Capítulo 30: Da montanha nua, uma figura desceu
Da montanha nua, uma figura desceu. Era alto, envolto em um manto cinza, e carregava no ombro uma espada enorme que se elevava sobre seu corpo. Um capuz foi puxado para baixo para obscurecer seu rosto; no entanto, os fios de cabelo que espreitavam eram prateados e macios como fios de seda, e sua mandíbula angulosa parecia masculina.
O homem olhou ao redor enquanto descia devagar. Sua capa esvoaçava e ondulava ao vento, e teve que segurar o capuz para mantê-lo no lugar.
“Aquela maldita moleca... Aonde ela foi?”
Ele parecia estar procurando por alguém, e estava nisso há um bom tempo. Havia uma irritação palpável em sua voz enquanto murmurava para si mesmo.
Seu olhar voltou-se para a floresta que se estendia sobre a base da montanha. O chão em que estava era tão alto que havia apenas grama baixa ao seu redor, e quase nenhuma árvore, o que lhe dava uma bela vista da vila perto do sopé da montanha. Quando forçou os olhos, pôde ver os rebanhos de ovelhas e os cães que os perseguiam, assim como os pastores nas proximidades.
Depois de pensar um momento, decidiu ir para a vila.
○
Um Caçador Cinza morto caiu no chão. O jovem que brandiu sua espada recuou rapidamente enquanto outro jovem trocou de lugar com ele, empurrando uma lança para empalar outro Caçador Cinza que estava saltando por trás de seus irmãos caídos.
“Bom, essa é a maneira de fazer isso! Não fique muito convencido! Elimine-os de forma consistente, um por um!”
Belgrieve manteve-se de prontidão, capaz de entrar na briga a qualquer momento. Sua cautela era mantida com os arredores enquanto dava ordens aos jovens da vila. Eles haviam estabelecido uma formação colina acima da floresta, atraindo os Caçadores Cinza para atacá-los de baixo. A vantagem do terreno era sua antes mesmo da batalha começar.
Havia cerca de dez jovens ajudando-o, lutando contra os monstros como uma força unificada. Em intervalos regulares, alguns deles se aventuravam para atrair os Caçadores Cinza, depois recuavam para que os que estavam atrás com as lanças pudessem lidar com as criaturas.
Belgrieve e Duncan supervisionaram de ambos os flancos, totalmente preparados para se apressar no momento em que as coisas azedassem, mas por outro lado ficaram para trás; Turnera seria um lugar muito mais seguro se os aldeões se acostumassem ao combate.
A batalha, que durou pouco menos de uma hora, terminou com sua vitória. Alguns ferimentos foram sofridos, porém nenhum foi grave. Estes foram resultados decentes, e Belgrieve deu um tapinha nos ombros de seus jovens lutadores.
“Bom trabalho. Você está chegando lá.”
“Hehehe, acha que eu posso ser um aventureiro, Sr. Bell?”
“Você é quem decide. Contudo Angus ficaria muito triste se você deixasse a vila.”
“Urk... Mas, sabe...”
“E não é tão fácil lá fora. Duncan e eu fomos os sortudos. Se vier a se tornar um aventureiro, estará andando na linha entre a vida e a morte. Mesmo que não morra, pode perder uma perna como no meu caso.” Belgrieve bateu com a perna de pau no chão.
O jovem baixou a cabeça. “Estou ciente, no entanto...”
“Haha... De qualquer forma, fez um bom trabalho hoje. Vamos para casa”. Belgrieve estimulou o pequeno grupo pelo caminho. Lutar contra monstros foi uma boa experiência, contudo também mudaria os corações da geração mais jovem que só conhecia o estilo de vida idílico de Turnera.
Não havia muito entretenimento no campo. Muitos deles já ansiavam por uma vida de aventura, e isso começou a parecer um objetivo realista depois de terem lutado e matado alguns monstros de verdade. O segundo e terceiro filhos tinham um pouco de liberdade, no entanto havia casas onde até seus herdeiros começaram a ansiar pela vida aventureira, e seus pais olhavam com rostos conflitantes.
Belgrieve compartilhou sua opinião. Ele tinha sido um aventureiro, então estava relutante em ficar no caminho de seus sonhos, porém criar Angeline o ensinou a se preocupar como pai. Além do mais, deixar os herdeiros partirem também seria uma perda para a vila. Embora houvesse pouco que pudesse ser feito para diminuir seu entusiasmo com monstros aparecendo um após o outro, Belgrieve ainda sentia algum remorso, tendo ajudado a estimular esses jovens em direção ao mundo além de Turnera.
“Sei que não pode permanecer o mesmo para sempre...”
Entretanto quando as coisas começarem a mudar, onde ele deveria ficar? Belgrieve tinha vivido mais de quarenta anos e ainda não tinha uma resposta. Era tudo desconhecido — na verdade, as coisas que achava que tinha descoberto eram ofuscadas pela grande quantidade de coisas das quais apenas não tinha mais certeza.
Retornaram então a uma vila envolta num ar um tanto festivo. Uma caravana havia chegado há algum tempo, e agora as barracas foram erguidas na praça da cidade onde várias mercadorias foram alinhadas enquanto os viajantes tocavam suas músicas folclóricas.
Depois de dizer a seus alunos para fazerem a manutenção adequada de suas armas, Belgrieve os deixou seguir seu caminho. Eles se espalharam em grupos; alguns foram para casa, enquanto outros foram direto para as barracas. Depois de treiná-los um pouco mais até que pudessem lidar com as defesas da vila por conta própria, Belgrieve pretendia se juntar a Duncan na investigação da causa do surto. Os jovens eram habilidosos, mas não totalmente acostumados ao combate. Podiam lutar, entretanto não eram aventureiros. Eram crianças que havia cuidado durante toda a juventude, e estivera lá em alguns de seus nascimentos; assim não queria que nem um único deles morresse.
Duncan apoiou seu machado de batalha em seu ombro. “As crianças aqui têm potencial. Podem se tornar bons aventureiros com um pouco de treinamento.” comentou.
“Sim, contudo é por esse motivo que é tão complicado. Se todos forem embora, a vila está acabada.”
“Hmm... Isso é... Difícil. Eu mesmo deixei minha terra natal, então entendo de onde vêm seus pensamentos.”
“Também não estou alheio aos seus sentimentos. Contudo também entendo como as pessoas de Turnera se sentem e, no final das contas, tenho cultivado os campos aqui há muito mais tempo do que o tempo que passei como aventureiro.”
“Hahaha! Estou impressionado com o quão forte você veio a ser!” Duncan deu uma risada estrondosa, dando um tapinha no ombro de Belgrieve. “Sempre achei que o melhor treino era a emoção da caçada! Mas você chegou onde estou com seu próprio caminho, Bell! Acho que a flexibilidade vai longe!”
“Não tenho tanta certeza. Acho que minha filha Ange teve um papel importante nisso...”
Ou seja, era seu desejo teimoso de não perder para ela. Sua habilidade e talento anormais foram, sem dúvida, a motivação para Belgrieve manter seu treinamento, mesmo quando já havia passado de seu auge. De vez em quando, pensava ele, duvido que tivesse treinado minha espada a este ponto se tivesse mantido minha perna e continuado como um aventureiro. Talvez, em vez de sua perna, tivesse perdido a vida em outra ocasião.
“O que será, será, e isso é tudo.”
“Hm? O que foi?”
“Apenas falando comigo mesmo.” disse Belgrieve com um sorriso.
Duncan sorriu de volta e começou a andar. “Agora, que tal almoçar? Estou morrendo de fome!”
Belgrieve estava prestes a segui-lo quando ouviu uma comoção se formando na praça do vilarejo, fazendo com que um olhar desconfiado cruzasse seu rosto.
“Duncan.”
“Hum? O que é isso?”
“Vou deixá-lo esperando.”
“Aconteceu alguma coisa?” Duncan olhou para Belgrieve com curiosidade, mas continuou seu caminho para a casa.
Quando Belgrieve chegou à praça, encontrou um homem desconhecido parado ali. Os aldeões pareciam surpresos, mantendo distância enquanto murmuravam entre si.
O homem era alto e trajava uma capa cinza com uma grande espada pendurada nas costas. Seu cabelo longo, sedoso e prateado e suas feições bem-feitas chamavam a atenção por si só; no entanto, o que mais se destacou foram suas orelhas pontudas, o que provocou admiração dos humanos.
“E-Esse é um elfo, não é?”
“Cabelos prateados, orelhas pontudas... Sem dúvida.”
“O que um elfo está fazendo aqui...?”
O elfo em questão olhou ao redor timidamente. “Minhas desculpas, não queria assustar ninguém...”
Sua voz era solene e imponente, porém tinha um peculiar tom tranquilizador. Os aldeões trocaram olhares, sem saber o que fazer, o que o tornou ainda mais difícil de se aproximar, e seus sussurros perturbados só ficaram mais intensos.
Turnera estava localizada no ponto mais ao norte do ducado, com o território élfico além da cordilheira do norte. Lá, o frio era ainda mais forte do que em Turnera, e as florestas ainda mais densas. Os humanos raras vezes punham os pés nessas terras, nem os elfos visitavam o ducado com frequência. Não houve troca proativa entre as duas nações. No máximo, um punhado de mascates faria negócios em ambos os lados.
O órgão que produzia mana era muito mais desenvolvido nos elfos do que nos humanos, e esse excesso de mana permitiu que muitos deles alcançassem imensa longevidade. Era semelhante a como Maria, uma aventureira humana, usou magia para interromper os efeitos do envelhecimento, mas em um nível completamente diferente.
Tanto seus homens quanto suas mulheres eram lindos sem exceção; era uma raça que preferia viver uma vida pacífica de reclusão, valorizando a espiritualidade sobre a riqueza e a fama. Os humanos consideravam os elfos como seres nobres e de mente elevada, e a falta de intercâmbio cultural não ajudava. De um modo geral, foram tratados com admiração e vistos como difíceis de abordar.
Para Belgrieve, esta não foi a primeira vez que conheceu um elfo. Ele se lembrou da garota elfa que uma vez lutou ao seu lado e deu um passo à frente com uma sensação de nostalgia.
“Bem-vindo a Turnera, senhor Elfo. Meu nome é Belgrieve. Se não for inconveniente, posso perguntar qual é o seu negócio?”
O elfo olhou para Belgrieve e sorriu. Com sua longevidade, os elfos deveriam manter uma aparência jovem mesmo por muito tempo em suas vidas aparentemente intermináveis, mas esse homem tinha rugas profundas e vincos esculpidos em seu rosto, seu próprio ser exalando o peso dos anos vividos.
“Você tem minha gratidão. Parece que eu os assustei...”
“Haha, eles nunca viram um elfo antes. Por favor, ignore isso.”
“Peço desculpas pela minha própria falta de consideração.”
Belgrieve guiou o cortês elfo até sua humilde morada.
O súbito aparecimento de um elfo fez Duncan arregalar os olhos, contudo seu entusiasmo inato o impediu de reclamar. “Hahaha! Você está sempre me surpreendendo, Bell!”
“Desculpe, Duncan... Desculpe, está uma bagunça aqui, mas por favor, sente-se.”
“Obrigado.”
O elfo apoiou a espada na parede e sentou-se. Belgrieve preparou uma xícara de chá e a colocou na frente dele.
“Por favor, tome um pouco.”
“Muito obrigado...”
O velho elfo pareceu apreciar o sabor. Belgrieve deu um tapinha no peito, aliviado por ser do agrado de seu convidado enquanto se sentava à sua frente.
Duncan olhou para o elfo, depois para sua espada. Estreitando seus olhos, acariciou a barba. “Hmm... Essa espada é uma arma e tanto.”
O elfo devolveu o olhar. “Ah, pôde perceber?”
“Meu nome é Duncan. Sou uma espécie de guerreiro viajante e atualmente estou acompanhando Belgrieve aqui. Posso saber seu nome...?”
“Que rude da minha parte. Eu me chamo Graham.”
Esse nome surpreendeu tanto Belgrieve quanto Duncan.
“Você não seria Graham, o elfo paladino, seria...?” perguntou Belgrieve.
Graham respondeu com um leve sorriso. “Já fui chamado assim antes.”
“Ooh... Pensar que encontraria um herói élfico aqui... Me sinto honrado.”
“Está tudo no passado, Sir Duncan. Sou apenas um homem velho agora. Não precisa ser formal comigo.” Graham tomou outro gole de chá, os lábios torcidos em um sorriso complicado.
O Paladino Graham era conhecido como ‘O Cavaleiro Sagrado’ ou “O Paladino”, apelidos atribuídos à nobre imagem de sua raça, além de inúmeros elogios, além de matar demônios e dragões. Ele era uma verdadeira lenda viva — o primeiro elfo a se tornar um aventureiro. Sempre que os humanos falavam de elfos, a maioria pelo menos mencionava seus contos heroicos. Graham era tão famoso que apareceu em contos de fadas infantis. O que alguém de seu calibre poderia precisar em Turnera?
“Então, o que o traz a Turnera, Sir Graham?”
“Hmm, verdade seja dita, estou procurando por alguém.”
Não pode ser ninguém comum, pensou Belgrieve.
Duncan coçou a barba. “Esse alguém está por aqui?”
“Não tenho certeza, contudo tentei pesquisar lugares onde ela poderia estar, e foi aqui que acabei... Minha idade está me alcançando, sabe. Senti-me cansado, então parei na sua vila que vi da montanha.”
“A pessoa que está procurando é uma mulher, então?”
Graham assentiu. “De fato, uma moça bastante problemática... Ela não entende sua própria posição.”
“Oh? É alguém importante?”
“Sim.” Graham suspirou. “É a única filha de Oberon, Rei da Floresta Ocidental.”
○
Angeline apoiou o queixo nos braços que estavam dobrados em cima da mesa e olhou para as gotas de condensação do lado de fora do copo. Os menores cresciam gradualmente, depois se misturavam e se fundiam com os que os cercavam para crescer ainda mais, até que por fim pingavam.
No quintal, podia ouvir crianças brincando. Uma refrescante brisa de verão soprou pela janela aberta, ondulando as cortinas desbotadas. Estava tão ensolarado lá fora, e ainda tão estranhamente escuro e assustador por dentro.
Angeline estava no orfanato ao lado de uma igreja no centro de Orphen. Era um prédio de dois andares feito de madeira e pedra. Havia uma horta no quintal que as irmãs cuidavam dia após dia, cheia de produtos lindos que Anessa costumava trazer.
Desde que soube que Anessa e Miriam cresceram aqui, Angeline aparecia de vez em quando. Depois de presenteá-los com açúcar, chá floral e alguns móveis que o orfanato precisava, as crianças e as irmãs a receberam com alegria.
Naquele dia, elas chegaram de manhã e ajudaram na limpeza e manutenção do jardim. No entanto, apesar de sua própria insistência, Angeline foi tratada como uma convidada especial. Ao observar as duas garotas interagirem tão de perto com as irmãs, sentiu uma sensação de alienação, mesmo sabendo que não pretendiam fazê-la se sentir assim. Não era como se desprezasse socializar, mas não tinha motivação para iniciar uma conversa. Então, depois que terminou de ajudar, se retirou para a cozinha e se afastou. Angeline já havia estado aqui várias vezes e estava livre para ajudar e descansar como quisesse. Era como se estivesse mais lá para brincar do que para ser voluntária, e mesmo que não fosse assim, sempre vinha com montanhas de presentes. Ninguém iria reclamar.
Anessa entrou pela porta de madeira com uma cesta cheia de legumes. Eles eram todos tão brilhantes que era claro que tinham sido arrancados momentos atrás. Depois de colocá-los na mesa, Anessa olhou para Angeline em dúvida.
“O que está fazendo?”
“Relaxando...”
“Eu posso dizer isso... Mas não acha que está sendo muito letárgica? O que o senhor Bell diria se a visse?”
Angeline franziu os lábios. “Nada... Meu pai seria muito gentil e atencioso.”
“Ai, ai...” Anessa suspirou antes de puxar alguns legumes da cesta. “Estou fazendo o almoço. Que tal ajudar?”
“Claro.” Angelina se levantou.
Naquele momento, um clamor repentino se manifestou em várias crianças irrompendo pela porta dos fundos. O orfanato ensinou-lhes muitas habilidades, desde ler e escrever até tarefas domésticas e ajudar no jardim; é claro, cozinhar também fazia parte de sua rotina diária.
“Hey, onde estão suas maneiras? Precisam lavar as mãos primeiro!” uma jovem irmã disse em uma voz clara enquanto uma das crianças mais novas pegava uma panela com as mãos sujas de terra.
Cabia às irmãs da igreja encurralar as crianças barulhentas. A diretora do orfanato que criara Anessa e Miriam envelhecera bastante, enquanto a irmã da cozinha era relativamente jovem. Seu nome era Rosetta, e era alegre e gentil. As crianças a adoravam e se davam muito bem com Angeline.
Angeline acariciou a cabeça de uma criança próxima ao dizer. “O que vamos fazer hoje, senhorita. Rosetta?”
“Certo, temos muitos vegetais, então vamos cozinhá-los e fazer macarrão! Cuida da massa, Ange! Anne, vá buscar água para a panela!”
A irmã Rosetta vestiu um avental, ajeitou a touca de cor ultramarina e prendeu o cabelo castanho-claro encaracolado. Arregaçando as mangas, deu ordens precisas para as crianças enquanto acendia uma chama sob a panela, antes de cortar habilmente os legumes com a faca.
Angeline amassava a massa enquanto observava a irmã trabalhar por trás. Seus quadris eram tão proeminentes que podia vê-los claramente — aqueles eram quadris aptos para a gravidez de fato. Angeline estava convencida de que a maternidade repousava no peito, todavia parecia que o traseiro também entrava na equação. Ela assentiu para si mesma.
Anessa tinha belos quadris, porém eram tonificados e não muito maternais. Rosetta tinha seu tamanho, de qualquer forma. Então a suavidade é o que significa ser maternal? Angeline se perguntou.
Enquanto observava Rosetta cozinhar e dar instruções às crianças, Angeline se perguntou como seria se Rosetta fosse sua mãe. Claro, Rosetta ainda tinha apenas 29 anos. Talvez fosse um pouco jovem demais, porém era alegre e enérgica quando lidava com crianças. Havia sardas em suas bochechas e, embora não fosse exatamente bonita, tinha olhos grandes e redondos e um rosto adorável. Parecia mais uma irmã mais velha do que uma mãe, no entanto isso também não era tão ruim. Como sempre foi vivaz em qualquer coisa que fizesse, sem dúvida apoiaria Belgrieve, fizesse sol ou chuva.
As mãos de Angeline não pararam de se mover enquanto fazia suas observações.
Rosetta deu uma risada divertida. “Tem certeza que não está exagerando, Ange? Está dando tudo de si, pelo que vejo.”
“Hmm...” Angeline enrolou a massa em uma bola, cortou ao meio, então pegou um rolo e começou a esticá-lo. Foi tão amassado que acabou tendo dificuldade em desenrolá-la.
Rosetta cantarolou uma melodia enquanto enfiava os legumes picados em uma panela. Anessa acrescentou ervas secas com moderação e disse. “Parece que o assédio parou nesses últimos tempos.”
“Certo, certo. Aqueles cultistas ou quem quer que fossem, ficaram muito barulhentos por um tempo, mas ficaram bem quietos agora. Um alívio, se me perguntar.”
Por um curto período de tempo, um grupo peculiar deu sermões sobre a glória de Salomão e seus demônios. Angeline confrontou um demônio cara a cara, então podia dizer que não era o tipo de entidade que traria algum benefício para a humanidade se fosse adorada. No entanto, aqueles que não estavam tão bem informados e estavam insatisfeitos com suas circunstâncias poderiam se apegar a qualquer coisa que fosse diferente da instituição atual.
Ao que parece, o grupo tinha vindo ao orfanato, que também fazia parte de uma igreja de Viena, e denunciou a deusa e toda a cúria das igrejas lucrecianas, assustando as crianças. Nada foi quebrado e ninguém foi sequestrado, então não causou muita agitação.
De repente, Angeline lembrou-se do tumulto em Bordeaux. A garota albina que o Conde Malta trouxe também havia dito algo sobre Salomão. Pensando bem, os cultistas em Orphen se acalmaram assim que ela voltou de Bordeaux. Talvez a garota — e o garoto que Angeline lutou perto da mansão — tivessem algo a ver com o culto.
Trabalhando com as mãos distraídas enquanto pensava a respeito, quando Angeline se deu conta, a massa estava tão fina que podia ver a tábua de cortar através dela.
“Hmm... Não posso me distrair.” disse com uma careta, beliscando-a com os dedos.
Rosetta riu. “O que é isso, Ange? Está errando muito hoje. O calor está chegando te afetando?”
“Não exatamente... Você já pensou em casamento, senhorita Rosetta?”
Rosetta pareceu surpresa com isso. “Hã... Isso veio do nada.”
“Só penso que poderia ser uma boa noiva... Você é uma boa cozinheira e tudo mais.”
“O-Oh, veja só, sua pirralha! Não vá provocando com os adultos!” Rosetta a cutucou, seu rosto vermelho brilhante.
Angeline franziu a testa. “Não estou provocando... Hey, gostaria de conhecer meu pai para discutir a perspectiva de casamento?”
“Eh? Espera, do que está falando?”
“Meu pai é um pouco mais velho, mas... É uma pessoa muito boa.”
“Hey, vamos, Ange! Está levando essa piada longe demais!”
“Estou falando sério... Acho que seria bom te ter como minha mãe...”
“E-Esse não é o problema...”
“Não é bom...? Você é fofa, senhorita Rosetta, e trabalha duro. Acho que será uma boa esposa...”
“Ah, er... Quero dizer...”
Angeline a encarou com olhos bem sérios, e Rosetta não sabia se deveria agir de forma perturbada ou tímida. Ela abriu e fechou a boca sem expressão, os olhos baixos. Enquanto isso, as crianças corriam cutucando-a.
Então veio um baque, quando Anessa deu um soco na cabeça de Angeline.
“Que coisa sem sentido está fazendo agora?”
“Não é sem sentido... Estou falando sério.”
“Senhor Bell é quem deveria fazer a escolha. Não pode sair por conta própria escolhendo, querendo ou não.”
“Por isso é só uma reunião... Nada definitivo. Todo encontro predestinado precisa de uma oportunidade.”
“Quero dizer, eu acho...”
“Por favor, pense nisso, senhorita Rosetta... Meu pai é um bom homem.”
“Ah, pelo amor de Deus! Vamos voltar a cozinhar! Estamos apenas na metade do trabalho!”
Mantendo sua resposta evasiva, Rosetta foi para a pia. Foi então que Miriam entrou na cozinha com uma sacola de compras na mão.
“Estou atrasada...? Por que seu rosto está tão vermelho, Rosetta?”
“Não é nada!” Rosetta disse em voz alta.
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