Capítulo 33: Ela estava cansada
Ela estava cansada — exausta, até. Estava no bar de sempre, com as portas e janelas abertas para a temporada de verão. Um vento da tarde soprou sobre ela, e a lâmpada pendurada no beiral do lado de fora da porta lançava longas sombras no prédio.
Angeline sentou-se distraidamente no balcão, entre as sombras bruxuleantes de bêbados. Miriam e Anessa não estavam acompanhando-a hoje. Do outro lado da mesa, o mestre do bar cozinhava em silêncio e despejava licor em copos.
Angeline ainda tinha que encontrar alguém disposta a considerar o pensamento de se casar com seu pai. Yuri, Rosetta e Maria não pareciam entusiasmadas, e as perguntou mais algumas vezes depois da primeira, mas elas continuaram se esquivando da pergunta.
No entanto elas não vão conhecer um homem melhor do que meu pai, pensou Angeline. Isso a deixou de mau humor — todas tinham um gosto terrível.
“Hmm.”
O dono do bar serviu-a pato salteado e vinho gelado. Angeline tomou um gole do vinho. Eles devem ter renovado sua geladeira mágica, porque a bebida estava agradavelmente gelada.
Pensando bem, o dono do bar também parecia ser solteiro. Era difícil dizer, já que ele raras vezes conversava, porém é provável que tivesse a mesma idade de Belgrieve. Angeline nunca viu nenhuma criança ao redor do estabelecimento, nem viu nenhuma pista de que tinha uma esposa. Não era solitário para um homem de meia-idade ser solteiro?
“Hey.” Angeline falou, enquanto o dono colocava um pedaço de manteiga em sua panela. “Você é casado?”
Ele respondeu depois de uma batida. “Não.”
Como Angeline não estava ordenando, o dono continuou a encarar com desinteresse o fogão. Angeline continuou independentemente.
“Já pensou em casamento?”
“Não poderia dizer.”
O dono do bar jogou um ovo na manteiga derretida, misturando agilmente. Então jogou uma pitada de sal e especiarias, produzindo um aroma agradável e saboroso.
“Você está sozinho?”
“Não tenho tempo para me sentir sozinho.” respondeu depois de um momento.
O dono do bar sacudiu a panela, deslizando os ovos levemente cozidos até a borda e em um prato, então derramou o molho de uma panela pequena sobre o prato.
“Mesa quatro.”
“Certo.”
Um jovem garçom saiu com o prato. Lavando rápido a frigideira, o dono do bar a untou de novo, desta vez com um pouco de azeite, e começou a fazer um refogado de berinjela e bacon.
Angeline, pensativa, encheu o rosto com pato e sorveu de maneira pensativa seu vinho.
“É provável que você e meu pai tenham a mesma idade. Mas ele é solteiro...”
“Ela faleceu?”
“Não. Sou adotada, meu pai nunca teve uma esposa.”
“Entendo.”
Uma voz rouca fez um pedido atrás dela. O mestre voltou sua atenção em sua direção e assentiu. Tomando uma xícara, encheu-a de um pote na prateleira.
“Mesa quatro.”
“Pensei em encontrar uma esposa, então tentei perguntar a algumas pessoas, porém nenhuma delas parecia disposta... Imagino o porquê.”
O dono despejou vinho em silêncio na frigideira. Uma torrente de vapor subiu antes que ele adicionasse tomates esmagados e especiarias à panela e deixasse a mistura ferver.
“Eu realmente não sei. Não posso dizer muito sobre alguém que nunca vi antes.”
“Devo trazer um retrato ou algo assim?”
“Isso é com você.”
O ensopado de tomate cozido foi despejado em uma tigela rasa com um pão fino e entregue ao garçom.
“Mesa três.”
“Pode deixar.”
“Um retrato... Pode ser legal. Hey, Mestre, conhece algum pintor habilidoso...?”
“Não. Você saiu mesmo por aí perguntando a um monte de gente?”
“Sim. É melhor ter mais opções.”
Sem se voltar para Angeline, o dono tirou queijo e salame da prateleira, cortando-os e chapando-os. Em seguida derramou azeite por cima e colocou-o no assento ao lado de Angeline. Então mergulhou as salsichas em água fervente e começou a lavar um prato que voltou.
“Não posso dizer que recomendo isso.”
“Por que não...?”
“Claro, seu pai teria sua escolha, contudo que tal pensar em como essas mulheres se sentiriam? Ninguém gostaria de ir lá apenas para ser rejeitada.”
Angeline fez uma careta. Talvez isso fosse verdade. E se alguém fizesse a jornada até a distante Turnera com determinação apenas para ser rejeitada? Quão triste seria? Angeline estava tratando o assunto com muita leveza, mas foi uma decisão que mudaria sua vida.
Ela não poderia classificar as três mulheres que havia procurado. Todas tinham seus méritos e falhas, e parecia muito injusto que apenas uma pudesse vencer no final. Angeline teve a sensação de que poderia estar prejudicando o relacionamento entre elas.
Estou sendo irresponsável? Angeline se perguntou, sentindo-se triste.
“Pode ser verdade.”
“Bem, não é como se o que eu disse significasse alguma coisa aqui.”
Ele secou o prato lavado e o guardou. Pegando algumas salsichas, as cobriu com mostarda em conserva e as colocou em outro banco. Então, jogou manteiga na panela uma vez mais.
Angeline bebeu o resto de seu vinho em um gole, então tateou em torno de sua carteira e colocou uma moeda sobre a mesa.
“Preciso de uma garrafa inteira, Mestre.”
O mestre silenciosamente abriu uma garrafa. Angeline se serviu bebida após bebida, e depois de seu terceiro copo, soltou um suspiro profundo e ergueu as bochechas avermelhadas com as mãos.
“Mas eu quero uma mãe... O que devo fazer?”
“Você não pode sair por aí arranjando casamentos. Está colocando as pessoas em guarda. Não é como se você fosse uma nobre.”
“Entendo... Está certo.”
Nesse caso, em vez de soletrar, talvez pudesse só perguntar se queriam visitar Turnera para se divertir. Uma vez que conhecessem Belgrieve lá, com certeza entenderiam seus encantos. E isso resolveria tudo.
Angeline deu uma risadinha, e o dono encarou-a com desconfiança. “O que?”
“Hehe... Obrigada, Mestre. Nunca pensei que poderíamos conversar tanto...” Angeline disse, enquanto terminava o último pedaço de pato. Ela tirou outra moeda.
O dono do bar franziu a testa, pegando o prato de refogados vazio. “O que posso te dar?”
“Azeitonas colhidas e salsicha... E tomate cru.”
Angeline acabou bebendo até a calada da noite. O vento estava forte quando partiu e, embora houvesse bares aqui e ali que ainda estavam abertos, a maioria das casas estava com as luzes apagadas, seus moradores já na cama.
A brisa parecia confortável contra suas bochechas coradas pela bebida.
Angeline apertou os olhos enquanto seguia devagar pela estrada para casa. A luz da lua brilhava no pavimento de pedra. Um gato atravessou a rua, depois outro o perseguiu. Contudo quase não havia pessoas por perto. Ela passava por algum bêbado ocasional ou soldado em patrulha. Os soldados iriam pará-la, pois era uma garota andando à noite, mas cederiam logo depois quando vissem sua placa de Rank S.
“Quando eu voltar no outono... Hmm, Yuri tem seu emprego de recepcionista, e Rosetta está ocupada no orfanato... Acho que isso só deixa Maria.”
Angeline pretendia voltar para casa no início do outono. Queria comer mirtilos recém-colhidos e já estava sentindo falta de Belgrieve. No entanto, não queria voltar tão cedo — isso de fato o faria desconfiar de sua capacidade de se cuidar sozinha. Angeline tinha que aguentar o verão. A excitação que veio com a expectativa de seus planos futuros fez valer a pena esperar.
Ela pretendia caminhar direto para casa, mas a lua estava linda e o vento estava frio, então decidiu caminhar um pouco mais.
Comparada a Turnera, a vida em Orphen era vertiginosa. Tudo passou tão rápido que quando por fim encontrou tempo para um passeio tranquilo, foi muito mais relaxante. Sentindo uma sensação agradável e arejada enquanto a bebida fluía por seu sistema.
Os postes de luz se alinhavam nas laterais da estrada, iluminando o caminho com chamas vermelhas. Enquanto se arrastava, notou uma figura entrar na rua lateral à frente. Angeline a seguiu silenciosamente, sua suspeita aguçada.
Podia dizer, mesmo no escuro, era um menino e uma menina lado a lado. Ambos tinham cabelos brancos; o menino tinha cerca de quinze anos, a menina não mais que dez. Era Byaku e Charlotte, os que havia enfrentado em Bordeaux.
Angeline suprimiu sua presença, seguindo-os silenciosamente até que decidiu chamá-los. “Oi!” quando Byaku se virou, ela o agarrou pelo pescoço e o prendeu contra a parede.
“Não se mova. Grite e vou cortá-lo.”
Charlotte rapidamente cobriu a boca antes que pudesse gritar.
Angeline olhou para Byaku. “Por que está aqui...?”
“Quem sabe?”
Angeline deu uma joelhada no estômago de Byaku, provocando um gemido de dor.
“Não te perdoei pelo que fez em Bordeaux...”
“Gah... E daí? Vai nos matar então?”
“Isso seria o melhor para o mundo.” disse Angeline enquanto agarrava o punho de sua espada. Algo macio pressionou sua mão, e quando olhou viu Charlotte desesperadamente agarrada ao seu braço.
“E-Estou te implorando! Por favor, não mate o Byaku!”
“Solte. Não vou me segurar só porque você é uma criança...”
“Por favor! Peço desculpas! Sinto Muito! Vou fazer qualquer coisa para que nos perdoe! Então, por favor, pelo menos poupe a vida dele!”
“Solte.”
Angeline fez uma careta quando Charlotte começou a chorar, sacudindo com força a garota. Charlotte caiu no chão em um jorro de moedas.
“Vejo que estão cheios.” disse Angeline. “O que? São ladrões agora...?”
“Estávamos planejando devolvê-lo.” Byaku murmurou.
Angeline se virou em sua direção. “O que?”
“Eu admito, nós enganamos as pessoas para tomar seu dinheiro. Decidimos desistir depois que você nos deu uma surra. Vamos reembolsar todas as pessoas que compraram nossos amuletos.”
“Acha que vou acreditar nisso?”
“Não. Só disse isso pela honra dela.”
Angeline olhou para Charlotte, que agora estava agarrada a seus pés. Em uma inspeção mais próxima, suas roupas estavam rasgadas e sujas, e suas mangas estavam esfarrapadas. Até Byaku parecia pior por causa do desgaste.
De repente, o que estava fazendo parecia idiota para ela. Angeline soltou Byaku, que caiu de joelhos em um ataque de tosse.
“Não te perdoei, mas... Não vou manchar minha lâmina contra alguém que nem vai revidar.”
“Muito obrigado! Waaaah!”
Charlotte lamentou, ainda agarrada às suas pernas. Byaku segurou sua garganta, carrancudo enquanto olhava para Angeline.
“De onde vem todo esse poder nesses seus braços magricelos?”
“Cale-se.” Angeline levantou Charlotte e forçou um lenço em suas mãos. “Por quanto tempo vai chorar...? Está fazendo parecer que é tudo culpa minha.”
“Waah... S-Sinto muito...” Charlotte limpou o rosto.
Depois de um suspiro profundo, Angeline disse. “Tenho um monte de coisas que quero perguntar aos dois... Especialmente a você.” Angeline gesticulou para Byaku. “Lembro que falou como se soubesse sobre mim.”
“Não posso responder nada agora.” disse Byaku.
“Por quê? O que faz...”
Antes que pudesse terminar, puxou sua espada ao sentir uma súbita intenção assassina. Uma faca voou da escuridão das profundezas do beco.
Angeline agarrou Charlotte quando a derrubou com sua lâmina.
Havia um fedor que picou seu nariz. “Veneno? Coisas desagradáveis...” a faca não parecia ter sido apontada para ela. Angeline olhou para Byaku.
“Alguém deve te odiar muito.”
“Não é da sua conta.” Byaku acenou com a mão. Houve um barulho de barris e lixo quando várias pessoas saltaram da escuridão, todas usando as mesmas roupas e máscaras.
O rosto de Charlotte endureceu de medo.
“A Inquisição!”
“Hã...? O que é isso?” Angeline disse enquanto interceptava a espada de um assaltante.
Seus atacantes eram incrivelmente ágeis, correndo ao longo das paredes do prédio para cercá-los.
Angeline tomou sua posição enquanto empurrava Charlotte para Byaku. “Quem são eles...? Você os conhece? Por que estão atrás de vocês?”
“S-Sim, claro. São da Lucrecia...”
Várias lâminas de prata foram lançadas antes que Charlotte pudesse terminar, todas afiadas e apontadas para seus órgãos vitais. Seus movimentos rivalizavam com os de aventureiros de alto escalão.
Contudo Angeline não era uma guerreira comum. O fato de que apontavam para seus sinais vitais só os tornava mais fáceis de prever e lidar. Ela aparou uma lâmina e chutou o primeiro assaltante, então acertou seu punho na têmpora do segundo. A máscara voou, revelando um jovem. Porém seus olhos estavam vazios e cheios de loucura.
“O que? É como um boneco...”
“Não baixe a guarda.”
Ouviu-se um som vindo de cima — um deles tentou derrubá-los, mas Byaku fez o assassino voar com sua magia.
Angeline olhou para Byaku. “Nunca baixei a guarda... Sabia que ele estava lá.”
“Hmph... Seu senso de identidade é apagado com magia e remédios, e vão te perseguir até o último suspiro.”
“Isso é trapaça...” Angeline franziu a testa, vendo o atacante se mover com a mesma destreza, apesar de estar ensanguentado e ferido. Angeline odiava esse tipo de coisa.
A área estava coberta por uma luz pálida enquanto Byaku revelava seus círculos mágicos tridimensionais. Isso foi acompanhado por um som terrível — um de seus agressores havia sido esmagado embaixo dele.
“Por que tenho que lidar com essa situação?”
Mas aqueles sem sanidade não estavam abertos à negociação. Se fossem os perseguir até a morte, então matar era a única opção. Angeline sacudiu sua ligeira hesitação, decapitando seu inimigo.
Byaku era forte o suficiente para que até mesmo Sasha tivesse sido encurralada em um canto ao encará-lo; uma vez que este uniu forças com Angeline, seus atacantes não tiveram chance. A batalha acabou em um instante, e então o beco se encheu de um silêncio mortal.
Angeline limpou o sangue de sua espada com uma carranca. “Agh... Nunca consigo me acostumar a matar pessoas. Me deixa doente.”
Ela agora também estava sóbria, embora tivesse estado tão agradavelmente bêbada antes. Suspirando, então apontou com o queixo para Byaku e Charlotte.
“Venham. Não sei qual é a situação, contudo tenho coisas para lhe perguntar.”
Byaku olhou para Charlotte, que assentiu.
“Sim... Estamos sob seus cuidados.”
A garota estava tremendo. Olhando para ela assim, parecia uma garotinha comum. Essa criança realmente virou Bordeaux de cabeça para baixo com mortos-vivos? Angeline teve que se perguntar. Havia, sem dúvida, alguém puxando as cordas.
Eles rapidamente se afastaram das ruelas e correram para a hospedaria de Angeline. Era uma habitação pequena, mas não tão pequena a ponto de parecer apertada para três pessoas.
Angeline puxou as cortinas e trancou a porta.
“Sentem-se.” Instruiu-os.
Charlotte se mexeu enquanto se sentava um pouco tímida. Byaku estava logo atrás.
Angeline colocou uma chaleira de água sobre um fogão de pedra flamejante. As pedras soltariam um calor tremendo quando dispostas da maneira correta. Fogões que os usavam custavam um preço alto, porém o custo não era problema para Angeline.
Tirando seu casaco antes de se sentar em frente à Charlotte, Angeline observou a garota. A jovem havia perdido o chapéu em algum lugar. Seu cabelo branco macio e sedoso estava desgrenhado, e tinha pontas duplas visíveis. Havia hematomas leves em seus braços e bochecha, e suas roupas também estavam imundas.
“O que é a Inquisição?”
“São uma organização secreta de Lucrecia. Eles lidam em segredo com hereges e aqueles que se opõem ao papado.”
“Hmm... Então por que estão atrás de você?”
Charlotte parecia perdida. Demorou algum tempo até que tomasse a decisão de falar longamente: sobre como nasceu de um cardeal lucreciano; como foi arrastada para uma luta pelo poder e rotulada de herege por seu albinismo; como seus pais deram suas vidas para deixá-la escapar; como vagou antes de encontrar aqueles que tentavam reviver Salomão e acabou percorrendo o império como uma santa do culto; e, por fim, suas viagens depois de ser derrotada em Bordeaux.
Angeline deu um aceno satisfeito. A razão pela qual as atividades do culto morreram em Orphen foi porque essa garota parou de incitá-los. A organização não tinha uma base sólida; ganhou seguidores zelosos no local com os discursos e ‘milagres’ de Charlotte. Além dos talismãs fraudulentos que distribuíam, eles não tinham estrutura organizacional ou gestão adequada. Sem líderes, ficou claro por que se separaram.
O ânimo de Charlotte afundava quanto mais falava.
“Eu realmente acreditei — se ganhasse seguidores, tinha certeza que Salomão me ajudaria a fazer algo sobre o clero podre do culto de Viena. Eu sabia em algum lugar do meu coração que isso nunca aconteceria, que estávamos trapaceando. No entanto meus olhos estavam tão cegos pela vingança que me recusei a vê-la...” Charlotte fungou. “Uma vez que perdi meu anel, decidi que era hora de parar… Odeio Viena, mas a vingança não faria a mãe e o pai felizes.”
Angeline estreitou os olhos friamente. “E ainda assim, você transformou o Conde de Bordeaux em um morto-vivo...?”
Charlotte congelou. Seus ombros tremeram. De seus olhos lágrimas fluem atrás de lágrimas. “N-Nem... Nem eu sei porque fiz isso! N-Não... sabia! Só estava sentindo ódio... Não estava pensando...”
Charlotte soluçou a ponto de não conseguir mais formar palavras. Angeline franziu a testa, pensando que a garota era estranhamente sem vergonha sobre isso.
No final, Byaku abriu a boca. “O Conde Malta foi quem sugeriu usar o antigo Conde de Bordeaux.”
“Que suspeito. Acha que vou acreditar nessa história?”
“Não estou te dizendo para acreditar. Estou afirmando um fato. A questão permanece quer acredite ou não.”
“Mas, mas... Se eu não tivesse feito...”
Diante de uma garota albina apertando o peito, soluçando e arfando, a boca de Angeline permaneceu esticada em uma linha reta. Ela não vacilaria tão fácil. Lembrou como era doloroso apenas imaginar-se na mesma situação.
Então, se perguntou o que Belgrieve teria feito. Ele não a teria perdoado assim, contudo também não iria ignorá-la. Angeline também não podia imaginá-lo agindo apenas por ressentimento pessoal. Charlotte ainda tinha dez anos e seria imaturo denunciá-la por nem sempre ser racional. Por quem ela nutria tanta raiva de Charlotte? Belgrieve não ficaria feliz se intimidasse alguém por sua própria raiva egoísta.
Angeline fechou os olhos para conter suas emoções. Sua raiva não estava errada. Entretanto, no mínimo, não tinha o direito de julgá-los. Fazia sentido trazê-los para a Helvetica em Bordeaux.
“Você está muito machucada...” Angeline disse, abrindo os olhos. Estendeu sua mão e acariciou os hematomas nas bochechas de Charlotte. Com cócegas ou com dor, Charlotte recuou. Seus olhos estavam cansados e vermelhos.
“Fui até as pessoas que compraram talismãs, e disse que sentia muito e, por favor, pegue seu dinheiro de volta... Mas eles me chamaram de mentirosa e me bateram. Byaku me ajudou quando iam ficar mais violentos... Porém agora que a Inquisição está de olho em nós...”
Angeline adicionou chá floral à água fervente antes de responder. “Por como soam as coisas, você será uma traidora aos olhos de quem estava te apoiando. A Inquisição os ve como hereges. Não importa aonde vá, ainda será um alvo...”
“Ugh...” Charlotte cobriu o rosto.
Angeline colocou uma xícara de chá na frente dela. “Beba. Vai te ajudar a se acalmar.” então virou-se para Byaku. “Não posso deixá-los livres por aí. Vocês têm as respostas que preciso — seria problemático se fossem apagados. Vou deixá-los ficar, pelo menos durante a noite.”
“Tem certeza que pode confiar em nós? Posso estrangulá-la enquanto dorme.”
“Acha que eu perderia para gente como você? Apenas se acomode.”
Byaku franziu a testa, porém não disse nada. Tomando isso como uma afirmativa, Angeline deu um tapinha na cabeça de Charlotte. “Seu lindo cabelo está arruinando... Vamos ao balneário amanhã.”
“Eh... Mas...”
“Eu não te perdoei. Contudo é por essa razão que preciso levá-la a Bordeaux para que possa se desculpar. Ok? Vou te proteger até lá.”
“O-Oh!” Charlotte abriu um leve sorriso aliviado. Seu rosto era apenas o de uma menina inocente de dez anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário