terça-feira, 29 de agosto de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 08 — Capítulo 104

Capítulo 104: Pelas movimentadas ruas de Orphen

Pelas movimentadas ruas de Orphen caminhava o menino louro com passos largos, exalando confiança a cada passo. Logo atrás dele, um garoto de cabelos ruivos e um garoto de cabelos castanhos caminhavam lado a lado.

“Hey... Vocês dois são os únicos neste grupo?” o menino mais novo perguntou.

“Sim, por enquanto.” disse o garoto ao seu lado dele, coçando a bochecha.

O ladrão arrojado que eles perseguiram os explodiu com magia, mas em vez de tentar prendê-lo, o garoto loiro insistiu que deveriam recrutá-lo. Demorou alguns dias para localizá-lo e trazê-lo para o grupo.

Embora o fugitivo tivesse revidado no primeiro encontro, não era como se fosse algum tipo de criminoso empedernido. Se houvesse trabalho legítimo disponível, este teria aproveitado a oportunidade, por isso ficou muito feliz em se juntar ao grupo — embora o próprio grupo tenha se revelado um tanto diferente do que esperava.

“Achei que teriam mais gente. Quero dizer, você tem dinheiro para convidar um idiota como eu.”

“Sim, sobre isso...” o garoto ruivo não podia argumentar contra. Afinal, também esperava mais pessoas quando foi convidado. Assim que entrou, descobriu que era o primeiro novo membro. Ao que parecia, o menino loiro havia se envolvido em uma briga, o que o levou a deixar seu grupo anterior para formar o seu próprio.

“Que estúpido...” seu novo recruta disse com um suspiro cansado. “Podemos mesmo ganhar algum dinheiro assim? Estou farto de colher ervas.”

“Hmm, a imprudência será o nosso fim... Porém talvez seja hora de aceitar um pedido de caça.”

“Quer dizer matar monstros? Hehehe, sempre quis fazer uma tentativa. Há um novo tipo de magia que quero tentar também.” disse o garoto de cabelos castanhos, examinando a mão na frente e atrás. Ele não tinha mestre, então qualquer feitiço que conhecia era autodidata — contudo sua técnica já era surpreendente. Com certeza suas habilidades melhorariam ainda mais rápido se tivesse a chance de ler um grimorio. Foi por essa exata razão que seu líder foi tão inflexível em persegui-lo.

“Hey, o que vocês dois estão fazendo? Vou deixá-los para trás!”

Os dois olharam para frente e viram que o garoto loiro estava um pouco mais adiante na estrada. Ambos correram para acompanhar.

Quando chegaram à guilda, ela estava lotada de uma multidão barulhenta e cacofônica, e com todas as pessoas indo e vindo, rapidamente esbarrariam em alguém se não tomassem cuidado.

“O que estamos fazendo hoje?”

“Bom, acho que agora temos uma avaliação precisa das habilidades e personalidade desse cara. É um bom momento para aceitar um pedido de caça.”

“Acho que sim. Será nossa primeira caçada juntos, então devemos pensar um pouco a...”

“Hey, nós três estaremos apenas...” o garoto de cabelos dourados começou a dizer antes de se interromper de repente enquanto olhava para algum ponto singular na multidão.

Curioso, o garoto ruivo seguiu sua linha de visão.

“Uma elfa?”

“Wow. Uma de verdade.”

Orelhas compridas e cabelos prateados — havia de fato uma jovem elfa no meio da multidão. Em termos de idade, não era tão diferente dos meninos. Embora os elfos não mudassem muito na aparência à medida que envelheciam, sua expressão e postura ainda exalavam ingenuidade juvenil. A guilda ficou agitada com a entrada de uma rara elfa, e a garota foi em seguida cercada por aventureiros.

“Nunca vi um elfo antes.”

“Acho que eles realmente existem. Sempre pensei que apareciam apenas em contos de fadas.”

“Parece que estão discutindo sobre alguma coisa. Acha que ela está bem?”

De fato havia um clima tenso no ar. Se a garota era forte ou não, o simples fato de ser uma elfa significava que havia muitos grupos que iriam querer recrutá-la. Esses grupos começaram a brigar e a tentar intimidar uns aos outros.

Para agravar ainda mais a tensão, a garota elfa não demonstrou absolutamente nenhum interesse em nenhuma de suas manobras. Ela afastou todas as mãos que tocavam seus braços e reprimiu as tentativas de agarrar seu ombro, respondendo ao interesse deles puxando rudemente a pálpebra para baixo e mostrando a língua. A sua atitude incendiária apenas acrescentou combustível à situação bastante precária.

Alguém esbarrou no ombro de outra pessoa, o empurrão que se seguiu foi retribuído na mesma moeda e, no fim, uma briga violenta eclodiu. Isso só continuou a aumentar, quando um punho atingiu alguém para o qual não era destinado, trazendo um completo estranho para a briga. A bagunça cresceu até se tornar um vale-tudo.

Não é hora de procurar trabalho, pensou o garoto ruivo enquanto recuava, protegendo seu novo amigo mago.

O garoto de cabelos castanhos parecia entretido.

“Heheheh, é assim que tem que ser. Os aventureiros são um grupo perigoso.”

“Bem, a violência é a principal ferramenta do nosso comércio... Hein?”

Antes que percebesse, seu líder não estava em lugar nenhum. O garoto ruivo estreitou os olhos, examinando a área, apenas para vê-lo abrindo caminho para fora da multidão.

“Vamos fugir! Reunião encerrada, encerrada!”

“C-Certo... Não, espere! O que está fazendo com ela?”

O menino loiro arrastava a donzela élfica pelo braço. De sua parte, não parecia que a garota sabia muito bem o que estava acontecendo.

“Não parecia certo deixá-la no meio de toda essa confusão.”

“Agora olhe aqui... Não, agora não é hora de reclamar.”

A garota foi a faísca que desencadeou aquela conflagração. Embora a briga ocupasse a atenção de todos por enquanto, uma vez que a cabeça mais fria prevalecesse, seu interesse voltaria diretamente para a elfa.

A curiosidade do garoto de cabelos castanhos tomou conta dele e começou a apertar as bochechas moles da garota.

“Hmm, incrível. A pele dela é macia como seda.”

“Hey, pare com isso. Quem diabos são vocês”?

“O que isso importa? Vamos sair daqui.” e com isso, o menino louro saiu apressado. A elfa se permitiu ser arrastada, oferecendo apenas um pouco de resistência.

Os outros dois garotos, deixados para trás, trocaram olhares antes de os seguirem.

O grupo conseguiu escapar da guilda de uma forma ou de outra, alcançando uma parte geralmente vazia da rua antes de por fim recuperarem o fôlego. Todos já estavam correndo há um bom tempo e os quatro estavam sem fôlego.

O garoto ruivo apoiou as mãos nos joelhos, lutando para se recompor, e olhou para a garota elfa. Ela estava ofegante com a mão no peito, toda concentrada em respirar fundo.

“Está tudo bem?” perguntou.

Seus olhos claros e esmeralda se voltaram em sua direção. Seu olhar era penetrante e parecia ver através dele. Seu coração pulou uma batida.

A garota elfa olhou para cada um dos três garotos, com as sobrancelhas grossas franzidas.

“O que querem?”

“Eu acabei de te salvar. Você teria saído bastante mal se tentasse enfrentar todos eles.”

“Hmph. Não pedi para ninguém me salvar.” a garota elfa se virou, nem um pouco grata. Na verdade, parecia um pouco irritada.

“Hã?” disse o garoto de cabelos cor de areia, com uma ruga na testa. “Qual é dessa sua atitude?”

“Eu sei muito bem o que quer — nem tente me deixar em dívida com vocês. Se aproximaram de mim porque sou uma elfa, certo? Vocês são todos tão estúpidos. Se quiser me recrutar, pelo menos o faça depois de ver o quão forte sou.”

“Quem diabos quer te recrutar? Esses seus braços esguios mal tem músculos.”

“O-O que disse? Isso é conversa fiada quando todos vocês parecem tão fracos que seriam derrubados por uma leve brisa!”

“Eu? Fraco? Agora está falando bobagem!”

“Quer tentar? Muito bem, vou tirar esse olhar arrogante do seu rosto.”

“Hey, espere, espere! Acalmem-se, os dois!” o garoto ruivo interrompeu, mas nenhum dos dois ouviu uma palavra do que disse.

“Afaste-se. Essa garota estúpida precisa aprender uma lição.”

“Essa é a minha fala. Seu amigo aqui precisa de uma surra ou nunca aprenderá.”

Os dois sacaram as espadas ainda embainhadas dos cintos e atacaram um ao outro. A espada do menino atingiu a elfa no quadril, enquanto a espada dela o atingiu no topo da cabeça. No final, os dois estavam se contorcendo no chão de dor.

O garoto de cabelos castanhos segurou a barriga de tanto rir enquanto o garoto ruivo suspirava.

“O que estavam tentando provar?”


Belgrieve saiu do restaurante, alegando necessidade de ar fresco. Ele encostou-se na parede dos fundos do restaurante, com os braços cruzados à sua frente. Outro edifício alto ficava a menos de três passos do outro lado do beco, confinando o céu acima a uma fatia longa e estreita que lançava uma luz cada vez mais fraca acima.

Não demorou muito para que a refeição fosse completamente devorada, porém Liselotte adorava ouvir histórias e os pressionou para contar uma história após a outra. Os contadores de histórias também se divertiram, é claro — sua reação exagerada a cada pequeno detalhe fez da garota um público bastante divertido. Com toda a emoção, não parecia que a hora da história terminaria tão cedo.

“Bell.” uma voz o chamou. Virando-se, encontrou Percival que havia o acompanhado.

“Ela é uma mocinha animada.”

“Sim. Parece completamente desinibida... E fomos salvos por causa disso.”

“O mesmo que penso. Tinha certeza de que todos os nobres eram idiotas arrogantes, contudo acho que há crianças assim também.”

Na verdade, era difícil imaginá-la como filha de um arquiduque. A maneira como não se importava com diferenças de status lembrava Belgrieve das três irmãs Bordeaux. No entanto, Liselotte não era uma nobre do interior. Era uma elite entre as elites e era raro encontrar tal abertura no lugar de onde vinha.

Dito isso, Belgrieve não tinha muito conhecimento sobre o funcionamento interno da nobreza. No que diz respeito à nobreza de Estogal, o Conde Malta deixou uma forte impressão ao trazer a ruína a Bordeaux, por esse motivo Belgrieve não os tinha em alta consideração. Todavia, quando olhou para Liselotte, lembrou-se de que nem todos poderiam ser assim.

Percival foi até seu lado e encostou-se na mesma parede. Ele tossiu baixinho, tirando seu sachê perfumado.

“Então... O que acha?”

“Ainda estou pensando. Não temos nenhuma prova, mas não há muitos elfos por aqui. Há uma grande chance.” disse Belgrieve, coçando a cabeça. “Embora tenha conhecido muitos elfos nos últimos anos — Graham, Maggie, Maureen... Sendo honesto, uma parte de mim não ficará surpresa se essa elfa também não tiver nada a ver com Satie.”

“O mesmo aqui. Porém temos que desmascará-la de qualquer maneira.”

“Seguimos não tendo informações suficientes. Salazar pode nos dizer alguma coisa, contudo...”

“Não sei se podemos contar com sua ajuda ou não.”

Percival guardou o sachê e olhou para o estreito pedaço de céu. Esta elfa de origem desconhecida, de quem ouviram falar no momento em que chegaram a Findale, era um fator amplamente desconhecido para eles. Não tinham ideia de como iriam lidar com ela ainda. É claro, havia muitas razões para acreditar que poderia ser Satie — nesse caso, precisariam revistar Findale, o que eliminou a necessidade de se aventurar na capital para ver Salazar.

“Que tal nos separarmos?” sugeriu Percival.

Belgrieve coçou a barba.

“Não é um plano ruim. Então quem estamos designando para cada equipe...?”

“Touya e Maureen têm negócios com Salazar. Ishmael quer voltar para a capital. Eles estão indo para lá independente de nossos objetivos. Que tal termos um deles nos guiando?” Percival sugeriu.

“Faz sentido... No entanto não podemos decidir a nosso próprio critério. Se vamos nos separar, é melhor falarmos a respeito com todos os outros primeiro.”

“Uma elfa desconhecida, hein...? Parece muito conveniente...”

“Entretanto também não podemos só ignorar.” insistiu Belgrieve.

Percival riu, apenas para fazer uma careta quando teve outro ataque de tosse. Após se recuperar, saiu do beco com passos longos.

“Hey, onde você está indo?”

“Esse tipo de lugar formal é sufocante para mim. Mal consigo respirar. Vou tomar uma bebida lá fora. Quer vir?”

“Como vou fazer isso? Meu Deus, ainda não decidimos sobre uma pousada... Volte logo.”

“Entendi, entendi. Eu me sinto como uma criança recebendo um sermão.” Percival saiu, rindo alegremente.

Belgrieve permaneceu ali por mais algum tempo, reclinado contra a parede de tijolos. Aos poucos, o beco ficou mais escuro, apesar do céu com seu ofuscante brilhante do fim da tarde, a tal ponto que se esforçou para distinguir as manchas na parede do beco à sua frente.

Belgrieve começou a pensar, eu deveria voltar, quando alguém saiu para se juntar a sua companhia.

“Hã? É só você, Sr. Belgrieve?”

“Oh, Touya. Está procurando pelo Percy?”

Touya coçou a cabeça com um sorriso estranho.

“Senhor Percival saiu enquanto Liselotte ainda o pressionava por histórias... Ela disse que alguém deveria ir ver como ele estava, e sobrou para mim a tarefa.”

“Hahaha! Então é assim, hein — Percy estava fugindo. Ele me disse que ia pegar uma bebida.”

“Que espírito livre.” Touya disse, sua respiração era uma leve nuvem branca de névoa. O garoto tomou o lugar de Percival ao lado de Belgrieve. O belo perfil lateral do menino era vagamente andrógino. “Esta é a primeira vez que um nobre me convida para uma refeição. A comida é boa, mas não consigo me acalmar. Como devo dizer...?”

“Posso entender. Já foram algumas vezes para mim... Porém sempre sinto que não me encaixo. Ainda não me acostumei.”

“Oh? Onde mais aconteceu?”

“Há uma cidade ao norte chamada Bordeaux. A irmã mais nova da condessa foi salva por Ange. Mantivemos relações amigáveis desde então.”

“Hmm... Pensando bem, esta ocasião também se deve às conexões de Ange. É de fato incrível...” Touya cruzou os braços e assentiu.

Agora que mencionou... Liselotte se misturou de forma tão natural que quase esqueceu, contudo a garota se tornou amiga de sua filha quando Angeline foi convocada ao palácio do arquiduque para receber uma medalha. Embora a jovem também tivesse ligações com Kasim, parecia mais intima de Angeline — talvez porque ambas eram meninas. Era um pouco estranho para um pai ser o acompanhante de sua filha, e um pouco embaraçoso também, no entanto também foi uma alegria ver em primeira mão todos os laços que sua filha havia construído para si mesma.

Touya olhou para Belgrieve, parecendo um pouco nervoso e inquieto.

“Senhor Belgrieve, você... Se dá bem com Ange, não é? Pelo menos, bem o suficiente para viajarem juntos.”

“Sim, nos damos bem. Embora ache que ela poderia se tornar um pouco mais independente.”

“Como pai... O que exatamente um filho significa para você? Hmm... Sei que você e Ange não tem parentesco de sangue, mas sua filha lhe é preciosa, certo?”

Belgrieve coçou a barba.

“Sim, Ange era uma enjeitada, porém a valorizo. Dei leite para ela, troquei suas fraldas, segurei-a quando chorava, fosse na calada da noite ou no meio do trabalho... Ange era bastante difícil. Para ela, não importava o quão cansado eu estava, afinal.”

“Já odiou ter que fazer essas coisas?”

“Haha! Isso é apenas ser humano. Claro, me senti frustrado algumas vezes, porém quando a vi dormindo sem nenhuma preocupação no mundo... Quando ela olhou para mim e riu, ou quando mexia lentamente suas pequenas mãos — só de vê-la colocou meu coração em paz. Foi difícil criá-la como pai solteiro, contudo direi sem equivoco algum que fiquei feliz o fazendo. Para mim, Ange é o maior tesouro do mundo.”

“Gostaria... De ter um pai como você.” Touya admitiu, abaixando a cabeça.

Belgrieve olhou-o com curiosidade.

“Sua relação com seu velho não é boa?”

“Vai além disso. Poderia dizer que o desprezo.”

Parece difícil... Belgrieve franziu a testa.

Touya suspirou e caiu contra a parede.

“Meu pai também é um aventureiro. Faz muito tempo que não o vejo... Ele me ensinou os truques da esgrima e da magia e me menosprezou o tempo todo, dizendo que eu não tinha talento... Irônico, não é, que acabei me tornando um aventureiro da mesma forma?”

Antes que Belgrieve pudesse encontrar palavras para responder a tais palavras, Touya continuou autodepreciativo.

“Fico frustrado por ter que confiar no que meu pai me ensinou para sobreviver. No entanto é apenas da minha natureza. Não consigo pensar em mais nada para fazer... Ange aprendeu suas habilidades com o pai, entretanto, ao contrário de mim, está orgulho de suas habilidades. Eu sou invejoso... Me desculpe, sei que não adianta te contar isso...”

“Sei que não deveria dizer nada descuidado... Mas tudo que você aprendeu enquanto lutava como aventureiro é sua própria força. Não precisa se humilhar por algo assim.” Belgrieve tentou escolher as palavras com cuidado. É como se eu estivesse dançando em torno do assunto, pensou. Porém Belgrieve não teve tempo suficiente para decidir se deveria cavar muito fundo ou não.

As palavras de Touya revelaram duas coisas: ódio por seu pai e, mesmo assim, respeito relutante também. Essa contradição parecia estar lhe causando dor. Por esta razão, Belgrieve absteve-se de oferecer banalidades baratas.

“Sinto muito.” disse Touya, coçando a cabeça. “Não queria ser deprimente...”

Belgrieve sorriu e deu um tapinha no ombro do menino.


“Se ao menos eu tivesse algumas palavras sábias no momento... Sinto muito por ser um velho tão pouco confiável.”

“Não é verdade. Estou feliz que tenha me ouvido... Está muito frio aqui. Que tal voltarmos para dentro?”

“Tudo bem, vamos lá.”

Belgrieve o seguiu até o restaurante, por um corredor, subiu um lance de escadas e voltou para uma sala mantida em temperatura constante com magia. Pedras brilhantes amarelas lançam luz do teto alto, iluminando vasos decorativos e pinturas, bem como o carpete estendido no chão. Com apenas as roupas do corpo, ele se sentia completamente deslocado em meio a tanto luxo. Percival não era o único que se sentia sufocado por esse ambiente.

A mesa deles estava animada. Liselotte era uma boa ouvinte e insistia em novas histórias, então a conversa parecia nunca terminar. Parecia haver uma infinidade de tópicos para tirar proveito de suas experiências, como histórias de sua passagem por Tyldes e do tempo de Marguerite e Maureen em território élfico. Belgrieve viveu em Turnera a maior parte de sua vida e, comparado ao resto de seu grupo, não tinha muitas grandes histórias de aventura para compartilhar. Ele falou um pouco sobre como Angeline era quando criança, mas além disso, deixou a narração de histórias para os aventureiros ativos. Afinal, os episódios relativos a Mit e a aberração na floresta não eram assuntos que pudesse apenas divulgar para qualquer pessoa.

Belgrieve se sentou e estendeu a mão sobre a mesa para pegar o jarro de água, que Kasim gentilmente o entregou.

“Onde está Percy?”

“Fugiu, aquele cara problemático.”

“Tsk, então Percy saiu de fininho. Eu deveria ter ido junto.”

“O que você está falando? Minha nossa.” Belgrieve estava sorrindo com ironia enquanto colocava um pouco de água em seu copo. Kasim está agindo de forma bem descarada e, além do mais, está vestido como um mendigo, pensou Belgrieve ao se lembrar da surpresa no rosto dos garçons quando o viram pela primeira vez. É claro que, como convidado da filha do arquiduque, não foi rejeitado.

Enquanto estava do lado de fora, as estrelas pontilhavam um céu que ainda tinha um toque de azul.

Agora a escuridão havia descido pela janela e, embora a conversa continuasse, era hora de decidir onde passariam a noite.

Belgrieve inclinou-se sobre a mesa.

“Liselotte, você tem meus mais sinceros agradecimentos por sua generosidade com esta excelente refeição. Porém o sol já se pôs. Precisamos decidir sobre uma pousada...”

“Oh, está certo. Sinto muito; foi muito divertido conversar com todos vocês!” Liselotte se desculpou, rindo sem jeito e coçando a bochecha. “Ainda assim, conversar com aventureiros é verdadeiramente fascinante. Se eu não fosse um nobre, seria uma aventureira com certeza!”

“Nunca conseguiria.” brincou Kasim, rindo.

Liselotte estufou as bochechas.

“Ah, Kasim! Você é sempre rápido para implicar comigo!”

“Hehehe... Sua vida é agradável e protegida. Apenas resigne-se a ser uma nobre senhorita simpática e protegida. Hey, senhorita, não me olhe desse jeito. Fique feliz que a baixinha aqui não esteja pensando seriamente em ser uma aventureira.”

Sooty, que estava atrás de Liselotte, estremeceu.

“Eu não estava pensando em nada disso.” ela murmurou.

“Não seja tímida. Você parece muito habilidosa e tudo mais... Parece que encontrou uma excelente guarda-costas, baixinha.”

“É verdade! Vamos, Sooty, você é muito forte. Recomponha-se!”

“A bajulação não lhe renderá nada de mim.”

“Eu já te pedi alguma coisa?”

“Tsk... Deveria ter previsto essa resposta vindo.” Sooty fez beicinho.

Angeline parecia entretida.

“Vocês se dão bem... Sra. Sooty, não me lembro de vê-la lá quando visitei no ano passado. Há quanto tempo serve Lize?”

“Desde há meio ano, acredito. Essa moleca problemática entrou escondida na guilda dos aventureiros, sabe? O mestre da guilda ficou horrorizado e me disse para acompanhá-la até sua casa.”

“Conversamos sobre algumas coisas no caminho de volta e perguntei se ela queria trabalhar para mim. Os outros atendentes ficavam bravos quando faço esse tipo de coisa.”

“Claro que sim. O que estava pensando?”

“Contudo Sooty apenas suspira e não me impede. Eu amo ela.”

“Seria muito difícil tentar.”

“Então, Sra. Sooty, costumava ser uma aventureira?” Anessa perguntou.

Sooty assentiu sem entusiasmo.

“Pra ser mais preciso, ainda sou — afinal, sigo tendo minha licença. Embora minha vida atual seja muito mais estável. Essa garota está bem, mesmo que a deixe sozinha por um tempo. Não está causando problemas para mim o dia todo.”

“Não precisa me elogiar tanto, Sooty.”

“Não foi um elogio.”

“No entanto deve ser bom servir um nobre. Você deve comer comida deliciosa todos os dias. Estou com ciúmes, nom, nom.”

“Mostre um pouco de moderação, Maureen...” Touya repreendeu cansado enquanto observava sua parceira produzir um prato vazio após o outro.

Liselotte riu magnanimamente.

“Está tudo bem, não se preocupe. Coma o quanto quiser. Você também, Maggie.”

“Não como tanto quanto Maureen.”

“Oh, não quer? Achei que os elfos eram grandes apreciadores de comida.”

“Hey, hey, posso pedir uma sobremesa?”

“Merry...”

“Qual é o problema? Não é todo dia que nos deparamos com uma oportunidade como essa. Posso? Posso?”

“Vá em frente! Também quero um pouco e vamos tomar um chá juntos. Quer alguma coisa em particular, Ange?”

“Hmm... Estou bem com qualquer coisa.”

Parecia que as brasas da conversa iriam acender de novo, deixando Belgrieve fora do assunto. “Nós realmente... Temos que decidir sobre uma pousada.” murmurou.


As árvores cresciam densamente em ambos os lados de certo caminho estreito, lançando padrões salpicados de luz filtrada contra o solo abaixo. Todavia não foi a luz do sol que iluminou esse caminho — todo o céu parecia brilhar em ouro, derramando sua luz uniformemente e colorindo o mundo inteiro em tons sépia desbotados. No final deste caminho havia uma pequena casa cercada por uma cerca de madeira que mantinha a floresta densa logo adiante. Seu telhado triangular era de palha e havia um poço no final do pátio. Uma pequena horta produzia todo tipo de produtos sazonais.

Uma mulher estava sentada em uma cadeira sob o beiral. Ela era uma elfa com cabelos prateados e sedosos e orelhas como folhas pontiagudas de grama.

“Ow, ow, ouch... Ele me acertou mesmo lá.”

A elfa tirou o manto e abriu suas roupas orientais para limpar com cuidado o ferimento que se estendia do ombro até o braço com uma toalha molhada. Embora o sangramento tivesse parado, as crostas endurecidas e pegajosas deixavam marcas vermelhas a cada passagem do pano. Assim que terminou de limpar o ferimento, passou uma pomada sobre a ferida e fez curativos.

“Ele parecia muito sério sobre isso... Ahh.” a mulher suspirou antes de se vestir de volta.

O chilrear sonoro dos insetos enchia o ar, embora ainda estivesse silencioso demais para o seu gosto, até que um som de passos leves soou na casa. A porta se abriu e duas crianças pequenas correram pela frente. O primeiro estendeu um brinquedo esculpido em madeira, enquanto o outro seguiu atrás.

“Hey! O que vocês duas estão fazendo?” a elfa disse com uma carranca.

“Quero dizer, ela está monopolizando o brinquedo.” disse uma das crianças.

“Não, ela está tentando tomá-lo.” exclamou a outra. Ambas insistiram em sua causa, nenhuma das duas cedendo um centímetro.

As crianças eram idênticas entre si; gêmeas, talvez. Ambas compartilhavam o mesmo cabelo e olhos pretos. A elfa riu e ficou de pé. Pegando as crianças, segurando uma debaixo de cada braço, girou em círculos.

“Brigar é proibido! Hryah! Tome isso!”

As gêmeas gritaram de alegria.

“Ah, ow, ow! Droga, esqueci...” a elfa fez uma careta e as colocou no chão de novo.

As crianças olharam-na com curiosidade.

“Você está bem?”

“Está machucada?"

“Estou bem, estou bem. Eu sou forte, vocês sabem. Agora vão brincar juntas e sem brigas.”

As gêmeas pareciam um pouco nervosas, contudo eventualmente fugiram para algum lugar. Depois que elas foram embora, a elfa respirou fundo e desabou na cadeira. Ela acariciou o ombro esquerdo e verificou se não havia novas manchas de sangue em seu roupão.

“Estou apenas... Perdendo meu tempo?” seus olhos ergueram para contemplar o céu dourado além dos beirais. Às vezes, piscava aqui e ali, enquanto outras vezes via uma coisa fraca e nebulosa fluindo.

Por um tempo, a elfa permaneceu sentada imóvel, mas finalmente se levantou. Juntando algumas cebolas que estavam penduradas para secar, colocou-as na cesta ao seu lado antes de seguir para a horta.

“Não sou mais tão ruim em cozinhar. Se eles comessem minha comida agora... Me pergunto se aqueles três diriam que tem um gosto bom.” ela murmurou baixinho. Então, se abaixou e pegou algumas cenouras e ervas, jogando-as na cesta. Um vento suave agitava as árvores da floresta enquanto leves partículas verdes de luz flutuavam no ar acima dela.

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