segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 08 — Capítulo 103

Capítulo 103: Um corredor longo e escuro

Um corredor longo e escuro terminava numa grande porta de ferro. À primeira vista, o portal robusto e solenemente ornamentado parecia ser a entrada de uma prisão. No entanto, além desta porta havia um pequeno e secreto jardim dentro do palácio. Os arbustos e arvoredos curtos formavam fileiras ordenadas, explodindo em exibições prismáticas de lindas flores. Todavia, as paredes ao redor eram altas e estreitas, cortando o céu em uma pequena fatia retangular. Embora bonito, era apertado e sufocante também.

No fundo do jardim, um homem solitário com feições bonitas e cabelos dourados e brilhantes estava sentado em uma cadeira pequena e desgastada. Não era outro senão o príncipe Benjamin.

Ele ficou sentado perfeitamente imóvel, olhando para o pequeno segmento do céu acima, até ouvir a porta se abrir com um som pesado, mas de um estridente desagradável, para deixar entrar um homem.

“Vossa Alteza.” disse o homem que se aproximava — François.

Benjamin fez uma leve assentida com a cabeça, contudo seus olhos não se voltaram para François.

“Parece que você falhou.” comentou em tom divertido.

“Minhas mais sinceras desculpas. O aventureiro não adiantou.”

“Então foi demais para Hector? Bem, ela é alguém que conseguiu escapar de Schwartz. É compreensível.” Benjamin riu alto, por fim olhando para François. “No entanto ela tem um pacto. Não pode se afastar muito da capital.”

“Um pacto? De que tipo?”

“Quer saber? Abaixo desta terra dorme a casca de um antigo deus que caiu na batalha contra Salomão. Ela fez um pacto com isso.”

“Um deus antigo...” O rosto de François empalideceu. As palavras permaneceram apenas na legenda; antes de Salomão, havia um panteão de deuses antigos que governavam a humanidade. Entretanto, ao relembrar as lendas, sentiu que algo estava errado. “Foi derrubado por Salomão? Segundo a lenda, deveria ter sido a Grande Viena que derrotou aqueles deuses.”

Benjamin gargalhou.

“Quem pode dizer que tudo o que é transmitido é verdade? A Igreja de Viena disse isto para ganhar alguma credibilidade. Heheheh... No entanto falar sobre história tende a se arrastar. Vamos ter uma longa conversa sobre isso na próxima vez.”

“S-Sim, senhor.” o assunto surgiu como um raio do nada e François parecia perplexo com ele.

Benjamin cruzou as pernas e entrelaçou os dedos atrás da cabeça.

“Bem, pode ser chamado de ‘deus antigo’, mas perdeu sua força há muito tempo. Tudo o que resta são alguns de seus arrependimentos persistentes, e apenas vagamente.”

“Porém isso é suficiente para entrar em um pacto...?”

“Haha... Eu chamo isso de pacto, contudo não significa que o deus ainda tenha alguma vontade clara no mundo. Apenas o poder — ou melhor, o sistema — permanece. E você ainda pode abusar se seguir as etapas adequadas. Quando se trata de formar barreiras e reinos, ela ganhou os poderes que a permitiram escapar até de Schwartz. Em troca, não pode deixar esta terra. É uma daquelas facas de dois gumes.”

“En... Entendo...”

Benjamin sorriu e bateu palmas. Aparentemente do nada, uma empregada apareceu trazendo uma bandeja de chá. Sua expressão vazia não mostrava nenhum sinal de emoção.

“Então o que aconteceu com Hector?”

“Eu o fiz retornar à capital, por enquanto.”

“Entendo. Hmm... Vamos fazer com que Hector monte uma rede de vigilância na capital. Você leva seus soldados para Findale de novo. Agora que a encontramos uma vez, é apenas uma questão de tempo até que possamos pegá-la novamente... Oh, certo. Maitreya irá acompanhá-lo. Não deverá ter problemas se levá-la junto.”

“É claro... No entanto, Sua Alteza, não posso tomar sua guarda...”

“Haha, não se preocupe comigo. Tenho outros guardas capazes.”

Como se chegasse a uma conclusão repentina, François virou-se. A empregada estava agora bem atrás dele, seus olhos vazios fitando sua alma. François fez uma rígida genuflexão para Benjamin antes de praticamente fugir do jardim.

A pesada porta de ferro se fechou, seus ecos reverberando no silêncio.

Benjamin permaneceu sentado, olhando para o céu azul acima, entrelaçado com finos fios de nuvens flutuando acima.

Da escuridão veio à voz de uma criança.

“Que farsa”.

Benjamin olhou quando uma pequena sombra emergiu. Ela usava roupas pretas e seu rosto estava velado. A criança não podia ter mais de dez anos, todavia havia confiança nos seus passos e a sua voz era clara e articulada.

“Oh, Maitreya, estava aqui?”

“Quanto tempo mais pretende brincar?”

“A vida é para se divertir um pouco.”

“Se quer jogar, jogue sério. Não é sequer um jogo se você se contém.”

“Severa. Mas a elfa é de fato formidável. É a primeira a desafiar a mim e a Schwartz por tanto tempo.”

Maitreya encolheu os ombros.

“Isso acaba agora.”

“Hehehe, estarei esperando pelas boas notícias.”

Bem diante dos olhos de Benjamin, a forma de Maitreya desapareceu nas sombras.


A estrada de Istafar à capital imperial foi mantida com bastante diligência. Embora não fosse pavimentado, a terra que o compunha estava bem nivelada, com apenas solavancos e quedas ocasionais. Ainda quando incontáveis vagões de todos os formatos e tamanhos passaram por cima dele, as rodas nunca prenderam em nada. Fazia sentido, uma vez que o comércio com o Oriente era um dos pilares de sustentação da economia do Império Rodesiano — e no comércio externo, a facilidade de transporte estava diretamente correlacionada com o lucro.

O grupo de Angeline conseguiu entrar no território imperial sem qualquer problema. Eles viajavam em diligências e também trabalhavam como guardas de vendedores ambulantes solitários, parando em várias cidades e vilarejos ao longo do caminho.

Além de Tyldes, a Rodésia partilhava a sua fronteira sul com o Império Dadan e Lucrecia, este último sendo o centro da Igreja de Viena. Embora as cidades nesta fronteira tenham sido construídas em maior parte com arquitetura imperial, o estilo combinava naturalmente com um toque internacional variado.

Essas cores estrangeiras desvaneciam à medida que se aproximavam da capital, porém as cidades pelas quais passavam ainda pareciam novas e refrescantes. Tudo era novo para Marguerite, e mesmo o grupo de Angeline não tinha conhecimento do mundo além de Estogal. As paisagens desconhecidas, os edifícios que possuíam sutis diferenças dos de Orphen e, claro, a comida — era uma alegria ver tudo.

Houve um barulho quando passaram por uma carroça carregada até a borda. Angeline se mexeu um pouco no assento para encontrar uma posição mais confortável para sua bunda. Com a estrada tão plana, o choque que sentia sempre que atropelavam até mesmo a menor pedra parecia muito maior.

Ela bocejou e se espreguiçou, olhando para as paisagens que passavam. A base de uma montanha invadia o lado direito da carroça, enquanto uma vasta planície se espalhava à esquerda com uma floresta além desta. Angeline viu o que pareciam ser jovens aventureiros indo e vindo da orla da floresta, talvez para coletar materiais. O tempo estava bom e o sol estava quente; era um dia calmo e claro de outono. Os ventos que por vezes acariciavam sua pele eram um pouco frios, ao contrário da brisa do sul a que estava acostumada. Se fosse assim por aqui, o norte já teria sido visitado por um frio forte.

Há muito tempo Marguerite estava debruçada na lateral da carruagem, olhando a paisagem. Ela parecia nunca se cansar disso — ou talvez essas paisagens inspirassem visões das aventuras que viveria algum dia. Sentindo-se um pouco travessa, Angeline rastejou furtivamente por trás da elfa, estendeu a mão e cutucou-a sob a axila.

“Hwah! O que pensa que está fazendo, idiota?”

“Você viu alguma coisa...?” Angeline riu enquanto subia ao seu lado.

Esticando os lábios, Marguerite cutucou o flanco em resposta.

“Já faz algum tempo que não passa de floresta, contudo parece que vai acabar em breve. Quanto tempo até a próxima cidade?”

“Não muito.” disse Touya. “Quanto mais perto chega da capital, menos espaço há entre cada cidade.”

Certamente, parecia um evento mais frequente agora que eles estavam na estrada há pouco menos de meio dia. Deve ser porque tem muita gente por aí, pensou Angeline.

“Findale, hein? Já faz um tempo.” murmurou Percival.

Kasim assentiu.

“Nunca saí do meu caminho para ir a Findale, no entanto já passei por lá algumas vezes.”

“Que tipo de cidade é?” Miriam perguntou.

Percival segurou o queixo e estreitou os olhos.

“Bom, é uma cidade perto da capital. Se estiver indo para a capital, passará por ela com mais frequência. Isso significa que tem muitos visitantes e é um lugar bem grande...”

“Quando a Rodésia lutou contra a grande cavalaria de Tyldes, serviu como uma fortaleza, impedindo a invasão perto da capital.” acrescentou Ishmael, assumindo a explicação. “As muralhas e o campo de desfiles do antigo forte ainda permanecem.”

Anessa, que estava balançando a cabeça, entrou na conversa.

“Orphen também é um centro comercial. Você está dizendo que é ainda maior?”

“Não sei sobre Orphen, entretanto Findale participa da prosperidade da capital, a cidade central de todo o império.”

Para Angeline, Orphen já era ‘a cidade grande’. Uma cidade maior era mais do que sua imaginação poderia suportar. É certo que a cidade de Estogal era grande, todavia a sua imensa relutância em realmente ir para lá e o fato de não ter feito nenhuma exploração significava que dificilmente lhe deixava uma impressão.

“Ahh.” Miriam suspirou, esfregando as mãos nas bochechas. “Mesmo assim, aquele banho foi bom. Minha pele está agradável e macia.”

“Sim. É como se todo o cansaço tivesse sido drenado de mim.” Anessa concordou com alegria.

A cidade onde ficaram na noite anterior tinha uma fonte termal natural e a água era de tão alta qualidade que muitos clientes viajaram de longe apenas para tomar banho nela. Não querendo deixar passar essa oportunidade, o grupo deu um mergulho e lavou um pouco do cansaço da viagem com a sujeira da estrada. Eles estavam se sentindo bastante revigorados quando embarcaram na próxima diligência.

“Foi um banho muito gostoso, me lembrou de casa.”

“Havia uma fonte termal em sua cidade natal, Sra. Maureen?”

“Sim. Era um lugar frio, sabe, no entanto a primavera o tornava agradável e aconchegante.” exclamou Maureen enquanto vasculhava sua bolsa e tirava um embrulho embrulhado em casca de árvore fina. Parecia ser uma massa de trigo cozida no vapor da fonte termal.

Touya olhou para o embrulho sonolento. “Quando você teve a chance de comprar isso?”

“Pouco antes de partirmos. Oh, tenho o suficiente para todos.”

Maureen estendeu mais pacotes de pãezinhos cozidos no vapor. Angeline e as outras jovens aceitaram ironicamente, enquanto Belgrieve e seus camaradas de meia-idade recusaram por enquanto.

Angeline mordeu o pão cozido no vapor. Havia pequenos grãos marrons escondidos sob a parte externa — pareciam ser feijões cozidos em calda doce. Ainda estava um pouco quente e fofo, com uma consistência elástica.

Quando terminou o pão, percebeu que Belgrieve parecia estar pensando profundamente sobre alguma coisa. Angeline aninhou-se ao seu lado.

“O que foi, pai?”

“Hmm? Ah, eu estava pensando em como já devem ter começado a se preparar para o inverno em Turnera.” respondeu Belgrieve. Ele continuou, murmurando. “Acha que as cebolas já estão enterradas? Já semearam o trigo?”

Angeline sentiu-se estranhamente feliz e encostou-se nele. Belgrieve olhou para ela com curiosidade.

“O que deu em você?” perguntou.

“Hmm... Não é nada...”

Mesmo que viaje e encontre seus velhos amigos, o pai ainda é o pai — essa percepção veio para Angeline com uma sensação de alívio. Quando tentava raciocinar com a cabeça, apenas se confundia, mas eram coisas triviais como essa que podiam acalmar seu coração.

“De que adianta se preocupar com os campos quando está aqui?” Kasim brincou.

“Tem razão, porém não posso deixar de me perguntar a respeito. No fundo, sou um agricultor.”

“Minha nossa. Quando te vejo, não tenho ideia de por que ainda me considero um aventureiro.” disse Percival, encostado na lateral da carruagem.

Touya colocou suas malas no colo.

“Sim, com o Sr. Belgrieve sendo tão forte quando ele não o é há anos...”

“Eu sei, certo? Por que só não se reintegra, Bell?”

“Como posso ser um aventureiro quando estou aqui preocupado com a colheita?” Belgrieve disse com uma risada.

Há pouco tempo, Angeline teria ficado nas nuvens se Belgrieve tivesse retornado como aventureiro. Ainda estaria feliz agora, é claro, mas por estranho que pareça, não estava mais explodindo de alegria com a perspectiva.

“Pensando bem, por que todos vocês decidiram se tornar aventureiros?” Touya perguntou, a pergunta acabando de lhe ocorrer. “Sei que você não é um no momento, Sr. Belgrieve, porém queria ser um há muito tempo, certo?”

Belgrieve torceu os cabelos da barba, com uma expressão preocupada no rosto.

“Neste momento, não consigo me lembrar com clareza, contudo... Perdi meus pais cedo. Sim... Pelo que me lembro, estava pensando: ‘Não posso ficar aqui. Preciso estar em outro lugar, fazendo outra coisa’. Eu era jovem... Naquela época, tinha um pouco de confiança nas minhas habilidades. Assim que cheguei à cidade grande, descobri que era apenas um sapo num poço.”

Angeline estufou as bochechas e pressionou o corpo contra ele.

“Isso não é verdade. O pai é incrivelmente forte. Tornei-me uma aventureira porque o admirava...”

“Bem, é assim no seu caso.” disse Anessa, encolhendo os ombros e suspirando. Todos compartilharam uma risada alegre.

E mesmo assim, embora Touya tenha participado, seu coração não parecia estar de todo envolvido.

“O que eu daria... Você é sem dúvida forte, Sr. Belgrieve.”

“Não colocaria assim... Agora, e vocês dois? O que os estimulou?” Belgrieve voltou à conversa para Percival e Kasim. Os dois trocaram um olhar, ambos inclinando a cabeça, pensativos.

“No meu caso, apenas não conseguia pensar em mais nada para fazer. E no seu caso, Kasim?”

“Fui um garoto órfão de favela. Tive que colocar comida na mesa de alguma forma.”

“Oh, agora que mencionou, espere, você não estava jantando e correndo na primeira vez que nos conhecemos? Não se lembra, Bell?”

“Sim, é verdade. Percy disse: ‘Um ladrão! Vamos pegá-lo!’ e então te perseguimos. Então fomos destruiu com magia.”

“Aquilo doeu como o inferno. Foi amor à primeira briga — sabia que precisava trazê-lo para o grupo. E então comecei a persegui-lo por um motivo diferente.”

“Percy estava correndo atrás de mim como se seu salário dependesse disso. Tinha certeza de que ele iria me entregar direto aos soldados, então fiquei me debatendo mesmo depois que me pegou. Bom, depois disso, Bell fez com que nos acalmássemos e conversássemos, e entrei no grupo no fim.”

“Hmm, então é assim...” Anessa piscou. “Hã? Sr. Kasim também é um órfão?”

Kasim riu e esfregou o nariz

“Está correta. Hehehe! Me traz memórias. Eles não tinham muitos empregos para um pirralho sujo como eu. Quando não consegui encontrar trabalho, tive que recorrer a coisas nada boas para sobreviver.”

“Espere — então isso significa que você também era órfã, Anne?” perguntou Touya.

Anessa assentiu.

“Sim, eu e Merry, crescemos no mesmo orfanato. Tivemos que nos defender sozinhas de alguma forma, então decidimos nos aventurar.”

“Certo, certo. As irmãs queriam que fizéssemos trabalhos normais, no entanto forçamos a passagem por elas! Foi muito problemático quando começamos.” Miriam riu.

“Entendo...” Touya cruzou os braços. “E no seu caso, Sr. Ishmael?”

“Bem, não queria de fato me tornar um aventureiro... É só que contratar pessoas para reunir os reagentes que preciso leva tempo e dinheiro...”

“Haha! Então decidiu fazer o trabalho por conta própria?”

“Exato. Entretanto, agora estou passando mais tempo na estrada do que no laboratório... Parece que inverti um pouco minhas prioridades.” disse Ishmael com um sorriso irônico.

“Nom...” Maureen mordeu seu terceiro pãozinho cozido no vapor. “Todos vocês têm razões esplêndidas. No meu caso, só odiava a vida nas terras élficas.”

“O mesmo aqui.” Marguerite concordou. “Mas sabe, sair em aventuras só para colocar pão na mesa? Não parece certo para mim. Precisa sonhar mais alto — há um mundo inteiro lá fora.”

“Isso é o tanto de trabalho que dá, Maggie. O mesmo para aventuras e qualquer outro trabalho.”

“Hmm... Bem, eu gosto de ser uma aventureira. Você não é?”

Todo o grupo sorriu e assentiu. Maggie com certeza é inocente, pensou Angeline, sentindo um calor em seu coração junto com um desejo de importuná-la. Ela recostou-se na beirada da carroça, encantada pela amiga, antes de se virar para Touya.

“E você...?” ela perguntou.

“Hã? Eu? Ah, para mim... É como uma rebelião.”

“Rebelião?”

“Sim, bem, contra meus pais. Embora possa parecer engraçado para você, Sra. Angeline.”

“Haha! Te entendo. Passei algo parecido. Foi o mesmo comigo.” rugiu Percival, dando um tapinha no ombro de Touya.

Angeline fez beicinho.

“Precisa se dar bem com a família...”

“Acho que sim... Haha...” Touya deu uma risada perturbada e coçou a bochecha.

Ao longo da hora seguinte, eles passaram por várias carroças puxadas por cavalos, alguns cavaleiros desmontados puxando seus cavalos pelas rédeas e outros viajantes a pé. Ultrapassando todas essas pessoas que seguiam na mesma direção, gradualmente se aproximaram da cidade. Angeline se inclinou para fora da janela da carruagem para olhar para frente, apoiando-se com uma das mãos no parapeito. Além de uma cordilheira de colinas grandes e pequenas, viu uma estrutura alta e esbelta.

“Acho que consigo ver uma torre...”

“Hã? Onde?” Marguerite perguntou, inclinando-se também.

“Essa deve ser a torre de vigia de Findale.” explicou Ishmael. “À noite, acendem uma fogueira no topo para orientar os viajantes.”

“Hmm, então é como um farol. Interessante.”

Por fim, chegaram perto o suficiente para ouvir o relincho barulhento dos cavalos, os gritos e as risadas vindos do grande portão aberto nas muralhas da fortaleza, por onde muitas pessoas saíam e entravam.

“Wow!” Marguerite exclamou no momento em que passou por aquelas portas. Havia fileiras de edifícios de pedra, pequenos e grandes, alguns dos quais magnificamente decorados com pedras coloridas na argamassa. Parecia que cada prédio tinha pelo menos dois andares, e a maioria tinha três. E nos espaços entre os edifícios, pairando sobre os becos, as bandeiras do império ondulavam penduradas em cordas esticadas pelos becos. O céu parecia muito mais estreito do que em Orphen. A atmosfera aqui era bastante energética; as pessoas eram de todas as raças, seus rostos lembravam o sul, o oeste e o leste, e havia homens besta com todos os tipos de características entre eles.

Se as coisas são assim antes mesmo de chegarmos à capital, deve ser ainda maior lá, raciocinou Angeline. Embora estivesse ansiosa por isso, também estava um pouco sobrecarregada, e essas emoções conflitantes fizeram com que se agarrasse ao braço de Belgrieve.

“Incrível... É bastante animado.” disse ela.

“Sim, estou atordoado... Orphen era grande, mas isso é...” até Belgrieve ficou surpreso. Eu sou igual ao pai, ela percebeu e sentiu algum alívio. Por outro lado, Percival e Kasim não pareciam particularmente impressionados e às vezes até bocejavam.

A carruagem parou pouco depois de terem entrado na cidade, numa grande praça aberta que parecia servir de centro de transportes. Todos os passageiros com quem viajavam saíram antes de descerem também com as malas nas mãos.

Havia barracas montadas em todo o perímetro da praça e vendedores ambulantes descarregando suas carroças.

“Whoa! Por que tem tanta gente aqui, hein? De onde todos vieram?” Marguerite exclamou em voz alta, quase saltando.

“Como diabos vou saber.” respondeu Percival sem rodeios. “Devem ter saído de algum lugar.”

Anessa e Miriam também estavam se orientando, estando um pouco nervosas. Era semelhante à Orphen em termos de aparência, porém o clima era bem diferente. Era barulhento com todas essas energias diferentes colidindo umas com as outras. Ao que parecia, a capital ficava a uma curta distância, embora fosse um pouco longe para ir a pé; de preferência, queriam encontrar outro cocheiro.

Angeline avaliou o ambiente e logo percebeu algo estranho no ar. As pessoas que passavam os lançavam olhares estranhos e faziam sussurros furtivos. Seguindo seus olhares, percebeu que pareciam estar focados em Marguerite e Maureen.

É porque os elfos são raros? Contudo esses olhares são um pouco perturbadores para ser o caso... Angeline deixou seus olhos vagarem preguiçosamente enquanto ajustava a posição da espada em seu quadril.

De repente, um grito perfurou o ar — veio do homem cujo braço Marguerite estava torcendo, deixando-o de joelhos e provocando gritos de dor. Os olhos penetrantes da elfa perfuraram-no.

“Qual é o problema para tentar agarrar alguém assim?”

“Au-Augh! Me ajudem! É a garota procurada! A elfa!” o homem gritou, no mesmo instante reunindo todos os olhares sobre eles. A maioria apenas assistiu de longe, no entanto algumas pessoas com aparência de aventureiro pegaram suas armas e fizeram menção de intervir.

Marguerite pegou sua espada com raiva.

“Procurada? Eu? O quê, só porque sou uma elfa?”

“Espere, Maggie, acalme-se!” Belgrieve gritou enquanto ele e Percival tentavam acalmar sua fúria. Os aventureiros que se aproximavam ficaram sem fôlego com o ar intimidador de Percival, como o de um leão faminto.

“Quem diabos é você...?”

“Poderia explicar o que está acontecendo aqui?” Belgrieve perguntou. “Ser elfo é suficiente para esperar perseguição nesta cidade?”

Os aventureiros trocaram olhares.

“Não é bem assim... Tem havido um aviso circulando nos últimos dias — diz para pegar qualquer elfo que encontrarmos.”

“Houve uma elfa que atacou alguns soldados imperiais há algum tempo.” acrescentou outro.

“A recompensa também é muito alta. Estão procurando apenas uma elfa específica, entretanto é melhor pegar todos. Eles precisam de tantas pistas quanto puderem conseguir.”

“Essas garotas acabaram de chegar de Tyldes hoje. Não há razão para que elas sejam procuradas nesta cidade.” explicou Belgrieve.

“Hey, não me pergunte. Estamos apenas fazendo nosso trabalho aqui.”

“Falar é fácil. Pode dizer o que quiser, mas onde está a prova de que está dizendo a verdade?” outro aventureiro exigiu.

“Então chame os guardas. Nenhum das duas é a elfa que está procurando. Não há necessidade de prendê-las — algumas perguntas devem esclarecer tudo.”

“Hah! Você só vai usar essa chance para fugir.” os aventureiros estavam apenas se fazendo de fortes. Não conseguiram se mover sob a pressão do olhar de Percival e permaneceram paralisados e enraizados no local. Não demorou muito para que não houvesse mais civis nas imediações. Todos os espectadores recuaram para uma distância segura, observando o confronto com a respiração suspensa. Desde então, mais aventureiros foram atraídos pela comoção e o grupo estava agora completamente cercado.

“Droga... O que há com toda essa situação? Estava indo tão bem até agora... Isso é o pior. Eu tenho que esconder minhas orelhas e rosto aqui também?” Marguerite murmurou, tremendo ligeiramente. Seus olhos se encheram de lágrimas de frustração. Angeline colocou uma mão gentil em seu ombro.

Por outro lado, Maureen parecia mais curiosa do que qualquer outra coisa.

“Que problemático. Não foi assim da última vez que estivemos aqui.” ela não parecia alarmada com esse desenvolvimento. Touya franziu a testa, porém também não pareceu entender completamente o que estava acontecendo.

“Não era assim antes?” Angeline sussurrou para ele.

“Não... Contudo se uma elfa causou um problema, talvez seja porque alguém tentou importuná-la... Os elfos atraem a atenção, gostem ou não.”

Soava plausível. Afinal, Marguerite ficaria feliz em brigar com os soldados imperiais se o resto do grupo não a estivesse impedindo. Isso é meio miserável, pensou Angeline. Odiaria se fosse para o território dos elfos e s dissessem que todos os humanos tinham que ser capturados porque um humano fez uma bagunça. No entanto acho que a maioria das pessoas não consegue fazer a distinção.

Na época em que ambos os lados estavam cansados do impasse, uma voz estridente ressoou pela praça.

“Ange? É você, Ange?”

Angeline olhou para cima e virou-se para a voz. Uma carruagem extravagantemente decorada parou do outro lado da praça e de dentro uma garota saltou sozinha e começou a correr em sua direção. Indiferente aos olhares ferozes que recebia, a garota se agarrou a Angeline.

“É você mesmo, Ange! Estou tão feliz em vê-la! Como tem estado bem?”

“L-Lize...? O que está fazendo aqui?”

Liselotte, filha do Arquiduque Estogal, alegremente acariciou Angeline. Suas bochechas estavam coradas e seus olhos brilhavam quando levantou o rosto.

“Hehe! Há algum tempo, meu irmão François foi nomeado capitão da guarda de elite do Príncipe Benjamin! Papai me disse para ir ver como François estava e explorar a capital enquanto estava aqui! Não achei que a veria aqui...”

“Que coincidência... O arquiduque também está aqui?”

“Não, o pai não está muito bem. Ele não pode fazer viagens longas, então confiou tudo a mim.”

Angeline se viu sorrindo. Fernand, o filho mais velho, tinha que cuidar dos assuntos governamentais como herdeiro do arquiduque, por esse motivo era fato que não poderia deixar o cargo. Ao enviar Liselotte, contudo, significava que o segundo filho, Villard, havia sido completamente ignorado.

“Sim, te encontrar por pura coincidência — deve ter sido ordenado pela Toda Poderosa Viena!” Liselotte tagarelou animada. “Hey, Ange, no dia em que você saiu, Kasim também desapareceu! Sabe de alguma coisa?”

“Uh...” o olhar de Angeline mudou para Kasim.

O mago sorriu e ergueu a mão.

“Hey, baixinha. Que bom encontrá-la aqui.”

“Wah! Você também, Kasim? É como um sonho! E a senhorita por acaso seria uma elfa? É amiga de Ange? Incrível! Eu sempre quis conhecer um elfo!”


“Quem... Quem é você?” Marguerite gaguejou quando Liselotte a pegou pela mão.

“Eu sou Liselotte! Prazer em conhecê-la, Sra. Elfa!”

“O-Ok...? Meu nome é Marguerite... Hum, o quê?”

“Marguerite! Entendi! Agora, não chore. Você é tão linda, adoraria te ver feliz.”

“N-Não estou chorando!”

Essa interrupção repentina dissipou por completo a tensão no ar. Os aventureiros que os abordaram trocaram olhares, enquanto Belgrieve e os outros olhavam de um lado para o outro entre Liselotte e Angeline, sem saber muito bem o que fazer com toda a situação.

“Ange, conhece essa garota?”

“Hmm, bem, ela é Lize... Liselotte, filha do Arquiduque Estogal.”

“O que? A filha do arquiduque?” Percival estreitou os olhos. O brasão da carruagem só serviu para alimentar a tagarelice da turba que observava. Depois de olhar em volta, Liselotte perguntou.

“O que há de errado? O que aconteceu?”

“Sim, bem, hmm...” Angeline ofereceu uma breve explicação.

Liselotte cruzou os braços descontente.

“Isso é completamente irracional! Estão sendo rudes com essas elfas!” estufando o peito, Liselotte dirigiu-se à multidão. “A casa do arquiduque atesta a sua identidade! Se levantar a mão contra eles, saiba que irão fazer do Arquiduque Estogal um inimigo!” ela proclamou a todos ao som de sua voz.

Essa proclamação deixou pouco espaço para discussão. Os aventureiros embainharam suas armas de má vontade e saíram furiosos. Embora a multidão ainda estivesse barulhenta, aos poucos se dispersou até que o equilíbrio fosse restaurado na praça.

Angeline soltou um suspiro de alívio e segurou a mão de Liselotte.

“Obrigado, Lize. Você foi uma grande ajuda.”

“Oh, não se preocupe — somos amigas! Hey, venha comigo! Essas pessoas também são seus amigos, certo? Adoraria se pudesse me apresentar a eles!” Angeline olhou para Belgrieve. “O que deveríamos fazer...?”

“Se ficarmos por aqui, tenho certeza que outra pessoa vai se concentrar em nós... Que tal aceitarmos sua oferta?” Belgrieve disse, curvando respeitosamente a cabeça para a filha do arquiduque. “Ouvi dizer que você foi de grande ajuda para minha filha da última vez. Deixe-me agradecer por então e uma vez mais por hoje.”

“Hã? Então é o pai da Ange? Wow, é uma honra conhecê-lo!”

“Fico lisonjeado com suas palavras...” Belgrieve deu um sorriso irônico quando Liselotte agarrou sua mão.

Angeline deu uma risadinha, colocando a mão em seu ombro.

“Seu noivo não está te acompanhando...?”

“Ozzie está na vila. Outro nobre está dando uma festa lá, contudo fiquei entediada, então vim para Findale para brincar.”

Ela está tão ousada como sempre, pensou Angeline.

Liselotte chamou uma mulher alta parada ao lado da carroça. Os longos cabelos verde-amarelados da mulher estavam trançados. Talvez fosse portadora de um cajado, pois carregava uma haste de metal mais comprida do que sua altura.

“Vamos, Sooty.”

“Já terminou? Quase fez meu coração parar.”

“Hehe, mas você não me segurou. É por isso que te adoro.”

“É inútil até tentar. E agora?”

“Que tal aquele restaurante que fomos outro dia? Eles deveriam ser capazes de acomodar todos nós.”

“Quer possam acomodar todo o grupo ou não, ninguém recusaria um pedido da filha do arquiduque. A carruagem, no entanto, não comportará todo mundo.”

“Está bem. Vamos caminhar.”

“Tem certeza que é uma senhorita nobre? Minha nossa.”

Sooty suspirou antes de dizer algumas palavras ao cocheiro. Então, começou a andar, assumindo a liderança. Liselotte puxou Angeline pela mão.

“Vamos indo então. Quero ouvir sobre tudo o que tem feito.”

“Hmm, tudo bem...”

O grupo seguiu pela estrada principal. Sem demonstrar nenhuma restrição, Liselotte mudava com frequência, mas com fluidez, de uma conversa para outra, embaralhando tópicos e parceiros de conversa enquanto avançava durante toda a interação. Não demorou muito para que todos gostassem dela. Sua curiosidade inocente e honesta funcionou perfeitamente; até mesmo Marguerite pareceu esquecer sua irritação anterior e compartilhou algumas de suas histórias.

Angeline observou todos na parte de trás da procissão. Belgrieve e Percival estavam cochichando sobre alguma coisa; embora não conseguisse ouvir, conseguia adivinhar do que se tratava: uma elfa desconhecida — uma fugitiva procurada. Angeline se sentiu um pouco desconfortável em seu coração, contudo por enquanto, escolheu se deliciar com seu reencontro com sua linda amiga. Não seria tarde demais para refletir sobre esses assuntos depois disso.

O sol mergulhou gradualmente para oeste, seu brilho adquirindo um toque de vermelho.

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