quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 07 — Capítulo 95

Capítulo 95: Estava barulhento lá fora

Estava barulhento lá fora quando o cadáver do Bahamuth foi desmembrado. Quando se tratava de um monstro do Rank S, cada fragmento era valioso, desde os ossos até a carne, tendões, presas, escamas, pele e sangue. Mesmo uma gota de gordura era uma mercadoria inestimável.

Aqueles que mais contribuíssem para a caça ganhariam os maiores direitos sobre os materiais. Essa era a regra tácita do Umbigo da Terra, mas depois de incumbir os membros de seu grupo de dissecar, Angeline prontamente fugiu. Ela estava muito mais preocupada com Belgrieve do que com os materiais Bahamuth.

Percival só aumentara sua ansiedade. Quando o encontrou nas ruas, e durante aquela batalha, Angeline descobriu que sua impressão dele estava em algum lugar entre o medo e a admiração. De fato não foi uma impressão positiva. Talvez sua preocupação com Belgrieve fosse apenas um fingimento; em todo caso, queria se aninhar em seu pai confiável para acabar com essas ansiedades.

Angeline podia ouvir seus pés batendo contra o chão de pedra a cada passo. Uma vez que passou pela divisória de tecido, viu que Belgrieve ainda estava deitado onde estava. Duncan estava sentado ao seu lado.

Quando Angeline se aproximou, ele suavemente levou um dedo aos lábios.

“Bell está dormindo bem... Embora pareça pálido.”

“Obrigado... Duncan.”

Angeline sentou-se ao lado de Belgrieve. O rosto adormecido de seu pai parecia um pouco abatido. Quando segurou sua mão, descobriu que estava úmida de suor.

“Pai...”

“Encontramos Percival” essas palavras foram contidas antes que pudessem sair de seus lábios. Ela se viu com medo desse reencontro que Belgrieve tanto desejava. Até se perguntou se estava tudo bem que eles nunca se conhecessem. Porém sentiu que não era seu lugar para decidir e, no final, não conseguiu dizer nada.

Respirando fundo, Angeline se virou para Duncan.

“Está ruim...?”

“Não posso dizer que está bom. Duvido que sua vida esteja em perigo... Contudo não sou doutor.” disse Duncan, coçando a cabeça em tom de desculpa. Angeline fechou os olhos, balançou a cabeça e respirou fundo.

Ela podia ouvir um som crescente de passos ressoando — as pessoas já estavam voltando para o prédio. No entanto, apesar do clamor barulhento, podia distinguir claramente um certo conjunto de passos se aproximando. A cortina de tecido foi afastada e, quando olhou para cima, viu Percival sendo conduzido por Kasim.

“Hã, Bell... Está dormindo?”

“Sim...” Angeline timidamente olhou para Percival. Seu cabelo bagunçado, a testa franzida profunda que o fazia parecer zangado, seu olhar afiado e penetrante: os vestígios daquele menino outrora alegre das histórias de Belgrieve — pelo menos até onde Angeline poderia dizer — desapareceram por completo.

Os lábios de Percival estavam franzidos quando percebeu a forma acamada de Belgrieve. Seus olhos se encheram de mais tristeza do que deleite.

Lançando-o um olhar inescrutável, Kasim soltou uma leve risada.

“Viu? Sem dúvida é Bell, certo? Um pouco mais velho do que você se lembra, mas... Bem, não estamos muito melhor.”

“Sim...”

Percival apertou o peito com uma expressão de dor terrível no rosto.

Então, seus olhos se voltaram para Angeline, e esta sentiu seu coração parar.

“Entendo... Então você é filha de Bell.”

“Ah... Bem...” ela não conseguiu pronunciar nenhuma palavra, então apenas acenou com a cabeça em resposta.

O momento foi interrompido quando Belgrieve gemeu e se mexeu em seu sono. Seu pé direito protético soltou uma batida seca ao atingir o chão. Percival parecia prestes a dizer alguma coisa, porém calou-se ao ver aquela perna de pau.

Kasim ajeitou a barba, com uma expressão confusa no rosto, e olhou para Angeline.

“Ange, Duncan — desculpe, mas poderiam sair por um minuto?”

“Sim...” Angeline hesitou por um segundo antes de assentir e se levantar. Estava começando a se despedir, contudo parou. “Hum... Sr. Percy?”

Percival a encarou em silêncio.

“Sinto muito... Não é nada.” Angeline se abaixou pela divisória com pressa.

O sol já havia se posto do lado de fora da janela, contudo o Bahamuth ainda estava sendo processado. A multidão ainda zumbia, com uma enxurrada de pessoas indo e vindo da carcaça. Seria um desperdício até mesmo contar o número de lanternas, velas e luzes brilhantes pontilhando a escuridão lá embaixo. O gigantesco Bahamuth foi mantido iluminado com magia enquanto era desmembrando aos poucos, peça por peça.

Duncan deu um tapinha no ombro de Angeline.

“Hey, não precisa se preocupar tanto. Bell vai melhorar com um pouco de descanso. E você encontrou o amigo que ele procurava, não foi?”

“Uh-huh...” Angeline assentiu. Sim, no entanto... Ela ficou em silêncio.

Não havia o menor som além daquela divisória de tecido. Angeline não queria bisbilhotar, porém mesmo assim se esforçou para ouvir quando foi interrompida pela abordagem apressada de alguém.

“Hey, hey! Finalmente te encontrei!” era Touya vindo em sua direção, parecendo bastante sem fôlego. Suas bochechas estavam vermelhas, contudo parecia estar de bom humor.

“Você foi incrível! É a Sra. Angeline, certo? Me surpreendeu de verdade lá atrás!”

“Sim, bem...”

Touya agarrou a mão de Angeline e a girou com entusiasmo. Confusa como estava, Angeline respondeu apenas o suficiente para não parecer rude. Não parecendo nem um pouco preocupado, Touya sorriu.

“Esta é a minha primeira vez no Umbigo da Terra, contudo... Foi mais do que eu jamais sonhei! Sim, estava confiante em minha habilidade, no entanto parece que ainda tenho um longo caminho a percorrer... Aquele sujeito eminente era membro do seu grupo?”

O coração de Angeline disparou quando deu uma olhada rápida na divisória de tecido. Ainda estava quieto. Todavia, talvez houvesse algumas vozes fracas que não conseguia distinguir.

“Um amigo seu, Ange?” Duncan perguntou, acariciando sua barba, com curiosidade.

“Não, não exatamente...”

“Hmm? Oh, ele é seu camarada? É um prazer. Meu nome é Touya.”

“Que educado. Eu sou Duncan.”

Vendo os dois se reconhecendo com tanta indiferença, Angeline sentiu um pouco da tensão drenar de seu corpo e encostou-se à parede. Olhando pela janela, viu que o Bahamuth era um pouco menor do que momentos antes. Como esperado de aventureiros experientes, eles também eram mestres em campo preparando seus espólios. Ela havia deixado tudo para Anessa e o resto de seu grupo, mas agora estava se perguntando se eles estavam tendo dificuldade em se encaixar.

Eles devem obter muitos materiais de um monstro tão grande. No entanto, seria impossível carregar tudo, e cada parte individual também era enorme por si só. Este não era um local que pudesse ser alcançado por carroça, então selecionar os materiais certos provavelmente era um grande negócio. Como os aventureiros aqui carregam os materiais que obtêm?

Havia vozes animadas se aproximando — eram Marguerite e Maureen compartilhando uma risada enquanto caminhavam lado a lado.

“Ahahahaha! Não, naquela época, veja, a história foi suspensa graças à minha visita repentina, e você estava muito mal-humorada, Marguerite. Levei muitas repreensões por isso.”

“Tem certeza? Não me lembro de nada.”

“Ainda assim, pensar que a baixinha cresceria tanto. Com certeza o tempo voa.”

“Não que eu me lembre de nada disso! Mas acho que o tio-avô nunca muda. Oh, Ange, o que está fazendo aqui? Como está Bell?”

“E Touya está aqui. Você só desapareceu do nada. Ah, quer Bahamuth no espeto? É bem gostoso.”

Angeline piscou, olhando entre os dois.

Surpreso, Touya murmurou.

“Uma elfa... É a primeira vez que vejo uma elfa além de Maureen...”

“Você a conhece, Maggie...?”

“Meio que sim — bem, ela disse que passou na casa do meu tio-avô quando eu ainda era uma pirralha. Esqueci tudo sobre isso, mas estou surpresa que se lembre de mim.”

“Quero dizer, estamos falando da sobrinha-neta de Graham, certo? E a princesa da floresta ocidental, então é claro que me lembraria. Bem, tenho certeza de que Graham recebe sua cota de visitantes, então ele pode não se lembrar de todos.”

As duas elfas riram. Nesses climas do sul, tão distantes das terras élficas do norte, parecia que a herança compartilhada era suficiente para fechar a distância entre elas.

Há Marguerite e Maureen, e Lucille e eu... Se ao menos todas as reuniões pudessem ser tão alegres, Angeline pensou um tanto melancólica. De qualquer forma, Percival já estava aqui, diante de Belgrieve — não havia mais nada para fazer de sua parte.

E o pai vai ficar bem. Ele definitivamente vai ficar bem. Angeline tentou se convencer disso. Olhando para cima de seu umbigo, teve uma percepção repentina.

“Onde estão Anne e Merry?”

“Elas estavam conversando com os outros. Algo sobre como havia muitos materiais e queriam que alguém os comprasse.”

É provável que essa fosse a melhor ideia. Não tinham vindo ao Umbigo da Terra para fazer uma matança.

Recheando as bochechas com carne no espeto, Maureen olhou para Angeline com curiosidade.

“Senhorita Angeline, certo? Você parece um pouco deprimida para alguém que foi essencial naquela luta.”

“Ah, bem, quero dizer...” Angeline tragou suas palavras.

Marguerite, fazendo beicinho, cutucou seu ombro.

“O que há, hein? Está arruinando meu ânimo aqui.”

“Desculpe... E quanto a Lucille?”

“A mulher besta cão? Alguém que parecia ser sua camarada veio e a arrastou. Conhece elas? Me apresente algum dia.”

“Hmm... Sim, eu deveria. Provavelmente as veremos de novo, de qualquer maneira...”

Foi um tanto reconfortante ver Marguerite agindo diferente do normal. Porém com certeza ela também vira Percival de perto. Angeline tinha visto Marguerite congelar, incapaz de fazer qualquer coisa. Que impressão ela teve dele, então?

Angeline se sentiu um pouco irritada até que ouviu alguém tossir além da divisória.


Kasim e Percival sentaram-se ao lado de Belgrieve enquanto este dormia.

“Onde esteve todo esse tempo?”

“Oh, já passei por tudo. Passei mais tempo na capital imperial, acho... Você está aqui há muito tempo?”

“Não tenho contado. Embora pareça uma eternidade.”

“Entendo... Tem sido doloroso, certo?”

“Minha dor é insignificante.” Percival fez uma careta quando levou a mão à boca e tossiu. “Cough... Contudo, por que agora...?”

“Muitas coincidências aconteceram e se acumularam. No entanto, graças a isso, descobrimos este lugar.”

“Essa é a única razão pela qual vocês vieram aqui?”

“O maior motivo, pelo menos. Embora existam alguns materiais de que precisamos também.”

“Cough... Hack...” Percival teve outro ataque de tosse. Ele respirou fundo e ficou em silêncio.

Kasim continuou divagando, sentindo-se um pouco irritado.

“Hey, Percy. Você pode não ter se perdoado, mas Bell já o perdoou. Não há necessidade de aguentar sozinho.”

“Perdão, é...?” Percival disse com um estranho sorriso autodepreciativo no rosto. “Que bem isso fará a alguém?”

“Percy?”

“De que materiais precisam?”

“Hum...? Ah, se bem me lembro, precisamos do cristal de mana de An À Bao A Qu...”

“Entendido.” e com isso, Percival se levantou.

“H-Hey, Percy...”

Contudo antes que Kasim pudesse dizer mais alguma coisa, Belgrieve gemeu e abriu um olho. Percival congelou, um olhar assustado em seu rosto. Ele cuidadosamente levantou a bainha de sua capa e a usou para cobrir a boca enquanto Kasim tirava o chapéu.

“Bell, como você se sente?”

“Kasim... Está estranhamente frio... Isso não é um pouco demais...?” Belgrieve tentou se levantar, no entanto seu corpo não o ouvia e mal conseguia se mexer.

Com uma expressão horrível no rosto, Percival se abaixou e colocou a mão na testa de Belgrieve. Belgrieve olhou-o, surpreso.

“Você é...?”

“Apenas vá dormir.”

Depois de ter parado as tentativas de Belgrieve de se despertar, Percival marchou rudemente pela divisória e ser apressou em seguir seu caminho.

Belgrieve piscou e olhou para Kasim sem expressão.

“Eu senti algo... Um pouco nostálgico...”

“Hehehe... Não pode dizer? Bem, os dois envelheceram.”

“O que...? Hey, não me diga...”

“Vou atrás dele. Apenas o que está passando por aquela cabeça estúpida...?” Kasim se levantou e cruzou a soleira, onde encontrou Angeline e os outros olhando em sua direção.

“Kasim...”

“Ange, cuide de Bell para mim, não parece muito bem ainda.” disse Kasim enquanto corria no que achava ser a direção certa.

Angeline correu para o lado de Belgrieve.

“Pai!”

“Hmm... Oh, Ange.” embora tentasse se levantar, parecia que não conseguia reunir forças nas pernas, então cedeu e se contentou em sentar-se ereto.

Angeline timidamente se abaixou e colocou a mão na cabeça de seu pai.

“Sua febre está alta. Precisa dormir...”

“Que vergonhoso...” Belgrieve deitou-se de bruços mais uma vez e fechou os olhos.

“Ange... Aquele homem que estava com Kasim...”

Embora seu mero pensamento perturbasse Angeline outra vez, isso não era nada para esconder.

“Sim... Aquele era o Sr. Percy...”

“Eu sabia.” Belgrieve deu um profundo suspiro, entretanto sua expressão era um pouco aliviada.

“Meu Deus, andando por aí com aquela carranca no rosto... O que fazer com ele...?”

“Pai...”

“Hmm, você gostaria de um pouco de elixir?”

Houve uma voz vinda de trás. Angeline se virou assustada, ficando cara a cara com Maureen, que segurava o espeto de Bahamuth na boca.

“Quem é você?” Belgrieve perguntou.

“Sou Maureen, um prazer conhecê-lo. A grande onda está chegando e vai ser difícil encará-la assim.”

Belgrieve considerou suas palavras e sorriu.

“Minhas desculpas... Posso aceitar essa oferta?”

“Claro. Afinal, estaremos lutando juntos. Certo, Touya?”

“Sim. Ainda assim, não é comum ver um grupo de aventureiros de pai e filha...” Touya refletiu, parecendo bastante impressionado. Então, engoliu a respiração quando notou a grande espada encostada no pilar mais próximo.

“O que... O que é essa obra-prima?”

“Hmm, elixir, elixir... Onde coloquei?” Maureen murmurou enquanto vasculhava sua mochila.

O barulho do lado de fora do prédio ficou ainda mais alto. Parecia que outro monstro havia emergido das profundezas. Marguerite caminhou até a janela.

“Outro, Ange. O que quer fazer?”

“Vou ficar com o pai.”

“Tudo bem, você faz isso. Vou tentar.”

“Vou junto desta vez. Estou preocupado com Ishmael.” declarou Duncan antes de erguer o machado sobre o ombro e correr com Marguerite.

“E quanto a nós, Maureen?” Touya disse, seus olhos vagando. “Todo mundo saiu.”

“Me dê um segundo. Hmm... Que estranho.”

Maureen tirou todos os tipos de itens, mas o elixir simplesmente não saía da sacola. Ela era uma pessoa confiável ou não? Apesar da situação, Angeline não pôde deixar de sorrir. Embora Belgrieve estivesse deitado, falou de repente.

“Ange.”

“O que foi, pai?”

“O que achou de Percy?”

Sendo franca, Angeline só poderia descrevê-lo como assustador, e Marguerite também disse o mesmo. Era como se aquele homem formidável a atravessasse se ousasse se aproximar dele.

Vendo Angeline lutar para encontrar as palavras certas, Belgrieve deu um sorriso irônico. Foi o suficiente para lhe contar tudo.

“Percy é um cara alegre, enérgico, no fundo...”

“Você quer vê-lo...?”

“Sim. É por essa razão que vim para cá. Preciso melhorar logo... Sinto muito por ser um pai tão inútil.” o sorriso de Belgrieve se suavizou quando deu um tapinha no ombro de Angeline. Seus olhos se fecharam e, em pouco tempo, sua respiração se estabilizou e voltou a dormir.

Angeline continuou segurando a mão do pai, levantando-se apenas quando este parecia estar num sono pesado. Ela se virou para Touya e Maureen, a última dos quais ainda estava vasculhando sua bolsa.

“Sei que pode ser um pedido estranho, porém vocês poderiam cuidar do meu pai? Por favor?”

“Hmm, bem, por que não. Porém os elixires... Eu achava que ainda tinha um monte deles...”

“Onde você está indo, Sra. Angeline?”

“Vou trazer o amigo do pai de volta.”

Ela passou pelos dois e seguiu seu caminho.


Era como se todos os sons tivessem desaparecido. Ele tentou torcer o ruído de sua garganta, contudo não importa o quanto queria gritar, sua voz falhou. Além do mais, parecia que sua perna direita estava pegando fogo. Não era nada tão trivial quanto à mera dor. Era como se seu pé estivesse sendo esmagado em um torno muito quente.

Apenas quando pensou que seu ambiente distorcido e ondulado estava endireitando-se, o grito de sua própria garganta por fim alcançou seus ouvidos.

“AaaAaaaaaaAAAA—!!!”

A dor vinha do joelho. Apertou-o com as duas mãos e sentiu um líquido morno manchando suas mãos. Era detestavelmente pegajoso, com uma sensação como se estivesse grudado em sua pele. A ponta úmida da calça grudava na perna. Estava infernalmente quente, no entanto de alguma forma também muito frio.

Sua respiração tornou-se irregular.

“Hã? Ah... O-O que é que...?” a elfa caiu de joelhos em transe.

“Sua... S-Sua perna...” o garoto de cabelos castanhos gaguejou, a voz trêmula.

“Agh... Ah... Hah.” os gritos pararam assim que sua garganta secou. O garoto ruivo respirava com dificuldade, como se seu peito estivesse congestionado.

Seu rosto esfregou no chão. Eles estiveram em uma caverna momentos antes, mas podia ver um céu cheio de nuvens acima. A luz do sol era fraca; as sombras eram finas. Não havia teto, o que significava que estavam fora da masmorra — seu pergaminho de fuga havia chegado a tempo. Todo mundo estava suando, porém suas costas estavam frias. Apenas sua perna direita permaneceu queimando.

“Todos estão... Seguros...?” os olhos do menino se moveram para observar o ambiente: um menino de cabelos castanhos, à beira das lágrimas; o rosto muito pálido de uma donzela élfica; um menino com cabelos louros, ainda sentado ali com um olhar vazio. Todo mundo tinha conseguido. O garoto ruivo fez uma careta enquanto colocava a mão no peito.

“Graças aos céus...”

“N-Nós poderíamos ter... Mas, mas...”

“Hey... O que... O que aconteceu... Com a minha... Perna...?”

“Ah... Ah...” o garoto de cabelos castanhos estava sem palavras.

Como se de repente percebesse a situação, a elfa correu para o lado dele.

“Precisamos parar o sangramento!” gritou.

A elfa pegou uma corda fina, envolvendo-a na base da coxa do menino com firmeza. Oh, deve ser onde me machuquei. O garoto ruivo estava estranhamente calmo enquanto seus olhos captavam as lágrimas da elfa.

“Você está perdendo calor!”

“É... Estou com frio... Que estranho...”

“Urgh... Tanto sangue... Não, isso não pode... Por favor, não morra...”

Lágrimas rolaram dos olhos da elfa enquanto tentava pressionar a ferida com as mãos, desesperada. Contudo o sangue não parava de escorrer.

“Eu vou ficar bem... Apenas me empreste... Um ombro...” o garoto tentou se levantar para tranquilizar a garota. Entretanto ele não conseguia colocar nenhuma força em seus pés. Que peculiar. Não é assim que deveria ser. Oh, é mesmo. Minha perna direita está machucada, certo? Me pergunto quanto tempo vai demorar para melhorar. Acho que vou causar alguns problemas para eles até então.

Uma voz o chamou. O garoto loiro cambaleou até ele.

“Por que...? Por que...?”

“Estou contente por você estar seguro.”

O menino se encolheu.

“Por quê?”

Ele abriu a boca para dizer mais alguma coisa, no entanto de repente foi acometido por um ataque de tosse doloroso e teve que apertar o peito. O garoto loiro caiu de joelhos tossindo.

“Cough! Grr... Cough, hack! Droga, por que agora... Dane-se tudo! Pare, droga... Cough, hack... Por que não para? Cough, hack!”

O menino pegou seu sachê e o pressionou na boca. Normalmente, os efeitos viriam em pouco tempo, todavia não foi desta vez. Seu punho atingiu contra seu peito várias vezes em irritação. Não havia nada de engraçado naquilo, mas o garoto ruivo se viu sorrindo de qualquer maneira.

Gradualmente, suas pálpebras ficaram mais pesadas. Seus sentidos enfraqueceram e apenas o calor em sua perna direita permaneceu.


No momento em que Kasim alcançou Percival, a batalha já havia começado ao redor do abismo. Percival prosseguiu, sem hesitar, abrindo caminho entre os aventureiros.

Um grande caranguejo de carapaça áspera e esburacada aproximou-se com patas grossas e pontiagudas que batiam no chão. Sua concha ostentava uma forma sinistra de caveira — e Percival partiu-a bem no meio.

“Percy! Hey!” Kasim chamou enquanto apagava um caranguejo próximo com magia.

“O que está tentando fazer? Onde está indo?”

“Vou pegar seu cristal de mana para você.” disse Percival enquanto cortava outro.

Kasim ajeitou o chapéu com cansaço.

“Hey, vamos... Está tentando expiar ou algo assim? Não há necessidade disso, Bell nem está com raiva. Não te disse? Ele ficou forte o suficiente para chegar até aqui. Não há nada que com que precise se estressar.”

“Não estou pedindo perdão... Não tenho o direito de encontrar Bell. Voltarei assim que tiver o necessário.”

“H-Hey!”

Percival tinha uma expressão estranhamente filosófica em seu rosto enquanto ria.

“Ele viveu uma vida boa — até arranjou uma filha. Isso é o suficiente, não acha? Para que precisa de mim, neste momento?”

“Não é verdade! Não quero ver você ou Bell sofrendo! Tenho que me reunir com ele de verdade, e é hora de que deixes os seus fardos também!”

“Isso porque... Não é sua culpa que Bell perdeu a perna.”

Kasim congelou como se seus pés estivessem cobertos de gelo. Pressionando o sachê contra a boca, Percival voltou-se em sua direção.

“Quando eu vi a perna de Bell perdida lá atrás... Sabia que era impossível, afinal. As imagens daquele dia, o cheiro de sangue, o som da respiração ofegante... Tudo voltou para mim. No fim das contas, não me redimi nem um pouco.” murmurou Percival enquanto brandia a espada para remover os pedaços de monstros presos a ela.

“Eu deveria ter ido embora e resmungado. Mas estava com medo. Disse a mim mesmo várias vezes... Porém é ridículo. Roubei o futuro do meu amigo e lá estava eu, agarrado ao meu... Sou um covarde.”

“Você está errado... Bell não perdeu seu futuro. Hey, já tentou falar com Ange? Já a viu, certo? A filha de Bell. Ela é uma garota muito boa. Bell fazia o possível mesmo quando estava sozinho. Quanto tempo está planejando fugir?”

“Isso não é tudo. Mesmo quando estive com Bell lá atrás, eu...”

Antes que pudesse terminar, a garra de um monstro caiu sobre seu corpo. Percival cortou-o em dois sem dificuldade, depois deu um salto em direção ao abismo. Sua capa tremulou quando caiu na escuridão.

Com os olhos arregalados, Kasim correu para a borda. “Percy!” ele gritou. Não houve resposta. Por um momento, Kasim hesitou, contudo começou a reunir forças para persegui-lo. Antes que pudesse pular atrás, uma figura o alcançou por trás, jogando-se no buraco. Quando seus pés travaram em surpresa, Kasim testemunhou o esvoaçar de longos cabelos negros trançados flutuando na brisa morna da noite.

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