Capítulo 93: A marcha pela montanha continuou
A mana flutuando no ar aos poucos ficou mais espessa. Da mesma forma, seus arredores estavam começando a parecer descaradamente errados. Até a vegetação parecia diferente. Parecia que algo os observava o tempo todo, mas sempre que procuravam seu suposto observador, encontravam apenas pequenas flores violetas desabrochando.
“Lá! Está circulando atrás de nós!” Angeline rugiu enquanto balançava sua espada em seu inimigo. Contudo, o monstro parou no ato e saltou para trás, tornando seu golpe inútil. Ele soltou um rugido peculiar, quase como se estivesse zombando-a. O monstro era uma mantícora — um leão com pelo vermelho brilhante e uma cauda semelhante à de um escorpião. Várias das flechas de Anessa já estavam saindo de seu corpo, porém a criatura não havia perdido o menor impulso.
Miriam, irritada com toda a sua magia sendo desviada, balançou seu cajado.
“Eles são monstros escorregadios!”
“Eu irei... Um deles já é problema suficiente. Por que devemos lidar com três?” Ishmael lamentou. O Grimório flutuando ao seu lado emitindo uma luz fraca. A mantícora que tentou atacar por trás foi expulsa pela espada de Marguerite. Esses monstros eram inteligentes; não atacaram as cegas, confiantes demais em suas próprias habilidades. Em vez disso, mantiveram sua distância firme enquanto esperavam que o grupo se esgotasse.
Cerrando os dentes, Angeline assumiu uma posição com sua espada.
“Você pode fazer alguma coisa, Kasim...?”
“Agora vejamos... O que fazer? Se tentar uma grande magia, tenho a sensação de que vão apenas se esquivar. Não vamos perder, porém vai demorar um pouco.”
“Teremos que eliminá-los um de cada vez.” declarou Belgrieve. “Até agora, eles nos causaram problemas porque todos os ataques foram coordenados. Podem ser rápidos, entretanto temos uma boa chance de despachá-los um por um.”
Anessa disse.
“Mas se tentarmos mirar em um, ele recua e os três atacam juntos.”
“É exatamente isso. Divida e conquiste — lançamos um ataque direcionado contra todos os três ao mesmo tempo, para que não tenham chance de se reagrupar. Ange, cuide daquele com flechas cravadas no corpo. Kasim e Maggie, vão para o caolho. O resto de nós cuidará do último. Vamos.”
Antes que alguém pudesse expressar uma opinião, Belgrieve saltou com a grande espada em suas mãos. Duncan o seguiu, então Anessa, Miriam e Ishmael se prepararam para apoiá-los. Marguerite se lançou em outra mantícora tão rápido quanto o vento enquanto Kasim começava a reunir sua mana.
Os lábios de Angeline se curvaram quando encarou o último.
As mantícoras pareciam um pouco surpresas — os humanos que estavam na defensiva de repente adotaram uma abordagem diferente. Cada uma estava completamente isolada uma da outra, incapazes de se coordenar.
Com certeza teria sido difícil lidar com duas ao mesmo tempo, porém ela não teve a menor dúvida de sua vitória, uma vez que lutou se tornou individual. Angeline também não lhe daria a chance de fugir. Uma aura intimidadora explodiu enquanto preparava sua lâmina.
“Você se divertiu às minhas custas!”
Perplexa com a mudança da maré da batalha, a mantícora uivante atacou com suas garras brilhantes. A besta havia perdido toda a racionalidade diante do espírito de luta de Angeline.
Angeline respirou fundo e se lançou para frente com agilidade. Foram necessários apenas dois golpes — o primeiro cortou as garras que desciam da fera e o segundo separou sua cabeça de seu pescoço.
“Sozinha não me é ameaça alguma.”
Olhando para os lados, pôde ver que as outras duas haviam sido derrotadas. Se os outros tivessem falhado, espalhar suas forças os colocaria em uma situação de risco. Felizmente, pegaram o inimigo de surpresa e os membros do grupo eram todos combatentes habilidosos. A batalha só foi difícil porque as três feras os cercaram — no momento em que uma mantícora fosse o alvo, escaparia em seguida para lançar um contra-ataque coordenado com as outras.
Com essa evidência de quão confiável Belgrieve poderia ser, vendo a situação em um instante, Angeline abriu um sorriso.
“Hehehe...”
Ao procurá-lo, o encontrou sentado no chão com a espada embainhada. Miriam estava pulando para cima e para baixo ao seu lado.
“Conseguimos! Conseguimos! Hey, Sr. Bell, devemos tirar as peles?”
“Hmm, certo. Deve ser um bom prêmio, contudo...”
Belgrieve parecia estar com um pouco de dor quando fechou os olhos e massageou a têmpora. Sua tez estava ligeiramente pálida. O coração de Angeline quase parou quando correu em sua direção.
“Pai? Tudo bem? Está ferido...?”
“Não, estou bem. Só um pouco cansado.” disse Belgrieve, dando um fraco sorriso para acalmá-la.
Franzindo o cenho, Duncan pressionou a mão contra a testa de Belgrieve.
“Ora, Sir Bell... Você está com febre.”
“Hmm... Então é por isso que me sinto tão instável...”
Angeline levou a mão à testa em estado de choque. Com certeza estava quente e, olhando mais de perto, seus olhos também estavam um pouco desfocados.
“Hey, vamos lá...” Kasim disse, coçando a cabeça. “Não se esforce, Bell.”
“Não estava tentando, no entanto... Não tenho desculpa.”
Marguerite suspirou.
“Precisa se cuidar melhor, Bell. O que faremos agora? Devemos descansar durante o dia?”
“Não, seria melhor apenas montar acampamento no Umbigo da Terra.” disse Ishmael. “Considerando a densidade da mana aqui, devemos chegar em meio dia. É mais perigoso passar a noite aqui.”
Belgrieve assentiu, ficando de pé com a bengala em uma das mãos.
“Ainda posso andar. Vamos continuar. Não queremos enfrentar outra batalha como essa.”
Angeline agarrou seu braço.
“Use meu ombro...”
Todavia Belgrieve deu-a um suave empurrão.
“Não... Ange, assuma a liderança. Você é a única com o melhor senso para monstros.”
“Mas...” Serei capaz de escanear calmamente os arredores em busca de inimigos quando estiver tão inquieta? Angeline se contorceu.
Belgrieve deu um sorriso irônico, bagunçando seu cabelo.
“Não faça essa cara. Quando chegarmos lá e eu puder descansar, estarei de volta à forma em pouco tempo. E lembra o que eu te ensinei? Um aventureiro deve sempre manter a calma.”
Angeline refletiu sobre isso por um momento.
“Sim!” ela exclamou, de alguma forma conseguindo sorrir antes de pegar o cristal e assumir seu lugar como vanguarda outra vez. Não parecia que eles teriam tempo para colher as peles das mantícoras.
O terreno ruim os forçou a se mover devagar, porém continuaram independentemente. Depois de tanto tempo, por fim avistaram outros humanos — vários deles no topo da colina seguinte, vestidos como aventureiros. Todos pareciam estar indo na mesma direção.
Poderia ser? Angeline se perguntou. Uma vez que alcançou onde o outro grupo estava antes, olhou para longe e viu uma estrutura feita pelo homem — uma fortaleza — espremida entre os penhascos de uma ravina.
Ishmael soltou um suspiro aliviado.
“Aí está...”
“Sim, parece uma fortaleza...”
“Foi feito em uma época passada. Além daqui, encontrará o Umbigo da Terra.”
Seus pés de repente ficaram muito mais leves com o destino à vista. No topo do cume, encontraram o que parecia ser um caminho real. Embora, em vez de ter sido construído intencionalmente, foi mais que se formou naturalmente à medida que tantas pessoas iam e vinham. O caminho se estendia em direção à fortaleza e podiam ver as costas daqueles aventureiros mais adiante.
Marguerite cruzou os braços atrás da cabeça, parecendo irritada.
“O que? Se havia um caminho, deveríamos ter ido por ali.”
“Não, esse caminho só existe perto da fortaleza. Olhe.” Ishmael apontou na direção oposta. Embora o caminho continuasse por um tempo, era como se tivesse sido apagado em algum momento. Então, não havia nada além de resíduos desolados além.
“Isso acontece não importa onde entra na montanha, ao que parece. Tudo começa bem, porém em algum ponto fica mais complicado e é difícil fazer o mesmo caminho duas vezes. Contudo não importa o caminho que tome, sempre vai acabar aqui... É um grande mistério.”
Angeline olhou para frente outra vez. Por enquanto, chegar lá era prioridade. A tez de Belgrieve ficou ainda pior; no entanto, embora ele tivesse que pegar emprestado o ombro de Duncan para andar agora, ainda não havia desmaiado.
Foi só quando se aproximaram que começaram a apreciar o tamanho da fortaleza. A pedra que o formou não era uniforme; em vez disso, era uma confusão de todas as formas e tamanhos, mas as lacunas entre as rochas eram tão finas que seria impossível colar até mesmo uma única folha de papel através delas.
Os olhos de Angeline se arregalaram no segundo em que deu o primeiro passo pelos portões. As encostas de ambos os lados da estrada eram ladeadas por edifícios de pedra. Lá, ela viu o que pareciam ser mascates se misturando com incontáveis aventureiros. Os mascates carregavam sacolas enormes, montando barracas simples de madeira e tecido para vender todo tipo de coisa. Alguns estavam até rindo e compartilhando bebidas.
Vendo os olhares vazios no rosto de todos, Ishmael riu.
“Estão surpresos? O abismo em si é um pouco mais adiante. É aqui que os comerciantes de orelhas aguçadas se reúnem, com o objetivo de comprar os materiais de monstros de alto escalão. Eles vieram junto com aventureiros que contrataram para protegê-los.”
“É surpreendente. Eu esperava algo um pouco mais... Brutal.”
“Talvez ao redor do Umbigo. Porém, tem muita gente que monta aqui lojas para atender aventureiros... De qualquer forma, vamos garantir um lugar para descansar. Precisamos deitar o Sr. Belgrieve.”
Angeline voltou à realidade e olhou para Belgrieve. Seu pai permaneceu firme, porém seus olhos estavam baixos e sua respiração era superficial.
Um pouco adiante havia uma construção de pedra um pouco maior do que as outras. Seu exterior robusto era feito da mesma rocha natural da fortaleza, com cada pedra perfeitamente encaixada. Contudo, uma parte era muito mais áspera. Talvez tenha desabado ali e alguém tenha tentado montá-la de novo.
Pode ter havido uma nação aqui, uma vez... Um reino enterrado nas sombras da história. Eles caíram para os monstros? Angeline se perguntou.
A grande construção parecia ser onde os aventureiros dormiam. Divisores de tecido foram montados em seu amplo salão aberto. Fogueiras ardiam e cada um cuidava do seu espaço. Além do mais, havia um caminho através dele — ou pelo menos, um entendimento tácito de que ninguém construísse seu espaço de vida bloqueando o caminho.
Embora já estivesse bastante cheio, conseguiram encontrar um lugar perto de um dos grossos pilares que sustentavam o teto. Eles limparam o chão e colocaram cordas e panos para se isolar. Embora não tivessem o suficiente para cercar por completo o local, foi possível criar alguns divisores baixos.
Ao fim, capaz de se deitar, Belgrieve caiu em um sono aliviado. Angeline colocou a mão em sua testa — sua febre ainda não havia baixado e até parecia arder mais quente agora.
“Que tal eu preparar uma mistura?” Kasim sugeriu, procurando em sua bolsa. “Precisamos enxugar seu suor e... Oh, caramba, não é o suficiente. Havia muitas lojas, então vamos torcer para que alguma delas venda algumas folhas de lepe.”
Anessa levantou uma bolsa de couro.
“Vou procurar algumas. E trarei um pouco de água enquanto estiver nisso.”
“Ah, vou ir também. Quero sentir o lugar.”
“Então eu também. Maggie com certeza vai se perder.”
“Você precisava incluir a última parte, estúpida? Ange, você vai... Ficar aqui, certo?”
“Sim. Vou ficar do lado do pai.”
Anessa conduziu as outras duas garotas. Por um tempo, Angeline segurou a mão de Belgrieve, no entanto ela finalmente se levantou e saiu da divisória. Dirigindo-se para a parede, olhou pela janela que parecia ter sido perfurada pela face de pedra. Um leve vento acariciou sua bochecha, farfalhando seu cabelo enquanto este entrava no prédio. Talvez devido à elevação, não estivesse tão quente aqui quanto em Istafar. O vento estava forte — até reconfortante.
Havia muitas pessoas viajando na estrada abaixo. Angeline se perguntou se cada um deles era um aventureiro habilidoso.
Era barulhento e turbulento aqui, quase como uma vila, ou mesmo uma cidade. São tantos aventureiros porque a grande onda vem aí? Angeline nunca tinha visto tantos guerreiros fortes reunidos em um só lugar, nem mesmo durante a caça ao demônio em Orphen.
“Lugar animado, não acha?” ela se assustou com uma voz próxima. Um menino mais ou menos da sua idade — se não um pouco mais jovem — estava parado ao seu lado, olhando da janela da mesma forma. Seu cabelo comprido estava atado atrás da cabeça. Suas feições eram um tanto andrógenas e, embora seu cabelo parecesse preto à primeira vista, revelava um azul ultramarino escuro quando a luz o atingia. Sobre sua camiseta simples, usava uma túnica estilo Keatai. Ele parecia ser do leste.
Não acredito que não o notei àquela distância, pensou Angeline, surpresa. O garoto era, sem dúvida, um mestre em seu ofício.
O menino sorriu para ela e estendeu a mão.
“Eu sou Touya. Prazer em conhecê-la.”
“Sim... Igualmente.” Angeline aceitou seu aperto de mão, embora estivesse ainda desnorteada.
Isso provocou uma risada confusa de Touya.
“Não precisa ser tão abalada. Pode não ser por muito tempo, no entanto estaremos lutando juntos.”
“Hmm?”
“Uh... Você veio para a grande onda, certo?”
“Oh... Sim.” por um momento, Angeline se perguntou do que o garoto estava falando antes de se lembrar. Pensando bem, este lugar é considerado perigoso se os aventureiros não trabalharem juntos. Ela o reconheceu com um leve aceno de cabeça.
“Um prazer...”
“Qual o seu nome?”
“Hmm...? Oh, eu? Angeline...”
Sua atitude insociável levou Touya a encolher os ombros.
“Fiz algo que a incomodou? Me desculpe.”
“Não... É assim que sou...” Angeline coçou a cabeça. Não estava desconfiada de Touya, mas não conseguia entender o que dizer a alguém que estava conhecendo pela primeira vez - especialmente quando a condição de Belgrieve pesava tanto em sua mente.
Touya se inquietou, tentando encontrar uma maneira de continuar a conversa antes de finalmente abordar um tópico.
“Na verdade, estou procurando por alguém... Você viu um elfa?”
“Elfa...?” ele quer dizer Maggie? ela se perguntou, inclinando a cabeça.
“O que há de errado, Touya?” uma mulher emergiu das sombras e Angeline ficou surpresa no momento em que a viu. Lá estava uma elfa com cabelos prateados e sedosos e orelhas pontiagudas como folhas de bambu. Como Touya, a garota usava roupas do leste. Seu cabelo se parecia com o dos outros elfos que conheceu, porém era curto e, embora parecesse macio, parecia ter uma tendência a ondular.
“Satie...?” Angeline murmurou, quase inconscientemente.
A elfa olhou para trás com curiosidade.
“Satie? Quem?”
“Ah... Desculpe.”
Outra pessoa, então. Os ombros de Angeline caíram. Não parecia que seria tão fácil.
Touya coçou a bochecha.
“O que está errado? Diga-me você, Maureen. Não consegui te encontrar aqui, então estou olhando por esta janela há séculos.”
“Foi você quem desapareceu... Quem é esta adorável senhorita?”
“Oh, o nome dela é Angeline.”
“Um prazer...” Angeline disse mais uma vez, balançando a cabeça.
“Sou Maureen.” respondeu Maureen com um sorriso. “Um prazer conhecê-la. Sinto muito por todos os problemas que Touya deve ter-lhe causado.”
“Não causei nenhum problema... Certo?”
“Sim...” Angeline concordou, seus olhos vagando.
Maureen suspirou exasperada.
“Então você causou problemas. Agora vamos indo, estou morrendo de fome.”
“Você não acabou de comer...? Bem, tanto faz. Até logo, senhorita Angeline.”
“Certo...”
Os dois partiram, e Angeline se sentiu bastante aliviada com isso. Embora eles não parecessem ser pessoas más, apenas não conseguia acompanhá-los. Isso a fez se sentir um pouco envergonhada de sua própria inaptidão social, com a qual Kasim sempre a provocava. Ainda bem que ele não estava por perto, pensou enquanto se virava para voltar. Quando chegou lá, encontrou um fogo queimando em um simples fogão de barro. Belgrieve dormia pacificamente.
“O pai se acalmou um pouco...?”
“Sim, Bell tinha alguns remédios guardados. Havia uma pomada que ajuda a respirar melhor, então esfreguei nele. Agora, esperamos a água.”
“Mesmo assim, foi uma surpresa. Achei que o Sr. Belgrieve fosse mais robusto do que isso.” opinou Ishmael.
“Não.” Duncan balançou a cabeça, enquanto polia seu machado de batalha. “O senhor Bell pode possuir uma visão maravilhosa e destreza em batalha, contudo vive em Turnera há muito tempo. Pode ter um físico robusto, no entanto se não viaja muito, o ambiente em constante mudança sobrecarregará seu corpo. Acredito que essa seja a causa.”
“Entendo... Faz sentido. Pensando bem, o senhor Bell não é um aventureiro, é...?”
“Minha nossa. Não vamos esquecer que contamos com ele o tempo todo.” disse Kasim enquanto se recostava, apoiando-se nas mãos. “Mas que bagunça. Bell não está em condições de ver Percy.”
“Sim...” Angeline sentou-se perto do fogo, com a cabeça baixa. Não seria fácil localizar alguém com tantas pessoas ao redor. Assim que a grande onda começasse, talvez reacender uma velha amizade fosse a menor de suas preocupações. Porém, não parecia haver necessidade de pressa. Parecia que Percival permaneceu no Umbigo da Terra independentemente. Não iria para algum lugar quando a onda acabasse. Na verdade, não teria sido uma má ideia esperar a onda acabar e a multidão ir embora. Eles poderiam tomar seu tempo marcando uma reunião.
Isso mesmo — Yakumo e Lucille estão aqui também? Gostaria de vê-las...
Angeline abraçou os joelhos.
Terminada a manutenção do machado, Duncan ergueu a cabeça.
“Conseguiu descobrir alguma coisa, Ange?”
“Hmm... Tem muita gente. E são todos fortes... As pessoas com quem conversei também eram fortes. Oh, havia uma elfa.” vendo a reação de Kasim a essa palavra, Angeline acrescentou. “Contudo não era Satie...”
Kasim abaixou o chapéu com uma risada seca.
“Hehehe, não vai ser tão conveniente... No entanto isso é raro. Bem, temos Maggie conosco também.”
“Ainda assim, com tantas pessoas fortes por perto, devemos ser capazes de coletar informações. Sobre o que conversou, Ange?”
“Hum...” Oh, certo, mal nos apresentamos, ela percebeu. Kasim iria provocá-la de novo se soubesse.
“Eu... Vou procurar algo para comer.” Angeline levantou-se para sair, tentando disfarçar seu desconforto, entretanto a risada de Kasim a seguiu até a saída. Embora estivesse preocupada com o pai, ficar de mau humor perto dele não adiantaria muito. Ela decidiu que seria melhor usar seu tempo para encontrar algo nutritivo para alimentá-lo.
Angeline saiu do alojamento e caminhou em direção ao portão, passando por todo tipo de gente. Se eu pudesse me encontrar convenientemente com Anne e as outras, desejou. Mas seria impossível em meio a tanta multidão. Ela cruzou caminhos com aventureiros vestindo várias formas de trajes — talvez vindos de todo o continente — enquanto avançava pelas fileiras de barracas. À medida que o sol se punha, as baias começaram a acender as lanternas penduradas em seus beirais. Com tais visões, era difícil acreditar que havia um covil de monstros poderosos tão perto.
Muitas das barracas vendiam suprimentos médicos e alimentos, enquanto outras se especializavam na comercialização de materiais. Havia bares e, para sua surpresa, até mulheres vestidas de forma sedutora para atrair os homens. Era sem dúvida uma cidade — talvez até houvesse pessoas que fizessem seus lares permanentes aqui. Surpreendeu-a o quão indomável o espírito mercantil podia ser.
Com sua atenção voltada para uma coisa após a outra, se viu esbarrando acidentalmente em alguém. O impacto foi acompanhado por um leve aroma de ervas.
Angeline virou-se freneticamente para a pessoa.
“Sinto muito.” estava prestes a dizer, mas em vez disso engoliu a respiração.
O homem à sua frente tinha o porte de um leão, vestindo uma capa sobre uma armadura simples. Angeline ficou arrepiada só de ficar na frente dele.
Nunca pensei que seria superada assim, ela pensou.
O homem encarou-a com olhos penetrantes antes de sair sem palavras. Angeline respirou fundo, livre por fim da sensação de ser agarrada pela garganta.
“Faz um tempo desde que eu conheci alguém assim.”
Não havia muitas pessoas no mundo que Angeline sabia que só não poderia derrotar — Belgrieve e Graham, por exemplo. Pelo que podia ver da maioria dos aventureiros aqui, estava ciente de que eram fortes, porém sentiu que poderia se defender contra eles. E, contudo, aquele homem sozinho era algo completamente diferente.
“Está tudo bem. Não é meu inimigo... E ele não é tão forte quanto o pai.” ela respirou fundo várias vezes para afastar sua ansiedade, apenas para sentir um puxão em sua manga. Olhando para baixo para ver, pôde vislumbrar os olhos arregalados de uma garota com orelhas de cachorro caídas.
“Você se lembra de mim?”
“Ah! Lucille!” Angeline ficou tão feliz que agarrou a mão de Lucille sem pensar. Parecia que seus medos haviam sido afastados.
“Faz um tempo, baby. Ainda está se divertindo, Ange?” Lucille respondeu, suas orelhas batendo.
“Sim. Você tem estado bem...?”
“Sim... Está sozinha?”
“Não. Estou aqui com o pai, Kasim e todos os outros.”
“Bom. E quanto a Char?”
“Char... Não veio.”
“Oh, que rock ’n’ roll triste... No entanto aqui é perigoso.”
“Não exatamente o que imaginei, pra ser sincera.”
“É uma questão de vida ou morte aqui. É por isso que todo mundo quer se divertir enquanto pode.”
Entendo, então essa vivacidade vem da sempre iminente ameaça de morte, percebeu Angeline. Ela podia entender um pouco — não havia como dizer quando um aventureiro morreria. Não era raro alguém com quem havia trocado uma bebida um dia acabar como um cadáver no dia seguinte. Assim, os aventureiros viveram a vida ao máximo quando tiveram a chance. Era compreensível porque havia tantas lojas que serviam comida e bebida, então. Aqueles que ganhavam bem gastavam bem, e com tantos aventureiros de alto escalão reunidos, havia grandes riquezas a serem feitas. Todavia era exatamente por esse motivo que tudo parecia tão estranho.
“Estou surpresa que eles tenham conseguido trazer tanta coisa até aqui... O que fazem com a comida?”
“Como diriam as pessoas do passado... ‘Se eles não têm pão, que comam monstros’.”
“Hã?”
“A comida nas barracas é carne de monstros. Existem vários do tipo planta, então também há muitos vegetais disponíveis. E os aventureiros ficam mais do que felizes em vender a carne. São dois pássaros, uma pedra. Sinto pena dos pássaros.”
Este lugar é estranhamente autossuficiente, pensou Angeline com uma risada resignada. Talvez houvesse alguns aventureiros excêntricos que saíam para caçar monstros para que pudessem cozinhar a carne.
“Onde está a Sra. Yakumo...?”
“Perdida. Um cordeiro perdido sem ter para onde ir...”
“Entendo...” por um momento, Angeline se perguntou se Lucille era a perdida, embora não dissesse isso em voz alta.
De repente, Lucille olhou para o rosto de Angeline.
“Você quer conhecer o Sr. Lâmina Exaltada?”
Angeline engoliu em seco. Certo. Foram Yakumo e Lucille que nos disseram para vir aqui em primeiro lugar. Não havia como as duas não conhecerem Percival.
“Quero... Embora seja mais meu pai do que eu... E o pai está um pouco...”
“O que aconteceu?”
A conversa foi interrompida por um grande coro de vaias. Angeline virou-se, surpresa, ao ver uma comoção se formando mais longe na direção do poço no centro do Umbigo Terrestre.
O nariz de Lucille empinou.
“Tem cheiro de... Peixe.”
Um pouco depois, o fedor cru atingiu Angeline também. Um dos aventureiros veio correndo da direção do Umbigo, gritando.
“Está aqui, está aqui! Um grande! Vindo pra cá!”
Parecia que algum tipo de monstro havia surgido. O olhar no olho de todos os que haviam bebido na rua deram uma volta. Eles se levantaram com suas armas no mesmo instante.
Lucille olhou para Angeline e perguntou
“Quer ver?”
“Hum...”
Se o monstro estivesse vindo em sua direção, o grande edifício em que se instalaram estaria em perigo, e seu pai não estava em condições de lutar. Eu tenho que protegê-lo.
Então Angeline assentiu e correu em direção à besta, Lucille agilmente acompanhando. Elas passaram correndo por outros indo na mesma direção, deslizando com agilidade pelas brechas nos prédios até chegarem a um espaço aberto.
“Urgh...” Angeline prendeu a respiração no ato.
Uma multidão de aventureiros estava olhando para o monstro, todos com armas prontas. Um peixe enorme flutuava no céu roxo e escuro. Seu corpo era plano e longo e, em vez de barbatanas dorsais ou ventrais, ostentava grandes barbatanas em ambos os lados do corpo, como asas de pássaros. Ele nadou calmamente pelo céu aberto.
Mesmo visto de longe, seu corpo estava visivelmente coberto de finas escamas, cada uma medindo quase a altura da cintura de um ser humano médio. Vários bigodes cresceram ao redor de sua boca, cada um balançando como se estivesse flutuando na água.
Bahamuth — apesar de ser um peixe, este monstro de Rank S ostentava o nome de um dragão.
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