Capítulo 99: A escada continuou descendo
A escada — larga o suficiente apenas para duas pessoas passarem — continuou descendo, traçando ao longo da face da rocha. Em alguns lugares, os degraus foram esculpidos na própria caverna, enquanto em outros, pedras de tamanho apropriado aparentavam ter sido trazidas de outro lugar. Era óbvio que não se tratava de uma formação natural de qualquer maneira, mas ninguém tinha a menor ideia de quem poderia ter construído escadas até lá. Talvez fossem da era antiga, quando um reino ainda governava a região. Esse conhecimento havia se perdido no tempo há muito tempo. A cada degrau que descia, a perna de pau de Belgrieve batia de forma audível na pedra.
Eventualmente, Percival, que estava guiando o caminho, parou e se virou para se dirigir ao grupo.
“O nevoeiro ficará mais espesso um pouco mais abaixo. Não deixem que os distraia. Concentrem-se o máximo que puderem em seus pés e nos degraus abaixo deles. Caso contrário, serão levados para outro lugar.”
“Outro lugar?” Marguerite perguntou com uma inclinação zombeteira de sua cabeça.
“O que isso deveria significar?”
“A névoa é como uma armadilha de dobra forçada ou algo assim?” Anessa ponderou.
“Não é tão forte. É apenas perigoso se não estiver focado. Bem, se estiver preocupada, é melhor segurar as roupas de quem está na sua frente. Como estão as coisas ai atrás, Bell?”
“Tudo certo. Não parece que os monstros sobem as escadas.”
“Oh, pensando bem, há algo especial sobre eles?” Kasim perguntou.
Percival deu de ombros.
“Não sei. Porém suspeito que os monstros podem usar a névoa para sair do buraco. Não consigo imaginá-los escalando todo o caminho. Não são tão diligentes.”
Entendo... Se soubéssemos como usar a névoa de teletransporte, poderíamos nos teletransportar para onde quisermos. Talvez os monstros tenham aprendido o truque. Embora é provável que só seja possível para os monstros de alto escalão do Umbigo da Terra, raciocinou Belgrieve.
Seus pensamentos foram interrompidos pela sensação de um leve puxão em seu manto.
Ele se virou para ver que Angeline o havia segurado.
“Agora vamos ficar bem...”
“Haha! Acho que sim.” Belgrieve sorriu e deu um tapinha na cabeça dela. O grupo incluía três aventureiros do Rank S — Percival, Kasim e Angeline — bem como Anessa, Miriam, Marguerite e o próprio Belgrieve, tornando-se uma expedição de sete pessoas. Este é um grupo magnífico, meditou Belgrieve.
Quanto ao resto: Duncan estava programado para duelar com um aventureiro habilidoso, enquanto Ishmael havia reunido a maior parte dos materiais de que precisava e não tinha motivos para se aventurar nas profundezas. Yakumo e Lucille desistiram, alegando cansaço. Touya e Maureen, por sua vez, não estavam com o grupo para começar.
À medida que avançavam, a luz de cima gradualmente se tornava mais fraca. Quando Belgrieve olhou para cima, pôde ver o céu se estreitando pouco a pouco, e seu campo de visão ficou enevoado quando uma estranha névoa começou a aparecer ao redor deles. Firmando-se com uma respiração profunda, tornou a se concentrar na sensação da pedra sob seus pés. Eventualmente, as escadas não podiam ser vistas. Um pouco mais adiante, a névoa branca pura os envolveu por completo. Embora a névoa em si fosse branca, às vezes ela brilhava em todas as sete cores do arco-íris, talvez por captar a luz em um ângulo estranho. As escadas ainda continuavam, e Belgrieve não tinha ideia de quão longe ainda tinham que ir antes de chegar ao fundo.
“Faz tempo que não formo um grupo... Pode até ser a primeira vez que faço isso aqui embaixo...” Percival murmurou.
Quando estava sozinho, não fazia diferença para onde o nevoeiro o mandava, contudo estava ficando ansioso agora que tinha tantos camaradas. Ele tentou se lembrar de como se sentia quando era líder do grupo, arrastando vários membros juntos. Percival fez uma careta enquanto batia as mãos contra as bochechas.
“Tudo bem... Continuem andando. Mesmo se alguém for pego, não entre em pânico. Não vão te mandar muito longe.”
“Percy?”
“Sim, Bell?”
“Não se preocupe demais. Ou vai acabar sendo o único de nós a cair numa armadilha.”
Marguerite não conseguiu conter o riso, e as outras meninas logo começaram a rir junto com ela. Percival desviou o olhar com vergonha.
“Você sempre acerta onde dói.”
“Hehehe! Não se preocupe, posso te encontrar mesmo se for teletransportado.” Kasim brincou.
“Não vou ser, seu imbecil. Por que está tão presunçoso, afinal? Dá última vez quem foi arrastado pra longe foi você.”
“Aquela foi culpa de Ange, já te disse.”
“Objeção...”
“Hã? E aí? O que aconteceu?”
“Kasim estava hesitando na hora, então foi o único enviado para outro lugar.”
“Está enganada, eu te falei. Você me surpreendeu quando me ultrapassou, então fiquei atordoado por um segundo.”
Todos pareciam um pouco mais relaxados depois dessa troca e, depois de rir um pouco, resolveram entrar no meio da névoa. Do lado de fora, parecia completamente opaco, no entanto assim que Belgrieve entrou, pôde ver as silhuetas dos outros próximos. Estava nublado, todavia Belgrieve ainda podia ver seus próprios pés e, desde que fossem cuidadosos, todos poderiam subir os degraus sem problemas, chamando de tempos em tempos uns aos outros enquanto desciam com segurança.
Talvez devido ao nevoeiro, ou algo diferente, as pedras estavam um pouco úmidas agora. A ponta de sua perna de pau ameaçou escorregar, e Belgrieve teve que ter ainda mais cuidado do que antes. Os outros pareciam ter dificuldade semelhante em manter o equilíbrio. Angeline mudou seu aperto do manto de Belgrieve para seu braço, enquanto Miriam se aninhou no lado oposto dele, apoiando seu peso contra ele quando ficou especialmente perigoso. Assim, Belgrieve tinha que ter muito cuidado para não escorregar — se o fizesse, arrastaria as outras duas junto. Sua mente estava bastante focada em sua prótese, e deu cada passo com muito cuidado, entretanto não parecia que o fim estava à vista.
“Que tal, Percy? Vai demorar muito mais?” perguntou, falando para o vazio branco à frente. Ele podia ouvir a resposta de Percy à sua frente.
“Devemos sair logo... Hey, Maggie. Atenção. Não caia.”
“Vão vou cair! E não vá ser jogado longe, Percy!”
“Olha quem está dizendo...” a risada jovial de Percival ecoou de volta para Belgrieve.
Angeline reforçou seu aperto em seu braço.
“Está se sentindo distraído...?”
“Não acho. Devemos estar bem; não temos pressa.”
“Há uma depressão à frente, Sr. Bell.” disse Miriam enquanto cutucava o próximo degrau com a ponta de seu bastão.
Desta forma, eles por fim emergiram do nevoeiro. Sua visão clareou de repente, mas a falta de luz solar nas profundezas os deixou em uma escuridão sombria.
Olhando para trás, de onde vieram, a névoa parecia um teto cinza e fofo espalhado ao longo de um plano fixo. Era como uma linha divisória separando o abismo do mundo exterior. A essa altura, haviam quase chegado ao final da escada. À frente de Belgrieve, Percival havia chegado à terra firme e já havia acendido uma lanterna. Os olhos de Belgrieve olharam freneticamente em volta para ver se alguém havia desaparecido.
“Sim, parece que estamos bem...” sua mente relaxou um pouco enquanto recuperava o fôlego. Seu cabelo e manto estavam desconfortavelmente encharcados por causa da neblina, e isso também fez com que o cabelo de Miriam se enrolasse. Ela estava trabalhando duro para escová-lo com uma carranca no rosto.
“Parece que conseguimos sem incidentes.” disse Percival com um aceno de cabeça satisfeito. “Agora, deve levar uma hora para chegar a pé ao habitat do grande besouro encouraçado. Duvido que alguém se desvie do grupo, porém não há como dizer de onde um monstro pode vir. Fiquem aten... Do que está rindo?”
Kasim — quem estava dobrado em uma risada mal reprimida — encontrou seu olhar.
“Bom, era seu costume dizer coisas assim. Contudo no momento em que a caça começasse, você e Satie sairiam correndo e deixariam Bell comendo poeira, todo pálido. Certo, Bell?”
“Bem lembrado. Era sempre ‘Tenha cuidado’ e ‘Fique alerta’ antes da busca. No entanto, logo depois Percy se distrairia, avançaria sem qualquer cuidado e tudo mais...”
“Sim, sim, calem-se. Atribua isso à indiscrição juvenil e deixem para lá.” disse Percival, dispensando-os com desdém. Ele parecia irritado, embora seu rosto estivesse tingido de vermelho.
Com um sorriso atrevido, Angeline estufou o peito.
“Isso nunca aconteceu comigo... Certo?”
“Hmm? Bem, acho que sim. Ange nunca ataca sem pensar.” admitiu Anessa.
Miriam assentiu também, entretanto Marguerite pareceu bastante surpresa.
“Sério? Ange parece ser do tipo que ataca sem parar.”
“Sou filha do meu pai, sou cautelosa e deliberada, é claro.” gabou-se Angeline, virando-se dramaticamente para Percival como se fosse esfregar isso na cara dele.
Percival apenas sorriu e bagunçou o cabelo dela.
“Boa garota. É melhor valorizar os ensinamentos de Bell, ok?”
“H-Hã...?” Angeline estava tentando provocá-lo, então o elogio inesperado a deixou um pouco tímida.
Marguerite sorriu e cutucou seu ombro.
“Por que está corando?”
“Cala... Cala a boca...”
Anessa e Miriam trocaram olhares e começaram a rir.
Enquanto isso, Belgrieve sacou a grande espada de Graham de sua bainha. A lâmina emitiu um fraco brilho fracamente e um silencioso rosnado.
“Agora então, Percy, qual será a nossa formação?”
“Vou assumir a liderança. Bell, fique com a retaguarda. Teremos Kasim no centro com Anne e Merry no apoio. Ange e Maggie, vocês também estarão na frente, porém mantenham-se atentas à esquerda e à direita para evitar que qualquer coisa passe por nós.”
Belgrieve ficou impressionado ao ver Percival prontamente emitir ordens.
“Vejo que cresceu — você está mesmo fazendo seu trabalho como líder.”
“Não posso ser uma completa decepção, certo?” Percival respondeu antes de se virar para encarar a escuridão à frente.
Em sua mente, Belgrieve podia ver o adulto se sobrepondo ao menino que costumava arrastá-los e não pôde deixar de sorrir.
A atmosfera está um pouco diferente da última vez que estive aqui, observou Angeline. Em parte porque Percival não estava tão tenso, contudo mais do que qualquer outra coisa, porque estava com Belgrieve agora. Claro, eles estavam no meio de um covil de monstros poderosos, e este não era um lugar para baixar a guarda, no entanto mesmo levando isso em consideração, ela se sentia bastante despreocupada.
Enquanto caminhava à frente dela, as costas de Percival pareciam grandes e confiáveis. Ele havia jogado fora a maior parte daquele porte monstruoso que tinha quando se conheceram — pelo menos, com respeito ao seu grupo. Quando estava explorando a masmorra, Percival ainda exalava uma presença imponente que parecia intimidar todos os monstros ao seu redor. Ainda que seu grupo tenha viajado uma distância razoável para o abismo de onde eles começaram, não haviam sido atacados. Às vezes, um monstro os vislumbrava de longe, mas sem tentar nada mais agressivo do que isso.
Marguerite, caminhando ao lado de Angeline, parecia entediada.
“Nada está vindo para nós.”
“Bem, duvido que vão escolher uma briga que sabem que não podem vencer...”
“É chato, você tem que admitir. Entretanto um aventureiro deve evitar brigas quando puder, certo?”
“Sim.”
“Um aventureiro não deve ser aventureiro.” era um ditado bastante estranho. Todavia, se alguém quisesse continuar se aventurando, faria sentido evitar o máximo possível de situações de risco de vida. A emoção de cruzar a linha entre a vida e a morte não era tudo o que havia para se aventurar. Desafiar os perigos era inevitável, porém somente depois de tomar as maiores precauções para garantir que não fossem feridos pela experiência. Somente aqueles que conseguissem isso sobreviveriam para se tornarem aventureiros de primeira linha. E o Umbigo da Terra está cheio de nada além desses tipos de aventureiros, Angeline percebeu.
Era bastante curioso pensar a respeito. Os aventureiros do Umbigo se reuniram de todo o continente, uma multidão compreendendo todas as raças e vestidos com diversos trajes. Contudo todos começaram em algum lugar — todos passaram pelo inferno e pelo mar alto e tinham histórias heroicas para contar — assim como Percival e Kasim.
Ainda sou jovem. Acho que já experimentei algumas coisas, no entanto há uma grande diferença entre vinte e quarenta anos. Eu me pergunto que histórias terei quando estiver tão velha... Angeline realmente não conseguia imaginar isso.
Eles se aventuraram adiante por um tempo enquanto a colina um tanto inclinada à esquerda ficava cada vez mais íngreme até se tornar um penhasco íngreme; a colina à direita também se tornou íngreme não muito depois. O caminho à frente era ladeado por rochas finas e afiladas que se erguiam como pilares, suas pontas perfurando a névoa acima como uma floresta de pilares de pedra. A visibilidade não seria tão favorável quanto há pouco tempo atrás.
Percival parou, tirando seu sachê.
“Cough... Só mais um pouco. Assim que terminarmos, levará uma hora até nosso destino.”
Belgrieve olhou para frente.
“Há algo à espreita nas sombras dos pilares.”
“Bom olho. Afinal, é o melhor lugar para nos pegar desprevenidos. Todos fiquem atentos e prestem atenção também no topo do penhasco.”
Angeline ajustou a espada pendurada em sua cintura. As presenças de monstros estavam crescendo ainda mais numerosas do que antes. Ela podia sentir seus olhos atentos e sua malícia apunhalando sua pele.
“Goblins.” disse Percival, estreitando os olhos. “Estão esperando em uma emboscada.”
“Duendes? Os monstros de Rank D?” Anessa perguntou, parecendo desapontada.
Goblins eram criaturas humanoides. Eles dificilmente eram uma ameaça sozinhos, mas eram espertos o suficiente para usar ferramentas simples e propensos a formar hordas, o que os colocava no Rank D.
Percival sorriu.
“Você vai descobrir que os goblins daqui são muito mais espertos do que os do mundo exterior. Não direi que estão no nível humano, porém estão próximos. Coordenação, armadilhas, projéteis — fazem de tudo. Não os subestime só porque são goblins.”
Foi dito que a única coisa que mantinha os monstros afastados era sua falta de inteligência em comparação com os humanos. Se desenvolvessem consciência além de sua força monstruosa, a humanidade não teria chance. Os goblins aqui quase chegaram a esse ponto. Contudo, de acordo com Percival, essas criaturas ameaçadoras ainda se classificavam no fundo da hierarquia do buraco. Com suas construções humanoides, suas capacidades físicas ficaram aquém de outras feras.
“Eles não são páreo para mim...” Angeline zombou enquanto colocava a mão em seu punho. Isso não seria diferente de lutar contra uma grande horda de bandidos. Contanto que não os menosprezasse, não havia absolutamente nenhuma maneira de perder a luta.
“Vamos.” Percival brandiu sua espada à frente e, naquele mesmo momento, Kasim soltou um raio de magia. Um grito inumano saiu da escuridão dos pilares. Os três lutadores de espadas não precisavam de mais convite do que isso para correr à frente e enfrentar o inimigo.
Com o conhecimento certo de que Belgrieve estava na retaguarda, Angeline refinou sua técnica e renunciou a qualquer floreio desnecessário. Seu golpe dividiu a primeira sombra que saiu dos pilares. Era um pouco mais curto que ela, embora muito musculoso. Vários outros de sua laia se arrastaram em seguida. Cada um estava equipado com uma arma e usava uma armadura composta de estilos e materiais incompatíveis. Marguerite matou três com um único golpe, enquanto Percival correu à frente deixando vários cadáveres em seu rastro.
Uma vez que os olhos de Angeline se ajustaram à escuridão, percebeu quantos goblins estavam enfrentando. Embora os monstros parecessem em um primeiro momento prontos para fugir diante da resposta rápida do grupo, foram capazes de sobreviver à brutalidade do Umbigo da Terra. Os goblins se reagruparam com disciplina militar e, berrando gritos de guerra, cercaram os três lutadores de espadas com lanceiros goblins, enquanto os arqueiros goblins puxavam seus arcos nas fileiras de trás.
Angeline avançou com as pernas apoiadas e sua espada pronta para defender, no entanto naquele momento, uma chuva de raios e flechas mágicas matou os arqueiros goblins. Os goblins empunhando lanças, privados de seu apoio à distância, hesitaram por um momento. Com um rugido estrondoso, relâmpagos atingiram vários goblins vestidos com armaduras e os queimaram até ficarem crocantes.
“Não pare! Espalhe-os!” com um golpe de sua espada, Percival ceifou o resto do cerco e avançou sobre o resto, sem hesitar em seu passo. Pode ter parecido uma corrida imprudente, todavia ele tinha total confiança em seus aliados para cuidar de sua retaguarda.
É porque o papai está aqui, percebeu Angeline, inconsciente do sorriso em seus lábios. Ajustando seu aperto em sua espada, perseguiu Percival, abrindo caminho através dos eixos de pedra semelhantes a árvores.
“Percy! O penhasco da direita!” Belgrieve gritou atrás deles.
Angeline se virou alarmada ao ver um pelotão de goblins montados em lobos descendo o penhasco íngreme, transformando toda a força de sua queda em impulso para uma investida. Estando tão ocupada com o que estava à sua frente, não notou a manobra de flanco até que Belgrieve a apontou.
Percival apenas deu um rápido olhar para o penhasco.
“Ange, Maggie, voltem! Kasim!”
“Pode deixar!” com uma violenta torrente de mana, o feitiço de Kasim foi lançado antes que os cavaleiros goblins chegassem ao fundo do penhasco. Foi um feitiço simples que abriu alguns pontos de apoio à frente dos cavaleiros goblins. Um passo em falso em um penhasco tão íngreme era o suficiente para significar a morte. Goblins e lobos caíram juntos, alguns até levando ferimentos fatais de suas próprias armas e armaduras batendo neles com o impacto. Seus gritos de angústia encheram o ar.
De repente, Angeline ouviu uma explosão ecoando vindo de trás. Ao se virar pôde ver que Belgrieve havia desembainhado a espada de Graham. Sua onda de choque explodiu os goblins que haviam circulado por trás antes que ela percebesse.
“Bell! Esses são os únicos atrás de nós?” Percival gritou.
“Por agora! Mas é realmente aqui que você quer se posicionar?” Belgrieve gritou de volta.
As lacunas entre os picos altos estavam ficando cada vez mais estreitas, e estava se tornando um obstáculo quando Angeline queria brandir sua espada.
“E agora, Percy? Devemos recuar...?”
“Não, seus números estão baixos. O líder deve aparecer em breve. Se conseguirmos esmagá-lo, os outros vão fugir.” explicou Percival. Ele olhou para frente, sua espada pronta.
Marguerite semicerrou os olhos.
“Hey, um estranho está saindo!”
O monstro era tão alto quanto um humano — mais alto que Angeline, na verdade. À primeira vista, estava claramente usando uma armadura de calibre superior aos outros e empunhava uma espada e um escudo magistralmente trabalhados. Era difícil reconhecê-lo como um goblin.
“Aquilo é um goblin... Certo? Não é um ogro?”
“Sim, uma variante goblin — deve ter levado o equipamento de algum pobre idiota que chutou o balde aqui. Agora então... Vamos ver o que nossas jovens podem fazer.” disse Percival, com um sorriso malicioso. Ele derrubou um goblin que os atacou, porém não mostrou nenhuma intenção de dar um passo de onde estava.
Angeline e Marguerite trocaram um olhar.
“Como devemos prosseguir?”
“A ave mais rápida pega o verme!” Marguerite respondeu antes de correr à frente, deixando Angeline para alcançá-la.
Ainda havia goblins por perto, contudo com a magia e as flechas voando por trás, assim como a presença intimidadora de Percival, eles não chegaram nem perto da dupla. Sem obstáculos significativos para retardar sua investida, Marguerite empurrou com seu florete. Foi um golpe esplêndido, mesmo aos olhos de Angeline. As duas competiriam como rivais e, no fundo do coração, Angeline reconheceu a habilidade de Marguerite. Parecia que o florete escorregaria por uma das juntas da armadura...
No entanto o espadachim goblin se esquivou com agilidade apenas o suficiente para que a lâmina do florete raspasse contra a superfície da armadura.
Marguerite sorriu.
“Haha! Ótimo, do jeito que eu gosto!”
“Saia do caminho, Maggie.” Angeline saltou sobre Marguerite, usando o impulso de sua descida para golpear com força com sua espada, entretanto o goblin recuou rapidamente, escondendo seu corpo atrás de seu escudo em uma postura defensiva.
Sem perder o ritmo, Angeline usou o escudo como ponto de apoio para se lançar atrás de seu inimigo goblin, virando-se para encará-lo no momento em que pousou.
“Hmm... Nada mal.”
“Hey, você errou. Não está enferrujada, hein, Ange?” Marguerite brincou do outro lado do goblin.
“Apenas me aquecendo...” Angeline resmungou. Ela ergueu a espada e avançou para atacar outra vez enquanto Marguerite dava um golpe no inimigo do lado oposto. O espadachim goblin virou sua espada para Ange e seu escudo para Marguerite, aparentemente com a intenção de interceptar ambos os ataques sem recuar.
Angeline pretendia passar por sua lâmina e mirar em seu braço, contudo o goblin conseguiu retrair sua espada rápido o suficiente para receber o golpe de Angeline. No lado oposto, o florete de Marguerite estava travado contra o escudo.
No momento em que suas lâminas se chocaram, os símbolos esculpidos na espada do goblin começaram a emitir um fraco brilho. Uma força bizarra desceu pela lâmina de Angeline, através do punho e em seu braço, quase fazendo com que deixasse cair a arma pela sensação de entorpecimento.
“O que...?” Angeline só havia sido bloqueada; o goblin não tinha contra-atacado. Esses símbolos na espada redirecionaram a força que deveria ter ido para as mãos do goblin? Apesar de perecer, o antigo dono da espada deve ter sido um aventureiro capaz o suficiente para enfrentar o abismo. Esta foi sem dúvida uma arma formidável.
“Maggie, cuidado com a espada!”
“O escudo também. O impacto foi refletido de volta para mim.” Marguerite fez uma careta, sacudindo a dor em suas mãos.
Ficaremos sobrecarregadas se prolongarmos a luta. Nosso inimigo não é tão habilidoso com uma lâmina, no entanto é uma droga quando ele devolve nossos próprios ataques, raciocinou Angeline. Se ela pudesse encontrar a oportunidade certa, poderia cortar sua cabeça, e isso seria o fim. Angeline olhou enquanto procurava por sua chance.
“Ange, recue!” Belgrieve gritou de repente de trás.
Angeline freneticamente olhou ao redor. Percival, que vinha mantendo os outros goblins afastados, imediatamente atendeu ao aviso de Belgrieve e já estava recuando. Ela não tinha percebido, entretanto a linha de trás deles estava um pouco mais longe do que antes.
“Estamos recuando, Maggie!” Angeline disparou como o vento, e desta vez foi Marguerite quem estava atrás.
Agora era possível ouvir um som estrondoso vindo do alto. Os cortes feitos no penhasco para impedir o ataque da cavalaria tinham feito mais do que isso. Pouco depois, um grande pedaço de pedra desabou em um deslizamento de rochas que esmagou os goblins na base do penhasco e separou por um momento o espadachim goblin de seus companheiros.
Angeline olhou para o penhasco. As maiores rochas e torrões de terra já haviam caído e agora apenas pequenos grãos de terra continuavam a deslizar pela superfície. Não iria desmoronar mais do que isso. Ela se virou para Marguerite.
“Devemos sincronizar?”
“Você vai para a cabeça.” Marguerite disse, sorrindo. Angeline assentiu.
O espadachim goblin enfurecido correu para elas com sua espada erguida. As garotas saíram em seguida — Angeline na frente e Marguerite logo atrás. O golpe horizontal de Angeline interceptou a lâmina oscilante do goblin. Desta vez, Angeline estava pronta para desviar o impacto, enviando-o para longe como uma explosão de mana que ondulava ao redor deles como o vento.
Marguerite saltou sobre os dois. Torcendo com agilidade seu corpo, apunhalou sua fina lâmina de florete na nuca desprotegida do goblin enquanto ainda estava no ar. A lâmina atingiu com precisão a costura na armadura, perfurando a carne e os ossos abaixo. O espadachim goblin soltou um grito. Vendo seu inimigo congelar por um breve instante, Angeline não demorou em se aproximar e atacar com sua espada — e com isso, tomou a cabeça do espadachim.
O corpo do espadachim desabou assim que Marguerite pousou. Sua espada escorregou de sua mão, fazendo barulho ao atingir o chão. Quaisquer goblins retardatários remanescentes desapareceram como uma maré vazante.
“Muito bom, Maggie...” Angeline disse sem fôlego.
“Hmph, nada mal para você.” Marguerite deu um tapinha grosseiro no ombro de Angeline.
Percival riu.
“Bom trabalho, as duas. Fico feliz em ver que vocês duas são tão habilidosas.”
“Claro que somos, estúpido. Aqui não é lugar para velhos.” Marguerite mostrou a língua para Percival enquanto Angeline ria.
Kasim desajeitadamente coçou a bochecha e apontou para os escombros.
“Eu fiz isso?”
“Sim. Parece que você destruiu um equilíbrio delicado. Um pequeno solavanco foi o suficiente para derrubá-lo.” explicou Belgrieve enquanto examinava o campo de batalha antes de embainhar sua espada.
Percival deu-lhe um tapinha nas costas.
“Parece que seus olhos estão mais afiados do que nunca. Você percebeu isso rapidamente.”
“Vocês são muito imprudentes... O que teriam feito se eu não tivesse visto a avalanche?”
“Sabia que iria ver. É como as coisas funcionam, certo, Kasim?”
“Sim. Bell percebe esse tipo de coisa. Como esperado de Bell.”
“Por favor, não tenha muitas expectativas. Estou aposentado há muito tempo...” Belgrieve sorriu com ironia. Percival deu-lhe um tapinha vigoroso no ombro.
“Agora vamos.” Percival chamou. “Só um pouco mais longe.”
Assim, seu grupo estava a caminho outra vez. Não havia indícios de nenhum outro monstro por perto e, como resultado, sua jornada foi bastante tranquila. Belgrieve e Kasim juntaram-se a Percival na vanguarda para discutir algo enquanto Angeline recuou para conversar com Anessa e Miriam.
“Como foram as coisas por aqui?” perguntou Angeline.
“Senhor Bell cuidou da retaguarda enquanto nos concentrávamos em apoiá-lo. Havia o suficiente de nós para fornecer apoio a cada um da vanguarda. Mas o Sr. Bell dava ordens de vez em quando, e foi bem fácil lutar.” disse Anessa.
“Sim!” Miriam entrou na conversa. “Foi assim no caminho para cá também. Ter alguém vigiando todo o campo de batalha te permite se concentrar em si mesmo. É revigorante, para dizer o mínimo.”
Portanto, o pai está fornecendo suporte perfeito enquanto lutamos na frente... Certamente não era um trabalho que ocupou o centro do palco e, uma vez que a batalha terminasse, poderia ser esquecido em seguida, a menos que alguém o apontasse o feito. Porém ter alguém assim por perto faria uma grande diferença no resultado.
“Em todo caso, senhor Percy e o senhor Kasim parecem muito felizes.” observou Miriam.
“Parece que o Sr. Bell também está mais animado do que o normal. Eles são mesmo bons amigos.”
“Sim. Estou feliz por tê-los reunido outra vez.”
“Amigos, né? Parece bom.” Marguerite murmurou atrás delas, com as mãos atrás da cabeça.
Com uma gargalhada, Miriam cutucou seu ombro.
“Do que está falando, Maggie? Você tem a gente.”
“O que...? C-Claro! Hehehe...” Marguerite riu alegremente e coçou a bochecha.
Angeline refletiu que eles formavam uma cena encantadora, de fato, quando se virou para olhar para as costas de seu pai e seus amigos. Estava feliz que pudessem se reunir e que pudessem se reconciliar...
Pelo menos deveria estar, mas havia uma sensação estranha e indescritível em seu peito. Angeline nunca tinha visto Belgrieve rindo assim antes. Ela viveu tanto tempo com ele como sua filha que tinha certeza de que sabia tudo o que havia para saber sobre seu pai, que parecia não haver nenhum lado seu que fosse inescrutável para ela. Porém a visão de Belgrieve se divertindo tão despreocupadamente com velhos amigos era uma faceta da qual não se lembrava. Os dois viajaram juntos e cuidaram das costas um do outro. Angeline confiava completamente em Belgrieve, e Belgrieve também confiava nela. Contudo, a confiança que esses três velhos amigos compartilhavam parecia diferente da confiança entre pai e filha. Angeline honestamente não sabia como deveria se sentir, no entanto foi tomada por uma vaga e irritável inveja pelo fato de que simplesmente não tinha isso com ele, latejando e doendo em seu peito. Mesmo depois de terem coletado com sucesso a casca do grande besouro, o coração de Angeline se sentiu oprimido por esses sentimentos peculiares.
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