Capítulo 107: A Rodésia se espalhava como um leque
A Rodésia se espalhava como um leque ao longo das encostas suaves da montanha. A cidade emprestou seu nome a todo o império e, por isso, a maioria das pessoas apenas a chamava de capital imperial. Quanto mais alto a montanha, mais propriedades de nobreza se pode encontrar. O palácio imperial ficava bem no coração da montanha, uma estrutura imponente esculpida direta na face da rocha. Quando a noite caísse, suas janelas se iluminariam e seria como se a própria montanha estivesse brilhando.
Aninhadas perto deste palácio encontravam-se as villas de nobres proeminentes de todo o império, uma das quais era uma mansão pertencente ao Arquiduque Estogal. O arquiduque foi essencialmente autorizado a governar a região norte como se fosse a sua própria nação independente e, embora esta mansão não fosse tão grande como a propriedade principal, era com certeza robusta e maravilhosamente decorada — uma visão verdadeiramente impressionante de se ver.
Depois de passar uma noite em uma pousada, Angeline se separou de Touya e Maureen. A dupla tinha negócios a tratar na guilda, mas o grupo de Angeline não. A guilda da capital era o pilar central do mesmo sistema do qual a guilda de Orphen estava tentando romper e, portanto, era um lugar que Angeline pretendia evitar a todo custo. Assim, seguiram caminhos separados com planos de se encontrarem mais tarde para ver Salazar.
Por enquanto, eles visitaram Liselotte em sua mansão. O grupo foi conduzido a uma sala de visitantes, onde esperaram sua chegada.
“Phew... É muito lindo, não acha?”
“Eu não consigo me acalmar.”
Miriam olhou em volta ansiosa, enquanto Anessa se sentava no sofá e se mexia sem jeito. Kasim sentou-se — ou melhor, relaxou — à vontade, com os sonolentos olhos fechados. O homem nutria um ódio fundamental por mansões elevadas e parecia estar de mau humor desde que chegaram.
Talvez porque Marguerite fosse uma princesa por direito próprio, ela parecia não se intimidar com a ostentação. Mesmo assim, era raro para ela ver um lugar tão completa e descaradamente decorado com uma decoração imperial do mais alto grau, e andava animada e sem parar pela sala.
“Wow, está até brilhando aqui! Whoa, esse vaso tem um formato estranho!”
“Não toque, Maggie... Você vai quebrar.”
“Hã? É tão frágil assim? Então, para começar, como trouxeram isso para cá...?” com confusão e intriga estampadas em seu rosto, Marguerite começou a examinar de perto o vaso decorativo de aparência cara. Angeline riu baixinho enquanto observava suas travessuras.
Sem aviso, a porta se abriu e Liselotte entrou correndo.
“Ange! Pessoal! Todos vieram!” a garota correu animadamente e abraçou Angeline, que sorriu e acariciou o cabelo de Liselotte.
“Nós viemos mesmo... Está ocupada?”
“Tudo bem! Conversar com você é mais divertido do que brincar com outros aristocratas.”
“Por favor, certifique-se de não dizer isso quando os ditos aristocratas estiverem ao alcance da voz, ok?” uma voz cansada gritou vindo de trás.
“Oh, Sra. Sooty.”
“Um prazer, pessoal. Já se passaram, o que, dois dias?” Sooty assentiu antes de se virar para sair da sala de novo. “Vou trazer um pouco de chá.”
Liselotte sentou-se no sofá antes de olhar ao redor com curiosidade.
“Onde estão Touya e Maureen? E o pai de Ange e o Lâmina Exaltada também não estão aqui.”
“Touya e Maureen tinham algo para cuidar na guilda. O pai e Percy ficaram em Findale.”
“Entendo, uma pena... Porém tenho certeza que nos encontraremos de novo. Você está dormindo, Kasim?”
“Sua barulheira me acordou.” Kasim abriu um olho para observar Liselotte antes de soltar um grande bocejo.
Rindo, Liselotte virou-se para Marguerite, que ainda estava perto do vaso.
“Oh, Maggie, gostou do vaso? Experimente esfregar! Tem uma textura maravilhosa!”
“Hã? Posso mesmo tocá-lo? Não vai quebrar...?”
“Oh, sua garota boba! Não vai quebrar com algo assim.”
Marguerite piscou. Ela olhou para Liselotte, depois para o vaso, depois para Angeline.
Angeline sorriu.
“Você a ouviu.”
“Ange, você mentiu para mim de novo!”
Naquele momento, as criadas entraram com refrescos. A mesa logo ficou repleta de doces e chás, aliviando imediatamente o clima da sala.
Miriam tomou o primeiro gole e depois recuou em estado de choque.
“Wow, o chá está delicioso...”
“O cheiro é bom... Nunca o senti em Orphen.”
“Hehe, gostou? É cultivado nos picos de Cume Chitra. Ao que parece, pode obter folhas de chá verdadeiramente premium em grandes altitudes.”
“Isso é muito alto...”
“Hehe, já estou feliz por ter vindo!” Miriam exclamou, comendo os doces variados com alegria. Até mesmo Marguerite, que estava zangada com a brincadeira de Angeline com o vaso, superou rapidamente com a ajuda das guloseimas.
“Pensando bem, onde está seu noivo?”
“Ozzie ainda está na festa do chá. Estava ansioso de verdade para fazer conexões enquanto estivesse aqui na capital.”
“Que idiota... Deixando sua linda futura esposa para trás...” Angeline suspirou.
Entretanto o homem vinha da casa de um barão da cidade de Estogal; era compreensível por que estaria tão desesperado para estabelecer conexões com nobres de alto escalão aqui na capital imperial. Essa era uma maneira de ver as coisas, de qualquer maneira. Angeline tinha pouca familiaridade com a sociedade nobre e não tinha intenção de se familiarizar mais com ela. Era um mundo que não conseguia entender.
Eles estavam se deliciando com chá e doces enquanto a conversa florescia quando a porta se abriu de repente mais uma vez para permitir a entrada de alguém na sala.
“Perdoe-me. Como vão?”
Sooty congelou ao lado de Liselotte.
“Whoa, é o príncipe...”
“Oh, Benjamim!” Liselotte levantou-se com pressa. Angeline encarou-o com a testa franzida, mas Anessa, Miriam e Marguerite estavam olhando atordoadas para o lindo príncipe herdeiro que apareceu tão de repente.
O príncipe herdeiro Benjamin se aproximou sem qualquer hesitação, dando um tapinha na cabeça de Liselotte.
“Desculpe por invadir, pequena Liselotte!”
“Oh, Benjamim! Aí vai você de novo, me tratando como uma criança!”
“Minhas desculpas. Você já é claramente uma senhorita de boa-fé, hahaha!”
“Espere, onde está meu irmão?”
“Oh, jovem François? Confiei-lhe uma missão. Ele é sem dúvida confiável. Porém, minha nossa, há tantas mulheres adoráveis aqui. Até mesmo uma bela donzela elfa! Olá, Angeline — ah, e o Destruidor de Éter também! Já faz algum tempo. Estou muito feliz em poder vê-los uma vez mais. Vocês têm estado bem?”
“Suponho que sim...” Angeline murmurou.
“Hehehe, eu não queria te ver de novo.” a franqueza de Kasim surpreendeu a todos, até mesmo Liselotte. Contudo Benjamin riu de sua resposta.
“Algumas coisas nunca mudam.”
“É apenas a minha natureza. Você tem coragem de mostrar seu rosto na minha frente novamente. Elogio sua coragem, pelo menos.”
“Hahaha! Que rígido! No entanto não foi por causa do nosso acordo que teve seu milagroso encontro casual? Na verdade, acho que mereço alguns agradecimentos aqui.”
Liselotte olhou entre Benjamin e Kasim, totalmente confusa.
“O-O que aconteceu, Sua Alteza? Kasim fez alguma coisa...?”
“Oh, não, é só entre nós.” Benjamin assegurou-lhe enquanto caminhava até Kasim. Sua voz baixou para um sussurro. “E agora, Destruidor de Éter? Não me importo se revelar tudo aqui.”
Apesar do tom ameaçador de Benjamin, Kasim não se incomodou nem um pouco.
“Isso deveria ser uma ameaça? Está apenas cavando sua própria cova.” ele provocou com um sorriso no rosto.
“Hahaha! O que está dizendo?” Benjamin perguntou antes de olhar para Angeline. Ela balançou a cabeça — o fato de Benjamin ter incitado François era difícil de discutir quando Liselotte estava por perto. Afinal, François era seu irmão. Manter Liselotte fora de perigo era muito mais importante para Angeline do que qualquer coisa que Benjamin e François tivessem feito. Também parecia o caso para Kasim, e seu olhar para o príncipe com um sorriso era apenas superficial.
Benjamin sorriu de volta em resposta.
“Agora, então, sei quando esgotei minhas boas-vindas. Vou me despedir hoje. Estou feliz por ver seu rosto outra vez, Angeline. Até a próxima.”
E com isso, o príncipe executou uma reviravolta magnífica e partiu. É frustrante, mas você poderia emoldurar e pendurar essa sua postura na parede, pensou Angeline com um beicinho.
Foi como se uma tempestade tivesse chegado e passado. Anessa, sem entender ao todo o que havia acontecido, voltou a si e endireitou-se.
“Esse era o príncipe herdeiro? Ele era um pouco mais, bem... Era mais do que esperei...”
“Foi meio... Incrível. Bastante sociável, ou como devo dizer... É sem dúvidas bonito.” Miriam tomou um gole de chá para se acalmar.
Marguerite inclinou a cabeça inexpressivamente.
“Aquele era um garoto bonito? Sério? Hey, Anne?”
“Hã? B-Bem, saindo dos critérios gerais... Espere, não o achou bonito?”
“Pensei que é bonito, porém... Isso é tão incrível assim? Todo mundo falou tanto dele que me sinto um pouco decepcionada agora.”
“Wow, elfos são difíceis de agradar.” Miriam deu uma risadinha.
Kasim caiu de costas no sofá de mau humor. Angeline se inclinou para perto dele para evitar ser ouvida.
“Está tudo bem insultá-lo de maneira tão aberta...?” sussurrou.
“Seria ainda pior se fingisse ser legal. Não há como dizer o quanto isso seria uma bagunça... Esse cara realmente me dá arrepios, meu Deus.”
“Aconteceu alguma coisa entre vocês dois? Brigaram?” Liselotte perguntou, ansiosa.
Kasim gargalhou.
“Eu... Veja só, sempre que vejo um cara lindo assim, fico com ciúmes.”
“Hein? Sério?”
“Pode apostar. E aquele é detestavelmente bonito, então me sinto patético quando estamos juntos. É por esse motivo que não o suporto, hehehe.”
“Achei que não estivesse nem um pouco incomodado com essas coisas, Kasim... É um pouco surpreendente. Então você tem um lado fofo! Contudo precisa ser educado com Sua Alteza, ok?” Liselotte riu e deu um tapinha no ombro de Kasim.
Enquanto isso, Angeline tomava um gole de chá, aliviada por Kasim ter conseguido enganá-la. Ao contrário da sua atitude irreverente, Kasim foi perspicaz. Não queria arrastá-la para a confusão.
O momento perturbador havia passado. Liselotte logo os pressionou por histórias de aventura como havia feito antes, e as conversas voltaram ao normal.
Mas o rosto de Benjamin permaneceu na mente de todos. Era confuso: a imagem conivente dele que Kasim lhes contara era difícil de conciliar com a do homem bonito e charmoso que tinham acabado de ver, e não sabiam o que pensar a respeito. Anessa, Miriam e Marguerite, que o encontravam pela primeira vez, foram as mais afetadas.
Sooty, que havia saído em algum momento, voltou para a sala depois de um tempo.
“Touya chegou. Ele está na entrada.”
“Oh isso é bom. Traga-o aqui.” disse Liselotte.
Porém Angeline a parou e se levantou.
“Não, devemos ir. Precisamos ver Salazar.”
“Hã? Já estão indo? Todos nós deveríamos ter um tempo juntos.”
“Nós o teremos, assim que tivermos feito o que viemos fazer aqui...” Angeline assegurou-lhe, sorrindo e acariciando seus cabelos. A garota parecia um pouco descontente, contudo relutantemente assentiu e os acompanhou até a entrada, onde Touya e Maureen ficaram esperando.
“Desculpe demorar tanto.”
“Não, está tudo bem. Vamos vê-lo.”
“Hã? Já? Estava ansiosa pelos doces.” disse Maureen, desapontada.
A cabeça de Touya caiu.
“É só nisso que você pensa...?”
Liselotte deu uma risadinha.
“Volte novamente! Estarei esperando!”
○
Uma noite se passou e chegou o meio-dia, contudo Belgrieve e Percival estavam sentados à mesa do restaurante sem qualquer informação para mostrar. Estava terrivelmente lotado e barulhento aqui.
Percival deu uma mordida em seu bife grelhado com osso.
“O que fazemos agora...?”
“Chegamos a um beco sem saída... Não sei por onde começar.” Belgrieve franziu a testa enquanto comia uma batata cozida no vapor.
A elfa que procuravam era o assunto da cidade. No entanto por causa dessa infâmia, muito do que ouviram eram boatos exagerados ou besteiras bêbadas. Eles começaram a perguntar assim que se despediram dos outros para a capital, todavia qualquer que fosse a verdade lá fora, estava enterrada em mentiras e invenções, tornando-se um quebra-cabeça a tentativa de resolver a bagunça.
Uma coisa que os dois sabiam com certeza era que a elfa poderia se transformar em humano e, ao que parecia, usar magia de teletransporte. Ela não apareceu desde aquele incidente. Por vezes, encontravam alguém que afirmava tê-la visto, entretanto tudo acabou sendo um absurdo, um mal-entendido ou um exagero, e não estavam chegando a lugar nenhum.
Os dois continuaram a refeição em silêncio por um tempo até que, finalmente, Percival abriu a boca.
“Isso é apenas meu instinto falando aqui...”
“Sim?”
“Vimos àquela garota estranha na peixaria, certo?”
“Aquela que você disse que só parecia uma criança?” Belgrieve lembrou-se da garota vestida de preto com um véu sobre o rosto.
Percival assentiu.
“Tenho a sensação de que ela tem algo a ver com esse problema. Pensando agora, não acho que ela estava lá apenas para ficar boquiaberta.”
“Hmm...” Belgrieve coçou a barba. Era de fato uma garota curiosa, e era preocupante que a espada de Graham tivesse reagido em resposta daquela maneira. Parecia que a garota estava no local do incidente, procurando por algo — e talvez soubesse de algo que eles não sabiam.
“Certo, há uma grande chance de a garota ter algum tipo de pista. Mesmo que não o tenha, é melhor do que ficar perdendo tempo e não fazer nada. Vamos tentar procurá-la.”
“Haha! Que bom que você concorda. Tudo bem, está resolvido.” exclamou Percival e terminou sua bebida.
Ambos se levantaram e saíram do restaurante. A essa altura, havia algumas nuvens cinzentas vindo do norte. O vento estava frio e Belgrieve teve que abotoar o colarinho.
“Parece que vem chuva.” disse Percival, olhando para o céu.
“Sim.” Belgrieve concordou.
Apressaram-se em direção à peixaria, enquanto a multidão ao seu redor também se apressava para escapar da chuva iminente. As nuvens pareciam ficar cada vez mais espessas e, embora Belgrieve e Percy tentassem chegar lá o mais rápido que pudessem, as primeiras gotas logo caíram no telhado de uma loja próxima. Nem um momento depois, a chuva caía com força total.
A dupla se escondeu sob os beirais salientes do prédio mais próximo. A eles juntaram-se outros que procuravam abrigo, que olhavam para o chão molhado com olhares preocupados no rosto.
“Tsk, a chuva não poderia ter esperado um pouco mais...”
“Bem, não há muito que possamos fazer. E duvido que aquela garota saia nesta chuva.”
Embora ainda não tivesse nevado, era quase inverno e a chuva estava fria — ainda mais quando encharcava as roupas. Ainda podemos avançar se colocarmos as capas sobre a cabeça, pensou Belgrieve, mas notou que a chuva estava perdendo um pouco do ímpeto. Percival saiu sem hesitação.
“Vamos. Agora é a nossa chance.”
“Estou indo, estou indo.”
Um jato fino se formou no ar quando as gotas colidiram umas com as outras e correram direto para ele. Eles fizeram uma careta para o orvalho irritante que grudava em seus cílios enquanto caminhavam pela chuva.
A julgar pelas nuvens, não seria uma garoa passageira. Vai continuar chovendo até a noite...
Quando por fim chegaram, havia alguns clientes lá — ou pelo menos pessoas se protegendo da chuva. O tráfego na rua estava no nível mais baixo de todos desde que haviam chegado. Eles correram para baixo dos beirais e sacudiram os casacos para tirar um pouco da umidade.
A peixaria estava empacotando suas mercadorias, aparentemente planejando fechar a loja mais cedo, porém ela tinha uma expressão um pouco surpresa no rosto ao vê-los.
“Vocês estavam aqui ontem...”
“Haha... Estamos nos intrometendo de novo.”
“O peixe estava delicioso, senhora.” disse Percival com um sorriso, olhando para todos os produtos que seguiam em exposição.
Com um sorriso estranho, a peixaria largou a que segurava.
“Oh, que encantador. Você deve gostar muito do meu peixe se vem nesta chuva.”
“Você acertou, senhora. Então... Viu uma menininha com um véu na cabeça?”
A peixeira inclinou a cabeça para o lado, curiosa.
“Um véu? Não, tenho certeza que me lembraria disso...” ela disse, parando enquanto parecia enrijecer, sua expressão congelada. Ela não estava olhando para eles — seu olhar estava direcionado por cima do ombro de Belgrieve. Naquele instante, a espada nas costas de Belgrieve começou a rosnar baixinho. Com a testa franzida, olhou para trás bem a tempo de avistar um pelotão de soldados atravessando a loja na chuva. A insígnia em suas roupas e armaduras era ligeiramente diferente daquela exibida pelos soldados de Findale.
A peixeira estremeceu e recuou.
“Viena, tenha piedade...”
“Alguma coisa errada com eles?” Percival perguntou.
A mulher baixou a voz.
“Aqueles soldados lá vieram da capital. Foram os que causaram toda essa comoção. Não quero dizer nada, contudo há algo sinistro a seu respeito...”
“Então são aqueles...” Percival parecia prestes a segui-los, no entanto Belgrieve colocou a mão em seu ombro.
“Espere, Percy. Você não quer levantar suspeitas agora.”
“Mas Bell...”
“Veja.” Belgrieve inclinou a cabeça em uma determinada direção. Percy semicerrou os olhos por um momento antes de seus olhos se arregalarem. Lá estava ela, escondida nas sombras dos soldados — a garota do véu. Provavelmente foi por isso que a espada reagiu.
Percival estalou a língua.
“Então está com o império... E agora?”
“Vamos tentar segui-los despercebidos. Se estão procurando por algo, devem eventualmente se separar. Porém se continuarem se movendo nesse grupo grande, há uma chance de que tenham descoberto alguma coisa.”
“Entendo. Entendi. Mesmo assim, é difícil me esgueirar quando estou assim.” Percival riu.
Belgrieve sorriu e virou-se para a peixeira.
“Voltaremos para comprar algo mais tarde.”
“Ah, s-sim, claro.”
Os dois puxaram os capuzes das capas sobre a cabeça e saíram para a chuva, seguindo os soldados enquanto mantinham uma boa distância. Embora houvesse poucas pessoas nas ruas, a neblina provocada pela chuva trabalhou a seu favor e ajudou a tornar os dois homens corpulentos mais discretos.
Os soldados viraram a esquina de uma rua lateral e seguiram por um caminho sinuoso que ziguezagueava por toda a cidade.
“Estranho...” Percival franziu a testa.
“Então não sou só eu... Acha que nos notaram?”
Ambos se aproximaram da próxima esquina, olhando ao redor com cautela.
Belgrieve ficou atordoado.
“Droga... Eles nos escaparam.”
Não havia uma única figura no beco além. Belgrieve pensou que estavam acompanhando de perto, todavia parecia que estavam lidando com mestres em seu ofício.
De repente, a espada em suas costas começou a rosnar novamente...
○
Agora chovia levemente, tão finamente que as gotas eram quase imperceptíveis, e mesmo a mais leve brisa era suficiente para fazer a névoa aderir ao corpo.
Um pelotão de soldados emergiu da escuridão. François, que estava na liderança, olhou em volta, em dúvida. Eles estavam em um beco, na sombra de um prédio.
“Você usou as sombras como portal de dobra... Do que tem tanto medo?”
A garota na sua frente balançou a cabeça, o véu balançando junto.
“Esses dois não são inimigos que possamos enfrentar.”
“Hmph, pensei que você fosse uma maga de primeira linha.” François zombou dela. “Sabe o quão patética está soando?”
A garota desviou o olhar frustrada.
“Se Schwartz nos disse para sermos cautelosos, devemos ser cautelosos. Além do mais, estas batalhas bárbaras não são tarefa para Maitreya da Tapeçaria Negra. Existem outros trabalhos para mim.”
“Então vá até eles já. Já conseguiu aquele traço de mana que estava procurando, certo?”
Maitreya não respondeu a sua pergunta. Em vez disso, estendeu as mãos com as palmas voltadas para baixo e começou a cantar baixinho. Embora sua voz fosse fraca, suas palavras tinham uma qualidade peculiar que ecoava pelos edifícios circundantes. A sombra a seus pés parecia mudar e tremer como se tivesse vida própria. O tempo todo, os soldados observavam com a respiração suspensa.
“Encontrei...” as palmas voltadas para baixo de Maitreya estavam apontadas para frente dela quando sua sombra de repente cresceu do chão, espiralando diante de todos. Soprava um vento morno, levantando as poças de água do pavimento de pedra e levantando um spray desagradável. Enquanto a névoa e a sombra giravam continuamente, algo nebuloso começou a emergir no epicentro. Era uma paisagem peculiar, sem cor, que parecia estar refletida num espelho de bronze polido. Uma luz fraca emanava deste.
Havia figuras dentro. Uma mulher élfica estava sentada em uma cadeira sob o beiral de uma pequena casa. Ela recostou-se, fechando os olhos enquanto observava a luz suave que fluía através das árvores. Parecia que estava em repousando.
François sorriu, sinalizando em silêncio para os soldados com os olhos. Sua mão também pegou sua espada. Entretanto Maitreya ergueu uma mão para detê-lo e estendeu a outra para receber algo.
“O que?”
“Bola de cristal. Entregue.”
François franziu a testa, mas tirou um pequeno orbe do bolso e colocou-o na mão de Maitreya.
“O que pretende fazer?”
“Ela conseguiu se defender de Hector. Não é aconselhável enfrentá-la de frente.” Maitreya começou a cantar suavemente de novo, e o lindo esférico cristal parecia estar se enchendo de fumaça. Agora havia nuvens cinzentas e relâmpagos em seu inteiro, e dentro dele havia inúmeras figuras humanoides se contorcendo e atacando. Parecia que eles iriam quebrar o orbe e inundar a qualquer momento.
Ela estava prestes a lançar aquela bola de cristal no mundo em tom sépia quando de repente o cenário mudou. Os olhos da mulher elfa se abriram e saltou de pé.
“Ela nos notou...?” Maitreya murmurou, começando a perder a compostura. “Como?”
O cenário se curvava e se esticava antes de voltar a se transformar em sombras rodopiantes e névoa. Esses redemoinhos logo diminuíram e desapareceram por sua vez.
“Eu sabia.” uma voz gritou de repente. Maitreya, François e os soldados viraram-se, assustados. Na chuva fraca estava Percival, de braços cruzados. “Sabia que você estava tramando alguma coisa.”
“O Lâmina Exaltada! Como chegou aqui?” Maitreya fez uma pausa. Seus olhos se arregalaram ainda mais quando viu Belgrieve parado logo atrás de Percival com a espada desembainhada. A lâmina emitia um leve brilho e rosnava como se quisesse intimidá-los.
“Essa espada... Atrapalhou minha magia.”
“A espada sagrada apenas não suportava sua mana imunda. Por sorte, isso nos levou direto até você.” Percival riu enquanto tirava sua própria espada da bainha.
Os soldados, pegos de surpresa, prepararam suas próprias armas quando Percival começou a irradiar uma aura leonina e intimidadora. Eram soldados bem treinados do império, porém mesmo assim recuaram e estremeceram. Vários deles bateram no próprio peito como se estivessem sufocando e tentando respirar com força.
“Hey... Acham mesmo que podem me vencer? Afastem-se se não quiserem morrer. Só tenho negócios com aquela baixinha.”
François avançou com o rosto cheio de raiva.
“Silêncio!” demandou. “Você é arrogante para um mero aventureiro! Vai fazer do império um inimigo?”
“Hmm? Quem diabos é você...? Bem, tanto faz. Entre no meu caminho e vou acabar com você.”
“Percy, chega de ameaças. É infantil.” disse Belgrieve, aproximando-se. O brilho de sua lâmina ficou mais intenso.
François gritou e deu um passo para trás, depois outro.
“P-Pare! Tire essa espada de perto de mim!”
Percival riu alto.
“O que é isso? Depois de agir tão alto e poderoso, é aqui que traça o limite?”
“Grr... Maldito seja!” no momento em que François ergueu a espada, um esqueleto armado saltou sobre Percival em uma emboscada por trás.
Percival fez uma careta e cortou-o, espalhando os ossos no chão.
“Necromancia? Tente com outro.”
Contudo quando se voltou, François e seus homens estavam afundando em suas próprias sombras brilhantes como uma piscina de água.
Os olhos de Percival se arregalaram. “Fugindo de novo?”
No entanto um momento antes de estarem totalmente submersos, Belgrieve saltou para frente, aproveitando ao máximo um passo com o pé esquerdo para saltar da calçada e passar por cima dos soldados que já estavam meio desaparecidos. Ele pousou bem na frente de Maitreya. A espada uivou; ele cravou a ponta no chão. Tudo ao seu redor tremeu como se um raio tivesse caído. Maitreya gritou com uma voz estranha quando foi aparentemente ejetada das sombras, caindo de bruços no chão.
“Como pode se mover assim...? Isso não é uma perna falsa...?”
Percival chegou um momento depois, agarrando a garota pela nuca e levantando-a no ar. Ele pressionou a lâmina na sua garganta.
“Boa ideia, Bell. Parece que você ainda é melhor em tomar decisões em frações de segundo do que eu.”
“Não é verdade. Todos nós sempre fizemos o que tínhamos que fazer.”
Maitreya se debateu com seus pequenos membros no ar.
“Pa-Pare... Não me mate...” ela implorou com medo com uma voz baixa e fraca.
“Não vamos. Afinal, parece que você sabe algumas coisas.”
“Sem segredos. Se nos contar uma mentira...” Percival a ameaçou. A espada de Belgrieve também rosnava.
“V-Vou te contar o que quiser. Apenas poupe minha vida...” Maitreya já estava praticamente chorando.
Não sou bom com esses assuntos difíceis, pensou Belgrieve. Estou feliz que Percy esteja por perto...
François e seus homens já haviam partido, deixando apenas Maitreya para trás. Percival tirou uma corda de sua bolsa e usou-a para amarrar os braços e as pernas de Maitreya.
“Não pense que pode fugir. Minha espada cortará sua cabeça mais rápido do que você afundará em uma sombra.”
“E-Eu não vou correr. Não vou, então...”
Belgrieve soltou um suspiro ao vê-la encolhida sob o olhar de Percival.
“Olhe para ela, Percy. Não se sente mal?”
“Do que está falando, Bell? Nada de bom vem de mimar pessoas desse tipo. Droga, eu não teria que ser tão cauteloso se tivesse algo para selar a mana dela...” Percival cutucou levemente Maitreya com a ponta da bota, provocando um grito de dor seu.
“Tudo bem, o que vem a seguir? Poderíamos tentar extrair informações ou fazer com que ela abrisse o portal novamente.”
“Certo...” Belgrieve coçou a barba enquanto pensava sobre isso. “De qualquer forma, vamos sair da chuva. Não adianta ficar mais encharcado.”
“É melhor mesmo. Voltemos para a pousada, então.” Percival disse enquanto levantava Maitreya debaixo do braço.
“Acha que aquela figura ali era Satie?”
“Não sei. Estava muito longe e muito nebuloso...”
Belgrieve fechou os olhos, expulsando a forma da elfa de suas memórias. A água pingava da bainha de sua capa. Não parecia que a chuva iria parar tão cedo.
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