segunda-feira, 11 de setembro de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 08 — Capítulo 108

Capítulo 108: A mulher élfica não conseguiu esconder seu choque

A mulher élfica não conseguiu esconder seu choque enquanto o próprio espaço parecia mudar diante dela. Parecia incompreensível que alguém pudesse interferir em uma barreira produzida pelos poderes de um antigo deus, mas sabia que isso aconteceria algum dia. Não seria possível viver em paz para sempre — a hora de lutar inevitavelmente chegaria.

Enquanto protegia as crianças aqui, seus inimigos cresciam em força. Aquelas dúvidas que permaneciam em sua mente desde que foi desmascarada em Findale estavam enfim se tornando realidade.

“Eles seguiram os rastros de mana de quando me teletransportei?” a elfa usou magia espacial na hora — era difícil imaginar que tivesse sido muito cuidadosa a respeito. Mesmo assim, os traços deveriam ser bem fracos.

Schwartz nunca seria capaz de avançar. A Chama Azul da Calamidade foi um dos principais magos da Rodésia — não, até mesmo de todo o continente. Porém a barreira foi cuidadosamente preparada com medidas feitas específicas voltadas para combatê-lo. Nesse caso, deveria haver algum outro mago habilidoso envolvido.

Suas forças estão crescendo... ela pensou, suspirando.

“Não posso ficar muito para trás.”

A elfa não tinha como saber por que seu inimigo havia interrompido a interferência antes que estivesse completa, contudo com certeza foi uma dádiva de Deus para a elfa. Preciso fechar esse buraco e reforçar a barreira.

No meio do quintal, estendeu suas mãos e invocou sua mana. Um canto fraco, pouco mais alto que uma respiração, criou redemoinhos de mana ao seu redor que aos poucos se espalharam.

“Isso deve bastar por enquanto...”

Ela prendeu a respiração, uma sensação de fadiga subindo por suas costas. Tal ação pesava muito em sua atual condição, como uma criança sem vida. A ferida no ombro ainda doía. A mulher élfica caminhou cambaleante até o quintal, onde seres de luz esvoaçavam como borboletas antes de pousar ao redor de uma pequena lápide. Em frente à pedra havia uma plataforma de madeira, sobre a qual foram colocadas algumas flores em um copo d’água.

A mulher sentou-se com um baque surdo em frente ao túmulo.

“Eu realmente tenho que lutar? Hã?” ela se perguntou, como se estivesse falando direto com ele.

Ao longe, podia ouvir as vozes das crianças brincando. A elfa fechou os olhos e respirou fundo. Eu os protegerei. A barreira ainda está segura.

No entanto o seu pobre jardim não forneceria comida suficiente para sustentar a todos. Com magia, poderia não apenas mudar sua aparência, mas até mesmo sua personalidade e memórias. Ela se aventurou pela cidade repetidas vezes, buscando suprimentos sem que ninguém a notasse. Embora sempre houvesse o medo de ser descoberta no fundo de sua mente, ainda esperava que esses dias pacíficos continuassem. Mesmo sabendo que era uma paz transitória, rezou para que durasse para sempre.

Entretanto a situação estava mudando. Seus inimigos não estavam apenas correndo em círculos no escuro. A rede que haviam lançado ao seu redor estava se aproximando pouco a pouco. Não havia como desistir, nem seriam facilmente desviados da trilha que já haviam seguido. Logo, não seria mais capaz de correr.

Ela podia ouvir o barulho de pés leves se aproximando.

“Isso foi uma loucura!”

“Estava tremendo!”

As gêmeas correram em sua direção e a elfa as abraçou. Elas alegremente a abraçaram de volta.

“Ah, ha! Foi surpreendente, não foi...? Porém está tudo bem agora.”

“Essa foi a primeira vez. Por que tremeu?”

“Talvez algo tenha acontecido lá fora? Que tipo de lugar é lá fora?”

“Quero ver!”

“Eu também!”

As gêmeas se entreolharam com expressões inocentes e alegres.

Embora a elfa tenha forçado um sorriso, estava no limite e não conseguiu mais se conter quando as lágrimas começaram a escorrer de seus olhos. Ela os enxugou com as costas da mão, contudo não conseguiu parar de chorar enquanto abraçava as gêmeas com firmeza.

“Sinto muito... Sinto muito por mantê-las aqui esse tempo todo...”

As gêmeas ficaram assustadas, no entanto rapidamente começaram a esfregar suas costas e dar tapinhas em sua cabeça.

“Não chore.”

“Não seremos egoístas.”

“Não, está tudo bem... Vocês estão certas.” enxugando as lágrimas, a elfa colocou a mão na cabeça de cada uma. “Agora, que tal escolhermos as flores perfeitas para sua mãe?”

“Sim.”

“Elas estão empolgadas, afinal.”

As gêmeas pegaram as flores murchas e fugiram de novo. Quando partiram, a elfa levantou-se devagar. Seu olhar se voltou para as palmas de suas mãos antes de cerrar os punhos e levantar a cabeça. “Tenho que lutar... Antes que eles ataquem este lugar outra vez.”

Ela silenciosamente começou a entoar um feitiço.


A chuva começou a cair uma vez mais quando voltaram para a pousada. Quase não havia vivalma nas ruas — apenas uma sombra ocasional correndo pela neblina.

Quando entraram no quarto, Percival logo tirou algo de sua mala de viagem e colocou nas costas de Maitreya. Era um pequeno pedaço de papel com um selo mágico desenhado. No momento em que foi colocado, o papel pegou fogo e queimou, deixando apenas o símbolo vermelho em suas roupas.

Maitreya se mexeu.

“Eu me sinto entorpecida!” resmungou.

“Cale a boca. Apenas fale baixo.”

“É aquele que Kasim deixou para trás?”

“Sim, o feitiço de paralisia. Não é muito forte, entretanto pelo menos ela não deveria ser capaz de usar nada que exija tanta mana quanto o teletransporte.”

E com isso, Percival tirou uma pequena bola de cristal do bolso de Maitreya, olhando para as figuras ameaçadoras e contorcidas lá dentro.

“Estou pegando isto. Onde conseguiu algo tão perigoso?” ele então casualmente jogou Maitreya na cama, provocando um grito.

“Ma-Maldito seja... Acha que vai se safar agindo dessa forma com Maitreya da Tapeçaria Negra...?”

“Já ouvi esse título antes. Nunca pensei que pertencesse a uma tampinha assim.” Percival arrancou o véu que cobria o rosto de Maitreya junto com o cocar que o acompanhava. Embora o rosto abaixo pertencesse a uma jovem, assim como sua constituição sugeria, sua pele era pálida e seus olhos eram vermelho-sangue. Todavia, não parecia que ela fosse albina — dois pequenos chifres se projetavam de seu cabelo azul-marinho.

Percival riu alto como se tivesse descoberto tudo.

“Ah! Um diabrete. Isso explica essa sua aura desagradável.”

“Diabrete? Você quer dizer como um monstro?”

“Sim, eles são como vampiros — monstros com alta inteligência e mana. Alguns se infiltram entre os humanos. Ela deve ser um deles.”

Entendo... Belgrieve assentiu. Como os goblins, os diabretes não cresceram muito. Nesse caso, fazia sentido que Maitreya parecesse apenas uma criança.

Monstros como vampiros, diabos e ogros possuíam níveis humanos de intelecto. De certa forma, seria correto rotulá-los como demi-humanos, e sua inteligência os tornava bastante perigosos. Também eram muito raros de encontrar — como eles percebiam os humanos como ameaças, tendiam a manter distância. Contudo, houve alguns como Maitreya que se disfarçaram de humanos para sobreviver na sociedade humana.

Ainda assim, ela se tornou uma aventureira com um título, pensou Belgrieve, ao mesmo tempo surpreso e impressionado.

“Diabretes devem ser incríveis...”

No entanto Maitreya protestou indignada.

“Não me misture com os outros. Sou excepcionalmente talentosa.”

“Quieta.”

“Oof!” um leve tapa de Percival a fez se conter e gritar de desespero.


“Urgh... Sem meios de resistir... É aqui que tudo termina...? Que pobre garota eu sou.”

“Não nos faça parecer os bandidos aqui, sua vilã.” desta vez, Percival cutucou-a na cabeça.

Maitreya estremeceu.

“Não sou uma vilã, sou apenas uma profissional. Você faz o trabalho pelo qual é pago.”

“Hmm... Maitreya, certo? Quem te contratou?” Belgrieve perguntou.

Maitreya se atrapalhou um pouco com suas palavras, no entanto depois de outro estímulo, ela relutantemente soltou de um nome.

“Príncipe Benjamin.”

Como imaginei. Belgrieve fechou os olhos. Ao longo da jornada, quando os antigos membros do grupo se reuniam para conversar, Kasim mencionou o príncipe várias vezes. Segundo o que disse, foi o príncipe quem encorajou François — o terceiro filho do Arquiduque Estogal — a ir atrás de Angeline. Um homem com intenções ocultas e Kasim alertou Belgrieve para mantê-lo em mente enquanto estivessem na capital.

Para o bem ou para o mal, Belgrieve não foi pessoalmente à capital. Mas se alguém sob a influência do príncipe estivesse tramando algo aqui, ele teria que se preocupar com Angeline e os outros que tinham ido até a porta do príncipe.

Porém, pensando bem, o grupo que foi para a capital estava bem constituído. Cada membro era muito mais forte que Belgrieve, na sua própria opinião. Talvez não seja meu lugar me preocupar com eles, pensou com um sorriso irônico.

Maitreya examinou seu sorriso com curiosidade.

“O que é tão engraçado...?”

“Não, desculpe. Não é nada.” sua expressão tornou-se pétrea. “Então... O que o príncipe está tramando afinal?”

“Não sei. O príncipe é apenas meu cliente. Eu faço meu trabalho — é isso.”

Percival franziu a testa.

“Apenas seu cliente? Há quanto tempo você trabalha para ele?”

“Quase três anos...”

“Três anos? Se está o acompanhando há tanto tempo, o príncipe não é mais apenas um cliente. Eu a adverti não mentir, não foi?” Percival cutucou-a de novo com uma expressão assustadora no rosto. A espada sagrada de Graham rosnou audivelmente de onde estava apoiada na parede.

Maitreya gritou.

“Não... Não é mentira... Sou tão talentoso que ele não quer me deixar ir. O príncipe confia que posso fazer o meu trabalho, no entanto não confia em mim a nível pessoal. Não é como se estivéssemos juntos todas as horas do dia. E também não me consulta sobre seu grande esquema.”

“Talentosa? Você...?”

“P-Por que está me olhando desse jeito...? É verdade. Sou praticamente a única que poderia interferir na barreira daquela elfa. Mesmo Schwartz não conseguiu.”

“O que? Schwartz?” os olhos de Belgrieve se arregalaram. O nome de um figurão apareceu quando menos esperava.

Na verdade, Belgrieve ouviu dizer que foi Schwartz, a Chama Azul da Calamidade, quem liderou o grupo que comandava Charlotte e Byaku. Também foi quem apareceu em Orphen há algum tempo, travando uma batalha contra Maria, a Cinzenta.

Schwartz estava envolvido — e pelo relatório de Kasim, Benjamin também não era santo. Embora mantivesse a aparência de um estadista perfeito e promissor, não havia como saber o que estava planejando a portas fechadas. Então, quem é essa elfa que Benjamin e Schwartz procuram?

Percebendo que havia dito algo que não deveria, Maitreya se virou em silêncio.

Percival gargalhou, agarrando-a pelo colarinho e puxando-a para encará-los uma vez mais.

“Você pode ser bom em magia, entretanto é péssima em guardar segredos. Cada membro da tribo diabrete com quem lutei era muito astuto, sabe?”

“Cale-se...”

“O que é que foi isso?”

“Eep!”

“Hey, Percy. Alivie as ameaças.” Belgrieve alisou a barba, com um olhar fixo para Maitreya. “O príncipe e Schwartz estão trabalhando juntos, presumo.”

“Eles estão...”

“Por que estão atrás da elfa? Ela tem alguma coisa?”

Maitreya se mexeu, tentando ao máximo se conter. Todavia com um olhar furioso de Percival, sua boca abriu a contragosto.

“A elfa tem a Chave de Salomão... É o que estão procurando.”

“Salomão? Então tem que ter algo a ver com os demônios... Qual é o nome do elfa?”

“N-Não sei seu nome... Realmente não sei!” Maitreya gritou um pouco frenética assim que viu o punho levantado de Percival.

Belgrieve colocou a mão em seu ombro.

“Chega, Percy. De qualquer forma, parece que é melhor fazermos contato com aquela elfa o mais rápido possível. Não sei muito sobre Schwartz, mas ele é bem forte, certo? Se demorarmos, acabará chegando até a elfa primeiro.”

“Sim, entendi... Tudo bem. Você, abra esse portal de novo.”

“E-Eu posso, porém... Terá que remover essa paralisia.”

“Certo. Contudo se fugir, vou massacrá-la depois. Não vai conseguir se teletransportar mais rápido do que consigo sacar minha espada.”

“S-Sei que não posso fugir do Lâmina Exaltada. Então não me mate...” ela estava tremendo, seus olhos implorando por ajuda de Belgrieve. Com um suspiro, Belgrieve tentou pacificar Percival.

“Se estiver amedrontada, isso pode afetar sua magia. Dê-lhe uma folga, Percy.”

“Você tem sorte de Bell ser tão gentil.”

Embora seu olhar penetrante fosse implacável, Percival levantou Maitreya e levantou-se. Ele tirou um feitiço dissipador de sua bolsa e colocou nela.

A expressão de Maitreya suavizou-se de alívio quando se aproximou de Belgrieve. Por acaso, eles conseguiram executar toda uma cena de policial bom e policial mau com um efeito incrível.

“Afastem-se... Vou conectar.” Maitreya estendeu as mãos. Assim como aconteceu lá fora, sua sombra inchou e começou a girar no ar vazio.

Um vento repentino açoitou seus cabelos, apesar das janelas e portas estarem bem fechadas. Contudo depois de alguns momentos, Maitreya baixou as mãos, com um olhar perplexo no rosto. A magia foi interrompida e o vento diminuiu.

“Não consigo me conectar... Ela colocou contramedidas? Não, com certeza fez algo, no entanto não é isso... Ela não está lá.”

“O que está errado? Abra já.”

“Não consigo me conectar. Para ser mais precisa, a elfa não está dentro da barreira. Minha magia usa vestígios de mana para formar um portal de conexão. Se a elfa — a fonte da mana — não estiver lá, não consigo me conectar.”

“Então pode nos levar para perto da elfa?” Belgrieve perguntou.

Maitreya balançou a cabeça.

“Pude acessar dentro da barreira porque era perto desta cidade. No entanto, parece que a elfa foi para mais longe. Se estiver muito longe, nem eu conseguirei alcançá-la. Sem mencionar que formulei esta sequência de feitiços especificamente para alcançar uma elfa que reside dentro de uma barreira. É um feitiço muito poderoso, todavia é restritivo como compensação. Sou quase a única que poderia ter montado tudo.”

“Dá tudo no mesmo se não consegue fazer isso. De qualquer forma, descobrimos que você é inútil.” disse Percival, batendo os pés no chão, frustrado. “Droga, um passo tarde demais... O que diabos está acontecendo aqui?”

“Tudo bem, já que chegamos a esse ponto, vamos colocar nossas informações em ordem. Maitreya, que tal nos contar um pouco mais?”

“Tudo bem... Não posso voltar atrás, agora que vazei informações. Em troca, proteja-me de Schwartz.” Maitreya sentou-se na cama, com um olhar resignado no rosto.


Os túneis abaixo da capital espalhavam-se como um formigueiro e, tal como os edifícios no topo acrescentavam cada vez mais andares, estas estruturas subterrâneas cresceriam mais profundamente, camada por camada. À medida que a população da capital crescia, estes espaços escuros e sombrios começaram a servir como favelas da cidade. Ao que parecia, Salazar encontrava-se no final de um destes caminhos labirínticos.

Anessa olhou, um tanto ansiosa, para o longo corredor.

“Wow, a vibração é bem diferente de como é lá em cima.” murmurou.

“Não é?” disse Maureen. “É um lugar perigoso, mas é bom se quiser ficar fora de vista.”

Angeline observou nervosamente o ambiente antes de olhar para cima. O caminho de ligação pelo qual tinham acabado de entrar tinha uma espécie de telhado acima, embora fosse mais um pastiche de madeira e pedra, permitindo a entrada de fracos raios de sol através das pequenas frestas no teto. As paredes se estendiam em alguns trechos, alcançando uma estrutura acima do solo. Lá em cima havia janelas de vidro e outros sinais de que, talvez, alguém morasse lá há muito tempo, mas não mora mais.

“Ele está fazendo sua pesquisa em um lugar como este...? Quem exatamente é Salazar?”

“É um mago imperial, pelo que vale a pena. Não sei o que está fazendo, porém não vejo nenhum sinal de que alguém tenha vindo para cá além de nós.” explicou Maureen.

“Entendo.” murmurou Kasim, acariciando a barba. “Então, é financiado pelo império agora. Vejo que está subindo no mundo.”

“Contudo, isso não é uma coisa ruim? Quero dizer, Salazar poderia estar conectado com aquele príncipe herdeiro.” sugeriu Marguerite. Para seu alívio, enfim havia conseguido tirar o capuz.

Touya deu um sorriso irônico.

“Não acho que precise se preocupar com essa possibilidade. Salazar quase não ouve nada que alguém diga. Ainda que o príncipe herdeiro esteja usando as invenções de Salazar, não há absolutamente nenhuma maneira de Salazar apoiá-lo ativamente.”

“Bem, talvez. Duvido que ele se esforce para nos denunciar, de qualquer forma.” disse Kasim com um aceno de cabeça satisfeito.

Angeline cruzou os braços e expressou seus pensamentos.

“Contudo... Isso não tornará muito mais difícil obter informações sobre Satie?”

“Só espero que não voltemos de mãos vazias.” acrescentou Anessa.

“Sim...” Touya coçou a cabeça sem jeito. “B-Bem, não saberemos até conversarmos. Sentirei muito se tudo acabar sendo uma perda de tempo.”

“Ficarei feliz em conhecer o mestre da magia do tempo-espaço.” disse Miriam, rindo.

Eventualmente, o teto de retalhos deu lugar a pedras cinzentas e escuras. Aqueles tênues vislumbres do céu de antes estavam agora isolados, já que o túnel não tinha janelas nem fendas na alvenaria, todavia havia lanternas na parede em intervalos regulares para iluminar o caminho. A atmosfera era semelhante a um poço de mineração.

Eles conversavam cada vez menos à medida que avançavam, o ar se enchia apenas com o bater dos pés. Parecia que os corredores de pedra continuariam para sempre até pararem em frente a uma pequena porta de madeira. A madeira polida tinha um brilho negro e estava densamente coberta com símbolos finos e de aparência misteriosa inscritos em tinta brilhante. Esses símbolos se espalharam além da porta e também cobriram as paredes ao redor.

“Wow, wow, que incrível!” Miriam disse animada, olhando de perto. “Parece que derivou esta sequência do sexto postulado do quarto teorema! Entretanto, o que é isso, sério? Nunca vi nada parecido antes... Uma fórmula nova? Não, mas se você conectar dessa forma, o índice de calor...”

“Parece que não funcionará a menos que você desenhe em três dimensões. Bem, tenho certeza de que é apenas algo que ele anotou quando lhe veio à mente.”

“Hmm, parece um pouco com notas rabiscadas... Mas ainda assim, incrível...”

A conversa entre os dois magos foi completamente incompreensível para Angeline. Ela inclinou a cabeça para o lado antes de concordar. Tenho certeza que é incrível...

Touya bateu na porta. Não houve nenhum som vindo de dentro. Desconfiado, pegou a maçaneta, girou-a e abriu a porta.

“Salazar?”

Seguindo o exemplo de Touya, o grupo lotou a sala. Assim que entrou, Angeline ficou surpresa. A primeira coisa que a atingiu foi um cheiro bizarro e penetrante que permeava o ar. Parecia medicinal, até onde sabia.

Seu olhar percorreu pela sala com uma careta em sua face. A sala não estava iluminada de uma maneira que conhecesse — não havia nenhuma lâmpada pendurada no teto ou tochas na parede.

Em vez disso, as paredes, o chão e até o teto estavam repletos de misteriosas letras mágicas na mesma tinta brilhante que estava na porta.

A sala em si era bastante vasta, porém não viu nenhum dos aparelhos de teste de vidro ou das prateleiras de grimorios que estava acostumada a ver nas oficinas de magos. Mais no fundo, a sala estava alinhada com pilares em intervalos regulares, cada um deles coroado com uma bola de cristal refinada. Os orbes emitiam um ambiente peculiar ao refratar a luz do grafite brilhante. Perto do fundo da sala, um círculo mágico cobria o chão. Era o único local que parecia ter sido deliberadamente planejado e bem organizado, livre dos símbolos erráticos e espalhados que cobriam todas as outras superfícies.

Alguém estava sentado de pernas cruzadas bem no centro do círculo — um jovem, pelo que parecia. Estava trajando um longo jaleco sobre o traje rodesiano convencional e tinha um monóculo sobre o olho direito.

“Salazar!” Touya levantou um pouco a voz enquanto caminhava até o homem. Era Salazar, é claro. Contudo não houve resposta aos chamados de Touya; em vez disso, Salazar começou a murmurar algo baixinho.

“Não, não é assim. Se o evento faz parte de um grande fluxo em espiral, deve haver algo bem no centro. E, no entanto, se eu encontrar este centro, a escala do evento deverá...”

“Salazar!” Touya, frustrado, agarrou o ombro de Salazar e o sacudiu.

O homem levantou-se de um salto. Então, de repente, sua forma se curvou e balançou e, no instante seguinte, uma mulher alta estava parada onde ele estivera. As roupas que ela usava eram iguais às do homem.

“O que? Ah, se não é o Touya. É rude interromper alguém quando está pensando, meu rapaz.”

“Oh, por favor, controle-se. Eu trouxe o que me pediu.” disse Touya, tirando vários cristais mágicos de cores diferentes de sua bolsa e alinhando-os no chão.

Os olhos de Salazar brilharam — então, ficou embaçado outra vez, e ali estava um menino de dez anos cujo jaleco estava arrastado pelo chão.

“Oh, que dia fortuito! De verdade, de verdade, agora posso fazer as ferramentas que preciso para observar em detalhes. Terei que recalcular as sequências, então.”

“Eu entendo, mas poderia esperar? Trouxe alguns visitantes.” Touya o sacudiu de novo quando Salazar estava prestes a se perder em pensamentos. Assim, como se tivesse acabado de perceber que eles estavam ali, Salazar se virou para olhar para Angeline e os outros.

“Oh, que surpresa ver tantos convidados nesta sala.” ele disse enquanto mudava de forma mais uma vez. Agora, um homem idoso com as costas tortas mancava na direção deles. “Bem-vindos, todos! Um experimento antigo tornou minha existência bastante incerta, então peço desculpas por esta forma desagradável. Adoraria servir uma xícara de chá para vocês, porém ainda não desenvolvi esse feitiço! Ah, mas espere. Se usar aquele cristal que o jovem Touya me trouxe...”

“Ok, ok, podemos nos preocupar com isso mais tarde.” disse Maureen, cutucando Salazar com um olhar calmo no rosto, antes de se virar para Angeline. “É sempre assim. Deixe-o em paz por um segundo e estará perdido em seus próprios pensamentos.”

“Entendi a ideia.” respondeu Angeline, balançando a cabeça.

Isto é como um mago levado ao extremo, pensou Angeline. Não tenho ideia do que está dizendo, de repente ele é jovem, de repente velho e, de repente, é até uma mulher. É um espetáculo interessante, contudo para manter uma conversa não seria divertido.

Até Miriam, que estava tão animada para conhecer o mestre da magia do tempo-espaço, olhou para o homem, boquiaberta, imóvel.

Meio resignada com a situação, Angeline encostou-se na parede, sentindo o frio da superfície da pedra através das roupas. Seus olhos deram outra boa olhada ao redor da sala. Embora a única iluminação viesse daqueles símbolos nas paredes, era bastante brilhante — o suficiente para que pudesse ver o rosto de todos com bastante clareza. No entanto, se mantivesse os olhos fixos nas letras por muito tempo, sentiria que elas começariam a se mover por conta própria.

Kasim suspirou e deu um tapa na cabeça de Salazar.

“Sua mudança ficou ainda pior do que antes. Precisa se controlar, Olhos de Serpente. Você também se esqueceu de mim?”

Salazar, agora na forma de uma jovem da mesma idade de Angeline e seu grupo, olhou com atenção para o rosto de Kasim, parecendo estar o examinando. De repente, Salazar explodiu em alegria e abraçou Kasim.

“Essa mana! Oh, Destruidor de Éter, meu amigo!”

“Amigo? Eu não diria que estávamos tão próximos. Você já está ficando senil?”

“Um reencontro encantador! Bem, me escute. Pensei muito. Sua sequência de processamento paralelo foi uma grande fonte de inspiração para mim. Então os usei como base, sabe?”

“Sim, sim, entendi. Podemos conversar a respeito mais tarde.” Kasim empurrou Salazar, parecendo bastante irritado.

Salazar deu um tapinha no ombro de Kasim, agora na forma de um homem de meia-idade.

“Ninguém nunca veio me visitar desde que fiquei trancado neste laboratório apertado. Bem, ninguém que não estivesse fazendo nada de bom — e nem uma única pessoa com quem eu pudesse trocar conhecimento em igualdade de condições.”

“Entendi, entretanto isso não pode esperar?”

A conversa não estava levando a lugar nenhum. Angeline voltou impacientemente para a conversa.

“Hum, estamos procurando por uma elfa chamada Satie. Sabe de alguma coisa, senhor? Senhora?” Angeline perguntou em voz alta.

Por um momento, Salazar congelou. Então, se aproximou de Angeline como se estivesse deslizando pelo chão, olhando profundamente em seu rosto.

“O que...?” ela ficou surpresa.

“Sim, sim, sim! Entendo! Entendo! De fato muito interessante!”

Assim que Salazar se aproximou, Angeline percebeu que o olho atrás do monóculo tinha, de fato, uma pupila vertical semelhante a uma cobra. Ao mudar mais uma vez para a aparência de uma menina de doze anos, Salazar pareceu alcançar a iluminação por conta própria. Sua cabeça assentiu antes de se afastar dela de muito bom humor.

“Para que eu mesmo possa fazer parte desta grande corrente! Que espetacular!”

“Sério, o quê? Do que está falando?”

“Ah, não sabe? Mas há momentos em que aqueles que estão no meio do fluxo não sentem o sentem por conta própria. Você embarcou no fluxo ou ele foi criado pelos seus próprios passos?” em sua excitação, Salazar se contorceu e se transformou em um homem alto e bonito.

Angeline olhou para Kasim, estupefata. De sua parte, Kasim coçou a cabeça, parecendo um tanto arrependido.

“Uma corrente, você disse? Está louco? Mesmo a magia de observação de ponto fixo de sétima ordem não foi capaz de medir o fluxo de mana dos fenômenos mundanos. Não foi essa a sua conclusão?”

“Ora, não é mana que estou observando, jovem Destruidor de Éter! Seria bastante problemático para um mago do seu calibre atingir um bloqueio mental ali! Mana é uma força cuja direção é determinada pela vontade humana! Então, o que é vontade? Existe alguma força maior que o envolva? Você não conhece a maravilha insondável da consciência coletiva? Uma consciência unificada pelo entusiasmo partilhado está a ser transportada por um certo fluxo — o fluxo dos acontecimentos! Sua direção é única, e à medida que fluxos de direções diferentes colidem, é aí que obtemos o caos e onde a energia massiva é gerada!”

“Cale a boca. Se está tentando fazer com que as pessoas entendam, fale mais devagar.” Kasim repreendeu, abaixando a cabeça em exaustão.

Depois de ouvir o discurso apaixonado de Salazar, Miriam cruzou os braços e gemeu.

“Hmm, acho que há um ditado que diz: ‘Heróis só nascem no campo de batalha’...”

“Consegue entender o que ele está dizendo, Merry?” perguntou Anessa.

“Cerca de metade. Existem alguns pesquisadores do espaço-tempo que afirmam que a ação e a consciência humanas correm todas ao longo de um certo grande fluxo... Oh, mas existem vários ramos e afluentes; todo o fluxo é feito de uma mistura complicada destes. Quando as correntes se chocam e giram, muita energia é gerada... Então, durante guerras massivas, verá fenômenos que não podem ser explicados por nenhum conhecimento convencional.”

“Entendo... Não entendi.” admitiu Marguerite, parecendo ter desistido de vez de entender. Ela caminhou pela sala, olhando profundamente para cada bola de cristal.

Maureen sentou-se perto da parede, abrindo um pacote para comer uma coisa ou outra, também em seu próprio mundo.

Sim, realmente não estamos chegando a lugar nenhum. Isso vai ser problemático. Me sinto mal por Kasim, porém vamos mandá-lo fazer companhia a Salazar até que esteja satisfeito. Então podemos começar a trabalhar, pensou Angeline.

“Vou dar uma volta até terminarem.” ela sussurrou no ouvido de Touya.

“É difícil respirar aqui com esse cheiro.”

“É mesmo? Tem certeza? Não vai se perder, vai...?”

“Quer vir comigo?”

Touya olhou ao redor e depois assentiu.

“Claro. De qualquer forma, imagino que o Sr. Kasim é o único que consegue acompanhar tudo o que Salazar diz.”

Assim, os dois saíram da sala. Assim que a porta se fechou atrás deles, ambos foram recebidos por um silêncio muito apreciado.

Angeline respirou fundo, sentindo-se aliviada. Claro, o ar aqui estava um pouco frio e mofado, contudo era muito melhor do que aquele cheiro estranho e medicinal no quarto.

Os ombros de Touya relaxaram um pouco. Ele ajeitou o cabelo preso enquanto se encostava na parede.

“Sinto muito. Parece que acabei de deixar as coisas mais confusas...”

“Não, está tudo bem. Parece que ele sabe de alguma coisa. É provável que não será uma perda de tempo...”

Ela estava um pouco curiosa sobre como Salazar a olhou com tanto interesse. No entanto se quisesse perguntar por que, precisaria esperar até que ele se cansasse de discutir teorias abstratas e outras coisas.

Touya olhou para o corredor e depois para Angeline.

“Que tal irmos a algum lugar onde possamos ver o sol?” o garoto ofereceu.

“Sim.”

O bater dos pés enquanto caminhavam era o único som que se ouvia. Depois de um tempo, Angeline olhou por cima do ombro e viu a escrita mágica brilhando fracamente ao longe.

“Imagino como está o pai...”

“Findale é um lugar grande, mas tenho a sensação de que o Sr. Belgrieve e o Sr. Percy são bastante incríveis.”

“Não são? Hehe, o pai é incrível, e seus amigos também. Eles são fortes e inteligentes — e esse é o tipo de aventureiro que quero ser.”

“Acho que você já é uma, Angeline.”

“Sem chance. Comparada ao pai, ainda tenho um longo caminho para...” Angeline fez uma pausa, seus olhos se aguçaram ao sentir uma presença peculiar. Sua mão alcançou a espada em seu quadril. Parecia que Touya também havia notado, enquanto estreitava os olhos e se preparava.

De repente, o próprio espaço pareceu curvar-se e torcer-se à sua frente diante. A uma curta distância, o ar pareceu ondular e então uma figura branca apareceu.

“Grah! As coordenadas foram alteradas... Maldito seja, Schwartz...” a figura respirava com dificuldade e dolorida antes de cair de joelhos.

“Hã? V-Você...” os olhos de Angeline se arregalaram em choque, sua boca trabalhando silenciosamente.

A figura diante deles era uma mulher élfica com cabelos prateados desgrenhados e vestindo um manto manchado de sangue. Angeline se viu refletida nos olhos esmeralda da elfa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário