quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 08 — Capítulo 105

Capítulo 105: Pouco depois da meia-noite

Pouco depois da meia-noite, os olhos de Angeline se abriram por motivos que ela desconhecia e, com um farfalhar de lençóis, deixou a cama. Um raio diagonal de luar filtrava-se pela fresta das cortinas, lançando um azul escuro no quarto. Olhando em volta, pôde ver as outras garotas em um sono profundo.

Angeline pressionou a mão contra os olhos e respirou fundo. Voltaria a se movimentar na manhã seguinte, então ficar acordada até tarde afetaria seu corpo. Mas não sentia que conseguiria dormir mais.

Ontem à noite, depois de se separarem de Liselotte e se instalarem na pousada, todos se reuniram para conversar. Belgrieve queria descobrir a identidade da elfa que apareceu em Findale. Porém, a perspectiva de obter informações de Salazar também era difícil de ignorar. Assim, ele propôs que se dividissem em duas equipes — e Angeline disse imediatamente que iria para a capital. Afinal, tinha Liselotte — uma conexão que a levaria aos círculos da alta sociedade. Pelo menos essa era sua desculpa, contudo tinha a vaga sensação de que era melhor manter alguma distância de Belgrieve por enquanto.

Angeline queria colocar seus próprios sentimentos em ordem, fosse isso ou não a coisa certa a fazer. Ela estava se sentindo bastante triste e queria encontrar uma maneira de resolver as coisas. Uma mudança de ambiente — isso pode ser exatamente o que eu preciso.

Pelo que consideraram, Kasim conhecia Salazar e também Satie, então estava indo junto para a capital. Angeline seria acompanhada pelos membros do seu grupo, Anessa e Miriam. Por sua vez, Touya, Maureen e Ishmael já estavam indo para a capital, enquanto Marguerite, incapaz de aguentar aquela disputa que eclodiu quando eles entraram em Findale, queria estar em qualquer lugar menos lá, então insistiu em se juntar ao grupo da capital. . Apenas Belgrieve e Percival ficariam para trás para seguir a trilha da misteriosa elfa.

Angeline deitou-se de costas na cama, no entanto depois de muito se mexer e virar, acabou desistindo e deixou o confinamento quente das cobertas mais uma vez. Ela podia ouvir vagamente o clamor alegre do bar através das paredes e do piso, apesar de estar no andar inferior e, ainda por cima, em um prédio separado. Com todo o resto tão silencioso, seus ouvidos inadvertidamente se concentrariam nesse ruído.

Eu deveria pegar um pouco de água... E com essa ideia, deixou o quarto.

O corredor estava silencioso, todavia quando desceu as escadas e passou por um beco externo, aproximando-se do prédio vizinho, o barulho de todos os bêbados amontoados nele ficou ainda mais alto. Tal barulheira apenas a tirou mais de sua sonolência. Angeline coçou a bochecha sem jeito, hesitando se deveria entrar ou não, entretanto estava com muita sede. Pairando em volta do balcão do bar, ficou um pouco surpresa ao ver Percival sentado no canto mais distante. Ela caminhou até ele.

“O quê, não consegue dormir?” Percival perguntou, encarando-a antes que pudesse dizer uma palavra.

“Não consegui pegar no sono... Você também, Sr. Percy?”

“Só não bebi o suficiente ainda. Esse cara também.”

Kasim levantou um pouco a cabeça de trás de Percival.

“Estamos todos acordados até tarde, hein? Hehehe.”

“Você também, Kasim...? E o pai?”

“Dormindo. Apagou como uma luz.” disse Kasim e tomou um gole do copo em sua mão.

Angeline sentiu-se um pouco aliviada ao sentar-se ao lado de Percival.

“Vai beber?” Percival a perguntou.

Angeline balançou a cabeça.

“Somente água...”

“Não seja assim; se divirta. Hey, um pouco de conhaque, se puder. Corte com água quente.”

Antes que Angeline pudesse dizer qualquer coisa, o barman já despejou água quente em um copo, então ela ergueu a cabeça, resignando-se. O conhaque diluído foi colocado diante à sua frente.

Percival ergueu sua taça meio vazia.

“Saúde.”

“Hmm... Saúde.”

Angeline quase engasgou com o vapor penetrante de álcool que emanava do vapor. O conhaque levemente adocicado escorreu por sua garganta e por seu corpo, e no mesmo instante sentiu como se um fogo estivesse aceso em sua barriga.

“Ainda assim, Ange...” começou Kasim, batendo no copo vazio. “Ir para a capital é bom e tudo, mas tem certeza de que não quer ficar com Bell?”

“Sim... Sou adulta.” gabou-se a garota, estufando o peito com orgulho enquanto reconhecia o blefe.

Percival deu uma risada alegre.

“E pensar que veria o dia em que eu estaria bebendo com a filha de Bell desse jeito... Não faz muito tempo essa possibilidade nunca sequer teria me ocorrido.”

“Hey, está parecendo um homem velho.”

“Cale a boca.” rosnou Percival, cutucando Kasim.

“Kasim também disse algo parecido...” Angeline disse com uma risadinha.

“Ah, isso deveria ser um segredo.”

“O que? Hey, Kasim, depois de tudo que você me disse!” Percival bateu levemente com o punho na cabeça de Kasim.

“Hey, não dê um soco em um mago.” disse Kasim, esfregando o local do impacto. “Você é muito forte.”

“Quando um mago se intromete, recebe o que merece.” Percival bateu de novo e Kasim o encarou com reprovação.

“Está tão violento como sempre, pelo que vejo.”

“E sua impertinência é a mesma de sempre. Deveria ser o mais novo, lembra?”

“Nunca pareceu que algum de vocês fosse mais velho do que eu — Bell à parte.”

“Bastar. É por isso que estou falando da sua impertinência.”

Kasim se inclinou sobre os cotovelos para encarar Angeline.

“Viu o que fez? Percy ficou arrogante porque o contou tudo.”

“Desculpe.” disse Angeline, contendo o riso enquanto continuava a saborear sua bebida.

Pensando bem, esta pode ser a primeira vez que bebo com eles sem o pai. O momento nunca foi assim antes, Angeline percebeu.

As velhas histórias contadas por Belgrieve, Kasim e Percival eram divertidas e interessantes, e a deixava com mais inveja do que gostaria de admitir. O grupo de Belgrieve estava junto há apenas um ano — dois anos no máximo — e mesmo assim passaram por tantas coisas juntos. Suas lembranças com eles são tão importantes quanto suas lembranças comigo... Claro, Angeline se divertia ouvindo as histórias, porém elas também a enchiam de inveja. Tudo aconteceu antes mesmo de ter nascido, contudo isso não contribuiu em nada para diminuir a intensidade de seus sentimentos.

E, no entanto, ouvir esses dois falarem dessa maneira quando Belgrieve não estava por perto não despertou nela aquelas emoções vis. Talvez seu ciúme apenas viesse de ver Belgrieve tão cheio de alegria por coisas sobre as quais nada sabia. Por alguma razão, observá-lo assim a fez sentir como se Belgrieve estivesse indo para algum lugar distante. Angeline ficou um pouco deprimida ao perceber o quão exigente de fato era. Ela balançou a cabeça para se livrar de tais pensamentos negativos.

“Vocês costumavam beber juntos... Os quatro?”

“Hmm? Ah, certo, nós fazíamos. Entretanto, quando começamos, havia muitas despesas e não tínhamos fundos. Bebemos água antes de colocarmos nossos equipamentos em ordem. Bell não deixou ninguém desperdiçar dinheiro, sabe.”

“Certo, certo. Bell se sentia reservado, lá atrás, mas era muito teimoso quando se tratava de segurança. Bem, assim que construímos alguma segurança financeira, fomos e bebemos. Foi uma época esplêndida.” os olhos de Kasim se estreitaram enquanto relembrava calorosamente.

Percival gargalhou.

“Há muitos aventureiros que gastam todo o seu dinheiro durante a noite. No momento em que receberem o pagamento, beberão tudo pelo ralo. Pensei que fosse normal até conhecer o Bell.”

“O mesmo aqui. Não que eu tenha feito isso; apenas pensei que era assim que os aventureiros eram. Fiquei surpreso quando conheci alguém tão sério quanto Bell. Sendo honesto, ele parecia um pouco chato para o meu gosto.”

“Entendo... Você não está errado. Depois de recrutá-lo, haveria momentos em que eu pensaria ter encontrado alguém verdadeiramente absurdo — sério demais, reservado e sem graça de se ter por perto. E Bell foi o cara que se tornou um aventureiro porque odiava sua vida antiga e chata. Porém era bastante confiável no trabalho e foi graças a sua ajuda que sobrevivemos. E mais uma coisa: Bell fala sério, contudo não é inflexível.”

“Sim. Não demorou muito pra eu perceber. Bell sempre agiu pensando em nossos melhores interesses. Assim que percebi isso, comecei a me sentir grato por sua teimosia. Parecia que tinha um irmão mais velho confiável — uma enorme diferença de Percy.”

“Precisava adicionar a última parte?”

Soa como o meu pai, pensou Angeline enquanto sua expressão relaxava. Ela bebeu um gole de conhaque enquanto tentava imaginá-los naquela época, quando Belgrieve e Kasim não tinham barba e Percival era um jovem de rosto agradável, sem aquelas rugas de raiva no rosto.

E Satie seria... Angeline tentou imaginá-la, no entanto não conseguiu entender como seria sua antiga companheira. Sempre que aquela elfa obstinada aparecia nas histórias, Angeline imaginava Marguerite. Não, não poderia ser ela, pensava e, em vez disso, imaginava Maureen. Junto com Graham, essas eram as únicas imagens de elfos que dispunha.

“Que tipo de pessoa era Satie? Era bonita, certo? Era como Maggie?”

Os olhos de Percival vagaram enquanto organizava seus pensamentos.

“Não… Um tipo diferente de beleza.”

“Então, como a Sra. Maureen?”

“Diferente ainda. Bem, a sensação que ela exalava era mais próxima de Maureen, entretanto era mais baixa. Seu cabelo era um pouco mais comprido e as sobrancelhas mais grossas.”

“Sua pele também era macia e o cabelo macio e sedoso.”

“Isso vale para todos os elfos, idiota. Mesmo que seus olhos tivessem uma aparência gentil, Satie era estupidamente teimosa.”

“Hehehe, vocês dois estavam sempre brigando.”

“Era mais como se estivéssemos brincando, lembrando agora.”

As expressões dos dois homens suavizaram-se enquanto falavam do passado. Angeline tomou outro gole de conhaque. Tinha esfriado um pouco e o vapor do álcool não era mais penetrante em suas narinas. Parecia que a doçura também havia se aprofundado.

A Satie de que Percival falou parecia um pouco diferente daquela sobre a qual Belgrieve e Kasim a contaram. A maneira como ele a descreveu fez parecer que era o único dos três que se dava melhor com ela. Cada um dos três homens se lembrava de um Satie de uma maneira diferente. No tempo que passaram juntos, certas imagens permaneceriam claras, enquanto outras desapareceriam na obscuridade. Amizade, amor e aspiração, hein...

Angeline comeu uma fruta em conserva antes de fazer outra pergunta.

“Você já pensou em se casar com Satie?”

Percival mal conseguiu evitar cuspir sua bebida diante dessa pergunta inesperada. Kasim, com a mão na testa, caiu na gargalhada.

“De onde veio isso... Cough...” Percival estava com os olhos marejados enquanto um pouco de bebida escorria de seu nariz. Pegando seu sachê, aproximou-o e respirou para conter seu acesso de tosse.

“Quer dizer, Satie era linda, né...? Vocês estiveram juntos por muito tempo...” Angeline pressionou.

“Hehehe, sua pirralha atrevida. Bem, pensando a respeito agora, posso tê-la amado uma vez. Contudo agora, pra ser sincero, não me sinto assim.”

“Sério? Por que não?”

“Quero dizer, eu tenho Sierra.”

“Oh.”

Ah, verdade... Angeline pensou, coçando a cabeça quando o rosto da mestra da guilda de Mansa passou por sua mente.

Guardando o sachê, Percival olhou para Kasim com curiosidade.

“Quem é essa? Por que nunca ouvi falar dela antes?”

“Vamos, vamos, podemos conversar sobre isso com calma mais tarde... De qualquer forma, Satie. Sim, às vezes eu sentia meu coração disparar sem motivo quando ela olhava para mim. E quanto a você, Percy?”

“Tsk, não mude de assunto... Bem, o mesmo aqui. No entanto acho que é perfeitamente normal sentir-se estranho quando uma mulher bonita está te olhando.”

“Isso é tudo?”

“Não sei dizer. Já faz tanto tempo que não consigo me lembrar se foi constrangimento ou carinho.”

Parece que ele apenas se esquivou da pergunta, pensou Angeline descontente enquanto pressionava o rosto na mão que sustentava sua cabeça.

Quando ouviu histórias de Satie, Angeline se convenceu de que a elfa acabaria como noiva de seu pai. Todavia, a base dessa suposição abalou à medida que ouvia Percival falar a seu respeito — e ainda assim aqui estava ela, sentindo-se aliviada. Angeline se odiou por isso e engoliu o resto do seu conhaque morno e diluído.

“Eu me pergunto como foi para o pai, então...”

Claro, tinha ouvido Belgrieve dizer que também amava Satie. Mas, como os outros, seu pai insistia que tudo estava no passado. Conhecendo Belgrieve, é provável que fosse assim que se sentisse de fato, então Angeline não iria prosseguir com o assunto.

Percival encarou-a com olhar divertido.

“Quer outro copo?”

“Hmm... Se insiste.”

“Alguém está se precipitando, hehehe.”

Percival fez o pedido ao barman antes de continuar.

“Bell estava, sem dúvida, apaixonado por Satie. Não há dúvidas sobre. Satie também gostava mais de Bell, tenho certeza.”

Angeline virou-se para Percival, assustada e boquiaberta; ele olhou-a com um sorriso maroto. Esta história não tinha nada a ver com sua pessoa, porém por algum motivo, suas bochechas estavam vermelhas. É só o conhaque, disse a si mesma. Ela bateu palmas nas bochechas, sentindo o calor, antes de segurar a cabeça.

“Por que está corando?”

“Quero dizer... Quero dizer, Sr. Percy. Parecia que você era próximo o suficiente de Satie para se envolver em brigas mesquinhas de amantes...”

“Tive um relacionamento muito bom com Satie, sim. Contudo era mais como se nos víssemos como oponentes dignos. Satie claramente se sentiria à vontade sempre que Bell estivesse por perto. Se quisesse alguém com quem ficar para sempre, teria que ser Bell em vez de mim.”

“Hã? Sério? Nunca percebi.”

“Você ainda era um pirralho naquela época. Bem, sou só eu pensando a respeito depois de todos esses anos. Na época, só ignorei. Eu era mais como um companheiro de batalha para ela, e não havia nenhuma maneira concebível de Satie se apaixonar por Kasim. O que só deixa Bell.”

“Hey, por que estou fora da disputa? Não é um pouco rude?”

“Acha que Satie algum dia se apaixonaria por você?”

“Não. Nunca.”

“Viu? Já sabia.”

Depois de ouvir essa conversa atordoada, Angeline de repente balançou a cabeça.

“Bom, hum... O pai sabe disso?”

“Que tal perguntá-lo?”

“Quero dizer, o pai diz que está tudo no passado...”

“Haha, parece algo que o Bell diria. Bem, isso é problema dele — não é algo com que possa me envolver. Tenho mais de quarenta anos aqui; que negócio eu teria ao me intrometer no amor de outra pessoa e tudo mais? Certo, Kasim?”

“Hmm? Ah, bem, acho que sim.” Kasim murmurou sem jeito enquanto coçava a barba.

Angeline ficou nervosa ao pressionar os lábios no copo colocado à sua frente. Em seguida, foi pega de surpresa pelo calor repentino e largou-o em pânico.

“Ah! Senhor Percy, hum, você não ama mais Satie?”

“Houve um tempo em que estive bravo, muito bravo, e descontei essa raiva em Satie. Quando penso a seu respeito, meu sentimento de culpa fica mais forte. Não consigo pensar em coisas como amor.”

“Oh...” sinto como se já tivesse ouvido isso antes. Foi sobre quando os três membros restantes do grupo passaram dias difíceis e devastadores procurando uma maneira de curar a perna de Belgrieve.

Angeline começou a se sentir deprimida com essa lembrança quando Percival deu um tapinha em suas costas dela.

“Não faça essa cara, Ange. Não posso mudar o passado, no entanto enfim consegui enfrentar o futuro. E o que se diz na rua é que você quer conseguir uma mãe. Não está feliz por não me ter como o rival de Bell neste caso?”

“S-Sim... Mas...”

Ao vê-la inquieta, Kasim sorriu.

“Uh-huh, entendi. Ange, está com medo de que Satie tire Bell de você?”

“Hã? N-Não, não é...” seus olhos vagaram. Parecia que Kasim havia subitamente atingido a raiz da questão.

Percival riu muito e bagunçou o cabelo de Angeline.

“O que é isso agora? É bem fofo da sua parte! Porém não se preocupe. Continuará sendo a número um para Bell.”

“Sim. Poderíamos conversar sobre todo tipo de coisas. Contudo em vez de histórias antigas que compartilhamos... Bell, ele se ilumina assim que começa a falar sobre ter te criado e sobre viver em Turnera como pai e filha.”

“Não dá pra pará-lo quando fica assim. Ultimamente, Bell tem se divertido contando que, quando você tinha três anos, teve um pesadelo e fez xixi na cama, então precisou trocar toda a palha debaixo dos lençóis no meio da noite, e...”

“B-Basta de falar de mim!” Angeline agitou as mãos contra Percival, suas bochechas vermelhas. Pai! O que pensa que está fazendo?

Percival riu e colocou a mão no topo da cabeça de Angeline de novo, desta vez arrastando-a provocativamente para a esquerda e para a direita.

“Não desconte em mim. Se quer ficar com raiva de alguém, deveria ser com o Bell.”

“Ugh...”

“Parece que Bell está se divertindo muito quando fala sobre esse tipo de coisa.” disse Kasim, colocando seu copo vazio no balcão. “Ele não vai dizer em voz alta, no entanto tenho certeza que está muito feliz por poder viajar com você.”

“Com certeza. Bell faz o possível para não se gabar, entretanto tem o tom de um pai amoroso sempre que fala a seu respeito. Fico envergonhado só de ouvi-lo. Mal posso esperar para ver como Satie reagirá quando ouvi-lo.”

Rindo, Percival e Kasim contaram a Angeline tudo sobre o sorriso bobo no rosto de Bell quando contou sobre a primeira vez que Angeline o chamou de ‘pai’ e a maneira como tagarelou acaloradamente sobre quando percebeu o talento de Angeline com a espada durante sua prática. Por alguma razão, parecia que o núcleo do seu corpo estava cheio de calor. O pai sempre foi pai. Ele encontrou seus velhos amigos, mas isso não mudou em nada. As dores escuras e latejantes no canto de sua mente pareciam estar desaparecendo de repente.

“Hee... Hehe...” seu rosto estava travado em um sorriso do qual não conseguia se livrar. Ela tentou beliscar as próprias bochechas redondas para forçar o sorriso a relaxar, porém suas bochechas só ficaram mais sensíveis enquanto seus lábios se curvavam destemidamente. O clima sombrio em que ficou presa por tanto tempo deu lugar à alegria.

“Alguém está feliz.” observou Kasim.

“Hehe... Hehehehehe...” Angeline riu enquanto encostava o rosto no balcão de madeira do bar, que era agradavelmente fresco contra sua pele. Ela continuou esfregando a bochecha contra, aproveitando a sensação.

Percival e Kasim trocaram olhares.

“Está quase derretendo.”

“Seu humor sobe e desce num piscar de olhos. Que garota enérgica.”

Contudo Angeline não parecia nem um pouco incomodada com as provocações deles. Com a expressão ainda frouxa, terminou o conhaque morno de um só gole. Embora tenha engasgado um pouco quando o líquido queimou sua garganta, ela levantou a mão e pediu outro.

Percival olhou-a com olhos arregalados.

“Hey, o que acha que está fazendo? Vai desmaiar se beber assim.”

“Hehe... Está tudo bem. Estou bebendo. Hehehe...”

O vapor de seu copo subiu pelo ar, subindo como se tivesse vida própria.


Na manhã seguinte, enquanto Belgrieve examinava suas malas, Angeline se lançou sobre ele, agarrando-se por trás, quase o derrubando.

“Bom dia pai!”

“S-Sim, bom dia, Ange.”

“Hey, hey... Pai! Por que contou ao Sr. Percy sobre eu fazer xixi na cama?”

“Uh, bem... Quero dizer, foi quando você era pequena...”

“Eu sou uma garota, sabe? Pode ser no passado, contudo ainda é um segredo!”

“Oh, de-desculpe... Espere, por que sabe disso?”

Sem oferecer qualquer resposta, Angeline esfregou o rosto nas costas de Belgrieve, movendo-se para cima até que seu nariz estivesse enterrado em seu cabelo e pudesse sentir o seu cheiro. Sua respiração fez cócegas.

Apesar de sua confusão, Belgrieve estendeu a mão e deu um tapinha na cabeça dela.

Esta não foi a primeira vez. Ao longo dessa jornada, Angeline de repente veio procurá-lo em busca de mimos, no entanto nessas ocasiões seu humor parecia instável de uma forma ou de outra. Desta vez, parecia que havia voltado a ser como costumava ser — exigindo mimos com cada fibra do seu ser. Aconteceu alguma coisa? Belgrieve se perguntou, inclinando a cabeça curiosamente.

Percival e Kasim estavam assistindo a essa exibição do outro lado de uma mesa na sala, com sorrisos no rosto.

“Você está de bom humor, Ange.”

“Sim!” ela se separou, circulando e sentando-se na frente de Belgrieve. Em seu rosto pendia um sorriso de orelha a orelha.

“Vamos encontrar Satie, ok!”

“Essa era minha intenção... O que aconteceu? Por que está tão...?”

“Também vou fazer as malas!”

Antes que Belgrieve pudesse terminar de fazer sua pergunta, Angeline saiu agilmente da sala. Parecia que uma tempestade acabara de passar e Belgrieve não tinha ideia do que acabara de acontecer.

“O que é que foi isso...?”

“Isso só mostra que Ange é sua filha.”

“Sim.”

“Mas... Não sinto que fiz alguma coisa na verdade.”

“Certo.”

“Hã...?”

Seus dois amigos se recusaram a dar mais detalhes, apenas aumentando sua confusão. Por enquanto, ele voltou ao trabalho verificando suas malas.

Eles se dividiriam em equipes no final do dia — embora, dito isso, apenas Belgrieve e Percival permaneceriam em Findale. Os suprimentos precisariam ser divididos, pois todos precisariam de acesso à sua própria parte. Belgrieve já havia se preparado um pouco na noite anterior, porém queria repassar direito agora que o sol havia nascido.

Ishmael, que havia saído para lavar o rosto, voltou para a sala. Vendo Belgrieve separando os suprimentos, coçou a cabeça com uma expressão desamparada no rosto.

“Parece que nossa separação acontecerá de forma abrupta, Sr. Belgrieve.”

“Sim, é verdade. Ishmael, você nos ajudou muito... Por favor, cuide de Ange na minha ausência.”

“Oh, não, o Sr. Kasim e Touya estarão conosco também. Não há nada para eu fazer. Na verdade, diria que você me ajudou mais. Adoraria passar por Turnera um dia desses.”

“Adoraria poder recebê-lo. Ah, contudo posso estar me intrometendo primeiro em sua oficina capital.”

“Por favor, fique a vontade.”

“Hey, por que já estamos todos nos despedindo?” Percival suspirou. “Ainda nem tomamos café da manhã.”

Belgrieve esboçou um sorriso irônico.

“Certo... Parece que os suprimentos estão todos resolvidos. Então é hora do café da manhã.”

“Tudo bem, estou morrendo de fome.” proclamou Kasim enquanto se levantava.

Era de manhã, entretanto o bar estava tão barulhento como sempre. As estradas eram espaçosas e bem seguras, por isso parecia haver viajantes que corriam o risco de se aventurar à noite. Eles chegavam de manhã e recompensavam o cansaço com uma bebida vigorosa. Todos os assentos estavam ocupados e levaria algum tempo para encontrar um lugar para acomodá-los. Não parecia provável que todos pudessem sentar-se à mesma mesa.

Deram bom dia às meninas, que chegaram um pouco mais tarde, no entanto todas tiveram que comer sozinhas assim que houvesse lugar disponível. Quando terminou, Belgrieve pegou suas malas e saiu da pousada com os outros homens. Ele observou o trânsito enquanto esperava que todos se reunissem em frente ao prédio.

Marguerite — que terminou um momento antes dele — cutucou-o na lateral. Ela estava usando um capuz para esconder as orelhas e o cabelo prateado.

“Tem certeza que vai ficar tudo bem, só com vocês dois? Poderão encontrá-la assim?”

“Hã, está preocupado?”

“Na verdade não. Só queria perguntar.”

Percival deu um grande bocejo.

“Bom, não estou tendo muitas esperanças. Falta menos de um dia para a capital. Nos encontraremos com todos vocês se alguma coisa acontecer.”

“Hmm... Então não deveríamos todos ir para a capital para começar?”

“Não há como dizer o que pode acontecer. Seria muito frustrante descobrir que sentimos falta dela por pouco, certo? E não há necessidade de todos nós conhecermos Salazar.”

“Acho que tem razão.” admitiu Marguerite, encostando as costas em uma parede próxima.

Vários cavalos cinzentos desfilaram pela estrada. Um jovem aprendiz com uma grande bagagem lutava para acompanhar seu mestre bem construído. Na direção oposta, passou um grupo de homens e mulheres armados — todos aventureiros.

Marguerite zombou.

“É melhor encontrarem aquela elfa. Seja quem for, me envolveram nessa bagunça.”

“Você tem um ponto. Entretanto, Maggie, você fez bem em segurar tudo ontem. Bom trabalho.”

“B-Bem... Adoraria mandá-los voando, mas...”

“Por que está fazendo parecer que realizou alguma coisa? É o que teria acontecido se Bell e eu não tivéssemos intervindo. Bem, entendo como se sente. Porém se tivesse causado comoção lá, realmente seria seu rosto que estaria naqueles cartazes de procurado, hehehe.”

Marguerite fez beicinho.

“Vocês também ficariam bravos se estivessem em território dos elfos prestes a serem presos só porque são humanos. É irracional. Teria que haver algo errado com sua cabeça se não ficasse com raiva.”

“Imagino que sim...”

“É sem dúvida irracional se pensar assim. Pronto, pronto. Boa menina, boa menina. Você fez o seu melhor.”

“Por que está me acariciando, idiota?” Marguerite afastou taciturnamente a mão de Kasim.

Kasim acenou com a mão com um sorriso.

“Hehehe, acho que é o trabalho de Bell então.”

“O que Bell tem a haver?” Marguerite cutucou o mago com raiva.

Belgrieve riu.

“Teremos que resolver isso rápido. Você gostaria de explorar Findale com calma, certo?”

“Sim...”

Marguerite olhou para longe, onde os edifícios se elevavam até onde a vista alcançava. O cenário estava ainda mais claro no ar fresco da manhã do que no dia anterior, fazendo o lugar parecer maior e mais magnífico. Era com certeza uma cidade vasta. Alguns dias não seriam suficientes para ver tudo.

Eventualmente, Angeline e seu grupo, junto com Touya e Maureen, se juntaram a eles. A elfa bocejou debaixo do capuz.

“Ah... Sigh. Bom dia.”

“Não dormiu o suficiente?” Percival perguntou.

“Não, de jeito nenhum. Acabei de acordar.”

“Maureen sempre dorme até tarde.” Touya disse com resignação.

Primeiro foi a comida e agora o sono dela. Maureen realmente marcha ao ritmo de seu próprio tambor, refletiu Belgrieve. Demorou algum tempo para que todos fossem atendidos e o sol já estava alto no céu.

“Vamos...” Angeline disse, pegando Belgrieve pela mão.

“Certo. Pensando bem, Liselotte disse que te ajudaria.”

“Sim. Encontraremos Lize quando chegarmos lá.”

Depois de toda a conversa animada e contação de histórias, Liselotte retornou à capital assim que a noite caiu. Parecia que a ordem pública na região era boa o suficiente para permitir isso, dados os muitos mascates que ele sabia que também viajavam durante a noite. Antes de sua partida, a garota havia redigido um encaminhamento usando o nome do arquiduque para garantir que Marguerite e Maureen não estivessem sujeitas a suspeitas indevidas. Eles poderiam exibi-lo se qualquer outra disputa surgisse. A menina ainda era jovem e exalava a inocência de uma criança, mas também era criteriosa.

De qualquer forma, o grupo retornou para a praça repleta de diligências a que haviam chegado. Havia muitas pessoas lá, porém também havia vários cocheiros, então conseguiram encontrar um com destino à capital com o mínimo de esforço.

“Não esqueceu nada, não é, Ange?”

“Estou bem.” Angeline abraçou Belgrieve com força antes de subir a bordo. Ela aninhou o rosto em seu peito. “Ok... Estou indo embora.”

“Te vejo de novo em breve. Tome cuidado.”

“Se cuide também, pai... Hehe.” Angeline embarcou com um largo sorriso no rosto. Uma vez lá dentro, encontrou Anessa e Miriam esperando-a com expressões curiosas.

“Ela esteve de bom humor o dia todo, aquela Ange.”

“É como se estivesse de volta ao ritmo das coisas.”

Aconteceu alguma coisa boa? Belgrieve se perguntou outra vez, já que Percival e Kasim ainda se recusavam a contá-lo.

Ishmael despediu-se dos dois novamente, assim como Touya e Maureen. Embora Maureen estivesse como sempre, Touya parecia um pouco nervoso.

“Hum... Sr. Belgrieve, gostaria de encontrá-lo outra vez antes de retornar para Turnera.”

“Claro, por que não? Vamos sentar para tomar uma boa bebida depois de resolvermos todo o resto.”

“Tudo bem!” Touya sorriu, segurando a mão de Belgrieve.

Depois que todos estavam sentados, o cocheiro rapidamente entrou em ação, não oferecendo tempo para se demorar na despedida. Angeline colocou a cabeça para fora da janela e acenou. Belgrieve observou até a carruagem desaparecer além de uma curva da estrada.

Ao seu lado, Percival girou o pescoço.

“Agora, então... Devíamos começar a trabalhar.”

“Certo. Para começar, teremos que reunir informações.”

“Ou a guilda ou o posto dos soldados... Bem, não estamos com pressa.” Percival sorriu e deu um tapinha no ombro de Belgrieve. “Isso me traz memórias — eu e você, trabalhando juntos.”

“Sim, é verdade.” Belgrieve sorriu, batendo a perna de madeira no chão. “Contudo primeiro, deveríamos encontrar uma pousada um pouco menor. Será difícil navegar pela cidade com todas essas malas.”

“Concordo. É bom ter nossas prioridades bem definidas, hahaha!” a capa de Percival se esticou quando ele se virou para sair. Belgrieve pegou sua bagagem e o seguiu.

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