domingo, 24 de setembro de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 09 — Capítulo 111

Capítulo 111: O céu noturno visto do jardim














O céu noturno visto do jardim estava coberto por uma série de estrelas cintilantes. Elas seriam envoltas por nuvens flutuantes em alguns instantes, apenas para serem reveladas logo depois. O jardim em si parecia detestavelmente apertado graças às frias paredes de pedra que o cercavam por todos os lados, mas as árvores e as flores eram bem cuidadas e floresciam em lindas cores mesmo quando podadas em formas compactas.

O ar que descia do céu era pesado e frio — não o suficiente para provocar geada, porém o suficiente para cobrir as folhas com o orvalho da noite, que brilhava a luz bruxuleante das pedras brilhantes penduradas nas paredes.

No centro do jardim e rodeada por arbustos havia uma mesa mobiliada com algumas cadeiras. Um homem bonito estava sentado em um delas. Ele usava um terno branco bem cortado, e seu cabelo loiro parecia brilhar em dourado ao refletir a luz. Este era Benjamin, príncipe herdeiro do Império Rodesiano. Sua face tinha uma carranca um pouco irritada enquanto seu dedo batia na mesa.

“Outro fracasso... Devo admitir, esses fracassos sucessivos tiraram a diversão disso.”

“Minhas mais profundas desculpas. Enfrentamos problemas inesperados.” disse François, terceiro filho do Arquiduque Estogal, que se ajoelhou ao lado do príncipe, ainda mantendo sua cabeça baixa. Seu corpo estava imóvel, exceto pelos olhos, que se moviam inquietos. Era como se ele pudesse sentir alguém o observando em cada pedaço de escuridão.

Benjamin coçou a cabeça de forma rude antes de suspirar e recostar-se na cadeira.

“Não, essa parte foi boa. Graças a isso, conseguimos atrair a elfa. Não, o verdadeiro acidente foi o fato de não termos conseguido matá-la.”

O plano para caçar a elfa em Findale falhou não uma, mas duas vezes. Uma falha era compreensível, contudo mesmo depois de aprenderem com seus erros, eles foram parados por algo completamente inesperado na segunda vez. Logo após esse ataque fracassado, a elfa apareceu na capital para fazer um atentado direto à vida de Benjamin. Sem dúvida ela ficou impaciente ao perceber que sua barreira era imperfeita. Schwartz e Hector a mantiveram sob controle e deveriam ter sido suficientes para matar aquele pretenso assassino. Era assim que deveria ser.

“E pensar que a Valquíria de Cabelos Negros apareceria...”

A testa de François se contraiu.

“Ela está envolvida?” ele murmurou, erguendo a cabeça.

“Está sim. E graças a sua ajuda, a elfa escapou de novo, mesmo com Schwartz e Hector trabalhando juntos.” Benjamin olhou por cima do ombro. “O que aconteceu com Maitreya, eu me pergunto? Acha que já está morta?”

“Se Maitreya estivesse lidando apenas com o Lâmina Exaltada, seria seguro presumir que sim. No entanto o Ogro Vermelho não faria tal coisa. É apenas o tipo de homem que ele é.”

Esta resposta veio de um homem com uma túnica branca e o capuz puxado sobre os olhos — Schwartz, a Chama Azul da Calamidade.

Benjamim sorriu.

“Você tem uma opinião bem considerada ao seu respeito. Em outras palavras, é um molenga? Certo?”

“Ele é gentil, de fato — todavia não fraco. Quando se trata da sua pessoa, sua indulgência também é sua força. A garota nobre de Lucrécia e o garoto fracassado foram ambos enganados por sua bondade. Existe a possibilidade de a diabrete também ser atraído para seu lado.”

“Oh, um vigarista então, hehe! Schwartz, você o acompanhou por um tempo na viagem. Não foi persuadido, não é?”

“A falsa personalidade se apegou. É exatamente por isso que sei como ele opera.”

“Sua traição... Essa é a única coisa que eu gostaria de evitar.”

“Minha traição?” o olhar de Schwartz se aguçou sob o capuz. “Tirou as palavras da minha boca. Não teria desenvolvido nenhum apego à sua posição de príncipe herdeiro, não é?”

Benjamin desviou os olhos, voltando seu olhar azedo para o céu.

“Não se preocupe... Não vou atrapalhar sua pesquisa ou sua curiosidade.”

François olhou entre os dois homens, com uma expressão perplexa no rosto.

Schwartz cruzou os braços e soltou um suspiro descontente.

“Bem, que assim seja. De qualquer forma, não há dúvida de que mais cedo ou mais tarde eles se tornarão um obstáculo.”

“É raro te ver dizer isso. Bem, entendo o que está querendo dizer. Valquíria de Cabelos Negros já atrapalhou nossos planos diversas vezes antes... Já é hora de acertarmos as contas para sempre?”

“Faça o que fizer... Tenha cuidado. Se for muito chamativo, poderá chamar a atenção da igreja.”

Benjamin suspirou e recuou.

“Justo quando pensei que enfim poderíamos tirar a elfa do caminho, outro ingrediente estranho entrou na mistura. Não é nada além de problemas.” seus olhos se voltaram para François. “Eu deveria preparar seu próximo trabalho, então. Não estrague desta vez. Agora pode ir; fique de prontidão e aguarde ordens.”

“Sim, senhor...” François respondeu, parecendo nitidamente nervoso. Ao se levantar, fez uma saudação e depois virou-se para sair do jardim.

Benjamin apoiou a cabeça com uma das mãos.

“Temos mais inimigos... O que significa que precisaremos de mais peças do nosso lado.” ele murmurou. “Meu Deus, precisaremos fazer algo sobre esses encrenqueiros antes que possam se encontrar com a elfa.”

“Meias medidas não serão suficientes para detê-los. Precisa enviar os mais qualificados.” disse Schwartz.

Benjamin levantou-se e apontou a adaga para o quadril.

“Ou você poderia apenas levar a situação a sério. Bem, sei que não faz seu tipo.”

“Não tenho interesse em fazer política. Apenas fique grato por eu estar brincando com seus passatempos infantis.”

“Sim, sim, eu sei...”

O príncipe bateu a ponta do dedo na adaga, tirando uma gota inchada de sangue do corte fino e horizontal. Ao estender a palma da mão, murmurou algo baixinho. O sangue escorreu para a mesa e, enquanto cantava, começou a usar o dedo sangrando para desenhar algo — um círculo mágico.

Das letras e símbolos surgiu uma tênue luz vermelha, que crescia em força à medida que o círculo se aproximava de sua conclusão. Espíritos pálidos e transparentes pareciam envolver Benjamin. Eventualmente, um redemoinho negro de poder se manifestou no centro do círculo, assumindo uma forma humanoide no ar.

Benjamin assentiu satisfeito e continuou cantando e desenhando. Um vento morno roçou as folhas ao redor enquanto subia para o céu. O jardim foi aos poucos preenchido com uma presença peculiar.

Observando com os braços cruzados, Schwartz murmurou.

“Esta batalha levantará ondas no fluxo dos eventos...? Isso ainda está para ser visto.”


Belgrieve achou um pouco tonto olhar para as muralhas que pareciam alcançar o céu. Ele quase cambaleou e teve que apoiar o pé para se segurar.

Em Turnera, sempre ouvia falar da Rodésia, a capital do Império da Rodésia, pelos vendedores ambulantes, artistas e andarilhos que por ali passavam. O império ostentava uma longa história e dizia-se que a sua cidade central era deslumbrante e vasta. Os viajantes estrangeiros ficariam maravilhados com o seu tamanho e a magnificência da sua arquitetura.

Belgrieve era essencialmente um garoto do interior que acabara de chegar à cidade grande; já estava impressionado apenas pelas muralhas externas que se erguiam muito mais altas do que as de Yobem e Istafar. Findale era um lugar grande, todavia a capital imperial era incrível.

Quando avistou de longe, era noite e só viu formas pretas e planas em meio às sombras das montanhas. Agora que estava de perto e iluminado por inúmeras tochas, podia ver todas as velhas cicatrizes de batalha deixadas em vários lugares, que falavam dos muitos anos em que essas paredes se mantiveram fortes.

Eu teria tomado meu tempo para olhar ao redor se tivesse vindo em qualquer outra circunstância, pensou Belgrieve com um sorriso irônico. Ele deu um tapa leve nas bochechas para voltar ao caminho certo — não havia vindo para passear.

Após entrar em contato com o grupo de Angeline, Belgrieve foi transportado pela magia de Maitreya para algum lugar próximo à capital. A diabrete insistiu.

“Finalmente chegou a hora de mostrar o que posso fazer.” ao que parecia, sua magia fazia uso de sombras, e ela se gabava de que ninguém mais no mundo poderia imitá-la. Belgrieve era bastante ignorante quando se tratava de magia em geral e não entendia direito, mas entendia muito bem que o teletransporte era uma técnica incrivelmente avançada. Nem mesmo Kasim e Maria conseguiram aprender.

Esta foi a primeira vez que Belgrieve experimentou o teletransporte. A princípio, parecia que havia afundado em uma piscina de água e estava vagando pela escuridão impenetrável e escura por algum tempo, durante o qual não conseguia distinguir nada, por mais que se esforçasse para ver. Então, de repente, sentiu como se estivesse flutuando e, quando percebeu, estava em algum lugar desconhecido.

Maitreya, evidentemente, não queria abrir um portal em qualquer lugar muito lotado, então ela o formou a uma distância segura do destino deles. De lá, era menos de uma hora de caminhada até chegar à cidade. Os três foram ultrapassados por várias carruagens ao longo do caminho, que foram ultrapassadas por várias outras.

Era de bom senso não viajar à noite, mas os soldados estavam estacionados ao longo do trecho de Findale até a capital imperial, garantindo a segurança dos viajantes. Assim, havia diligências e mascates indo de um lado para outro até altas horas da noite. A forma como as mercadorias podiam ser transportadas com segurança, independente da hora, sem dúvida ajudou a impulsionar a economia da cidade.

E o Príncipe Benjamin é bastante surpreendente, não só por sugerir estas medidas, mas por implementá-las ele próprio, observou Belgrieve. Eles ainda não haviam entrado na cidade, porém mesmo ao anoitecer havia um mercado próspero estendido diante das muralhas da cidade. Benjamin era sem dúvida um estadista habilidoso se as suas políticas levaram a tanta prosperidade.

“Contudo imaginar que seria uma farsa...”

Foi exatamente por isso que era um pouco lamentável tê-lo como inimigo. Do ponto de vista daqueles que ignoram a verdade, Benjamin foi um grande benfeitor que melhorou a qualidade de vida de todos. Testemunhando os resultados em primeira mão, Belgrieve foi dominado por sentimentos bastante conflitantes. Para todos que estão fazendo o melhor para sobreviver, de que importaria se o príncipe é real ou falso?

De acordo com Angeline, que conheceu Satie, o príncipe usou mulheres inocentes para conduzir experimentos terríveis por baixo dos panos. Algo imperdoável, de fato. No entanto, a prosperidade que viu diante a sua volta também era uma realidade. Belgrieve soltou um suspiro. Fiquei velho demais para condenar cada parte dele por pura emoção.

“O que está pensando?” Maitreya perguntou ao lado de Belgrieve. Ela não apenas usava um chapéu de pano para esconder os chifres de diabrete, como também chegou ao ponto de usar um capuz por cima.

“Não é nada. Eu só estava pensando que ele é um inimigo formidável.”

“Ficando com medo? Agora é sua chance de fugir.”

“Estou com medo, admito. Porém não posso fugir.” Belgrieve riu e deu um tapinha na cabeça de Maitreya.

A diabrete fez beicinho.

“Não me trate como uma criança.”

“Certo, desculpe, desculpe.”

Maitreya zombou, contudo parecia um pouco nervosa e segurou com força a capa de Belgrieve. Demorou cerca de uma hora para chegar à capital a partir do portão de teletransporte. A essa altura, a noite já havia tomado conta. O ar suave que enchia as ruas durante o dia tornou-se de repente extremamente frio.

Foi então que Percival chegou, oferecendo carne no espeto e pão frito que comprara nas barracas.

“Para você.”

“Obrigado.”

“Parece barato e duro.”

“Ah, pare de reclamar.” Percival cutucou Maitreya, cujo rosto se contraiu ao ver a comida.

Belgrieve examinou seus arredores. As ruas estavam barulhentas o suficiente para que pudessem confundi-las com uma multidão do meio-dia.

“Não está acostumado a ver isso?” Percival o perguntou.

“Sim. Não esperava ver nenhum lugar tão animado à noite. Quase nunca acontecia em Orphen.” ele se lembrou dos bêbados que vagavam pelos bares à noite, no entanto as bancas do mercado estariam fechadas e desertas ao pôr do sol.

Aqui, parecia que dormir era um conceito estranho.

“Embora suponho que o Umbigo da Terra também fazia barulho à noite.”

“Isso acontecia durante uma grande onda.” disse Percival dando uma mordida na carne e fazendo uma careta.

“Muito dura.”

“Você já esteve aqui antes, certo?”

“Há muito tempo atrás. Naquela época, essa área era onde os mendigos se reuniam... Não era assim.”

“Essa mudança é graças ao príncipe herdeiro, certo? Pra ser honesto, estou tendo dúvidas sobre enfrentá-lo.”

“Bell... Precisa entender. Os vilões são melhores do que qualquer um em apresentar uma fachada justa.”

“Bem... É precisamente o que os torna tão difíceis de lidar.”

“Correto. Você não pode só cortá-los e acabar com tudo. É algo a mais do que um aventureiro pode suportar — é por essa razão que precisamos de alguém que não seja um aventureiro.” Percival riu, dando tapinhas nas costas de Belgrieve.

Belgrieve lhe devolveu uma risada perturbada.

“Não espere muito de mim.”

“Hey, não vou te empurrar tudo. Você tem a mim e a Kasim e, mais do que tudo, Angeline.”

“Tem razão.” Belgrieve pensou em sua filha confiável com um sorriso caloroso.

Com um espeto polido pendurado em seus lábios, Percival gritou para Maitreya.

“Hey.”

“O que?” ela respondeu, levantando os olhos do pão meio comido com uma cara assustada.

“Por que está tão impaciente? Só vai chamar a atenção.”

“Quer mesmo me culpar? Estamos no território de Benjamin agora. Temos de ser muito cautelosos.”

“Hmph... Pelo que disse, Schwartz não tem muitos camaradas. Mas pode contratar mais, certo? Houve algum outro mercenário como no seu caso? Você só nos contou sobre o Carrasco.”

Os olhos de Maitreya vagaram pensativos.

“É provável. Deve haver mais. Schwartz e Benjamin não podem se movimentar de maneira aberta e Hector não seria suficiente para realizar todo o trabalho necessário. Porém, ele não estava recrutando pessoas sem consideração... Mais realisticamente, Schwartz deve ter dois ou três aliados competentes. Além do mais, existem alguns guarda-costas que se mantêm escondidos em torno de Benjamin. Entretanto eles são mais como assassinos.”

“Não teve nenhuma chance de conhecer seus companheiros?” Belgrieve a perguntou.

Maitreya balançou a cabeça.

“Conheci Hector. Contudo nunca tivemos nada que pudesse chamar de conversa. E percebi os guardas ao redor de Benjamin, no entanto não sei que tipos de pessoas são.”

“Entendo, então Benjamin desconfiava de pessoas que poderiam traí-lo como no seu caso.” Percival zombou cruelmente.

Maitreya estufou as bochechas e então soltou uma névoa branca.

“E... De quem acha que é a culpa?”

“Culpa do Bell. Se dependesse de mim, você teria morrido em Findale.” disse Percival, apontando para o punho de sua espada. Maitreya empalideceu e se apressou em mergulhar na sombra de Belgrieve.

Belgrieve deu um sorriso tenso.

“Percy... Ela é uma aliada agora. Não a intimide.”

“Bem, desculpe.”

Um vento frio desceu, farfalhando seus cabelos. Belgrieve sentiu um arrepio quando rompeu a ligeira abertura do colarinho e desceu pelas costas. Embora o céu estivesse pontilhado de nuvens, elas não eram suficientes para prejudicar a extensão estrelada acima. Todavia este céu claro era realmente frio.

“Precisamos nos encontrar com os outros... No entanto não sei por onde começar a procurar.”

Meu Deus... A conexão foi cortada antes que eles pudessem nomear um local de encontro.

Quando se tratava da magia da comunicação e do repentino encontro casual de Angeline e Satie, não passava de um imprevisto acontecendo após o outro.

Assim, houve poucas oportunidades para fazer planos concretos. Os três vieram para a capital sem problemas, mas Belgrieve não tinha ideia em qual pousada Angeline estava hospedada, ou onde ficava o laboratório de Salazar. Para piorar a situação, era quase meia-noite e, embora a cidade ainda estivesse muito viva, não tinha vontade de vagar pelas ruas desconhecidas no escuro.

“Por enquanto, se pudermos ver a senhorita Liselotte... Então, talvez possamos nos juntar a Ange.”

“Soa como um plano. Hey, baixinha — a villa do Arquiduque Estogal deve ser perto do palácio real, certo?”

“Deveria ser. Isso é muito longe daqui.”

“Pode fazer algo com sua magia de teletransporte?”

Maitreya ficou inquieta e olhou timidamente para Belgrieve.

“Eu posso... Mas na verdade não quero.”

“Por que não?” Percival encarou-a.

Maitreya continuou, nervosa.

“Se entrarmos enquanto nos misturamos com a multidão, eles podem não nos notar. Porém não ignorarão as ondulações no espaço causadas pela magia do teletransporte. Economizaremos tempo, entretanto podemos revelar nossa localização... E eles saberão que me juntei ao seu lado.”

“Então, e como nos tirou de Findale?”

“Sua detecção não deveria se estender além da capital. Perto do palácio, contudo, estabeleceram medidas para detectar a elfa. Usar o teletransporte por aí é suicídio.”

Definitivamente posso vê-los estabelecendo medidas defensivas, ainda mais contra um inimigo que pode ir aonde quiser sem impedimentos, pensou Belgrieve. Embora ele fosse uma farsa, seu inimigo seguia agindo como o príncipe herdeiro do império, e seu cúmplice era um dos maiores magos do continente.

Os olhos de Percival se estreitaram enquanto acariciava o queixo.

“Hmm... Em primeiro lugar, não há muitas pessoas que possam usar o teletransporte... Eu me pergunto onde Satie o conseguiu.”

“Haha... Posso ver aquela garota pegando como se não fosse nada.”

“Com certeza. O que significa que ela decidiu aprimorar sua magia...”

Percival franziu a testa, descontente; não lhe pareceu certo que sua antiga rival nas artes da espada tivesse decidido se desviar desse caminho.

Belgrieve fechou os olhos. Satie deve ter continuado seu treinamento, assim como os outros. Assim como Kasim e Percival, ela ganhou forças para tentar realizar alguma coisa. Ele se perguntou se Satie poderia ter feito isso enquanto procurava uma maneira de restaurar sua perna. E ao longo do caminho, encontrou algo que precisava proteger. Embora ferida e com dor, ela recusou ajuda e lutou sozinha. Esse pensamento doeu muito a Belgrieve. Tendo fugido sozinho uma vez, perguntou-se se era assim que seus companheiros se sentiram naquele momento.

“Percy... Sinto muito.” disse Belgrieve, inclinando a cabeça para Percival.

Percival pareceu surpreso.

“Isso veio do nada.”

“Saber que alguém está com dor, no entanto nem pede ajuda... É um sentimento terrível, alienante. Posso entendê-lo agora.”

“Não fique sentimental agora. Mesmo que Satie se recuse, nós vamos ajudá-la. Isso deve compensar.”

“Entendo... Acho que sim.” Belgrieve sorriu sem jeito e coçou a barba.

“Desculpe. Fiquei emocionado um momento atrás.”

“Sei como você se sente. Mas agora é a hora de olhar para frente e descobrir o que fazer.”

“Sim... De qualquer forma, deveríamos reduzir o teletransporte. Não sei se o serviço de transporte está funcionando a esta hora... Então vamos encontrar um lugar para passar a noite. Podemos começar a nos mover amanhã.”

“Tudo bem. Não é como se chegarmos a algum lugar vasculhando a cidade à noite, de qualquer maneira. Tudo bem para você?”

Eles se viraram para Maitreya, que assentiu.

Assim, os três passaram pelas imponentes muralhas. A estrada estava repleta de lojas e restaurantes, porém a maioria havia fechado as portas e apagado as luzes, submetendo-se silenciosamente a uma boa noite de descanso.

Todo aquele clamor lá fora fez com que as ruas internas parecessem muito mais silenciosas em comparação. E, todavia, os bares que ainda estavam abertos tinham muitas pessoas entrando e saindo. As ruas fervilhavam de bêbados errantes, que por vezes eram tirados de seu estupor por soldados em patrulha. Foi sem dúvida uma das cidades noturnas mais animadas em que Belgrieve esteve.

Havia muitas pousadas situadas ao redor dos portões da cidade. Esses prédios, grandes e pequenos, ainda estavam com as luzes acesas e a maioria abrigava seus próprios bares. O que significava que os alojamentos de hóspedes no segundo andar ficariam em silêncio absoluto, mesmo que o primeiro andar estivesse cheio de barulho. Foi uma incompatibilidade peculiar.

Eles escolheram uma pousada ao acaso e prontamente largaram as malas após subirem para seus alojamentos. Por forte insistência de Maitreya, alugaram um quarto grande com três camas.

Depois de pendurar a capa na parede, Percival revirou os ombros e disse.

“Que tal uma bebida, então?”

“Um copo não vai matar. Estou com muito sono, para ser honesto.”

“Haha... Não vou exagerar muito esta noite. Tudo bem, vamos lá.”

“E você, Maitreya?”

Antes que Belgrieve terminasse de perguntar, Maitreya puxou sua manga.

“Não me deixe sozinha.”

“Quão assustada você está?” Percival a perguntou, cansado. Maitreya virou-se, fingindo não ouvi-lo.

Desceram mais uma vez ao primeiro andar. O bar estava lotado de convidados e clientes regulares, todos bebendo até se fartar. No canto, um menestrel viajante com um alaúde cantava um antigo épico. Foi uma história de triunfo heroico que remonta à fundação do império. Os nomes dos heróis dos quais Belgrieve ouvira falar quando criança permaneceram em seus ouvidos por alguns segundos antes de voltarem à memória.

Abrindo caminho no meio da multidão, encontraram alguns assentos vazios para sentar. Assim que o fez, Belgrieve sentiu a força sendo drenada de seu corpo. Era meia-noite e normalmente ele já estaria dormindo há muito tempo.

“Por que estou tão cansado?” murmurou para si mesmo enquanto esfregava os olhos. Ainda não tinha feito nada.

Depois de pedir algumas bebidas, Percival apoiou a cabeça com uma das mãos.

“Precisamos estar atentos a partir de amanhã, mas esta noite precisamos de uma pausa adequada.”

“Por favor, não relaxe muito, ou você se arrependerá.” implorou Maitreya.

“É só problema e mais problema com você. Se está com tanto medo, quer sentar no meu colo ou algo assim?” Percival puxou ligeiramente a cadeira para trás e deu um tapinha nos joelhos.

Maitreya bateu os dedos na mesa descontente.

“Não me trate como uma criança.”

“E o que é então?” Percival estendeu a mão e cutucou a diabrete na testa.

A brincadeira foi interrompida pela chegada das canecas de cerveja. Vendo a espuma branca transbordando da borda, Belgrieve deu um puxão perturbado na barba.

“Ale, hein... Já faz um tempo...”

“Não é bom com ale¹?”

“Acho que é só uma questão de me acostumar... Terei prazer em aceitá-lo.”

“Seu lado infantil aparece das maneiras mais estranhas, sabe.” Percival refletiu antes de engolir metade de sua caneca de um só gole.

Maitreya tomou um gole da espuma e fez uma careta.

“Tem um gosto barato.”

“Porque é barato. Isso é o que esperaria.”

“Quero beber algo melhor. Você é um aventureiro Rank S, não é? Que tal pedir algo saboroso?”

“Oh, vai lá. Não suporto o sabor das coisas caras.”

“Sua língua é bem pobre.”

“Está agindo muito convencida e metida para uma diabrete.”

“Vamos, vamos, não briguem.” intercedeu Belgrieve antes de se voltar para sua própria bebida.

Enquanto Belgrieve bebia sua cerveja e comia peixe frito e batatas, Percival — que já estava tomando sua segunda cerveja — se inclinou.

“Então, como é?” perguntou. “Podemos conversar sobre detalhes assim que nos encontrarmos, porém precisa ter um esboço elaborado, certo?”

Maitreya encarou-o também.

Belgrieve colocou as mãos sobre a mesa e falou com uma voz sutilmente mais baixa.

“A única vulnerabilidade da qual podemos tirar vantagem é o fato de que o príncipe herdeiro não é quem diz ser.”

“E o que vai fazer com essa informação?”

“Ainda não tenho certeza. Precisamos de mais informações.”

“Entendo... E se encontrarmos algo não natural, vai usar isso para desmoronar a posição dele.”

“Esperemos que funcione assim.” disse Belgrieve com um sorriso cínico e tomando um gole de cerveja enquanto seu olhar se tornava distante. “Pra ser sincero, acho um milagre que tudo tenha corrido tão bem até agora. Se as coisas ficarem perigosas... não, se Ange estiver em perigo... Talvez eu tenha que desistir de Satie.”

“Não vou culpá-lo... Mesmo que chegue a esse ponto.” Percival sorriu e deu um tapinha forte nas costas de Belgrieve. “Hey, não faça essa cara! Não é seu problema pessoal. É nosso problema pessoal.”

“Haha, obrigado...”

“Você é estranho.” Maitreya levou sua caneca aos lábios, contudo parecia estar perdida em seus próprios pensamentos.

De repente, eles ouviram uma confusão perto da entrada do bar. À primeira vista, parecia que dois bêbados começaram a brigar. Belgrieve ouviu os sons de jarras e canecas quebradas, berros e gritos, e, igualmente alto, as risadas e provocações de outros clientes.

“Não podemos ter um pouco de paz e sossego?”

“É de se esperar de um bar.”

Os combatentes começaram a brigar com os punhos, no entanto quando ficaram de fato nervosos, os dois apontaram adagas uns para os outros. Uma tensão palpável encheu o ar.

Eu provavelmente deveria detê-los, pensou Belgrieve. Quando estava prestes a se levantar alguém se intrometeu entre os homens brandindo adagas, desferindo um golpe em um deles. O homem caiu no chão, os olhos já revirados no crânio. O outro homem também foi subjugado por outro intruso. Foi uma manobra bastante habilidosa, provocando alguns aplausos da multidão.

A dupla que reprimiu a luta usava uniformes iguais estampados com o brasão da igreja de Viena. Belgrieve os teria considerado clérigos se isso fosse tudo, porém o brasão era ligeiramente diferente do familiar, e tinham espadas embainhadas nos quadris. Claramente estes não eram sacerdotes comuns.

“Cavaleiros Templários —isso é raro.” murmurou Percival, estreitando os olhos.

“Da igreja?”

“Sim. Reportam diretamente à corte papal em Lucrecia — em suma, são elites. Embora deva haver uma filial na capital... Talvez seja de onde são?” Percival já havia parado em Lucrecia em suas viagens e parecia já ter avistado os Templários lá.

Os dois Templários olharam ao redor do bar antes de retornarem aos seus lugares. Belgrieve franziu um pouco a testa enquanto olhava seus perfis. O primeiro dos dois era um homem de físico sólido, enquanto o outro parecia ser um homem-besta — um garoto com orelhas de coelho que balançavam acima da cabeça.

O dono do estabelecimento correu apressado, curvando a cabeça repetidas vezes diante dos em desculpas e gratidão. Em resposta a essa prostração, o homem corpulento recostou-se de forma arrogante e pediu uma bebida — por conta da casa. De sua parte, o garoto coelho parecia bastante apático enquanto olhava para o ar, distraído.

Embora o próprio Belgrieve tivesse uma crença vaga na Grande Viena, as histórias de Charlotte deixaram-no com uma impressão amarga da igreja como instituição. Eles são diferentes da Inquisição, certo? Perguntou-se. Ele não pôde evitar deixar seus olhos vagarem em direção à dupla, apenas para encontrar o olhar do garoto com orelhas de coelho.

Belgrieve desviou o olhar rápido e, sentindo-se um pouco inquieto, esvaziou sua caneca. Ele respirou fundo.

Maitreya parecia querer desaparecer enquanto puxava a manga de Belgrieve.

“A igreja é uma má notícia... Eles vão me matar se descobrirem que sou uma diabrete.”

“Por que tudo tem que ser tão difícil com você? Hey, mais um copo aqui. E você, Bell?”

“Estou bem. Parece que Maitreya não quer ficar por aqui, então voltarei para o quarto.”

“Entendo. Bem, vá com calma. É aqui que tudo começa.”

“Entendi. Não beba muito.”

“Haha... Eu conheço meus limites.”

Belgrieve bateu com a mão no ombro de Percival antes de levar Maitreya de volta ao quarto. Assim que a porta foi fechada, Maitreya sentou-se na cama com uma expressão de alívio no rosto.

“Parece que a capital está cheia de inimigos.”

“Cavaleiros Templários, hein...”

A igreja era inimiga jurada de Charlotte, com certeza, contudo não fazia sentido começar brigas inúteis com eles. Seria melhor não se envolverem.

Belgrieve tirou o casaco e pendurou-o nas costas de uma cadeira. Por enquanto, precisava descansar um pouco.

“Finalmente, um pouco de relaxamento...”

“Deixe-me esclarecer uma coisa.”

“Hum?”

Maitreya olhou para Belgrieve com uma expressão séria.

“Eu sei que sou uma mulher muito cativante, no entanto não tente fazer nada engraçado. Só porque concordei em cooperar com vocês, não significa que tudo está permitido.”


“Hmm...? Sim, entendi... Mas... Hein?” Belgrieve realmente não percebeu sua insinuação, porém sem saber como responder a ela, concordou com um aceno de cabeça preocupado e incerto.

“Hmph.” Maitreya zombou. Ela puxou os cobertores sobre a cabeça e se enrolou como uma bola.



Notas:
1. Ale é um tipo de cerveja produzida a partir de cevada maltada usando uma levedura que trabalha melhor em temperaturas mais elevadas. Tal levedura fermenta a cerveja rapidamente, proporcionando um sabor frutado devido a maior produção de ésteres.

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