terça-feira, 12 de setembro de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 08 — Capítulo 109

Capítulo 109: O intervalo de algumas piscadas

O intervalo de algumas piscadas pareceu terrivelmente longo. Ambos os lados apenas se entreolharam com a respiração suspensa, mas a mente de Angeline estava disparada como um raio durante esse tempo.

“Satie?”

Antes que o som da voz de Angeline chegasse aos seus ouvidos, a elfa entrou em pânico. Porém seus pés estavam instáveis e acabou quase caindo antes de se recuperar.

“Quem é você...? O que está fazendo aqui...? Precisa se apressar... Fuja...”

“Oh, você está muito ferida! Não se esforce!” Touya correu até a elfa. O sangue parecia vir de seu flanco e do ombro direito, e um corte descia por sua linda bochecha de porcelana.

Angeline pegou a bolsa da cintura.

“Espere... Remédio...”

“Não pode! Não se preocupe comigo, apenas se apresse! No meio de sua exortação, a elfa se virou com pressa. Ela ficou em guarda, com um olhar sombrio no rosto. “Grr... Ele me alcançou...”

O espaço mais uma vez ondulou como uma pedra lançada em um lago parado, e desta vez apareceu um homem de meia-idade com um casaco preto. Seu cabelo castanho ondulado, salpicado de branco, estava preso para trás, e tinha uma cicatriz de um ferimento antigo que atravessava seu olho direito.

O homem de casaco preto estendeu um alfanje comprido sem a ponta.

“Você tem coragem de ir atrás de Benjamin. Contudo foi ingênua. Achou que conseguiria fazê-lo sozinho?”

“Haha, que persistente... Não tenho nenhuma desavença com você.”

“O mesmo aqui.”

“Então que tal me deixar ir?”

“Enquanto eu estiver sendo pago, te capturar é meu trabalho.”

“Hmm… Mesmo quando esse não seja o verdadeiro Benjamin?”

“Um detalhe trivial. Oh...?” o homem estreitou os olhos em dúvida ao ver Angeline, que veio proteger a mulher elfa. “Quem é...”

“Não sei quem você é, no entanto não é legal atacar alguém que não consegue se mover.” declarou ela, desembainhando a espada.

O homem sorriu.

“Entendo. Então é você. Interessante...”

“Touya, cuide dela... Touya...?”

Não houve resposta. Estranho, Angeline pensou e olhou para trás para ver que Touya havia caído com um joelho no chão, os olhos arregalados em choque. Ele agarrou o peito com uma das mãos e começou a suar frio.

“Por que...? Como pode estar...?”

“O que está errado...?” Angeline perguntou, confusa. Sua mão tocou o ombro de Touya — sua respiração era tão pesada que todo o corpo tremia toda vez que inspirava. Ele também não estava mantendo um ritmo constante.

Por um momento, o homem de casaco preto pareceu refletir sobre algo.

“Por que está aqui? Não deveria estar morto?”

“Isso mesmo... Porque você me matou.”

“Hmm...? Oh, entendo. É a outra. A falha.”

O rosto de Touya se contorceu de raiva. Ele saltou do chão, desembainhando a espada para derrubar o homem. Sua técnica era tão boa que até Angeline teve que admirá-la, mas o homem interceptou casualmente o ataque e o empurrou para trás.

Seus olhos frios perfuraram Touya.

“Muito superficial. Vejo que não progrediu nem um pouco. O que está tentando realizar apenas imitando a aparência? Fazer isso não o trará de volta.”

“Cale-se! Como acha que a mãe se sentiu?”

Uma batalha inesperada começou, entretanto o controle de Touya sobre sua técnica tornou-se um pouco instável devido ao sangue subindo para sua cabeça. Tenho que ajudá-lo... Todavia Angeline sabia que não poderia entrar na briga enquanto os ferimentos da elfa fossem tão graves. Enquanto lentamente descobria a melhor forma de tratar a mulher, de repente sentiu outra presença vinda de trás. Ao se virar, lá estava um homem com uma túnica branca. Seu capuz estava puxado sobre os olhos, dificultando a leitura de sua expressão, contudo sem dúvida não estava com um humor amigável.

Angeline protegeu a mulher elfa, olhando para o homem de manto.

“Schwartz...” a elfa murmurou.

“O que... Ele?”

Esse é o mago que enganou Charlotte e conduziu todos os tipos de experimentos sujos — até mesmo trazendo demônios para a mistura. Não era exagero chamá-lo de mentor de tudo. Sua aparição aqui, entre todos os lugares, era a última coisa que Angeline poderia esperar.

A sua frente estava Schwartz, e em suas costas, Touya lutava contra o homem de casaco preto. Não havia para onde correr. Talvez os outros percebam o barulho e venham aqui... Essa era a fraca esperança que tinha enquanto fortalecia o controle da espada.

“Você pode ganhar algum tempo?” a elfa sussurrou. “Só um pouco...”

“Dê-me muito tempo e posso vencê-lo. Estaria bem pra você?”

“Hehehe! Melhor ainda!” a elfa riu. Ela tinha um lindo sorriso.


A atenção de Angeline voltou-se para Schwartz. O homem não fez nada e apenas ficou ali com os braços cruzados. Parecia que as estava observando. Embora parecesse completamente desprotegido à primeira vista, era forte o suficiente para enfrentar Maria. Não era alguém para ser subestimado.

Assim que estava prestes a enfrentá-lo, pôde sentir uma corrente de mana vindo de suas costas.

Angeline ouviu Touya gritar de raiva.

“Das sombras das feras! Da morte sombria! Senhor das tuas cascas! Consagrado em um monte de moscas!”

“Hã?” Angeline engasgou, parando. Grande magia em um corredor estreito como este?

Com uma grande onda de mana, algo com uma massa física gigantesca apareceu, junto com o cheiro detestável de carne podre enchendo o ar.

“Oh meu Deus...” a mulher elfa murmurou. “Magia negra?”

Escolas de magia que se desviavam das convenções aceitas eram conhecidas como magia negra. Embora muitas vezes bastante poderosas, essas formas de magia geralmente corroem o corpo ou a alma. Quem é Touya, se ele pode usar algo assim? Angeline não tirou os olhos de Schwartz nem por um segundo, no entanto seus pensamentos estavam confusos.

Entretanto Schwartz não fez nenhum movimento e nem parecia estar preparando nenhum feitiço. Apenas ficou parado e observou.

É meio irritante — que ele não tenha feito nada nessa situação só o faz parecer ainda mais perigoso, pensou Angeline. Ela não conseguiu encontrar o momento certo para atacá-lo desde a interrupção de Touya.

“Você é imaturo — tedioso.” ela ouviu atrás. A mana recuou antes de se dissipar em uma forte brisa que bagunçou a trança de Angeline, fazendo-a se perguntar se o que quer que fosse que Touya convocou havia sido destruído, antes de ouvir uma voz fraca e dolorida — Touya. Ele terminou? Angeline se perguntou com uma onda de desconforto.

Naquele momento, sentiu um puxão na manga.

“Venha aqui!” a elfa a puxou para perto e tudo ao seu redor de repente ficou embaçado, como se estivesse olhando através de um painel de vidro empenado. A túnica branca de Schwartz pareceu derreter diante dos olhos de Angeline.

Sem seu alvo, Hector, o Carrasco, embainhou sua lâmina.

“A grande magia deve ter desfeito meu feitiço de obstrução. Pelo que parece, Maitreya falhou.” argumentou Schwartz.

“É por isso que te disse para não confiar nela. No final das contas, é apenas um monstro.” disse Hector. Ele lançou um olhar duvidoso enquanto Schwartz caminhava em sua direção. “O que foi, Schwartz? Ficou apenas olhando e os deixou escapar. Isso é um jogo para você?”

“Ainda é muito cedo.”

“Aquele jovem chamado Touya... O que é para você?” Schwartz respondeu à pergunta com uma de sua autoria, contornando completamente o assunto.

Hector fez uma careta.

“Uma falha.”

“Sua falha?”

“Aconteceu quando eu estava caçando pecadores no leste. Meu irmão mais velho era bastante capaz, entretanto acabou morrendo por sua própria ingenuidade.”

“Um irmão mais velho capaz e um irmão mais novo incompetente, então.”

“Ele não era meu irmão mais novo.” disse Hector, depois fechou a boca.

Schwartz acenou com a mão sem palavras e então os dois foram embora.


Maitreya soprou com cuidado o chá doce e fumegante antes de tomar um gole em êxtase.

“Você só mudou de lado assim? Bem desse jeito?” Percival disse cansado, encostado na parede. “Que garota calculista. Ninguém vai confiar em você se for assim.”

“Não preciso da confiança de ninguém. Minha vida vem em primeiro lugar.”

“Hmph, de fato soa com algo que um monstro diria.”

Maitreya fez beicinho e pousou a xícara.

“Então, o que você quer saber?”

“Há quanto tempo eles estão atacando a elfa? O que deu o pontapé inicial?”

“A elfa já era um alvo antes de eu ser contratada. Na verdade, fui contratada em específico para lidar com a barreira.”

“E demorou três anos?”

“Sim, não porque eu seja incompetente, veja bem. Não, é porque nunca conseguimos encontrar vestígios dela. Minha especialidade é criar um portal usando a mana do alvo, então primeiro preciso encontrar...” Maitreya começou, dando início a uma longa palestra, antes de Percival acabar com isso com outra cutucada.

“Chave de Salomão, hein...” Belgrieve refletiu, tocando a barba. “Por que a elfa teria algo assim?”

“Benjamin e Schwartz... Os dois estavam a um passo de consegui-la. Mas a elfa arrebatou-a no último segundo. A elfa sempre esteve no caminho deles.”

De acordo com Maitreya — embora ela não tivesse certeza dos detalhes exatos — o Príncipe Benjamin e Schwartz vinham conduzindo pesquisas sobre Salomão e seus demônios há muito tempo. Uma faceta disso era algo que Belgrieve já tinha ouvido de Byaku: um experimento para transformar um demônio em humano. Como o experimento envolvia o nascimento do demônio de uma mãe substituta, muitas mulheres de todos os tipos de raças tornaram-se cobaias.

Maitreya não sabia o que a desencadeou, porém a elfa atacou corajosamente e sem qualquer pudor vários locais de testes secretos ao redor da capital, resgatando as cobaias e os experimentos enquanto destruía as instalações. Graças a suas ações, esses experimentos não estavam mais sendo realizados. “Minha teoria é que a elfa foi uma dessas cobaias.” explicou Maitreya, tomando um gole de chá.

Percival levou a mão à boca, uma expressão tensa no rosto.

“Coisas desagradáveis. Contudo faz sentido.”

“Então, por ser um dos súditos, entendeu a gravidade dos planos do príncipe e está trabalhando para detê-los?”

É bastante infeliz pensar sobre... Belgrieve fechou os olhos. Que batalha sem esperança deve ter sido.

“Hey, Bell. Se essa elfa for Satie...”

“Sim. Talvez tenhamos que cruzar lâminas com o príncipe herdeiro.”

“Não apenas ‘talvez’. Vai. Você tem a determinação para fazê-lo? Tornar-se inimigo do príncipe significa tornar-se inimigo de Rodésia. Não importa o quão forte seja. Não vencerá o poder de todo o império.”

Belgrieve coçou a barba, os olhos semicerrados em pensamento.

“O imperador compartilha dos ideais do príncipe?”

“Não tenho certeza.” disse Maitreya. “No mínimo, o príncipe não divulgou publicamente os experimentos ou Schwartz.”

“É claro. Haveria tumultos se publicasse experiências humanas envolvendo demônios.”

“Existe... Alguma maneira de usarmos essa informação? Se pudermos enquadrar isso como uma batalha pessoal contra Benjamin, em vez de uma luta contra o império, pelo menos teremos uma chance. Tenho certeza de que as pessoas envolvidas são autoconscientes o suficiente para saber que o trabalho que estão fazendo não é louvável. Se agirmos bem, poderemos evitar que obtenham o apoio do império.”

“Hmm...” Percival juntou os braços e gemeu. “Pode ser verdade, no entanto... Como? Agora essa é a questão.”

“Também não sei. Não temos informações suficientes. Ainda nem sabemos se a elfa é Satie.”

Maitreya sentou-se na cama com uma expressão perplexa, segurando os joelhos.

“Você quer tanto encontrá-la? A elfa chamada Satie, quero dizer.”

“Sim. É por esse motivo que viemos aqui.”

“Humanos são estranhos.”

“Bem, se quer viver entre os humanos, tem que entender isso.” Percival disse, cutucando Maitreya e provocando um gemido baixo.

“Qual é o nosso próximo passo? A magia dela não funciona e não temos nenhuma pista.”

“E se esses soldados imperiais retornarem, estarão à nossa procura. Podemos colocar nossas esperanças em que Ange encontre algo que valha a pena, ou...” Belgrieve parou, virando-se para Maitreya.

A diabrete inclinou a cabeça com curiosidade.

“O que foi?”

“Se não houver pistas em Findale... Poderíamos fazê-la nos transferir para a capital.”

Pelo que Maitreya disse, a base de operações da elfa originalmente era a capital. Ele não queria perder mais tempo em Findale.

“Que tal? Maitreya, sua magia pode nos levar até lá?”

“Claro. Mas levará algum tempo...” Maitreya levantou-se, aparentemente à altura da tarefa.

Porém Percival coçou a cabeça.

“Hey, você está são? Se deixá-la usar o teletransporte, é óbvio que irá se teletransportar para longe de nós. Também não há garantia de que nos enviará para algum lugar seguro.”

“É o que acha? Ainda quer ser aliada do príncipe?”

Maitreya balançou a cabeça freneticamente.

“Eu não.”

“As palavras são gratuitas. Está apenas balançando a cabeça porque levantei a dúvida.”

“Isso não é tudo. É como falei, não é? Depois de vazar tanta informação, não posso voltar...”

“Oh, não tenho tanta certeza. Não sei ao certo o que você é para eles. Contudo se der informações sobre nós, podem acabar aceitando-a de volta.”

“Não é verdade... Schwartz não perdoa traição. Ele não me agradeceria mesmo se eu lhe trouxesse informações sobre você ou seu grupo. Estaria apenas cavando minha própria cova.”

“De qualquer forma, Bell. Não confio nela ainda. Não vou, mesmo que seja ideia sua.”

“Você é o líder. Confio em sua decisão.”

Ficou claro que Percival não estava sendo cruel apenas com a garota. Cada palavra ecoava com sua vontade de não expor Belgrieve ao perigo. Seja por seu trauma passado ou por seu senso de responsabilidade como líder do grupo, se tornou muito mais cauteloso do que antes, e Belgrieve não conseguiu conter o sorriso ao perceber.

“O que?” Percival fez beicinho.

“Só pensando no quanto você cresceu.”

“O que está querendo dizer? Esqueça, vamos esperar que todos retornem.” e assim, Percival sentou-se numa cadeira.

Maitreya sentou-se na cama com as pernas penduradas para o lado, um pouco desanimada. Depois de olhar para os dois com tédio por algum tempo, começou a chutar o ar.

Belgrieve deu um sorriso irônico ao vê-la.

“Quer outra xícara de chá?”

“Vou aceitar...”


Antes que percebesse o que estava acontecendo, ela se viu em um mundo estranho cheio de luz, no entanto tudo parecia em um tom sépia abafado. Havia uma pequena casa, em torno da qual luzes fracas flutuavam como insetos antes de desaparecerem. A casa parecia estar no meio de uma floresta.

Angeline ficou atordoada por um momento, todavia ao perceber que acabara de ser teletransportada, olhou para trás com pressa. A elfa que usou o feitiço agora estava deitada no chão, sem fôlego, enquanto Touya se ajoelhava ao seu lado com dor.

Depois de olhar em volta, a expressão da elfa relaxou.

“Estou de volta, de alguma forma.” murmurou. “Sigh... Mesmo depois de reunir minha determinação, ainda acabei assim. Patético, realmente... Mas enfrentar Hector e Schwartz ao mesmo tempo foi um pouco demais...”

Então seu olhar se voltou para Angeline e sorriu.

“Te devo uma. É graças a sua ajuda que ainda não morri. Ouch...”

“Não fale. Você precisa ser tratada... Tudo bem aí, Touya?”

“Estou bem...”

Touya não olhou para Angeline, porém o som de pano farfalhando indicava que estava cuidando de seus próprios ferimentos. Angeline soltou um suspiro profundo antes de tirar bandagens e um frasco de remédio de sua bolsa na cintura. Enquanto estava tão ocupada, podia ouvir o barulho de passos leves se aproximando e parando nas proximidades. Quando ela olhou para a fonte, viu duas crianças idênticas com cabelos pretos parecendo bastante surpresas.

“É um estranho.”

“Um estranho?”

“Amigo de Satie?”

“Talvez?”

Satie — foi o que elas disseram. Angeline sentiu seu coração batendo forte no peito enquanto seus olhos se voltavam para a mulher élfica. Ela parecia muito jovem, como a maioria dos elfos, contudo tinha um ar um tanto maduro. Suas feições eram lindas e seu cabelo prateado e sedoso ondulava ao vento; e mesmo assim, suas sobrancelhas eram espessas e indomáveis. Angeline já tinha ouvido falar sobre essas mesmas características antes.

“Você é mesmo... Satie, não é?” Angeline perguntou com uma voz tímida, entretanto inabalável.

“E você seria...?”

Angeline respirou fundo.

“Sou Angeline — filha de Belgrieve.”

Os olhos da elfa brilharam de surpresa.

“Belgrieve... Ele tem cabelo ruivo?”

“Sim. E tem uma perna direita artificial.” disse Angeline, balançando a cabeça.

A elfa — Satie — parecia profundamente abalada, no entanto retribuiu o olhar de Angeline com firmeza.

“Bell... Então ele está vivo. Até tem uma filha...”

“Kasim e Percy também estão aqui. Todo mundo veio te ver, Satie.”

“O que...?” os olhos arregalados de Satie estavam cheios de lágrimas. Ela sem apressou em enxugá-las, cobrindo o rosto com a mão. “Mas... Mas por que...?”

“Satie.” Angeline se ajoelhou para colocar a mão nas costas de Satie. Embora bagunçado, seu longo cabelo era macio e brilhante. Embora tenha sido espancada e coberta de sangue, e embora Angeline soubesse que agora não era o momento para tais coisas, ela não pôde deixar de observar o quão bonita era.

Angeline imaginou que esperaria que Satie se acalmasse, porém se assustou quando a elfa de repente caiu de bruços no chão. Contudo não demorou muito para perceber o motivo óbvio: os ferimentos da elfa ainda não haviam sido tratados.

“Satie!”

“O que houve?”

As gêmeas de cabelos pretos correram, no entanto pararam de repente, com um pouco de medo de Angeline. Elas a encararam com olhos cautelosos.

Angeline tirou com pressa as bandagens sem tirar os olhos das garotas.

“Ela está ferida... Eu vou tratá-la.” explicou, de maneira um tanto afetada.

“Vocês moram aqui? São suas amigas?” Touya perguntou. Antes que Angeline percebesse, o garoto terminou de administrar os primeiros socorros a si mesmo e levantou Satie com cuidado.

As gêmeas assentiram, claramente ansiosas.

“Touya, suas feridas...” Angeline o pressionou, ansiosa.

“Estou bem. Mesmo que quisesse tratar todas as minhas feridas, este não seria o lugar certo. Tenho certeza de que há uma cama na casa, então vamos pegá-la emprestada.”

“S-Sim.”

Touya entrou na casa sem hesitação. As gêmeas o seguiram após trocarem olhares, e Angeline por fim seguiu o grupo.

A casa estava mal iluminada, todavia muito arrumada, o que a impedia de ter uma atmosfera sombria. Na verdade, era um lugar bastante calmo e reconfortante. Touya colocou Satie na cama e em seguida começou a tirar suas roupas como já havia feito inúmeras vezes antes.

Angeline congelou por um momento antes de correr para detê-lo.

“Eu vou fazer isso...”

“Hmm? Ah, certo. Desculpe. Vou pegar um pouco de água.” disse Touya, batendo em retirada apressada.

Ainda que seja uma emergência, ele é um cara e para despir uma mulher sem qualquer hesitação, pensou Angeline, sem saber se deveria ficar impressionada ou horrorizada. De qualquer forma, havia assumido o trabalho e agora cabia a ela administrar o tratamento.

Foi simples tirar o manto de estilo oriental, que estava preso na frente. Não sabia dizer por causa das roupas largas, mas seu peito era muito mais abundante do que havia parecido antes. Mesmo sendo mulher, Angeline corou, porém sabia que agora não era o momento para isso.

Suas roupas estão todas ensanguentadas. Vou precisar encontrar alguma outra para trocar, pensou ela. Contudo então, ouviu Touya ao fundo já perguntando as gêmeas onde estavam as roupas.

Satie deve ter perdido muito sangue. Seu semblante está pálido. Enquanto Angeline enxugava o sangue seco ao redor da ferida com um pano úmido, Satie gemeu e abriu os olhos.

“Urgh... Ow, ow...”

“Não se levante. Vou cuidar de suas feridas.”

Satie quase se sentou, no entanto tornou a deitar.

Enquanto Angeline lavava as feridas e as untava com pomada, encarava de vez em quando para o rosto de Satie. De sua parte, a elfa olhou para o teto e gemeu.

“Angeline, não é? É estranho, realmente. Nunca pensei que seria salva pela filha de Bell.”

“O pai queria ver você.”

“Ahaha, então é isso... E Percy e Kasim estão juntos?”

“Sim... Vou prender as bandagens... Levante os braços.”

“Hehehe, obrigado.”

Ela lentamente ajudou Satie a se levantar e depois amarrou seu abdômen com um rolo de bandagens. O tempo todo, Satie a observava com olhos gentis.

“Você não se parece muito com ele. Quem é sua mãe?”

“Eu sou adotada. O pai me encontrou na floresta...”

“Hmm... Entendi.”

“Ouvi muito a seu respeito.”

“Ahaha... Nada decente, tenho certeza. Devem ter lhe contado que eu era uma mulher violenta e rude que não sabia cozinhar. Principalmente Percy e Kasim — os dois sempre costumavam se deixar levar. Sempre não passavam de insultos no momento em que abriam a boca.”

“Is-Isso não é verdade...” Angeline tropeçou nas palavras enquanto entregava um frasco que havia recebido de Maureen.

“Um elixir?” Satie pareceu agradavelmente surpresa. “Parece que foi feito por um elfo... Não pode ser um dos meus.”

“Tenho amigos elfos. Três deles. Há o velho Graham e Maggie — o pai fez amizade com eles antes de mim.”

“Velho Graham... Não está querendo dizer o Paladino, não é? É incrível. Oh, Bell... Você criou uma filha, fez amizade com o paladino... Parece que fez todo tipo de coisa no momento em que tirei os olhos de você. Minha nossa.” Satie riu antes de tomar todo o elixir. Ela limpou a boca enquanto olhava para longe.

“Todos nós nos separamos em condições muito ruins. Bell ficou terrivelmente ferido e apenas desapareceu. Eu estava sempre brigando com o Percy, e o Kasim ficava todo abalado, sem saber o que fazer... Hehe, parece que aqueles três enfim fizeram as pazes.”

“Sim, ouvi sobre isso. Percy disse que ele foi muito mau com você...”

“Oh, não sabe nem a metade. Aquele idiota... Estava pensando muito e ele não é esse tipo de cara.” Satie gargalhou enquanto se deitava. “Entretanto o maior idiota foi Bell. Levando tudo para si, sério... Que estúpido.” uma lágrima escorreu de um de seus olhos fechados e então adormeceu. Parecia que o elixir já estava fazendo efeito.

Angeline sentiu a força sumir de seus ombros de alívio enquanto puxava o cobertor sobre Satie. Tanta coisa tinha acontecido que era como se um furacão tivesse passado por sua cabeça. Ela não falou nada além do que Belgrieve queria dizer; não perguntou por que Satie estava aqui ou o que estava fazendo. Havia tantas coisas que queria perguntar, e muito mais que queria ouvir, que não seria capaz de processar tão cedo.

“Ela está dormindo?” perguntou Touya, que as observava de uma distância segura. As gêmeas de cabelos pretos correram e se agarraram à cama.

“Satie está bem?”

“Dormindo?”

Angeline assentiu, dando tapinhas em suas cabeças. Elas a lembravam de Mit, de alguma forma. As gêmeas a olharam com seus olhos arregalados e redondos.

“Quem é você, senhorita?”

“Amiga de Satie?”

“Hmm, não exatamente... Meu nome é Angeline. E vocês?”

Depois de se entreolharem, elas se voltaram para ela.

“Eu sou Mal.”

“Eu sou Hal.”

“Mal e Hal... Prazer em conhecê-las.” disse Angeline, oferecendo a mão às gêmeas.

As crianças sorriram desajeitadamente e envolveram sua mão com palmas pequenas, macias e suaves.

“Isso é bom...” Touya soltou um suspiro de alívio. “Desculpe, Ange. Eu perdi o controle...”

“Não precisa. Fomos salvos por causa disso... Porém o que aconteceu? Você conhece o cara de preto?”

“Algo parecido. É difícil de explicar. De qualquer forma, essa é a elfa que estava procurando, certo? Estou feliz que a encontrou.” Touya sorriu e encolheu os ombros, parecendo insinuar para Angeline não insistir no assunto. Suas roupas tinham cortes nos ombros e, por baixo, podia ver uma bandagem um pouco manchada de sangue. Não parecia muito sério, contudo percebeu que a lâmina havia sido brandida com intenção letal.

Um pouco sério para velhos conhecidos... No entanto acho que ele não quer falar a respeito, ela concluiu e deixou o assunto de lá. Ela nem havia resolvido sua própria confusão; não havia como saber se seria capaz de lidar com as circunstâncias complicadas de outra pessoa.

As gêmeas, aparentemente tranquilas com a respiração suave de Satie, puxaram a mão de Angeline.

“Então, você sabe, queremos conversar. Pode ser no quintal?”

“Você veio de fora, certo?”

“Fora? Bem, aqui fora... Acho que sim.”

Angeline olhou para Touya, que sorriu e assentiu.

“Vou ficar de olho. Que tal brincar um pouco com as meninas? Parece que este não é um lugar comum, de qualquer forma.”

Com certeza, o mundo fora da casa estava repleto de uma luz peculiar, mas apesar de todo o brilho, parecia faltar cor. Eles não conseguiram acordar Satie por enquanto, então provavelmente era melhor conseguir algumas informações das gêmeas. Angeline não seria capaz de fazer perguntas difíceis, porém não seria um desperdício completo.

Assim, Angeline deixou as gêmeas arrastá-la para o quintal.

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