Capítulo 28: Um leve chiado e farfalhar
Um leve chiado e farfalhar podia ser ouvido enquanto alguém corria. Era quase como se estivesse deslizando, mal roçando o chão.
Era uma mulher, ou pelo menos assim parecia; talvez o termo ‘menina’ fosse mais apropriado. Seu cabelo macio, sedoso e prateado estava grosseiramente preso atrás da cabeça. Ela tinha uma espada fina na cintura, e o xale sobre os ombros balançava ao vento. Enquanto seu rosto era gracioso e seus olhos cheios de espírito, o que mais se destacava eram suas orelhas afiadas, que se estendiam de cima para fora e se estreitavam até a ponta.
Estava escuro nesta floresta de árvores murchas. Não havia uma única folha em nenhum dos galhos, e arbustos espinhosos enrugados bloqueavam o caminho em aglomerados densos. O céu estava escuro e nublado, mas não havia sinal de chuva; as pesadas tonalidades acinzentadas apenas assomavam acima para criar uma terrível melancolia.
Vários monstros bizarros estavam no encalço da garota. Eles eram lagartos, cada um do tamanho de uma criança humana, embora em vez de correr de quatro, chutassem o chão com suas patas traseiras musculosas. Seus olhos não tinham pálpebras, e sua pele azul e escamosa brilhava com alguma substância estranha e viscosa.
Um olhar de lado para uma das criaturas prestes a flanqueá-la fez a garota estalar a língua.
“Quão persistente...”
A garota puxou a espada delgada em sua cintura e saltou para o lado, mantendo sua velocidade o tempo todo. Em um piscar de olhos, um monstro foi perfurado. Com um giro ágil, atacou em outra direção, decapitando outra criatura que veio em sua direção. Suas habilidades eram bastante notáveis.
Depois de eliminar sem problemas vários dos monstros que a perseguiam, a garota lançou um olhar afiado para trás; ainda havia muito mais atrás. Depois de pensar por um momento, embainhou rápido sua lâmina e partiu.
“Não tenho tempo para lidar com esses fracotes...”
Ela sentiu os monstros atrás enquanto corria. Apesar de sua constituição desamparada, se portava como se não soubesse o significado de fadiga enquanto se esquivava com agilidade das árvores e saltava sobre os arbustos.
A jovem não sabia quanto tempo havia corrido, contudo aos poucos pôde sentir um fino miasma flutuando no ar e uma mana peculiar pinicando sua pele.
A garota parou. Um sorriso questionável cruzou seu rosto.
“Finalmente te encontrei.”
Sacando sua lâmina, começou a caminhar em direção à fonte da mana.
Uma figura negra e sombria na forma de uma besta de quatro patas se encolheu ali. A ponta de sua longa cauda se contorceu como uma cobra enquanto sua cabeça de leopardo balançava para a esquerda e para a direita, um líquido preto escorrendo do que supõe-se ser sua boca.
A sombra murmurou algo baixinho, como se estivesse suplicando, ou talvez lamentando.
“Q-Quero... Vol... Voltar... M-Mestre...”
“Oh, vou retornar você — ao nada, quero dizer.”
Com um sorriso feroz em seu rosto, a garota tomou sua posição e saltou sobre seu inimigo.
○
O ar do início do verão estava tomando conta aos poucos. As plantas e folhas que brotaram e cresceram na primavera mudaram lentamente de seus jovens verdes brilhantes para tons mais escuros e temperados, e as florestas de Turnera agora tinham uma cor esmeralda profunda por completo. As planícies fora da aldeia estavam cobertas por um tapete verdejante, que as ovelhas devoravam quase obsessivas.
Depois do primeiro grande trabalho do início do verão, que era colher o trigo, veio a tosquia das ovelhas. Eles reuniriam as ovelhas que haviam comido até o fim de toda a primavera e cortariam seus abundantes casacos. Uma vez que foram despidas de sua lã, as ovelhas renovadas voltariam ao seu pasto.
Mesmo durante o verão, as noites de Turnera eram de um frescor agradável, no entanto, apesar da temperatura diurna não ser tão ruim, o sol forte sem piedade fez com que parecesse muito pior. Em um desses dias para tosquia, Belgrieve sentou-se no quintal da casa de Kerry, cuidando das crianças pequenas. Em seus braços segurava um bebê enquanto observava as crianças desenharem no chão, dando uma olhada ocasional no trabalho de tosquia que estava sendo realizado ali.
Havia muitas casas que mantinham ovelhas, porém nenhuma tinha tantas como Kerry. Este contratava vários aldeões nessa época do ano, e a tosquia sempre se tornava um evento animado. Feito isso, vinha à cardagem, a fiação do fio e depois o tricô.
Com tesouras de tosquia especializadas, mesmo os tosquiadores experientes levavam de quarenta a cinquenta minutos por cabeça, e os inexperientes podiam levar o dobro. As mãos experientes ensinavam pelo exemplo antes de colocar os mais jovens para isso, contudo sempre havia um tumulto todos os anos sobre como uma das ovelhas escapou ou como outra foi ferida por engano. Quando esses jovens conseguissem fazê-lo sem erros, seria hora da próxima geração de crianças aprender a tosquia.
Belgrieve havia participado até alguns anos atrás, mas nos últimos tempos se viu cuidando das crianças. Os jovens da aldeia estavam trabalhando duro, enquanto suas mães estavam ocupadas ajudando a fazer o almoço e a lavar a lã tosquiada. Belgrieve era estranhamente querido pelas crianças, e a maioria dos aldeões se sentia à vontade deixando o trabalho para ele; assim, esse dever recaiu sobre sua pessoa de forma natural.
Quando o bebê começou a chorar, Belgrieve deslizou a mão sob sua camisa, enfiando o polegar em um espaço entre os botões. A criança deu uma risadinha e o sugou com alegria. Belgrieve já estava bem acostumado.
Enquanto estava cuidando das crianças, um homem atarracado veio em sua direção. O homem estava vestido como um aventureiro e carregava um machado de batalha nas mãos. Seu cabelo castanho estava começando a ficar ralo, porém sua barba estava ficando grossa para compensar.
O homem estreitou os olhos sociáveis, sorrindo enquanto falava com Belgrieve.
“Hahaha, esse é o Bell que conheço. Mesmo um bebê não é páreo!”
“Fico feliz em vê-lo de volta, Duncan. Como foi hoje?”
“O mesmo de sempre, contudo devo dizer que fiquei chocado com a habilidade dos jovens desta aldeia. Devem ter um mestre e tanto! Hahahaha!”
“O que está dizendo, meu Deus...” Belgrieve se levantou com um sorriso irônico e entregou o bebê a Duncan. “Pode assumir um pouco? Estou com sede.”
“Hum?”
O bebê começou a chorar no momento em que estava nas mãos de Duncan. Frenético, Duncan tentou acalmar a criança, mas apenas a fez chorar ainda mais, criando ainda mais confusão.
“Espere, Bell! O que faço sobre isso?”
“Espere um segundo.”
Belgrieve correu para a cozinha, deslizando entre as mulheres ocupadas preparando o almoço, e engoliu uma concha de água. Quando voltou, as crianças estavam amontoadas ao redor de Duncan, subindo em seus ombros e costas. Sua construção atarracada era, evidentemente, bastante fácil de escalar.
“Haha, olha quem é popular?”
“E-Eu não estou acostumado com isso...” Duncan parecia bastante confuso enquanto as crianças jogavam cabo de guerra com sua barba.
Belgrieve riu e pegou o bebê chorando de seus braços. Logo o pequeno se acalmou no momento em que esteve em seu abraço.
Cerca de dois meses se passaram desde que Belgrieve voltou de Bordeaux. A neve em Turnera havia derretido por completo enquanto estava fora, e o trigo verde fresco estava dourado antes que percebesse.
Para sua surpresa, Duncan foi o primeiro a recebê-lo de volta. Duncan era um aventureiro que viajou pelas terras em busca de inimigos fortes para treinar. Depois de ouvir um boato sobre certo Ogro Vermelho, fez a jornada até Turnera, apenas para não reconhecer Belgrieve na cidade de Rodina ao longo do caminho.
Ao chegar em Turnera e saber que Belgrieve estava ausente, Duncan decidiu esperar seu retorno em vez de sair. Nesse meio tempo, ajudou em alguns dos trabalhos ao redor da vila e ensinou aos jovens algumas noções básicas de combate. Com sua personalidade aberta, se misturou a Turnera em pouco tempo.
Belgrieve havia se desculpado por se fazer de bobo em Rodina, no entanto Duncan não parecia se importar. Ele insistiu que, se tivessem lutado em Rodina, nunca teria vindo para Turnera. Até agradeceu a Belgrieve pelo ocorrido, pois havia gostado bastante da vila.
A visita de Duncan durante a ausência de Belgrieve foi bastante benéfica. A manutenção das estradas foi adiada, então, naturalmente, os aldeões ficaram desapontados. Entretanto surgiu um assunto mais urgente, impedindo que o atraso causasse muito alvoroço.
Este problema tomou a forma de um surto de monstros fracos que variam do Rank E até Rank D. Embora de baixo escalão, esses monstros ainda eram uma ameaça para os civis. Os jovens da vila sabiam lidar com espadas e tinham corpos robustos para igualar, todavia não tinham experiência real de combate — baixas teriam sido inevitáveis enquanto permanecessem novatos.
Foi quando o aventureiro errante mostrou suas capacidades. Não apenas os exterminou por conta própria — reuniu voluntários que Belgrieve havia treinado na espada e os dirigiu contra os inimigos diabólicos.
Em pouquíssimo tempo, os rapazes e moças descobriram como aplicar os ensinamentos de seu mestre e, a essa altura, haviam formado pequenos grupos (semelhante aos aventureiros) para cuidar dos monstros por conta própria. Ainda não havia nenhuma morte ou ferimentos graves.
Parece que não há mais lugar para mim, pensou Belgrieve.
Duncan sentou-se ao seu lado. “Tudo acontece tão rápido.” disse ele. “É como se eu já tivesse estabelecido minhas raízes aqui.”
“Estamos felizes em tê-lo. Por que não se estabelecer e encontrar uma esposa enquanto está nisso?” Belgrieve comentou como uma piada, contudo Duncan respondeu com uma gargalhada.
“Hahaha! Não é uma má ideia!”
Houve um grito dos tosquiadores. Uma das ovelhas se soltou e virou o jovem que a segurava. O ar estava cheio com os gritos do tosquiador experiente que o estava ensinando e um coro de risadas ao redor.
Belgrieve observou com um sorriso antes de se virar para Duncan.
“Então, como foi? Alguma pista sobre o que está causando isso?”
Duncan cruzou os braços. “Tentei seguir a mana até sua fonte, mas a perdi. Tenho vergonha de dizer que buscar não é minha especialidade. Sou mais um lutador.”
“Hmm...”
Talvez eu devesse ir então, pensou Belgrieve.
Embora os aventureiros muitas vezes acabassem lutando, seu trabalho pode ser classificado em três categorias: caça, coleta e busca.
Os trabalhos de caça podem ser concluídos apenas derrotando os monstros ou bandidos designados, então a força de combate de um aventureiro era tudo. Os aventureiros que aceitavam esses trabalhos precisavam ter conhecimento sobre monstros, contudo seus predecessores deixaram muitos dados, então muitas vezes algumas pesquisas leves antes de um trabalho eram suficientes.
Os pedidos d coleta envolviam encontrar materiais. Quando o pedido era pelos couros, presas, garras ou conchas de monstros, seus deveres se sobrepunham aos dos caçadores, porém na maioria das vezes, o alvo seria alguma planta ou mineral. Com base em onde esses materiais foram colhidos, alguns trabalhos podem ser feitos sem nenhuma habilidade de combate. A coleta de ervas feita por aventureiros novatos se enquadrava nessa categoria, e era um trabalho que todos faziam pelo menos uma vez em sua carreira de aventureiro.
Os pedidos de busca enviavam aventureiros para masmorras, florestas profundas e montanhas. Esses pedidos podem envolver a caça de monstros de alto escalão nas profundezas de uma masmorra, coletando materiais dela ou talvez encontrando um tesouro escondido — esses trabalhos vêm de todas as formas. Todavia, o que os unia era o ciclo de combate e investigação que duraria vários dias, e exigiam não apenas habilidades de combate, como também uma preparação cuidadosa e atenção astuta. Eram várias vezes mais difíceis do que simples pedidos de caça e coleta.
Os aventureiros também se enquadravam em diferentes tipos, e Duncan era tal como parecia — um aventureiro especializado em caça. Sua força o colocou no Rank AA, entretanto foi puramente a força de seus braços que o levou até lá; ele não era adequado para trabalhos que exigiam mais sutileza. Seu amor pelo combate o levou por toda a terra.
Em seus dias de aventura, Belgrieve aceitaria qualquer trabalho que viesse a ele. Caçava, coletava e também entrava em masmorras. Só fez um trabalho adequado por cerca de dois anos, mas não tinha lembranças de ter um dia de folga durante esse período. Atendendo a pedido após pedido, houve momentos em que quase morreu. No entanto, tudo foi uma experiência, e essas experiências aguçaram seus sentidos para o próximo trabalho.
De qualquer forma, um aumento de monstros significava que havia poças de mana se formando ao redor das montanhas de Turnera, ou que um poderoso monstro talvez tivesse entrado. Contanto que não houvesse barreira, os monstros se reuniriam onde houvesse mana em abundância. Havia também uma tendência de monstros de baixo escalão se reunirem sob um mais forte. Se a mana continuasse acumulando, a própria terra poderia mudar e se transformar em uma masmorra. É provável que os monstros continuassem aparecendo sem fim até que a causa fosse rastreada.
Tinha sido apenas monstros de baixo escalão até agora. Contudo, não havia como dizer se ou quando um mais forte viria. Talvez isso fosse bom em um assentamento maior com aventureiros estacionados de forma fixa, entretanto Turnera não tinha nada como uma guilda.
Talvez estivesse bem por enquanto. Se Belgrieve morresse, no entanto, outra pessoa teria que assumir as defesas. Os monstros apareceriam se ele estivesse lá ou não. Com isso em mente, este foi o treinamento perfeito.
Era, claro, bastante sinistro para esses monstros continuarem aparecendo por razões desconhecidas. Se cuidasse do assunto ou deixasse para lá, precisava pelo menos identificar a causa.
Uma mosca irritante estava circulando o rosto de Belgrieve por um tempo agora; ele franziu a testa enquanto acenava com a mão. A ovelha fugitiva ainda estava correndo, com gritos e risos abundantes.
○
“Não tenho suficiente emanação paterna energética...”
No centro de Elvgren, uma cidade à beira-mar, Angeline sentou-se cansada em uma mesa do lado de fora de uma barraca de comida. Descansou o queixo na mesa, deixando a energia drenar de seus membros.
Anessa enxugou um pouco de suor, um sorriso tenso no rosto. “Muito cedo, não é...”
“Não tão cedo. Dois meses já...” Angeline virou a cabeça para que sua bochecha ficasse pressionada contra a superfície.
Enquanto isso, Miriam estava atordoada. Suas orelhas fofas eram fortes contra o frio, mas não aguentavam muito bem o calor do verão.
Depois de retornar a Orphen, elas estavam de volta à vida de aventureiras com a qual foram abençoados há tanto tempo. Podiam aceitar trabalhos quando quisessem e fazer o que quisessem de outra forma. Esta era a vida de um aventureiro de alto escalão que os escalões mais baixos invejavam. Sua vida diária não podia nem ser comparada com o que era durante o surto em massa de monstros causado pelo demônio.
Ouvindo que o coral de ferro estava valendo um bom preço, elas partiram para Elvgren e vasculharam a masmorra próxima. Cortando os monstros do mar com cheiro de peixe em seu rastro, reuniram uma ampla quantidade de recursos. Já tinham providenciado para transportá-lo para Orphen, então não havia mais nada a fazer. O trabalho acabou, porém estavam lá de qualquer maneira. Por que não saborear alguns dos deliciosos frutos do mar e vinhos de Elvgren antes de sair?
Enquanto Angeline bebia seu vinho bem gelado, pensou em muitas coisas. Ela se lembrou de como se sentiu sozinha ao ver as costas de seu pai desaparecerem de vista em Bordeaux, e como quase correu para Turnera atrás dele. Sabia que não estava certo e ficou feliz por Anessa e Miriam a terem detido. Depois de voltar para Orphen, trabalhou em Benares e Asterinos, coontudo quase tudo a faria lembrar da alegria que sentiu em seu reencontro com Belgrieve e da tristeza de se separar de novo. Ela se sentiu estranhamente inquieta; o fato de ainda poder fazer seu trabalho muito bem se resumia a ser uma aventureira Rank S.
Angeline tornou a encher o copo vazio do jarro de barro sobre a mesa.
“Tenho certeza que o pai está se sentindo sozinho...”
“Senhor Bell, eh... Ele tinha muito trabalho a fazer. Talvez não tenha tempo para se sentir solitário.”
“Grr...”
“Turnera foi tão divertida e legal...” Miriam murmurou, balançando a cabeça e enxugando o suor.
Anessa empurrou um copo de água gelada em suas mãos. “Aqui, água. Por isso avisei que deveríamos comer lá dentro.”
“O vento parou de repente...” Miriam saboreou a água antes de soltar um longo suspiro. O guarda-sol, que estivera balançando com a brisa do mar momentos atrás, agora estava rígido como um cadáver.
Elvgren era uma cidade a oeste de Orphen. Floresceu em suas indústrias marítimas e de frutos do mar e, embora não fosse tão vasta quanto Orphen, ainda era grande e populosa. Havia uma masmorra marinha por perto, então havia um bom número de aventureiros também.
O clima não deveria ser tão diferente de Orphen, porém era à beira-mar e a uma altitude menor. O ar estava um pouco mais preguiçoso, havia um cheiro de peixe e, quando o vento não soprava, parecia mais quente que a cidade grande. Claro, o calor só era natural no verão.
“Eu quero ir à praia com o pai...” Angeline murmurou, olhando para o reflexo do sol no mar. Belgrieve não era um bom nadador, mas com certeza apreciaria um passeio à beira-mar.
O gelo na xícara de Miriam tiniu quando esta perguntou, “Já pensou em encontrar um namorado, Ange?”
“Por quê?”
“Quero dizer, você não vai se sentir tão sozinha aqui se tiver alguém assim por perto.”
“O que procuro no pai não é a mesma coisa que procuro de um namorado... Em primeiro lugar, os homens em Orphen não são bons... Patéticos. E você, Merry?”
“De jeito nenhum, não posso confiar em garotos da minha idade. Também não quero que saibam que sou uma mulher besta. Mais importante, não há caras legais ao nosso redor.”
“Seus padrões não são um pouco altos demais?”
Vendo o rosto farto de Anessa, as duas trocaram sorrisos significativos.
“Tentando aparentar calma, entendo.”
“Então conhece alguém legal, Anne... Ou seus padrões são muito altos...?”
“Cala a boca. Estou bem. Não estava procurando por um para começar...”
“Hmm.”
“Tudo bem, vamos deixar assim...”
“Ah, o que há com esse tom? Você entendeu errado! No momento, estou apenas me divertindo trabalhando... Ei, me escutem!”
Ignorando a defesa frenética de Anessa, Angeline e Miriam voltaram ao vinho. O álcool encheu seus estômagos vazios.
Angeline continuou olhando distraidamente para longe. Havia nuvens cumulonimbus¹ se estabelecendo no céu azul que podia ver além do guarda-sol. O vinho espirrou contra os lados de seu estômago.
“Estou com fome... Quanto tempo essa comida vai demorar...?”
“Hey, sabe?”
“Hmm...?”
“Acha que o Sr. Bell planeja encontrar uma esposa?”
“O que é isso do nada?” Angeline perguntou mal-humorada.
Miriam apoiou a cabeça com a mão. “Quero dizer, ele não estaria sozinho em Turnera se tivesse uma esposa. No entanto não pareceu levar a sério quando Helvetica o beijou, então talvez não esteja interessado.”
“Estava um pouco envergonhado, no entanto.”
“Hmph... Como diabos aquela garotinha vai se casar com meu pai.”
“Você é a garotinha aqui...”
“O que acha, Ange? Que tipo de pessoa gostaria que fosse sua mãe?” perguntou Miriam.
Os olhos de Angeline vagaram enquanto pensava. “Precisaria ter aquela coisa maternal, eu acho.”
“Maternal, hein...”
“Então... Peitos?”
“Não, se fosse tão simples, significaria que Merry tem maternidade.”
E com isso, Angeline e Anessa olharam para Miriam.
“Sim... Não é o caso.”
“Não.”
“Qual é o seu problema?” Miriam fez beicinho.
Anessa tomou um gole de vinho amargamente. “De qualquer forma, todo mundo enxerga o Sr. Bell como um pai, então teria que ser alguém que pudesse superar sua paternidade.”
“Certo, essa é a coisa. Existem diferentes tipos de afeto... Não pai e filho, mas homem e mulher... Sim, como uma fera... Não, retiro isso, o pai é um cavalheiro.”
“Não faço ideia do que está falando... Contudo tudo bem, não sinto nada desse tipo de amor pelo Sr. Bell. Nunca tive um pai, então não tenho certeza, mas sinto que parece como seria se tivesse um.”
“Certo? Gosto do Sr. Bell e tudo, e quero que me mime, no entanto não o vejo como namorado.”
“Como eu estava pensando. Claro, me sinto à vontade tendo-o por perto, porém se me perguntar se quero me casar com ele, você sabe...”
“Nunca permitiria que chegasse a esse ponto. Anne, Merry, vocês duas não têm o que é preciso para ser minha mãe.”
Miriam mostrou a língua. “Também não te quero como filha.”
“Hmm... Então nós concordamos.”
“Com certeza.”
Elas trocaram um high five².
Anessa suspirou. “O que estão fazendo...?”
“Sim...” Angeline bebeu o que restava de seu vinho. “Teremos que procurar uma noiva adequada então.”
“Soa divertido.”
“É da minha mãe em potencial que estamos falando, então precisamos ter cuidado...”
“Não... Vamos lá. Não deveria ser o Sr. Bell quem decidisse?”
“Nós nunca encontraremos ninguém se deixarmos isso para o pai...”
“Ah, mas talvez o senhor Beel encontre alguém legal em Turnera.”
“Não é possível. Ele já estaria casado agora.”
“Urk... Pode... Pode ser verdade.”
“Claro, o pai vai tomar a decisão final. Contudo se não houver ninguém em Turnera, teremos que procurar candidatas do nosso lado. Hehehe, isso está começando a ficar divertido...”
“A esposa do senhor Bell, hein... Mas se encontrarmos uma esposa, e ele se apaixonar por ela, não terá menos tempo para você, Ange?”
“O que?”
As palavras de brincadeira de Miriam atingiram Angeline como um raio. Ela segurou a cabeça, caindo sobre a mesa.
“Ah... Ahh... O-O que eu faço? O que devo fazer?”
“Você... Nem tinha pensado nisso?”
“Oh querida, parece que a caça à noiva terá que esperar.”
O vento começou a aumentar de novo quando a comida foi trazida à mesa: paella ao estilo de Elvgren, ostras descascadas e pescado frito, tudo soltando um vapor sempre tentador.
Notas:
1. Um cúmulo-nimbo ou, em latim cumulonimbus, é um tipo de nuvem caracterizada por um grande desenvolvimento vertical. Tipicamente, surge a partir do desenvolvimento de cúmulos que, por ação de ventos convectivos ascendentes, ganham massa e volume e passam a ser cumulus congestus e, no auge de sua evolução, torna-se um cúmulo-nimbo, quando atingem mais de quinze quilômetros de altura.
“Você... Nem tinha pensado nisso?”
“Oh querida, parece que a caça à noiva terá que esperar.”
O vento começou a aumentar de novo quando a comida foi trazida à mesa: paella ao estilo de Elvgren, ostras descascadas e pescado frito, tudo soltando um vapor sempre tentador.
Notas:
1. Um cúmulo-nimbo ou, em latim cumulonimbus, é um tipo de nuvem caracterizada por um grande desenvolvimento vertical. Tipicamente, surge a partir do desenvolvimento de cúmulos que, por ação de ventos convectivos ascendentes, ganham massa e volume e passam a ser cumulus congestus e, no auge de sua evolução, torna-se um cúmulo-nimbo, quando atingem mais de quinze quilômetros de altura.
2. Tipo um ‘toca aqui’ nas terras tupiniquins.
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