
“Hmm? Aconteceu alguma coisa?”
“Vamos buscar comida. Alguns coelhinhos servirão muito bem.” disse Miriam, acenando com seu cajado.
Embora a Sierra tenha emitido provisões para o grupo, não era sensato confiar apenas nisto. Se pudessem obter comida no local, não perderiam nada ao fazê-lo.
Angeline também se levantou.
“Eu ajudo...”
“Você irá? Muito bem. Então vamos começar com uma armadilha...”
“Algo que eu possa ajudar?” Marguerite olhou para Anessa, seus olhos cheios de expectativas.
Anessa coçou a bochecha sem jeito.
“Uma flecha é o melhor para derrubá-los, no entanto... Você tem bons olhos, certo?”
“Sim! Mesmo à noite!”
“Então me ajude a persegui-los.”
“Yay! Vou fazer isso! Deixe comigo!”
Deixando Bell e Kasim para trás, as garotas partiram para as planícies. O vento ainda soprava, mas havia se acalmado a ponto de apenas agitar seus cabelos. Apesar da lua brilhante, a falta de cor fazia tudo parecer artificial.
“Por que agora? Veríamos melhor durante o dia.”
“Seria assim para os pássaros, porém os coelhos são ativos à noite. Eles não saem de outra forma. Parece que ainda mais verdade para os coelhos por aqui.”
Na verdade, desde que começaram a ir para o sul, não viram um único coelho durante o dia. Anessa sentiu algo parecido com um coelho depois que começaram a acampar e decidiram ir caçar.
“Oh, entendo...” Marguerite cruzou os braços, impressionada. “Eu vi coelhos durante o dia nas florestas de Turnera. Sempre me perguntei por quê.”
“É provável que seja por causa da pouca visibilidade na floresta. Torna difícil para seus inimigos naturais detectá-los. Aqui, pode-se ver longe, então precisam ser furtivos.”
“O pai não disse para você observar e aprender?”
“Grr...” Marguerite fez beicinho. Anessa e Miriam se entreolharam e riram.
Mantendo o corpo abaixado, Angeline armou algumas armadilhas nas sombras das rochas e em lugares irregulares no chão, atraindo-as com alguns feijões secos para cada uma. Ela voltaria a verificá-las pela manhã. De vez em quando, podia ouvir algo deslizando pela grama, fazendo-a farfalhar alto mesmo com a brisa.
A favor do vento, Angeline viu Anessa com seu arco pronto, e contra o vento, Marguerite correu ruidosamente, fazendo um grande barulho de propósito. Com um crepitar de arbustos, um coelho irrompeu da grama alta. Miriam se apressou e atirou uma bola brilhante de magia nas proximidades, que explodiu como um sinalizador. O coelho congelou em transe.
Foi quando Anessa soltou a flecha.
“Tudo bem.”
“Na mira!”
Angeline correu para pegar o coelho. Seus olhos vazios refletiam apenas o luar.
“Vamos caçar mais...?”
“Sim, não precisaremos nos preocupar com carne por um tempo.” disse Anessa. Ela estava prestes a acrescentar. ‘Podemos guardar nossas carnes salgadas e secas para quando precisarmos.’, contudo sua linha de pensamento foi interrompida. “Maggie, o que há de errado?” perguntou com uma expressão inquisitiva.
Marguerite estava curvada, cobrindo o rosto com as mãos.
“Meus olhos...”
“Hey, eu te avisei tomar cuidado com o flash.”
Aparentemente, Marguerite olhou diretamente para o sinalizador de Miriam e ficou deslumbrada.
Angeline caiu na gargalhada.
“Eu sabia... Você ainda tem um longo caminho a percorrer, Maggie.”
“Agh, porcaria...” Marguerite gemeu, no entanto não havia muito que pudesse fazer quando mal podia ver. Angeline sorriu enquanto pegava sua mão e a ajudava a se levantar.
“Não se preocupe, você vai ficar melhor em breve.”
“Urgh.”
Atrás delas, houve outro flash de luz e, com um som sibilante, outro coelho foi morto a tiros.
Assim que as luzes ofuscantes diminuíram, as planícies foram mais uma vez iluminadas pelo brilho da lua crescente.
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