domingo, 3 de setembro de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 08 — Capítulo 106

Capítulo 106: Com um pano enrolado em seu cabelo prateado

Com um pano enrolado em seu cabelo prateado, a elfa olhou para o pote com uma expressão frustrada no rosto. Seus olhos se voltaram para uma pequena caixa de temperos ao lado. Sua mão pegou um dos pequenos frascos, depois outro. Mas a cada vez puxava a mão sem pegá-la. Quando enfim pegou um, olhou através do vidro, sentiu seu cheiro, inclinou a cabeça e colocou-o de volta. Parecia perdida sobre o que usar.

A uma curta distância atrás da elfa, o garoto ruivo a observava com suspense. Depois de algum tempo, acabou por perguntar.

“Você está bem?”

“Estou bem. Apenas senta aí e observe.” a elfa o olhou com a sobrancelha franzida antes de se voltar para a panela mais uma vez. Sua mão pegou um frasco, mas parou outra vez. Com todo esse drama, pode-se acreditar que estava inventando uma espécie de poção mágica, porém ela estava só cozinhando. A garota elfa havia sido provocada por causa de seu ensopado de mau gosto na última vez que o serviu, e por isso implorou pela orientação do garoto ruivo. Com isso dito, não estava chegando a lugar nenhum. O menino mal tinha começado a lhe dar qualquer instrução antes que começasse a ignorá-lo e a encarar a panela borbulhante.

“Sabe... Não precisa ser tão cautelosa.”

“Tem que ser perfeito. Farei a coisa mais deliciosa que eles já provaram. Então eles verão — todos vocês verão!”

“Então não pretende me ouvir...?”

“Não. Se não será apenas a sua comida. Preciso desafiá-los com minha própria originalidade.”

“Acha mesmo?” o menino não entendeu direito, contudo a menina estava falando sério o máximo possível. Ele desistiu e decidiu observar em silêncio mais um pouco.

“O sal deve estar bom... Quanto ao sabor... Uso ervas? Pó? Eu não quero picante... Hmm...” ela murmurou baixinho.

Havia um fogo aceso embaixo da panela, e o líquido estava fervendo há muito mais tempo do que o garoto ruivo gostaria. Embora se sentisse frustrado, decidiu não dizer nada.

“Tudo bem... Eu escolho você!”

Ela pegou um frasco e despejou parte de seu conteúdo no ensopado. Agora que fez isso uma vez, ganhou confiança. Muito longe de sua hesitação inicial, pegou frasco após frasco, temperando sem qualquer hesitação.

“Feito!”

A garota elfa deu um sorriso satisfeito enquanto mexia com uma colher de pau, pegou um pouco e levou à boca.

A garota ficou em silêncio, então o garoto a chamou hesitantemente.

“Como está?”

Ela se virou para ele, uma expressão amarga no rosto enquanto o silêncio se prolongava.

“O que está errado?”

“Está... Queimado.”


Havia um grande campo de treinamento ao lado da rodovia em meio a um mar de grandes e pequenas tendas, onde os soldados imperiais se dividiam em duas equipes e travavam batalhas simuladas. O ar estava repleto do som de cavalos de guerra relinchando e do barulho metálico de armas e armaduras. Nenhum bandido vai nos atacar aqui, pensou Angeline.

A diligência não era dos passeios mais confortáveis, no entanto a estrada era bem conservada e mais fácil de atravessar do que as do norte. A rota de Istafar a Findale também foi cuidada, todavia não nesta extensão. Sendo o caminho para a capital imperial, era frequentado tanto pela realeza como pela nobreza.

Marguerite colocou a cabeça para fora da janela, com um sorriso radiante no rosto.

“Wow, a estrada é incrível!”

“Não é?” respondeu Touya. “Ficamos chocados na primeira vez que viemos à capital.”

Anessa assentiu.

“Uma carruagem poderia ganhar bastante velocidade nesta aqui.”

“Sim, em parte é porque Findale fica muito perto da capital, mas as estradas bem cuidadas ajudam na viagem. Isso torna as viagens ainda mais rápidas do que esperaria.” explicou Ishmael.

Kasim mexeu no chapéu.

“É muito melhor do que quando eu estava aqui. Deve ser um desenvolvimento recente.”

“Benjamin, o atual príncipe herdeiro, foi quem propôs. Aquele campo de treinamento ali ao que parece também foi sua ideia. Graças a isso, não vemos mais nenhum bandido por aqui, e os monstros são poucos e distantes entre si. O comércio ficou ainda mais ativo e a economia do império está de fato se recuperando.”

“Benjamin, hein.” murmurou Kasim, franzindo a testa e torcendo a barba.

Angeline piscou.

“Esse é o cara que conheci na propriedade do arquiduque, certo...?”

“Sim... Tenha cuidado perto dele.”

“Hã? Por quê?” Miriam perguntou, com a cabeça inclinada para o lado de maneira interrogativa. “Quero dizer, o príncipe não é uma pessoa incrível?”

Depois de tudo, foi o responsável por limpar as estradas e promoveu a ordem pública com um grande campo de treinamento ao lado delas. Os resultados foram claros de ver.

Kasim olhou ao redor, mantendo a voz baixa.

“Foi o príncipe quem alertou François sobre Ange. Pode parecer excelente, porém não há como dizer o que está se passando na sua cabeça.”

“François... Oh, irmão de Lize.”

François havia surgido em uma conversa no dia anterior: um filho ilegítimo do arquiduque que parecia nutrir algum rancor contra sua própria casa. Ele tentou aproveitar o desespero de Kasim para colocar o arquimago contra Angeline. No final das contas, François foi jogado no rio no meio do inverno, contudo saiu bem e agora fazia parte da guarda de elite do Príncipe Benjamin.

Tenho um mau pressentimento sobre essa situação, pensou Angeline franzindo a testa. Agora que ela encontrou Liselotte, havia uma grande chance de encontrar François e Benjamin também. Foi um pouco difícil.

Kasim suspirou e encostou-se na lateral da diligência.

“Bem, você deve ficar bem, desde que se mantenha atenta próxima dele. O mesmo vale para a maior parte de sua turma. No entanto tenha cuidado, o príncipe tem a aparência de um menino bonito e incomparável. Poderia ter se apaixonado a primeira vista se não o conhecesse melhor.”

“Oh, é lindo? Eu meio que quero vê-lo, então. Certo, Maggie?”

“Por que está me arrastando para essa conversa?”

“Nós já o vimos antes, não é, Touya? É realmente lindo, nom, nom...” disse Maureen com a boca cheia de pão untado com geleia. “Também não parecia ter um lado negro.”

A cabeça de Touya pendeu.

“Onde conseguiu aquilo? Bem, admito, o príncipe tem um rosto bonito. Achei que parecia amigável e bem-apessoado — o tipo de cara que sorri muito. Acho que não se pode julgar um livro pela capa.”

Agora que mencionou... Angeline considerou suas palavras. Deixando de lado o quão detestavelmente agia como camarada, possuía um encanto que a fez pensar: ‘Bem, ele não é terrível’, mesmo apesar das tendências antissociais de Angeline. Todavia, ela também sentia que havia algo estranho a seu respeito e não podia baixar a guarda perto do homem. As palavras de Kasim corroboraram seu pressentimento: o príncipe não era tudo o que parecia.

Só porque estavam entrando na capital da Rodésia não significava necessariamente que se encontrariam com Benjamim. Ainda era raro um mero aventureiro andar nos mesmos círculos que um príncipe, mesmo um Rank S como Angeline. Entretanto, não importaria se o próprio príncipe tomasse a iniciativa de cruzar seu caminho, sem mencionar a conexão existente através de Liselotte. Não seria estranho para Benjamin receber alguma informação da garota.

Os motivos de Benjamin eram inescrutáveis. Com certeza era raro um jovem aventureiro receber uma medalha de honra, mas Angeline não conseguia pensar em nenhuma razão para ele estar tão focado nela. Não era como se sua juventude e boa aparência a afetassem, porém se de fato fosse tão bonito como todos diziam, então poderia ter qualquer mulher que quisesse. Talvez fosse apenas um esquisito que gostava de ver pessoas fortes lutando.

Angeline pensou um pouco, com uma expressão tensa no rosto, contudo no fim desistiu com um suspiro. Não havia nada mais difícil do que imaginar o que alguém que mal conhecia estava pensando. Parecia uma perda de tempo e de células cerebrais continuar pensando no assunto. Se algo acabasse acontecendo, poderia lidar com isso então.

Contanto que eu não baixe a guarda, sou forte o suficiente para lidar com calma com tudo o que jogar em mim, concluiu Angeline. Talvez sofresse um pouco se fosse confrontada com alguém do nível de Kasim, contudo não iria perder — disso tinha certeza.

Angeline sentiu uma batida forte em sua cabeça. Quando olhou, se viu olhando diretamente nos olhos turquesa claros de Marguerite.

“Você está com aquele olhar de novo. O que nossa residente idiota está pensando tanto desta vez?”

“O que isso deveria significar? Não sou tão estúpida quanto você, Maggie.”

“Falou alguma coisa, puta?”

“Por que vocês estão brigando agora? Deem um tempo.” Anessa repreendeu cansada.

O ângulo dos raios de luz que passavam pelas janelas da carruagem ficou mais nítido e brilhante com o passar do tempo. Lotes de terra cultivada de todos os tamanhos começaram a povoar a zona rural que se estendia de cada lado da rodovia e, no horizonte distante, a sombra de uma grande cidade podia ser avistada.

Perto dos campos, embora a uma distância segura da estrada, parecia haver vários pequenos povoados que consistiam em edifícios de madeira e pedra, bem como tendas. Talvez estas fossem as moradias dos agricultores.

Angeline debruçou-se para fora da carruagem e olhou para a estrada à frente deles, onde podia ver a capital, no sopé das montanhas, com os seus edifícios espalhando-se ao longo da encosta ascendente. As muralhas, pontilhadas com muitas torres de vigia, estendiam-se pelo horizonte, isolando a movimentada cidade das planícies à sua frente. Um fosso vasto e profundo foi cavado diante das muralhas, cheio de água verde e oscilante. Muitas tendas foram armadas ao longo de sua extensão, quase como um mercado livre em frente à cidade. Mesmo agora, eram uma cacofonia absurda de carroças rodando, vozes altas, músicas tocadas por artistas de rua, cavalos relinchando e galinhas correndo.

O ponto de parada da diligência também era fora da cidade, onde desembarcavam e entravam a pé por um dos numerosos portões. Apesar de ainda não terem entrado na capital, ela já estava lotada. As barracas e tendas estavam repletas de todos os tipos de mercadorias, enquanto os vigorosos vendedores ambulantes praticavam um jogo implacável.

“Incrível...” Anessa murmurou, surpresa. “E ainda nem chegamos?”

“Surpresa? Há muitos vendedores ambulantes, então alguns deles montaram lojas do lado de fora.” disse Touya, apontando mais adiante na estrada. “Isso continua por um longo caminho. Dê uma olhada se encontrar tempo. Pessoas de todo o continente se reúnem aqui, então há muitas lojas interessantes.”

“Entendo... Será que algum dia teremos tempo?”

Além desses mascates, a capital também contava com muitas lojas convencionais. Mesmo antes de passarmos pelos portões, é tão avassalador... Angeline estremeceu. Orphen, Yobem, Istafar, Findale — ela conhecia algumas cidades grandes, no entanto aquilo parecia ser algo completamente diferente.

Os olhos de Marguerite percorreram ansiosamente.

“Wow, de uma olhada naquilo! Tenho certeza que você terá uma bela vista do topo dessas paredes. Eles deixam as pessoas subirem lá? Hein, Ishmael?”

“As muralhas estão sob jurisdição do exército, então duvido...” Ishmael respondeu encolhendo os ombros.

“Bem, nada divertido.” Marguerite bufou, chutando uma pedra.

“Agora, o que devemos fazer?” Kasim perguntou, bocejando. “Devemos ir para a casa daquela baixinha ou fazer uma refeição?”

“Agora que mencionou, estou com fome. Tenho certeza de que a mansão de Lize fica bem longe, então que tal jantar?”

“Por que não...? Afinal, já é quase noite.” disse Anessa. “Que tal reservarmos uma pousada hoje à noite e visitá-la amanhã?”

Angeline ia concordar com a cabeça, mas então algo lhe ocorreu. “Oh, mas quando vocês planejam visitar Salazar?” perguntou a Touya.

“Podemos encontrá-lo sempre que quisermos. O laboratório fica no sopé da montanha, então será uma hora daqui, porém eventualmente precisaremos entregar os materiais... Ah, isso mesmo. Temos que ir para a guilda também.”

“Quem se importa com Salazar, a guilda e tudo mais? Vamos jantar, um pouco de comida! Quero uma fabada saborosa.”

“Maureen... Você já não estava comendo na viagem?”

“O que é fabada?”

“Um ensopado feito de feijão branco seco. Você coloca um pouco de linguiça fatiada e carne salgada, ferve e fica uma delícia. Depois, mergulhe um pouco de pão duro nele... Ah, certo, um pouco de manhã com muitos vegetais também pode ser bom... Ah, de manhã é onde a carne e os vegetais são cozidos em leite e molho de queijo. Pode coloca todos em uma terrina e os grelha. Eu gosto quando colocam peixe, no entanto. Ah, mas não pode esquecer o porco assado da Rodésia... A pele é crocante e levemente carbonizada, e a gordura derrete na boca.” o rosto de Maureen era a imagem da felicidade enquanto imaginava cada prato. Angeline esfregou o umbigo, já antecipando o ronco iminente de seu estômago.

Com um olhar cansado, Touya pressionou a mão na testa.

“O mesmo de sempre, imagino... Então qual é o plano? Se quiserem começar com comida, posso lhe mostrar um bom lugar.”

“Maureen me deixou ainda mais faminto. Voto pela comida. Certo, Anne?”

“Hmm, certo... Alguma objeção?”

“Quero ir! São coisas que nunca comi antes.”

“Sim... Ok, vamos. Afinal, viemos até a capital... Está bom para você, Kasim?”

“Claro vão em frente. Não adianta apressar as coisas. Vamos começar enchendo nossos estômagos.”

“Isso resolve tudo. Então, por enquanto...” Touya estava prestes a assumir a liderança quando Ishmael levantou a mão.

“Na verdade, gostaria de voltar primeiro à minha oficina.”

“Oh... Certo. Então você tinha uma casa na capital...?”

“Sim. Não parece certo andar por aí com todos os meus materiais, então gostaria de colocar tudo em ordem.”

“Hã? Então é aqui que nos despedimos? Vamos fazer uma refeição de despedida, pelo menos.” implorou Miriam, parecendo abatida.

Ishmael deu um sorriso irônico.

“Eu adoraria, porém minha oficina fica perto da Segunda Rua. É um pouco longe...”

“Hmm, entendi...”

“Estão planejando ficar na villa do arquiduque, certo? Passarei por aqui quando puder. Talvez possa ajudá-los.”

“Obrigado.”

“Oh, não, só estou grato por ter acompanhado todos vocês... Bem, então vou embora.”

Depois de ajustar a bolsa nas costas para maior conforto, Ishmael desapareceu na multidão. O grupo o viu a caminho antes de Touya os levar para a cidade propriamente dita.


Ao sair do posto dos soldados, Belgrieve cruzou os braços com uma expressão conflituosa no rosto. Percival estava inquieto, enrolando o cabelo nas pontas dos dedos.

“Nenhuma pista significativa. Aqueles que a encontraram não foram os soldados estacionados aqui; eram uma divisão da capital. E a elfa não foi visto desde então.”

“Isso resume tudo... Que tal tentarmos perguntar onde ocorreu a altercação?"

“Sim, duvido que a guilda saiba muito nesse ritmo. É provável que seja o melhor. Era uma peixaria, certo?”

“Sim.”

Pelo que ouviram, um soldado imperial de repente matou uma mulher que fazia compras na peixaria. Então, a morta se levantou e se transformou em elfa.

Na verdade, era um feitiço peculiar, diferente de qualquer outro que ele já tivesse ouvido falar. Havia a possibilidade de ser uma arte proibida ou estrangeira. Talvez Kasim soubesse a respeito, contudo infelizmente estava operando em outro lugar. Com isso dito, os detalhes da magia eram em grande parte irrelevantes. Não queria se distrair com muitas informações tangencialmente relevantes; apenas desviaria a atenção da investigação.

Belgrieve desenrolou um mapa da cidade e o conferiu. Os soldados no depósito haviam gentilmente marcado o local principal — parecia que eles iriam caminhar um pouco até o próximo destino.

Percival tossiu e tirou o sachê.

“Parece que vamos fazer uma pequena marcha.”

“Sim. Deve levar quase uma hora.” Belgrieve dobrou o mapa, guardou-o e observou os arredores. É provável que outros já tenham chegado à capital, refletiu.

Percival fechou os olhos em uma terna reminiscência.

“Isso me traz algumas memórias. No início, éramos apenas nós dois trotando pelas ruas.”

“Eu me lembro. Não demorou muito para encontrarmos Kasim no caminho.”

“Lembro que Orphen também era animado assim naquela época.”

“Haha... Ainda é.”

Os dois compraram kebabs em uma barraca e encheram um pouco antes de irem para a peixaria em questão. A loja parecia ficar no centro da cidade, em uma esquina movimentada. Havia muitas pessoas passando, e Belgrieve sabia que seria inevitável topar com alguém se deixasse sua atenção se perder. Ele desviou-se brevemente do fluxo da multidão, encontrando algum lugar onde pudesse consultar o mapa de novo com segurança.

“Deveria estar por aqui.”

“Há muitas lojas. Não estou aqui há tempo suficiente para saber diferenciá-las.”

Demorou um pouco até que avistaram a barraca que parecia ter sido recém-reparada exibindo fileiras de peixes. Belgrieve esperou que a peixeira terminasse de servir o cliente que veio antes deles antes de chamá-la.

“Com licença.”

“Entre! O que posso fazer por vocês?”

“Gostaria de perguntar sobre a elfa...”

A peixeira, que já estava completamente enjoada de falar sobre esse assunto, lançou-lhe um olhar de indisfarçável desgosto.

“De novo essa conversa...? Eu vendo peixe aqui, não histórias. Se não estiver comprando nada, tente em outro lugar.”

Evidentemente, ela foi inundada por mais do que sua cota permitia de irritantes curiosos que vieram apenas para ouvir sobre o incidente. Também não ficaria feliz se eles perdessem meu tempo sem fazer uma compra.

Percival pegou um peixe grande da barraca e ergueu-o.

“Vou levar este.”

“Hã? Oh, você está comprando?”

“Estou, então nos conte sobre a elfa. Se não for suficiente, comprarei mais.”

“Hey, Percy...”

“Vamos preparar na pousada. Vou levar esse filé também.”

No momento em que percebeu que eram clientes de verdade, a expressão da peixeira suavizou-se. Ela ainda parecia um pouco cautelosa enquanto embrulhava o peixe em papel.

“Acho que serve... Não sei os detalhes, mas a garota em que a elfa se transformou era uma presença constante aqui. Sempre comprava uma quantidade considerável de peixe e alegou que trabalhava para o Restaurante Grama Verde, na periferia da cidade.”

“Restaurante Grama Verde... Onde fica?”

“Segundo o soldado imperial, a loja não existe. Estranho, não acha? Um pouco assustador, até. Para ser sincera, não quero ter nada a ver com todo esse assunto. Só quero esquecer.” a mulher estremeceu, talvez ao se lembrar da visão do soldado matando a garota à sua frente. Parecia que não sabia nada mais do que isso; os dois estavam em um beco sem saída mais uma vez.

Belgrieve estava puxando sua barba interrogativamente quando a espada em suas costas de repente começou a emitir um leve rosnado. Seus olhos vasculharam a área, imaginando o que poderia ter desencadeado aquilo. Tudo o que viu foi uma figura pequena e sombria parada sob o beiral. A intrusa de aparência feminina não parecia mais alta que uma criança. Seu rosto velado olhava para o chão como se sua mente estivesse pensando em algum tipo de problema.

De repente seu olhar curioso foi encontrado pelo rosto velado dela voltado em sua direção. Um arrepio percorreu sua espinha quando quase pôde sentir seus olhos se fixando. A espada agora estava rosnando alto.

“Hmm...” Belgrieve franziu a testa. Sentiu que a garota estava alegre por trás do véu, porém suas reflexões foram interrompidas pela aura espinhosa de intimidação que emanava de trás dele. A garota se contorceu antes de sair apressada, evidentemente abalada.

Belgrieve se perguntou o que aconteceu antes de se virar e ver Percival com um olhar severo dirigido na direção em que a garota estava parada.

“Percy?”

“Que incômodo. Não os suporto.” Percival estalou a língua e tirou o sachê.

“Ela era estranha, concordo, contudo ainda assim — era uma criança, certo?”

“Só na aparência. Meu Deus, esta região tem alguns estranhos por aí.”

Belgrieve ficou surpreso.

“Apenas na aparência.” o que significa que não era uma criança de verdade sob a superfície. Um corpo artificial? Ou está controlando seu envelhecimento com magia como Maria?

Também foi curioso que a espada de Graham tenha reagido a sua presença. Ele interpretou isso como um mau presságio dos acontecimentos que estavam por vir.

Por sua vez, Percival guardou o sachê e pegou o saco de peixe.

“De qualquer forma, parece que há problemas para aquela elfa. Fique alerta, Bell.”

“Sim...” Belgrieve observou os arredores. As coisas pareciam tão animadas quanto antes do encontro, no entanto agora tinha a sensação de algo estranho se contorcendo sob a superfície de tudo isso. Eles involuntariamente entraram na tempestade. Belgrieve franziu os lábios, a mão segurando o punho da espada em seu quadril.


O sol já havia se posto, cobrindo a paisagem urbana na penumbra do crepúsculo. Os postes de luz ao redor já estavam acesos, lançando sombras escuras sobre aqueles que passavam sob sua luz.

Foi uma viagem agradável, pensou Ishmael enquanto descia a rua. Ele foi agraciado com tantos encontros casuais e até conheceu um famoso mago como o Destruidor de Éter. Suas viagens anteriores como aventureiro tendiam a ser violentas e sombrias, todavia pela primeira vez se viu em boa companhia. Comparado com suas saídas habituais para coletar materiais, desta vez saiu com alguma paz de espírito.

“Haverá alguma maneira de ajudá-los...?” Ishmael murmurou. Sua impressão de Belgrieve e de seus companheiros era bastante favorável, e quanto mais os conhecia, mais se sentia inclinado a ajudá-los da maneira que pudesse. Foi o suficiente para que considerasse adiar sua própria pesquisa. Entretanto, precisaria começar arrumando e guardando tudo. Já estava longe de casa há algum tempo e não era mais jovem o suficiente para deixar tudo de lado por uma fantasia.

Para chegar à sua oficina, teve que sair da estrada principal e passar por uma série de vielas sinuosas. Ao contrário daquelas avenidas movimentadas, estava tranquilo por aqui, com quase ninguém passando. O som de suas botas batendo no pavimento de pedra reverberou nas laterais dos edifícios e ecoou no céu noturno.

A familiar porta de madeira estava à vista, assim como as janelas fechadas com tábuas — afinal, um quarto escuro era melhor para experiências mágicas. Se algum dia eu os convidar para ver a oficina, eles podem achar que é muito sombrio... Ishmael riu baixinho enquanto girava a chave e abria a porta.

“Hã...? O que é isso?”

Não havia nada — nada que deveria estar lá. A sala empoeirada agora não continha nenhum de seus equipamentos experimentais, nem suas prateleiras de grimorios, nem mesmo as mesas cheias de montanhas de papéis sobre sequências de feitiços e outros estudos. Tudo o que lembrava desapareceu, restando apenas o chão de pedra fria e as paredes levemente iluminadas pela lanterna em sua mão.

Isto é estranho. Peguei a casa errada? Não, não pode ser. Nunca esqueceria onde moro. Perdi a memória, eu... Não, espere... ‘Memória’?

Que tipo de experimentos estive fazendo? Que grimorios havia nas prateleiras? Que estudos fiz antes de partir? Todos aqueles frascos, tubos e béqueres na minha cabeça... Para que serviam?

Espere, em primeiro lugar, por que moro aqui? Onde estive antes? Onde estudei magia? E antes disso?

Havia imagens em sua cabeça. Porém, parecia que nenhum delas estava ligado a nada específico. Eram como o conteúdo de um livro, uma história. Entradas sem substância verdadeira foram simplesmente registradas dentro dele como pura informação.

Ishmael caiu de joelhos, segurando a cabeça. Parecia que seu crânio estava prestes a se abrir. “Não é possível... Não pode...” murmurou incoerentemente.

Quem sou eu?

A porta de repente se fechou atrás dele com um barulho alto e percebeu que não estava sozinho. Ele levantou a cabeça.

“Quem...?”

A figura de um homem alto vestido de preto emergiu da escuridão. Havia uma velha cicatriz de lâmina no lado direito do rosto. Sentindo um arrepio de medo, Ishmael levantou-se com pernas instáveis.

“Grr... Identifique-se...”

“Seu papel acabou.” o homem de preto puxou suavemente a lâmina até o quadril — um alfanje longo sem a ponta pontiaguda.

Ishmael, com a respiração irregular, estendeu as mãos em desespero. Um grimorio se manifestou à sua frente, brilhando com uma luz fraca. As páginas do livro flutuante viraram por conta própria enquanto a mana se acumulava ao seu redor.

“Fique longe — não chegue mais perto!”

“Que farsa. Por que deveria temer alguém que nunca existiu?”

“Isso é ridículo! Eu... Eu...”

O homem se aproximou em silêncio e desembainhou a espada como se o movimento fosse fácil demais. Mesmo sem ponta, a espada perfurou sem problemas o peito de Ishmael antes que pudesse tentar se defender. Antes que Ishmael soubesse o que estava acontecendo, uma sensação de calor doentio subiu por sua garganta e então o sangue começou a jorrar de sua boca.

“Ugh... Ahh...” ele caiu para frente com um baque surdo. A lanterna se espatifou no chão e a chama se apagou. O grimorio se dissipou no nada, desaparecendo tão de repente quanto apareceu. Seus grandes óculos deslizaram pelo chão, seguidos logo depois pelo sangue acumulado. A luz desapareceu dos olhos de Ishmael; a sala estava cheia da presença fria da morte.

O homem embainhou a espada e olhou para o cadáver. Pouco depois, o corpo de Ishmael estremeceu e depois se ergueu como uma marionete puxada pelos cordões. Os contornos do corpo se confundiram como a névoa, apenas para se transformarem na forma de um homem com uma túnica branca e o capuz puxado sobre os olhos.

“Um belo trabalho, Hector.” falou.

“Pare de me obrigar a fazer seu trabalho sujo, Schwartz.”

O homem de branco — Schwartz — zombou.

“Essa falsa persona era muito forte. Poderia ter se defendido contra qualquer um, exceto você.”

“O desafio ocasional é o que faz o trabalho valer a pena.”

“Qual é a situação aqui?”

“A elfa fugiu de novo. Contudo estamos prontos para ela. Maitreya foi para Findale.”

“Entendo; muito bem. No entanto tenha cuidado. O Lâmina Exaltada e o Ogro Vermelho estão em Findale. Se ela agir abertamente demais, eles verão através de nós.”

As palavras de Schwartz trouxeram um sorriso a Hector, o Carrasco.

“O Lâmina Exaltada? Hehehe, pensei que ele tivesse morrido há muito tempo... Deveria ter ido lá sozinho.”

“Vou lhe dar um alvo diferente. Não deixe este escapar.”

“Com quem pensa que está falando? De qualquer forma — o Ogro Vermelho? Nunca ouvi sobre este antes.”

“Pai da Valquíria de Cabelos Negros. Sua força é, na melhor das hipóteses, da classe média alta, no entanto ele empunha a espada do Paladino. Sua visão também é bastante afiada.”

“Hmm... A espada do Paladino.” Hector esfregou o queixo, uma expressão divertida no rosto.

Por alguns momentos, Schwartz abriu e fechou as mãos, garantindo que seu corpo funcionasse corretamente.

“Estava preocupado com o que poderia acontecer depois que fracassássemos em Orphen, mas descobri que... Esse foi apenas o ponto de partida.” ele murmurou.

“Oh?” Hector perguntou, olhando para Schwartz com curiosidade.

Schwartz o ignorou, colocando a mão em seu peito.

“Vamos.” As duas figuras piscaram como miragens e então desapareceram, deixando apenas poeira em seu rastro. A sala estava mais uma vez vazia e morta.

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