domingo, 17 de setembro de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 08 — Capítulo 110

Capítulo 110: Folhas douradas como o trigo maduro para a colheita

Folhas douradas como o trigo maduro para a colheita balançavam em todas as árvores, mas quando as observava bem de perto, havia um pouco de verde além do ouro. Era como se a própria luz deste lugar carregasse a cor, tingindo tudo que tocava.

A floresta era vasta, porém não havia pássaros ou animais à vista. E apesar do inverno iminente, a vegetação densa fazia parecer que era o início da primavera. Isso foi bastante desconcertante para Angeline, que cresceu nas montanhas. Era como se tudo estivesse um pouco errado.

Hal e Mal a disseram para esperar um pouco antes de fugir. Assim que voltaram, Angeline se sentou para que pudessem colocar uma coroa de flores trançadas em sua cabeça.

“Para você.”

“Mal que fez.”

“Obrigado... É muito bonito.” as flores brancas do trevo eram douradas sob a luz sépia, como todo o resto. As gêmeas sentaram-se em ambos os lados, olhando para Angeline com os olhos arregalados.

“Por que você veio aqui, Angeline?”

“Veio ver Satie?”

“Sim.”

“Wow.”

“Um convidado de fora.”

As gêmeas se entreolharam e explodiram em gargalhadas.

“Vocês são... Filhas de Satie?” Angeline perguntou.

Ambas balançaram a cabeça.

“Satie é amiga da mãe.”

“Entendo. Onde está sua mãe?”

“Por aqui.”

Hal se levantou e pegou a mão de Angeline. Ela deixou que a criança a levasse até os fundos da casa — até uma pequena lápide adornada com flores frescas. Angeline engoliu em seco.

As gêmeas correram ao redor da pedra.

“Mamãe está dormindo aqui.”

“Ela está dormindo desde sempre. Quando você acha que ela vai se levantar?”

As duas riram, contudo o coração de Angeline pulsou e sua mão foi colocada sobre o peito. Quando as gêmeas voltaram, cada uma pegou uma de suas mãos e a levou para um lugar onde pudesse se sentar.

“Satie salvou a mãe de todos os valentões malvados, sabia?”

“Estávamos juntas.”

“Estava escuro.”

“Foi assustador.”

“Onde estamos...? Na casa de Satie?” Angeline perguntou.

As gêmeas assentiram.

“Satie fez isso com magia.”

“Não deveríamos sair. Existem homens maus por aí.”

“No entanto lá fora é incrível. Ouvi dizer que há muitas pessoas.”

“Quero ver peixes vivos. Ouvi dizer que eles nadam na água. É verdade?”

“É verdade... Tem pássaros também; eles usam suas asas para voar pelo céu.”

Era tal qual Angeline suspeitava: não havia outras formas de vida aqui. As gêmeas sabiam sobre pássaros, peixes e animais, já que Satie os trazia de fora como alimento, entretanto não sabiam como eram quando estavam vivos. Seus olhos brilharam enquanto elas se concentravam nas palavras de Angeline.

“Lá fora é incrível. Quero ir com a mamãe e Satie.”

“Você também tem mãe, Angeline?”

“Não tenho mãe. Mas tenho um pai.”

“Pai?”

“O que é um pai?”

“Bem, hum...? É um parente masculino. A mãe é um parente feminino. O parente masculino é o pai.”

As gêmeas olharam para ela sem expressão, não pareciam entender o que Angeline estava dizendo.

“Meu pai se chama Belgrieve. Ele é muito forte, legal e gentil...”

“Forte?”

“Gentil?”

“Isso mesmo. Quando ele te carrega nas costas, seus ombros parecem tão largos... Além do mais, ao contrário das mulheres, ele tem barba e cabelo crescendo no rosto. Bem aqui, perto do queixo.” Angeline estendeu a mão para tocar o queixo de Mal. A menina gritou e riu, sentindo cócegas, enquanto Hal coçou o próprio queixo com um sorriso. “É uma sensação grosseira e agradável quando acaricia sua bochecha.”

“Grosseira...”

“Quero tentar!”

As gêmeas agitaram os braços e as pernas com entusiasmo para frente e para trás. Angeline as observava suavemente quando ouviu uma risada vinda de trás. Virando-se, encontrou Satie, tomando emprestado um ombro de Touya para se levantar.

“Vocês são todas boas amigas agora... Não é legal, Hal, Mal?”

“Ah, Satie!”

“Já acordou?”

As meninas pularam e correram para seu lado, e Satie bagunçou seus cabelos.

“Eu te disse, não é? Sou forte. Que tal vocês duas fazerem uma coroa maior para Angeline? E Touya diz que quer uma também.”

“Entendi!”

“Vou colher as flores.”

As gêmeas saíram correndo. Assim que partiram, Satie sentou-se devagar. Suas feridas estavam longe de cicatrizadas e era perceptível que estava com dor. Angeline sentiu-se nervosa ao colocar a mão no ombro da mulher.

“Não se esforce, Satie...”

“Ahaha... Estou bem, perfeitamente bem. Não vou morrer... Deixe-me agradecer de novo, Angeline, Touya. Pra ser sincera, pensei que estava acabada.” ela inclinou a cabeça ligeiramente enquanto agradecia.

“Hum, uh...” Angeline murmurou. “Você esteve lutando todo esse tempo?”

“Ouviu isso daquelas duas?”

“Sim... Elas disseram que você as salvou sua mãe.”

Satie fechou os olhos e suspirou.

“Schwartz, sabe... E seus comparsas têm pesquisado o legado de Salomão — seus homúnculos — há muito tempo.”

“Quer dizer, transformar demônios em humanos...?”

“Oh, já sabia sobre?” Satie disse, parecendo um pouco surpresa.

Então Angeline a contou sobre Byaku, que nasceu dos experimentos, e Charlotte, que foi usada para espalhar a doutrina. Não foi apenas Satie — Touya também ouviu com profunda intriga.

“E agora estão todos morando em Turnera.”

“Entendo. Ahaha, esse é o Bell que conheço.”

“Demônios, hein... Nem consigo imaginar algo assim. Contudo o que transformar um demônio em humano vai conseguir? Realmente não entendi.” Touya se perguntou, cruzando os braços.

Satie suspirou, parecia um pouco triste.

“Não sei os detalhes. Existem várias organizações que pesquisam os homúnculos de Salomão, no entanto o grupo de Schwartz é praticamente o único que tenta transformá-los em humanos. Ah, entretanto parece que torná-los humanos não é o objetivo final. Há mais além, e tenho certeza de que precisarão da Chave de Salomão para conseguir.”

“Chave de Salomão...?”

“O que é isso?”

“Algo que Salomão deixou para trás. A lenda diz que Salomão uma vez o usou para controlar os homúnculos, mas... Eu a peguei antes que eles pudessem pegá-la. Então, a destruí. Isso deve impedi-los de ter sucesso.” disse Satie, cerrando o punho. “Não poderia perdoá-los pelo que fizeram. Então lutei e destruí o equipamento deles para atrapalhar. Aguardei a oportunidade de salvar as mulheres e seus filhos. Porém todos morreram. Seus corpos não poderiam suportar o que os experimentos os fizeram passar.”

A cabeça de Angeline virou-se para a lápide próxima.

“Sim.” Satie sorriu e assentiu. “A mãe delas ficou aqui por um tempo. Contudo gradualmente ficou cada vez mais fraca.”

O que a princípio parecia ser uma reminiscência afetuosa transformou-se em evidente amargura em seu rosto.

“Ela era uma alma corajosa que se preocupou comigo até o fim. Lamento não ter podido salvá-la. Você encontrará os outros túmulos um pouco mais longe daqui. Observei seus momentos finais. Felizmente, essas crianças cresceram saudáveis. Essa pode ser a única graça salvadora...”

Angeline estava sem palavras, lutando para pensar em algo para dizer.

“Então essas duas estão sobreviveram aos experimentos...?” Touya conseguiu.

“Você poderia dizer isso. No entanto, agora, são como filhas para mim.”

“Você também era a elfa de Findale?”

“Sim, não há muita comida aqui. Criei uma falsa persona para ir às compras, entretanto nunca pensei que iriam usá-la para me rastrear...” Satie disse, rindo. “Tive um mau pressentimento nos últimos anos... Desde que o príncipe herdeiro foi trocado por um falso.”

“Hein... Um falso?”

“É verdade? Nosso atual grande estadista?”

Angeline e Touya olharam para a elfa, atordoados.

Satie assentiu.

“Já ouviram os rumores, certo? Nosso príncipe antes era um completo idiota. Todos ficaram chocados quando ele mudou, mas como se tornou um prodígio tão grandioso, ninguém reclamou. Além do mais, a influência que exerce é incrível. Não importa o quão antinatural pareça, ninguém pode ir atrás dele por ser uma fraude.”

“Então quer dizer... Não é que a Rodésia esteja pesquisando demônios. Em vez disso, o grupo de Schwartz está usando o império para atingir seus objetivos.”

“Essa é uma maneira de ver as coisas. Por causa disso, ficou muito mais difícil para mim me mover... Minha oposição recuperou o equilíbrio e juntou todas as peças. Este lugar não será mais tão seguro. Acumulei bastante ressentimento, então duvido que me deixem escapar.” disse Satie, sorrindo tristemente.


Incapaz de aguentar mais, Angeline jogou os braços em volta dos ombros da elfa.

“Satie... Não precisa aguentar tudo sozinha. O pai, Percy e Kasim estão aqui. Eu também ajudarei. Podemos fazer algo a respeito.”

“Digo o mesmo. Posso não ser muito, mas tenho contas a acertar com um dos capangas.”

Satie sorriu.

“Obrigado.”

“Satie...”

“Porém... Eu já perdi muito. Estou com medo de perder mais alguma coisa.”

De repente, Satie se levantou e rapidamente colocou alguma distância entre ela e os dois. O mundo brilhou de forma desconcertante diante dos olhos de Angeline da mesma maneira que antes. A figura de Satie ficou nebulosa — era magia de teletransporte.

“Satie!” Angeline gritou.

“Diga a Bell que não quero vê-lo e que não deveria tentar me encontrar. Diga-lhe para não jogar fora a felicidade que gastou tanto tempo para obter.”

“Espere! Não posso...”

Satie sorriu.

“Estou feliz por ter te conhecido... Contudo precisa me esquecer.”

Antes que Angeline pudesse alcançá-la, a luz sépia desapareceu. E Touya e Angeline estavam mais uma vez sentados no corredor escuro.

“Por que...?” Angeline murmurou atordoada. Sua mão estendida caiu sem força ao seu lado.


Sem ter o que conversar, Belgrieve e Percival ficaram sentados em um silêncio pensativo. Maitreya, entediada, deitou-se na cama, por vezes virando-se de costas ou de bruços. No fim ela disse, parecendo bastante irritada.

“Então qual é o plano?”

“Estou pensando sobre...”

“Só temos que esperar pelos nossos camaradas. Como quer ir direto ao assunto, baixinha, quando tem muito pouca informação. Como devemos chegar a algum lugar assim?”

“Não é minha culpa! Culpe o príncipe e seus companheiros por serem tão cautelosos.”

“Poderia pelo menos ter perguntado o nome da elfa. Droga, se soubéssemos quem é... Se for outra pessoa, não teremos que entrar em conflito com o príncipe.”

“Sim...” Belgrieve disse, balançando a cabeça. Contudo uma parte sua tinha certeza de que não era esse o caso. Ele não tinha nada de concreto para prosseguir, todavia estava convencido. Belgrieve soltou um suspiro profundo e recostou-se na cadeira, a perna artificial batendo no chão enquanto se mexia. O som da chuva estava ficando mais forte.

De repente, a espada encostada na parede rugiu de repente. Houve uma distorção embaçada no ar a sua frente, que se transformou em uma projeção nebulosa. Percival não demorou em preparar sua espada para atacar antes de semicerrar os olhos com curiosidade diante da visão.

“Isso é... Magia de comunicação?”

A projeção que surgiu turva, semelhante a uma janela embaçada, aos poucos se tornou mais clara e revelou várias figuras.

“Pai!”

“Ange...?” Belgrieve se sobressaltou de surpresa. Podia ver Angeline e Kasim, assim como a maioria dos outros membros que tinham ido para a capital, empurrando e apertando para chegar à frente desta projeção. Eles pareciam estar em uma sala mal iluminada por um azul fraco.

“Wow, realmente está projetando! Isso é magia especial? Incrível!”

“Hey! Não empurre, Merry!”

“Não a empurre para mim; como vou ver alguma coisa?”

“Salazar! Aumente um pouco o volume!”

“Não são vocês que têm a mensagem! Saiam fora, anda logo!”

“Hey, está muito barulhento aí.” disse Percival com uma risada. “Não falem todos ao mesmo tempo. Pelo que parece, conseguiram encontrar Salazar. Algum resultado?”

O rosto de Angeline tornou-se um close extremo.

“Bem, a questão é... Conhecemos Satie.”

“Uh, o quê?”

“A encontraram? Satie está aí?” Percival exigiu, avançando em direção à imagem.

Angeline fechou os olhos e balançou a cabeça.

“Satie... Ela disse que não queria encontrá-los.”

“Hã... O que Satie está pensando?” Belgrieve olhou por um momento para Maitreya antes de voltar para Angeline. “Ange, pode nos contar o que aconteceu do início ao fim?”

Angeline assentiu e obedientemente entrou na história. Satie apareceu de repente no corredor; então, Schwartz apareceu, e eles tiveram que se teletransportar para uma casa misteriosa dentro de uma barreira. A elfa em Findale era Satie; ela travou uma longa batalha para minar a conspiração de Schwartz e Benjamin. E no final, Satie rejeitou a ideia de trabalhar com eles ou mesmo de se reunir.

Percival cruzou os braços e gemeu.

“O príncipe é um impostor? Parece sério... Satie brigou com alguém assim?”

“Não sei o que ela quer...” Angeline disse enquanto esfregava os olhos. “Se quer brigar com Schwartz, então poderia ter...”

Kasim bateu no chão em frustração.

“Eu fui um idiota. Satie está perto da capital desde sempre, assim como eu, e nunca percebi... Até trabalhei com grupos como o de Schwartz antes e me disseram para procurar a Chave de Salomão! Se tivesse feito o que falaram, teria a encontrado.”

“Não seja idiota, Kasim.” disse Percival enquanto começava a andar de um lado para o outro, também nervoso. “Então, não teria conhecido Ange. Se você e Ange nunca tivessem se conhecido, eu também não teria encontrado Bell e tudo teria acabado aí. Chega de arrependimentos inúteis.”

“Acho que sim. Vamos ficar felizes por Satie ainda estar viva.”

Belgrieve refletiu quieto sobre as coisas por um longo tempo antes de falar.

“Maitreya?”

Maitreya saiu do transe e rapidamente corrigiu sua postura.

“O que é?”

“Pode tentar se conectar a esse espaço outra vez?”

“Oh, certo... Se Satie voltar, vai poder alcançá-la, não é verdade?”

“Vou tentar.” Maitreya estendeu as mãos. As sombras aumentaram e começaram a se misturar com espirais de mana, mas antes que pudessem alcançar uma união adequada, explodiram e desapareceram. Os olhos de Maitreya se arregalaram.

“Ela criou contramedidas perfeitas. Que frustrante.”

“Você realmente é inútil!” Percival deu um tapa na cabeça da diabrete.

Maitreya se apressou para levantar as mãos para se proteger.

“Eep! Por favor, pare!”

“Quem é aquela baixinha?” perguntou Marguerite.

Belgrieve coçou a barba.

“Algumas coisas aconteceram no nosso lado da investigação também. De qualquer forma, não parece que ganharemos muito esperando em Findale. Percy, que tal nos juntarmos a eles na capital?”

“Parece o melhor.”

Angeline parecia ansiosa.

“Pai... Está tudo bem em vê-la? Satie ficará com raiva?”

“Não sei dizer. Porém ela não é idiota. É provável que não queira que acabemos envolvidos em suas lutas — pelo menos é nisso que acredito.”

“Humph. Está tão arrogante como sempre se acha que pode cuidar de tudo sozinha. Vamos nos intrometer, quer goste ou não.” concluiu Percival, pontuando suas palavras com um soco na palma da outra mão.

“Hehe...” Angeline riu de alívio. “Isso é bom. Ela parecia estar sofrendo. Temos que ajudá-la.”

“Sim, com certeza.”

“Tem certeza...? Pelo que Ange disse, Satie está abrigando algumas das cobaias de Schwartz.” Anessa interrompeu ansiosamente. “E o príncipe herdeiro é seu camarada. Se quiserem ajudar Satie, não estaremos fazendo de todo o império um inimigo?”

Percival gargalhou.

“Não se preocupe. Eles podem lançar um milhão de soldados imperiais em mim e eu eliminarei todos.”

“Ah, vamos, Percy. Eliminar as hordas é meu trabalho.” disse Kasim rindo.

“Os soldados imperiais são fortes? Soa interessante.” Marguerite tinha um sorriso radiante no rosto.

“Estão loucos...” Anessa ficou pálida com as palavras ameaçadoras que saíram dos lábios de seus companheiros.

“Vai ficar tudo bem, Anne.” Belgrieve riu. “Eles não estão falando sério, posso assegurar.”

“E-Eu sei disso...”

“Contudo... De fato não há como dizer o que pode acontecer. Sendo sincero, também estou ansioso. Um passo errado e poderemos ser considerados traidores de Rodésia. E então, realmente teremos todo o império contra nós. Precisamos ter certeza de que não chegaremos a esse ponto.”

“Parece que você tem algo em mente, Sr. Bell.”

Belgrieve encolheu os ombros.

“Por enquanto, ainda é apenas uma fantasia selvagem minha. Vou precisar da cooperação de todos. No entanto, me sentiria mal por pedir a todos vocês que seguissem esses velhos até o perigo... Não os forçarei ou qualquer outra pessoa a ajudar se estiverem nervosos a respeito.”

“Pai!” Angeline exclamou com raiva. “O que está dizendo? Foi para isso que todos vieram aqui! O que acha que dizer algo assim vai conseguir?”

“Hum...”

“Ange está certa, Bell. Não me mantenha fora do circuito. Em primeiro lugar, o que três velhos vão fazer a respeito? Não vai chegar a lugar nenhum sem mim!”

“Maggie, não acho que mais uma pessoa fará tanta diferença.”

“O que foi, Merry? Está tentando insinuar alguma coisa?”

“Hehe, é por esse motivo que estou dentro também. Não posso só ficar no meu quarto depois de vir até a capital. Se Ange estiver indo, então é nosso dever como membros do grupo ir com ela de qualquer maneira. Certo, Anne?”

“Sim.” Anessa assentiu. Ela olhou para Belgrieve, um pouco irritada. “Senhor Bell, espero que não tenha esquecido, porém somos aventureiros ativos. É claro que seremos tão cautelosos quanto possível, contudo correr para o perigo é o nosso trabalho. Não vamos ficar com medo neste momento.”

“É uma grande aventura! Eu sou uma aventureira Rank S, você sabe, pai!” Angeline disse, estufando o peito.

Belgrieve colocou a mão na testa. Vou ter que jogar a toalha... Ele soltou um suspiro profundo.

“Eu simplesmente não consigo vencer os jovens.”

“Hahahaha! Que garotas confiáveis você tem aí! Olá, Kasim! Certifique-se de que essas crianças não façam nada imprudente!”

“Whoa, você acabou de me pedir para fazer o que eu sou pior. Apresse-se e venha pra cá, Bell.”

“Haha! Entendi. Tentarei chegar o mais rápido possível.”

“Há alguma coisa que quer que façamos agora, pai?”

Belgrieve coçou a barba antes de se virar para discutir algo em silêncio com Percival.

“Pode providenciar para que nos encontremos com Liselotte?” ele enfim perguntou.

“Lize?”

“Sim. Quero obter um pouco de informação sobre o funcionamento interno do império.”

“Então podemos ajudar com isso.” disse Touya. “Moramos aqui há muito tempo e a guilda sabe quem somos.”

Belgrieve pareceu surpreso.

“Touya... No entanto não posso arrastá-los para essa confusão.”

“Não, por favor, deixe-me ajudá-lo. Há alguém de quem tenho rancor pessoal no lado inimigo.”

“Entendo... Entendi. Vamos discutir os detalhes quando chegarmos aí.”

“Obrigado.”

Belgrieve ficou um pouco ansioso ao ver o olhar taciturno no rosto de Touya, mas por enquanto, ir para a capital era prioridade. Poderia conversar a respeito com Touya depois que eles se encontrassem de novo.

De repente, a imagem ficou granulada. Belgrieve ouviu alguém reclamando.

“Vocês estão arrastando isso, meus caros senhores! Acabou, acabou! Estou prestes a desmaiar!”

“Ah, Salazar! Espere!”

“Pai, Percy, tomem cuidado!”

Parecia haver pânico do outro lado. Maureen, que ficou completamente fora da conversa, enfiou a cabeça e acenou com a mão.

“Estaremos esperando. Posso apresentar alguns bons restaurantes.”

E com isso, a transmissão desapareceu.

“Ela nunca muda, não é?” Percival refletiu antes de começar a recolher suas malas. Sem hesitar, ele estendeu a mão e puxou Maitreya pela parte de trás do colarinho.

Maitreya ficou pendurada lá, piscando em um silêncio atordoada, antes de começar a se debater com os braços e as pernas.

“O que? O que está acontecendo?”

“O que planeja fazer, baixinha?”

“Vocês estão... Indo para a capital, certo?”

“Sim. E pessoalmente, seria um grande incômodo se você voltasse para Schwartz... Se prometer que não irá, vamos deixá-la ir agora.”

“Vai confiar mesmo na minha palavra?”

“Me basta saber que não poderá mais acessar a barreira. Duvido que nos ofereça a Schwartz, e também já nos contou sobre o Carrasco e os outros guardas. Com tudo o que revelou, eles não vão confiar em você agora.” explicou Belgrieve com um sorriso.

Maitreya caiu de volta na cama e franziu a testa com leve aborrecimento.

“Não considerou que toda a minha covardia poderia ter sido uma atuação? Acha de verdade que tudo o que eu lhe disse era a verdade nua e crua? Não está me subestimando um pouco demais?”

“Haha! Então você é uma ótima atriz. Quem pode me culpar por ter sido enganado por alguém do seu calibre?”

“Está me tratando como uma criança...” com um rosto taciturno, os olhos de Maitreya vagaram pensativos. Por fim, ela disse. “Por que tenho que passar por tudo isso? Eu sou Maitreya da Tapeçaria Negra — uma maga que deveria temer e respeitar!”

“Você ainda não fez nada de útil, e essa é a verdade. Não seja arrogante.”

“Que farsa. Que ingenuidade. Conheço a identidade da elfa, conheço seu objetivo e sei que estão indo para a capital para alcançá-la. Além do mais, sei que seus camaradas têm ligações com a casa do arquiduque. A capital é praticamente o quintal de Benjamin. Apenas informá-lo que estão do lado da elfa será uma informação inestimável. Eles podem criar contramedidas para lidar suas ações.”

“Entendo... Que contramedidas têm em mente, especificamente?”

Maitreya estufou o peito, com arrogância.

“Você seria incapaz de fazer um único movimento. Seria simples prender todos como criminosos com apenas uma palavra de Benjamin. Melhor ainda, ele te deixaria entrar em contato com a elfa — e reuniria todos de uma vez. Se o príncipe lançasse sua rede com essa intenção desde o início, seria uma tarefa simples pegá-los, seus tolos, de surpresa. Como eu disse antes, Hector, o Carrasco, é um mestre da lâmina e também pode usar magia das trevas avançada. Além do mais, Benjamin tem outros guardas poderosos. E embora Schwartz tenha partido há algum tempo, parece que já voltou — nem sua força nem seu intelecto devem ser ridicularizados. Como já lhe disse, embora eu conheça apenas uma fração do panorama geral, ainda vão estar em grande desvantagem. Apenas desistam.”

“Wow, que gentil da sua parte, estando tão preocupada conosco.” disse Percival com um sorriso.

Os olhos de Maitreya se arregalaram. Suas bochechas coraram e seus lábios se estreitaram.

“Você me enganou...”

“Lamento que ele seja tão mau. Porém não suspeitou que não era natural te deixarmos ouvir toda a nossa conversa com o grupo da capital?”

“Por que...?”

“Se você seguisse planejando se unir aos nossos inimigos, essas com certeza seriam informações valiosas para eles. Pensei em ver como decidiria se comportar nessa situação. No momento, sua posição seguia um pouco ambígua. De nossa parte, achamos melhor esclarecer a relação.”

“Resumindo, se parecesse que estava prestes a levar essa informação para eles...” Percival ergueu o polegar, usando-o para traçar uma linha horizontal em seu pescoço.

“Estava me testando...?” Maitreya encolheu, seu rosto pálido.

“Não, não iríamos tão longe a ponto de te matar. Apenas pensei em deixá-la contida.” Belgrieve encolheu os ombros com um sorriso irônico. “Mas não parece ser o caso. Você chegou ao ponto de apontar nossa ingenuidade. Poderia ter fingido ignorância e retornado, ou se juntado a nós para manipular nossos movimentos na capital. Se fosse um pouco mais ousada, poderia ter bancado a agente dupla para nos atrair para uma armadilha — embora, é claro, estaríamos preparados se mostrasse algum sinal de duplicidade.”

Maitreya desviou os olhos, seu rosto deixando claro que não havia considerado nada disso.

Percival riu alegremente e cutucou-a.

“Eu sabia; você é uma péssima atriz. Seu orgulho é tão arrogante que se deixa levar com facilidade por qualquer coisa.”

“Ugh...”

“Então, Maitreya, gostaria de pedir sua cooperação.” disse Belgrieve, inclinando a cabeça para ela.

Maitreya piscou, atordoado.

“Está falando sério?”

“Sim, estou sério. Pra ser honesto, sua magia é bastante proficiente. Gostaria de evitar tê-la como inimigo e seria de grande ajuda tê-la ao nosso lado. Afinal, você não parece particularmente dedicado à causa deles.”

“Ou melhor, não acho que tenha escolha. Nós abrimos nossos corações aqui, não vai conseguir fugir neste momento.”

“Também não confio neles. Dificilmente. São apenas meus clientes. A lealdade está fora de questão.”

“Então?”

Maitreya soltou um suspiro resignado e assentiu.

“Vou ajudá-los. Porém só para vocês saberem, não é porque me ameaçaram. Estou me aliando por minha própria vontade. Não entenda errado.”

“Por que está fingindo?”

“Sou uma diabrete e amamos coisas interessantes. Parecia intrigante o que quer que Benjamin e Schwartz estivessem tramando, contudo... Já basta. Estou mais interessada agora em saber como planejam virar o jogo contra um inimigo tão poderoso.”

“Tudo bem, vamos deixar por isso mesmo. Aproveite seu lugar na primeira fila para o espetáculo.”

“No entanto minha vida é minha principal prioridade — se sentir que não há nenhuma chance de vocês vencerem, vou fugir. Estão bem com isso?” Maitreya perguntou, parecendo um pouco ansiosa.

Belgrieve sorriu para ela de forma tranquilizadora.

“Sim, tudo bem. Não vou culpá-la por algo assim.”

“Muito ingênuo... Nunca conheci um humano desse jeito antes. Você é realmente um aventureiro?”

“Não, não sou um aventureiro.”

“Hã... Mas quero dizer... Está lutando lado a lado com o Lâmina Exaltada. Oh, um Rank S aposentado, então? Um mercenário, talvez?”

“Estou aposentado, porém naquela época era apenas um Rank E. Também não sou mercenário... Se eu tivesse que me descrever, sou um agricultor.”

“Sério? O que você é, de verdade...?” Maitreya perguntou, os olhos arregalados em choque com sua resposta confusa.

Percival riu.

“Isso só mostra que existem agricultores Rank S no mundo.”

“Argh, tanto faz. Então qual é o plano?”

“Vou explicar assim que nos encontrarmos com os outros. Será confuso contá-lo em pedaços. Não juntei tudo bem o suficiente para dar uma explicação completa e adequada.”

Maitreya zombou.

“Meus serviços não são baratos. Se tiverem sucesso, cobrarei minhas taxas habituais.”

“Sim, pode me cobrar.” Belgrieve apoiou a espada no ombro e recolheu sua bagagem.

Ele trouxe Maitreya para o grupo, quer ela gostasse ou não, deixando-a ouvir os detalhes importantes. Foi isso que Helvetica fez com ele uma vez em Bordeaux — provavelmente sem intenção, naquela época, contudo Belgrieve foi mais deliberado. Helvetica ficaria brava se eu falasse assim? ele se perguntou.

A viagem estava tomando um rumo inesperado. Belgrieve partiu para se reunir com uma velha amiga, apenas para se ver expondo a escuridão do império. Como funciona exatamente o destino e para onde planeja nos levar? Belgrieve fechou os olhos enquanto ponderava.

Os três — Kasim, Percival e Satie — travaram suas próprias batalhas, seja pela sobrevivência ou por seus ideais. Agora é minha vez.

Belgrieve não sabia o quanto poderia realizar depois de passar uma vida tranquila no campo, no entanto a filha que ganhou lá abriu o caminho para esta oportunidade. Como pai, não poderia decepcioná-la.

Quando por fim saíram da pousada, a escuridão iminente do céu tempestuoso havia sido substituída pelo azul claro de um dia ensolarado, com as nuvens pesadas seguindo seu caminho. O céu ocidental era de um vermelho ardente, tingindo as nuvens finas acima de roxo e preto. As poças abaixo refletiam tudo como um espelho.

Um vento úmido e frio roçou a bochecha de Belgrieve enquanto movia a espada rosnante nas costas. Respirando fundo, o ar frio preencheu seus pulmões. Sua aventura estava prestes a começar.

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