Capítulo 117: A chuva estava mais forte agora
A chuva estava mais forte agora, preenchendo o ar com um barulho de tambor ao colidir com algo invisível acima. Donovan, o Templário, sentou-se no mesmo lugar em que Angeline estivera momentos antes, enquanto uma empregada com olhos vazios arrumava a mesa com chá e guloseimas. François ficou inexpressivo atrás de Benjamin, enquanto Falka ocupava a mesma posição atrás de Donovan, com o olhar vazio de sempre no rosto. Às vezes, suas orelhas de coelho se levantavam antes de cair novamente.
Benjamin deu um sorriso destemido.
“Vejo que os Templários passaram por tempos difíceis.”
“Hahaha! Comparados a Vossa Alteza, até mesmo os maiores nobres do império pareceriam desamparados.” respondeu Donovan, sorrindo, enquanto pegava a xícara sobre a mesa.
Benjamin apoiou os cotovelos na mesa e entrelaçou os dedos, apoiando o queixo em cima.
“Agora, como posso ajudá-lo hoje?”
“Por mais vergonhoso que seja admitir, temos nossos custos operacionais — por essa razão viemos nos curvar diante de você na esperança de que possa ter alguns fundos de sobra.”
Benjamin gargalhou.
“Isso é bastante simples. Você tem sido muito bom comigo... Mas, Donovan, meu garoto, por quanto tempo vai ficar satisfeito em uma posição onde é apenas usado pelos outros?”
“Sou apenas o servo leal da Deusa... Embora espere manter nosso relacionamento amigável.”
Donovan deu um sorriso enigmático antes de tomar um gole de chá. Embora a expressão de Falka permanecesse vaga, seus olhos se fixaram em um canto escuro do jardim. Sua mão alcançou o punho da espada em seu quadril. Ele poderia ter sua lâmina pronta com apenas o menor movimento.
Benjamin notou Falka.
“Ele foi útil?”
“Sim. É de fato uma bela espada.” Donovan olhou de soslaio para Falka com um leve sorriso.
“Esplêndido. Porém certifique-se de que não abata meus guardas.”
“Seja um pouco tolerante. Estou praticamente quebrando as costas mantendo a Inquisição sob controle para ajudá-lo.”
“Sim, e tem minha gratidão aí. Sua ajuda tornou o ano passado muito agradável. Se pudesse apenas ocupar o lugar à frente da igreja desta capital, eu não teria mais nada a pedir.”
“Haha! Tudo depende da vontade da Todo-Poderosa Viena.”
“Vou deixar assim então. Em qualquer caso, terá a assistência que procura. Vamos ambos fazer o nosso melhor, Donovan.” disse Benjamin, suas palavras parecendo conter alguma implicação oculta. Ele encolheu os ombros e Donovan riu. Superficialmente, parecia uma troca amigável, contudo, abaixo da superfície, ambos estavam planejando abrir um buraco no outro.
Por um tempo, eles comeram doces sem palavras, no entanto, após algum tempo, Donovan quebrou o silêncio.
“Meu país é governado por pessoas teimosas. Ainda há quem queira enviar a Inquisição, apesar dos meus relatórios. Preciso convencê-los de alguma forma.”
“Hmm... Precisa de um cordeiro sacrificial?”
“Correto.” Donovan baixou a voz, aproximando o rosto de Benjamin. “A Inquisição está atrás da Chama Azul da Calamidade... Eles sofreram danos consideráveis com ele. Na verdade, pode-se dizer que é o único que procuram. Talvez possamos chegar a um acordo?”
Benjamin ergueu os cantos dos lábios.
“Quer que eu o entregue?”
“Não estou dizendo para fazê-lo agora. No entanto, enquanto for seu colaborador, temo que nunca encontrará a paz.”
“Bem... Terei em consideração.”
“Aguardo uma resposta favorável, Alteza... Tome cuidado para não confundir quem são seus aliados.” Donovan se levantou. Ele olhou para François atrás de Benjamin e zombou. “Algumas coisas desagradáveis que você fez.”
Então, Donovan saiu com passos largos, Falka seguindo ao seu lado.
Benjamin recostou-se na cadeira, olhando para a mão de trás para frente, inspecionando-a.
“Agora então... O que fazer?”
“Sua Alteza...”
“Hmm? Oh, certo. Pode ir descansar um pouco.”
François saiu com uma reverência.
Benjamin observou-o partir pelo canto do olho e murmurou para ninguém em particular.
“Acho que ele não vai durar muito. Ainda tenho algum trabalho pela frente...”
Foi então que uma figura humanoide emergiu da sombra pela qual Falka estava tão fixada. Sua figura era alta e usava um casaco preto, e seu cabelo salpicado de branco estava preso atrás da cabeça. Era Hector, o Carrasco.
Hector sorriu ameaçadoramente ao ficar ao lado de Benjamin.
“Aquele filhote estava ansioso para me derrubar. Nunca pensei que veria um coelho com olhos de cachorro louco.”
“Hmm? Oh, quer dizer a espada de Donovan? Essa é apenas a sua natureza.”
“O garoto estava empunhando a Espada da Fome, hein? Poderia só ter vindo até mim, mas está terrivelmente contido. Talvez tenha outro alvo em mente...”
“Você parece desapontado.”
“Estou perdendo meu tempo lutando contra inimigos mornos. Minha espada está enferrujando. Adoraria enfrentar o Lâmina Exaltada se pudesse.”
“O tempo virá. Ainda assim, aquela elfa continua sendo um empecilho. Ela parece conhecer as pessoas mais inesperadas... Onde está Schwartz?”
“Como eu saberia se você não soubesse?”
“Meu Deus, ele com certeza adora fazer suas próprias coisas. O que se passa naquela cabeça?”
“O que aconteceu com a garota diabrete?”
“Também não sei onde Maitreya está. Tenho a sensação de que Schwartz pode ser capaz de descobrir isso... É problemática a falta de coordenação desta organização.” reclamou Benjamin, encolhendo os ombros.
Desinteressado, os olhos de Hector se estreitaram enquanto olhava entediado ao redor do jardim.
“Pare de empurrar todos os trabalhos triviais para mim.”
“Você terá a chance de se soltar o quanto quiser. Apenas seja paciente.”
Sem uma palavra de resposta, Hector desapareceu na escuridão mais uma vez. Benjamin recuou e olhou para cima. A faixa quadrada de céu visível estava envolta em escuridão.
○
Saindo da villa do arquiduque, o grupo de Percival seguiu direto para o quarto ramo da guilda. Não era muito longe, porém também não era um passeio tranquilo. A magia de Maureen bloqueou a chuva que caía de cima, contudo não os respingos de água da rua a cada passo. Além do mais, havia depressões no pavimento de pedra onde a água se acumulava; como estavam com pressa, não tinham tempo de fugir de cada poça, e quando um pé pisava direto em uma delas, resultaria em uma forte dispersão de água por toda parte.
O sol já havia se posto e a escuridão já havia descido quando eles passaram pela porta. A guilda estava animada mesmo com o aguaceiro lá fora, no entanto muitos entraram com os pés molhados e o chão se tornou um risco de escorregamento. Um membro da equipe estava lá, andando de um lado para outro com um esfregão.
“Cara, estou toda encharcada.” Maureen soltou uma risada perturbada enquanto olhava para as botas que tinham ficado de um marrom mais escuro com a chuva.
“Bem, estávamos com muita pressa. Isso não vai te matar — cough, hack.”
Percival tirou seu sachê enquanto se virava para Touya.
“Touya, onde está Aileen?”
“Ela deveria estar em seu escritório. Por aqui.”
Eles trocaram algumas palavras com a senhora que estava na mesa antes de entrar nos bastidores. Depois de passar pelo corredor, bateram na porta com uma placa que dizia ‘Vice-mestra de filial’ e entraram sem esperar resposta.
Aileen, que estava sentada à sua mesa examinando documentos, ergueu os olhos do trabalho, surpresa.
“Oh querido, há algo errado?”
“Bem, há uma coisinha em que precisamos da sua ajuda...”
“Perdoe-me.”
“Oh, até Percival... Ugh, desculpe, está uma bagunça.” Aileen se apressou a recolher os papéis que estavam espalhados sobre a mesa.
“Não é preciso isso. É bom estar entusiasmada com o seu trabalho.”
“Oh, muito obrigado... Bem, entre, então.” as bochechas de Aileen estavam coradas quando os conduziu até o sofá de hóspedes.
“Hum, está tudo bem em conversar aqui?” Touya perguntou, olhando ao redor da sala.
“Hmm? É um desses tópicos de novo?”
“É sobre os monstros que estão aparecendo pela capital. Como está indo?” Maureen perguntou.
Aileen franziu a testa pensativa.
“É sobre aquilo, hein... Não, temos as coisas sob controle. Os pedidos chegam de vez em quando. Bem, abaixe um pouco a voz.”
Os quatro estavam sentados. Por alguma razão, a sala pareceu encher-se de um silêncio mortal antes de Aileen começar a falar.
Os monstros que apareceram na capital eram, no máximo, Rank D e, ignorando o fato de que estavam emergindo dentro de uma cidade, não eram particularmente problemáticos. Esses eram trabalhos abaixo do nível salarial de qualquer aventureiro de alto escalão. Assim, Touya e Maureen tinham pouco conhecimento sobre eles.
Percival cruzou os braços, uma expressão duvidosa no rosto.
“Você nunca enviou ninguém para investigar o que estava causando esse incidente? Isto é claramente antinatural. Não pode só matar os monstros e dizer que acabou.”
“Bom, com relação a esse problema, no início tivemos alguns trabalhos para descobrir a raiz da causa, mas depois de um tempo, eles começaram a desaparecer por conta própria. Os monstros não apareciam com tanta frequência de qualquer forma.”
“Os pedidos não estavam sendo suprimidos por alguma força superior?”
“Bem, não que eu saiba. Não fui aquela encarregada deles...”
“De qualquer maneira, sabemos com certeza que a guilda não está se esforçando muito nessa questão. Que palhaçada — Aileen, sabe onde os monstros apareceram?”
“Sim, posso obter os documentos relevantes... Me de um segundo, ok?” Aileen então se levantou e saiu da sala para pegar os documentos.
Touya se aproximou de Percival.
“Se aquele falso príncipe está conspirando com o alto escalão da guilda...” ele sussurrou. “Há uma chance de que seja o único a eliminar esses pedidos quando chegam, certo?”
“Sim. É claro que os consideraria inconvenientes se levasse alguém a investigar o assunto. Haveria uma confusão maior se fossem monstros de alto escalão aparecendo, porém como são apenas os fracos, são esquecidos com o tempo.”
“Parece que há uma conspiração em andamento, como algo saído de um romance clichê.”
“É estúpido demais até mesmo para colocar em um livro.”
Algum tempo depois, Aileen voltou.
“Desculpe por fazê-los esperar.” ela se desculpou, espalhando um mapa da capital sobre a mesa.
Havia círculos desenhados aqui e ali, cada um com um número escrito ao lado. Estes pareciam ser os locais onde as criaturas foram exterminadas.
“Os números são para os arquivos detalhados dos casos.”
“Hmm... Estão aproximadamente concentrados nesta área.”
Os círculos estavam agrupados em sua maior parte em torno de um ponto no lado leste da capital. Não que não houvesse nenhum em outro lugar, contudo de acordo com os documentos, isso era principalmente consequência de aventureiros perseguindo um monstro em fuga. As discrepâncias eram apenas os locais finais onde as caçadas aconteciam, e não onde se originavam.
Touya inspecionou os documentos.
“Havia até caçadores cinza...” murmurou. “Podem ser apenas Rank E, no entanto estou surpreso por não termos tido nenhuma vítima civil.”
“A ordem pública não é das melhores por aqui. Eles têm muitos rufiões e alguns aventureiros desagradáveis montaram acampamento lá.”
“Entendo. Mesmo que monstros apareçam, são capazes de lidar por conta própria.”
“Isso mesmo. Às vezes, enviavam um relatório de acidente. Houve algumas discussões sobre se estavam dizendo a verdade ou não.”
“De qualquer forma, está claro que esta área é obscura — então é estranho que as investigações tenham morrido. Sem dúvida há algo lá. Vamos.” Percival dobrou o mapa e enfiou-o no bolso da camisa enquanto se levantava.
“Hã? Indo tão cedo?” Aileen piscou surpresa. “Já pedi para trazerem um pouco de chá.”
“Desculpe, mas não podemos perder tempo aqui. Quando terminar, me juntarei a você para uma festa de chá, uma bebida ou o que quiser. Por favor, deixe-nos ir hoje.”
“Eh? Sério? Ah, o que eu faço?”
Olhando para Aileen enquanto ela ficava vermelha e inquieta, Percival saiu correndo da sala com Touya e Maureen correndo para acompanhá-lo.
Sem voltar atrás, Percival perguntou a Touya.
“Touya, você já esteve naquela região antes?”
“Não, mas conheço o caminho geral para chegar lá.”
“É bom o bastante. Quanto tempo vai demorar?”
“A pé... Um bom tempo. Ainda mais tempo no escuro.”
“Tsk... Que saco.”
Ainda estava chovendo quando partiram. O sol havia se posto e a escuridão piorava cada vez mais a visibilidade. Sob uma lanterna pendurada no beiral, Percival abriu o mapa.
“Esse caminho é o norte... Sim, vai demorar um pouco.”
Ele fechou o mapa de novo e estava prestes a sair quando Maureen o cutucou.
“Vamos nos molhar, porém que tal voarmos até lá?”
“O que?”
“Estou dizendo que posso usar magia de voo. Contudo a capa de chuva será mais fina, então você poderá ficar encharcado.”
“Você é muito versátil.”
Maureen circulou atrás de Touya e Percival, colocando a mão em seus ombros. Ela começou a cantar algo baixinho. Então, de repente, parecia que seus corpos tinham ficado mais leves — muito mais leves, e mais leves ainda, até que estavam literalmente flutuando para longe do chão. Os três pagaram um preço imediato por isso, pois as gotas de chuva que antes haviam sido repelidas agora os atingiam por toda parte.
Percival fez uma careta enquanto puxava o capuz sobre a cabeça.
“Está chovendo horrores.”
“Eek, está muuuito f-frio! Touya, me guie.”
“Entendi. Por aqui.”
O grupo voou para o leste através dos céus da capital. Com os olhos semicerrados para se proteger das torrentes geladas, Percival podia ver as luzes da cidade como borrões enevoados abaixo.
Quando seus dedos ficaram dormentes por causa da chuva fria, começaram a descer devagar até pousarem por fim. Eles estavam cercados por fileiras e mais fileiras de edifícios antigos. As ruas não eram pavimentadas aqui e estavam cheias de poças que refletiam a luz das janelas ao redor.
Percival semicerrou os olhos e examinou a área. Ninguém estava na chuva; a temperatura parecia estar caindo aos poucos e agora havia um pouco de granizo em meio à chuva.
Maureen espirrou silenciosamente.
“Urgh... Está muito frio...”
“Bom trabalho. Vamos encontrar algum abrigo.”
Os três se abaixaram sob o beiral mais próximo. Este lugar não era uma favela em si, contudo também não era tão iluminado e animado quanto as principais ruas da cidade. A loja em frente à qual estavam se abrigando estava fechada e em um silêncio absoluto.
Percival tirou a capa e agitou-a. O tecido à prova d'água expelia todas as gotas que grudavam em sua superfície e também não parecia que alguma água tivesse encharcado seu revestimento interno.
“Essa é uma bela capa que tem aí. Parece que está completamente seca.” observou Maureen enquanto torcia as mangas do roupão.
“Mandei fazê-la com a barriga bronzeada de um dragão. É mais resistente que uma armadura — será necessário mais do que um pouco de água ou fogo para atravessá-la. Parece que você ficou bem encharcada... Então, que tal? Sente alguma mana suspeita?”
“Estou com tanta fome que nem sei por onde começar. A magia do voo me desgastou.”
“Deve haver um restaurante que ainda esteja aberto. Vamos procurar. E você, Touya?”
“Estou bem. Pronto para seguir.” Touya virou as costas enquanto torcia a água de suas próprias roupas.
Saíram mais uma vez para a chuva em busca de algum lugar que pudesse lhes fornecer algo para comer. Eles seguiram pela estrada, pisando em poças de água ao longo do caminho até encontrarem um bar ainda iluminado. Não havia muitas pessoas lá dentro e, assim que os três entraram, todos os olhos estavam voltados para eles. Parecia que pessoas de fora não eram muito bem-vindas aqui. Alguns rufiões olhavam maliciosamente para Maureen e para as roupas encharcadas que grudavam em seu corpo e acentuavam suas curvas. Um olhar furioso de Percival dissuadiu sua atenção, e todos voltaram para seus copos ou refeições.
Percival foi até o balcão e chamou o barman.
“Traga-nos algo para comer. Apreciaria se você pudesse nos emprestar uma toalha ou algo do tipo também.”
“Terá que pagar adiantado.”
Percival tirou algumas moedas de prata da carteira e jogou-as no balcão.
“Fique com o troco.”
“Ah, fico muito agradecido.” o barman, até então insociável, de repente tornou-se bastante agradável. Após trocar algumas palavras com uma garçonete que saiu, esta voltou com algumas toalhas da sala dos fundos. Percival as entregou a Touya.
“Não podemos oferecer uma muda de roupa, infelizmente.”
“É o suficiente. Obrigado.”
“Nom, nom...” Maureen já estava enchendo o rosto com pão e queijo derretido.
Touya suspirou.
“Use a toalha ou pegará um resfriado, Maureen.”
“Estar com fome é o que vai me deixar doente, nom, nom.”
“Oh, vamos lá...” Touya reclamou antes de colocar uma toalha sobre o cabelo de Maureen e secá-lo para ela.
As chamas vermelhas na lareira ofereciam um pouco de calor, e suas roupas secavam mais rápido aqui do que lá fora. Percival engoliu uma dose de bebida e pouco depois se sentiu muito mais aquecido. Sua mão empurrou o copo vazio sobre o balcão de novo.
“Sirva-me outro.”
“Agora mesmo.”
“Ouvi dizer que há monstros por aqui.”
A sobrancelha do barman se contraiu.
“Senhor, você foi enviado pela guilda?”
“Algo parecido.”
O barman inspecionou Percival com desconfiança. A informação pareceu enfim funcionar, e ele assentiu.
“Entendo, então por fim a guilda decidiu fazer alguma coisa.”
“Como tem sido até agora?”
“Trouxemos pedidos para eles e não fizeram nada. Achei que talvez os trabalhos não valessem o risco — que ninguém os estava aceitando e que estavam apenas guardados em uma gaveta em algum lugar. Os soldados encerraram a investigação logo no início, mesmo quando estávamos tão ansiosos com o problema.”
“Hmm... Quando foi a última vez que os monstros apareceram?”
“Cerca de meio ano atrás. Bem, as pessoas que andam por aqui podem se cuidar muito bem, mas não sei o que acontecerá se forem atrás de crianças.”
“Entendo. Bem, estou aqui — não precisa se preocupar. Pode me atualizar sobre os detalhes?” Percival perguntou enquanto pegava seu copo cheio.
Segundo o dono do bar, os monstros já apareceram diversas vezes no local. Não estava claro de onde vinham e, como a área nunca teve a melhor segurança pública, ninguém estava investigando a fundo o assunto. Além do mais, os monstros que apareceram eram todos fracos, então poucas pessoas os consideravam uma grande ameaça — a maioria via os canalhas e bandidos da área como o maior perigo. Ainda assim, aqueles que não tinham forças para lutar estavam ansiosos.
Percival pegou o mapa e estendeu-o sobre o balcão.
“Onde fica esse bar?”
“Oh, hum... Bem aqui.” disse o dono do bar, apontando.
Havia alguns círculos indicando monstros muito próximos, embora as marcas ainda estivessem concentradas um pouco mais a leste.
“Não há dúvida de que é nesta área.” disse Touya.
“Certo. E com certeza há algum elemento mágico envolvido... Hey, Maureen. Seu estômago já está satisfeito?”
“Preciso de mais uma tigela de sopa quente.” já havia seis pratos empilhados à sua frente.
“Onde tudo isso vai parar...? Hey, uma tigela de sopa, por favor.” Percival suspirou enquanto pegava uma moeda de cobre e a colocava sobre o balcão.
Olhando para o mapa, Touya inclinou a cabeça.
“Se bem me lembro, há muitos edifícios abandonados nesta área.”
“Sim, estou surpreso que saiba. Costumava ser muito próspero aqui, porém estamos muito longe das ruas principais, então a área gradualmente secou na videira. Agora, há muitas casas vazias e prédios abandonados. É o que facilita a reunião de bandidos.”
“Portanto, é um lugar onde as pessoas decentes ficam longe. Muito conveniente se quiser esconder alguma coisa.”
Com a última tigela de sopa engolida, Maureen deu um tapinha na barriga.
“Estou cheia de energia. Vamos indo.”
“Ah, você está satisfeito?”
“Estou cerca de oito décimos cheia, contudo vamos nos movimentar, então deve ser o bastante.”
“Hey, depois de comer tanto...”
“É normal... Não se preocupe com ela.” Touya sorriu ironicamente e se levantou. Percival apenas encolheu os ombros.
A chuva ainda caía com a mesma intensidade de sempre e a porção de granizo também aumentara um pouco. O som de respingos que fez ao atingir o chão teve um peso maior. Quando Percival limpou as gotas de seus ombros, sua mão encontrou pequenos pedaços de gelo.
Eles se apressaram e caminharam pela estrada encharcada até chegar a uma área onde não havia luz, nem mesmo de uma única janela.
Os prédios ao redor tinham dois ou três andares de altura, dando a impressão de que este já havia sido um lugar esplêndido. No entanto agora as paredes estavam descascando e as janelas estavam quebradas e tapadas com tábuas por toda parte. Um clima de mau presságio permeava o ar.
Percival olhou em volta com uma careta.
“Entendo... Tenho um mau pressentimento sobre este lugar. Pode lançar algum tipo de rede de detecção mágica?”
“Hmm, espere um segundo...” Maureen respondeu.
Touya desembainhou a espada e fechou os olhos em concentração enquanto Maureen começava a trabalhar, unindo as palmas das mãos na frente do peito enquanto entoava algo. Após algum tempo, uma onda de mana surgiu de seus corpos, contornando os edifícios enquanto cobria toda a área. Este era um feitiço de busca — se a mana espalhada encontrasse algo estranho, seriam alertados.
Percival ficou de braços cruzados e esperou até sentir uma presença estranha.
Touya abriu os olhos.
“Alguém está vindo.”
“Hmph...” Percival correu na frente de Touya e Maureen e lançou um golpe contra o que quer que estivesse correndo pela escuridão em sua direção. Ele cortou a sombra, sentindo pouca resistência contra a lâmina, fazendo-a desabar com força no chão atrás de Percival.
Touya estreitou os olhos.
“Um monstro...? Mas não é formidável.”
“Não se preocupe. Continue.” disse Percival, seus olhos penetrantes observando os arredores. A segunda e a terceira sombras a serem abordadas foram cortadas em um piscar de olhos.
Ele soltou um suspiro entediado.
“Estão me subestimando.”
Os olhos de Maureen se abriram e ela franziu a testa.
“Há algo como uma distorção no espaço. O que fazemos, Sr. Percy?”
“Lidere o caminho. Não se preocupe com nada ao seu redor.”
Os dois assentiram e todos saíram correndo enquanto as sombras se esgueiravam dos prédios ao redor e os perseguiam. Qualquer um que estivesse ao alcance da lâmina de Percival foi imediatamente cortado ao meio. Touya não conseguiu parar de rir, o que chamou a atenção de Maureen.
“O que está errado?”
“Nada... Ele é realmente incrível. Isso me dá vontade de rir.”
Os três dobraram várias esquinas antes de parar em frente a um determinado prédio. A porta foi fechada e tapada várias vezes, proporcionando uma vedação bastante resistente.
“E agora?” Maureen perguntou.
“Essa é uma pergunta estúpida. Vamos avançar!”
Touya ergue sua espada. A lâmina estava envolta em um redemoinho de mana com um brilho azul claro. Só com isso a porta oscilou. O golpe disparou como uma massa de pura força física, batendo nas tábuas e irrompendo direto pela porta. Os três correram pela brecha. As janelas estavam lacradas, deixando o interior em um completo breu. Até o som da chuva estava abafado, e parecia que aquele tamborilar constante e frio estava a um mundo de distância deles.
Percival eliminou a última sombra escura que os perseguia. Com um último golpe de sua lâmina para fazer qualquer sangue voar, a embainhou.
“Eu assumi a retaguarda, hein...? Nunca pensei que esse papel cairia sobre mim.”
“Senti uma verdadeira sensação de segurança. Como esperado do Lâmina Exaltada.”
“Haha...” Percival riu. Estou ficando velho...
Maureen produziu um orbe de luz e inspecionou a sombra dividida ao meio. Ela engoliu em seco.
“Whoa... Isso é...”
O que restou foi um pacote de pano preto com ossos humanos aparecendo por baixo. Uma leve névoa escura parecia emanar de debaixo do pano e se dissipar no ar acima — um morto-vivo, evidentemente.
“Necromancia? Não é à toa que senti uma presença tão estranha...” Percival refletiu. “O que há de errado?”
“Não... Não é nada.” Touya estava encarando os restos mortais com um olhar furioso, e foi apenas a voz de Percival que o trouxe de volta à realidade.
“Touya... Você disse que estávamos enfrentando alguém de quem guardava rancor. Quem estava se referindo?”
A boca de Touya trabalhava sem emitir som enquanto lutava para encontrar as palavras certas, os olhos penetrantes de Percival perfurando-o o tempo todo. Por fim, fechou os olhos, parecendo se resignar.
“Desculpe. Não deveríamos ter nenhum segredo entre nós, neste momento...”
“Não sou tão gentil quanto Bell. Não posso permitir que seus rancores me coloquem em risco.”
“Claro, você está certo.” por um breve momento, Touya baixou a cabeça em silêncio, antes de finalmente olhar para cima. “Eu tinha um irmão — um irmão esplêndido e gentil que se destacava em magia e esgrima... Quem o matou foi Hector, o Carrasco.”
“Então ele é inimigo do seu irmão.”
“Sim. Eu realmente amava meu irmão, sabe... Não posso deixar de ficar um pouco emocionado.”
“Entendo como se sente. Tenho algumas pessoas que adoraria matar também... Porém não vencerá se deixar o sangue subir à sua cabeça.”
“Estou ciente. E ainda...”
“Você é jovem... Não que esteja em posição de falar.” disse Percival com um sorriso amargo. “Bem, se quiser acertar as contas, não me importo de contribuir um pouco. Contudo não vou salvar alguém que pretende travar uma batalha perdida. Entende o que estou dizendo?”
“Sim...” Touya mordeu o lábio.
Maureen parecia tensa enquanto olhava entre os dois.
“Hum, uh...” ela gaguejou.
“Não faça essa cara. Não estou prestes a abandonar vocês. Só estou dizendo que alguém precisa se controlar.” Percival riu e olhou para as profundezas do prédio. Um buraco escuro estava no centro de uma parede em ruínas. “Está lá atrás, eu acho.” Percival caminhou rapidamente em direção a ela.
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