domingo, 23 de julho de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 07 — Capítulo 88

Capítulo 88: Havia uma pequena área de treinamento

Havia uma pequena área de treinamento atrás do prédio da guilda. Era mais um terreno baldio do que qualquer outra coisa, embora alguns alvos de arco e flecha e postos de prática mostrassem seu propósito.

Para controlar o entusiasmo de Marguerite, Belgrieve optou por lutar primeiro. Ele repreendeu Marguerite e disse que ela tinha que esfriar a cabeça primeiro, o que a garota elfa admitiu com relutância. Com isso dito, o rosto de Marguerite agora estava severo enquanto observava a partida para verificar a força de seu próximo inimigo.

Embora pareça que Sierra quer lutar mais comigo do que com ela. Essa percepção o estimulou a segurar Marguerite com um pouco de força. Não havia como recuar agora — afinal, a verdadeira essência desta partida não parecia ter nada a ver com a avaliação de habilidades.

Angeline, parecendo um tanto irritada, puxou a manga de Belgrieve.

“Hey, pai.”

“O que foi, Ange?”

“Sei que é estranho eu falar... Mas o problema não seria resolvido se a gente não atendesse ao pedido? Não prometemos aceitar e entendo o que a Sra. Sierra está dizendo, porém... É um pouco forçado. Pela sua lógica, eu não teria permissão para contratar um guia se precisasse de um para o trabalho.” raciocinou Angeline.

Belgrieve riu e deu um tapinha na cabeça de Angeline.

“Sim, você está precisamente certa.”

“Então por que...? Ah, está com vontade de partir para uma aventura agora, pai?”

“Também não é por aí. É por Kasim.”

“Por Kasim...?”

Angeline dirigiu um olhar inquisitivo por cima do ombro para Kasim, que estava a uma curta distância. Ele parecia um pouco mal-humorado e seus olhos estavam vagando; era como se não soubesse bem o que fazer.

Belgrieve ajustou as espadas em seu quadril e nas costas e removeu a bolsa de ferramentas de seu cinto.

“É de Kasim que estamos falando. Quando fez grupo com Sierra, tenho certeza de que não pensou nela. Ele ainda estava retido por pensamentos sobre mim, Percy e Satie.”

“Você acha...?” Angeline olhou para seu pai interrogativamente enquanto pegava sua bolsa de ferramentas.

“Esse é o tipo de cara que Kasim é. Uma vez que está fixado em uma coisa, não ve mais nada... Contudo não é como se aquele nosso velho grupo fosse todo o seu passado. Kasim viveu por mais de quarenta anos; tem suas próprias contas que precisa acertar. Não podemos só fingir que não é assim.”

“Eu... Não entendo.”

“Haha, entendo. Bem, ele estava desesperado naquela época. Talvez não devesse culpá-lo... No entanto sinto um pouco de pena da Madame Sierra. Seu velho não é insensível o suficiente para recusar este pedido.”

“O que isso tem haver com esta batalha...? Pai, pensei que tentaria conversar a respeito para começar.”

“Há algumas coisas que são mais fáceis de dizer quando você está empolgado. Não se preocupe. Não queremos matar uns aos outros.” Belgrieve disse com um encolher de ombros.

Embora Angeline não entendesse muito bem, ela percebeu que Belgrieve não estava lutando contra sua vontade, então sua expressão relaxou. Claro, Sierra não era tola — caso contrário, não teria recebido o cargo de mestra da guilda. É bem provável que entendesse o quão irracional estava sendo.

Mas, ficou perturbada com o aparecimento de Kasim e o ressurgimento de seu passado. Era assim que Belgrieve via — Sierra não tinha onde colocar suas emoções, então elas se transformaram em raiva irracional dirigida a sua pessoa. Sem dúvida, Kasim era especial para ela de alguma forma.

É tudo tão... Simples, refletiu Belgrieve, rindo. Houve momentos em que alguém entendia algo racionalmente, porém não conseguia parar de agir com base na emoção. Ele mesmo havia experimentado isso com muita frequência, e sufocar seus sentimentos era terrivelmente doloroso — tal qual quando tentou cobrir a dor de perder a perna com um sorriso. E essa atitude acabou levando-o a fazer algo que nunca poderia desfazer.

Se tivesse compartilhado meus verdadeiros sentimentos naquela época, em vez de tentar manter as aparências, quão diferente seria minha vida? Se tivesse compartilhado minha raiva e impotência com meus companheiros...? Belgrieve suspirou e balançou a cabeça.

Belgrieve não era vaidoso o suficiente para pensar que a estava ajudando; porém assim como Kasim tinha contas anteriores a acertar, Sierra também. E por causa de sua simpatia, não podia apenas afastá-la. Se tivesse protestado sobre o quão irracional sua petição era e a ignorado para sua própria conveniência, sabia que ela acabaria sofrendo. No mínimo, poderia deixá-la se soltar um pouco. Isso não era um grande problema.

Para não dizer que ele não tinha seus próprios motivos — Belgrieve estava curioso para ver como sua própria força se comparava a um lutador do calibre de Sierra. Mesmo que não tivesse interesse em se tornar um aventureiro uma vez mais, também não pretendia desistir da espada. Apesar de todas as racionalizações que poderia colocar sobre isso, seu coração ainda vibrava ao pensar em uma luta com alguém forte. No final, estou fazendo-o por mim mesmo, reconheceu com uma risada autodepreciativa.

Sierra se levantou, aparentando estar calma. Mas seus lábios franzidos tremiam. Estava com raiva, porém essa raiva também era dirigida a si mesma e, como resultado, parecia um pouco desamparada.

“Isso é... O que você chamaria de ‘coração de mulher’?” Kasim meditou.

Terei que conversar com Kasim mais tarde. Belgrieve franziu a testa e coçou a barba.

“Você está pronto?” Sierra perguntou, batendo as pontas de suas botas contra o chão.

“Pronto, quando quiser começar.” Belgrieve se posicionou com a espada grande ainda embainhada. Só tinha que segurar o punho e, de repente, seu corpo parecia mais leve, sua visão mais clara e podia seguir os movimentos de seu oponente com clareza.

Em contraste, Sierra estava de mãos vazias. Havia uma adaga pendurada em seu quadril, contudo não parecia ter intenção de usá-la. Dadas às tatuagens em seus braços — que pareciam sigilos mágicos — ele se perguntou se ela lutava de forma semelhante à Cheborg.

Por um tempo, Belgrieve e Sierra ficaram imóveis, avaliando como o outro se aproximaria. Seus olhares perfuraram um ao outro, não deixando escapar o menor movimento. Uma brisa quente de verão passou por ambos, acariciando sua pele suada.

Uma gota de suor escorreu pela testa de Belgrieve e depois por seu olho. Ele piscou — e Sierra deu o pontapé inicial.

“Hia!” gritou, dando um passo profundo em um poderoso soco direto.

Belgrieve reagiu imediatamente. O golpe foi recebido com a lateral da grande espada, no entanto embora tenha conseguido bloquear, o impacto foi imenso. A onda de choque entorpeceu suas mãos e viajou até a ponta dos dedos dos pés.

Ainda assim, sua força foi canalizada para a espada, empurrando seu punho para trás e forçando Sierra a recuar um passo.

Belgrieve partiu antes que ela pudesse se recuperar, atacando-a de uma posição baixa. Sierra saltou de novo, desta vez voando pelo ar como um acrobata. Pular foi um movimento ruim, entretanto, e plantando seus pés com firmeza, Belgrieve desencadeou um golpe na Sierra agora no ar.

Vai acertar — ou assim imaginou. Para sua surpresa, Sierra foi capaz de inclinar os pés para usar a espada grande balançando como ponto de apoio no ar para atacá-lo por trás. Seus pés pousaram no chão antes que Belgrieve terminasse o corte, com os punhos prontos. Ela avançou. Os sigilos em seus braços brilharam, e estendeu os braços com a força de um raio disparado.

Naquele momento, Sierra tinha certeza de que o tinha, mas seus olhos se arregalaram em choque. Belgrieve imediatamente pegou a espada de sua cintura para proteger suas costas. Ele não apenas conseguiu desviar a força do golpe com esse movimento, como também usou o impulso para girar em sua perna de pau até que estivesse de frente para ela.

Vendo Belgrieve com uma espada grande em uma mão e uma espada longa na outra, a expressão de Sierra mudou para algo entre cansada e impressionada quando colocou alguma distância entre os dois.

“Você pode empunhar essa grande espada com uma mão?”

“Ainda sou inexperiente com isso...” Belgrieve segurou a espada de Graham na mão direita e sua fiel lâmina na esquerda enquanto a encarava. Talvez por estar segurando a espada grande, sua própria espada parecia mais leve que o normal.

Sierra respirou fundo e preparou os punhos. Desta vez, eles se aproximaram quase no mesmo instante. A espada e o punho colidiram em uma onda de choque que explodiu a areia ao seu redor. Sierra teceu livremente em torno dele com destreza assustadora, desencadeando ataques a torto e a direito, porém Belgrieve bloqueou, evitou e rebateu cada golpe com uma postura firme e pesada. Embora ela não tivesse a força de Cheborg, sua velocidade era superior. Mesmo assim, não era tão ameaçadora nesse aspecto quando comparada a Angeline. Contudo, Sierra já havia tido sua cota de batalhas e Belgrieve não conseguiu desferir um golpe decisivo.

Como o olho esquerdo de Sierra estava coberto, ele tentou várias vezes atacar de seu ponto cego, no entanto ela estava bem ciente de sua própria fraqueza. Na maioria das vezes, o atraiu para lá, e Belgrieve se viu evitando por pouco seus golpes.

Talvez por causa de suas emoções vacilantes, os movimentos de Sierra eram um pouco deselegantes. Suas lâminas encontraram seus punhos muitas vezes, sem sucesso — todavia também não conseguia derrubá-lo.

Ainda assim, o inimigo de Belgrieve estava atacando muito mais do que ele, e suas duas espadas foram forçadas a um trabalho defensivo. Antes que percebesse, estava apenas balançando a espada familiar que conhecia e amava. Deve ter se tornado um hábito para mim. Não podemos deixar assim, pensou.

No momento em que tomou consciência desse fato, sentiu de uma estranha maneira que seus movimentos se tornaram desconexos. Estava bem quando apenas balançava a espada grande, todavia empunhando-a junto com a lâmina a que estava acostumado acabaria com ele inconscientemente usando mais aquela, o que acabava com o propósito de um estilo de luta de duas espadas. Devo largar a espada longa e me concentrar na espada grande?

Sierra não era ingênua o suficiente para deixá-lo em seus pensamentos. Seu punho afiado disparou naquele momento de oportunidade.

Belgrieve se apressou em bloqueá-la com o lado largo da espada grande, mas Sierra inclinou o punho para arrancar a lâmina de sua mão. Belgrieve foi arrastado com a força; sua postura desmoronou. A espada grande quase escapou de suas mãos, apressando-o a agarrar o cabo, o que deixou apenas a bainha caindo no chão.

Antes que sua postura se recuperasse, o próximo ataque capturou seu ombro esquerdo. Ele imediatamente concentrou sua mana para neutralizar o golpe, porém a força bruta era incrível. Assim, deixou cair despercebido a espada em sua mão esquerda.

Veio quase automaticamente para ele. Quase no mesmo momento em que recebeu o golpe, deu um golpe com a espada da mão direita para contra-atacar. Sua lâmina branca e afiada se dirigia para Sierra, que havia baixado a guarda para o soco.

Não, isso não é bom — vou cortá-la! Belgrieve reuniu a força de seus braços para retardar seu ataque. A grande espada obedeceu a sua vontade, parando completa e repentinamente antes de alcançá-la.

Ao mesmo tempo, sentiu um leve impacto em sua mandíbula. O punho de Sierra mal o atingiu, contudo o impacto o abalou até o cérebro. Sua visão estava vacilando; viu o olhar de pânico em seu rosto, e então não viu nada.

Quando Belgrieve abriu os olhos, foi saudado pela visão de um teto de madeira em uma sala iluminada pela luz fraca de uma lâmpada pendurada. Ele ficou lá piscando por um momento antes de se sentar. Perto dali, podia ver uma janela aberta mais adiante na sala. Era aquela hora do dia em que o crepúsculo se aproximava gradualmente, e o beco que podia ver parecia ter um leve véu roxo lançado sobre ele.

Sua mão tocou o queixo — ele havia apenas esfolado, então não havia dor persistente. Tinha sido seu ombro esquerdo que havia sofrido um golpe adequado, no entanto descobriu que não doía quando o movia. Era óbvio, havia conseguido usar sua mana para espalhar a força do impacto — embora fosse por essa mesma razão que sua mão sofreu mais força do que teria em outras condições, fazendo com que largasse a espada.

Estou longe de dominar essa técnica... Suas reflexões foram interrompidas pela surpresa de um súbito e suave abraço. Angeline o estava abraçando, olhando com olhos de adoração.

“Você está bem, pai? Seu ombro... Dói?”

“Oh, Ange... Estou bem.” sua mão deu um tapinha na cabeça dela com um sorriso antes de dar outra boa olhada ao redor. Parecia que estava no quarto da pousada que eles reservaram. Anessa e Miriam sentaram-se lado a lado, enquanto Marguerite e Kasim não estavam à vista. Seus olhos pousaram em Sierra, que estava sentada ao lado de Angeline.

Sierra se levantou e abaixou a cabeça se desculpando.

“Desculpe. Eu realmente... Seus ferimentos são todos minha...”

“Não, não é nada sério. Mesmo assim, minha nossa, você é bastante habilidosa. Parece que ainda tenho um longo caminho a percorrer.”

Belgrieve riu, entretanto Sierra parecia estar à beira das lágrimas.

“O que está dizendo...? Foi sem dúvida a minha derrota. Não consegui controlar minha própria força — enquanto você esteve se segurando contra mim. Se não tivesse parado sua espada ali... Eu deveria ser uma mestra da guilda. Como pude deixar meus sentimentos levarem a melhor sobre mim... E como posso me desculpar...?”

Sierra parecia abjetamente envergonhada de seu próprio comportamento. Seus ombros estavam encolhidos em um esforço para parecer menor. Toda a raiva que a havia dominado antes da partida estava extinta — sua cabeça havia esfriado. Dessa forma, nunca acabou lutando contra Marguerite, que deveria ser a próxima da fila. Ao invés disso, ficou ao lado de Belgrieve esse tempo todo por preocupação.

“Entendo... Minha nossa, estive nocauteado por um tempo, então.”

Ainda assim, ele teve que se perguntar quem o levou para a pousada. Belgrieve era alto e bem constituído, então seria difícil de manusear.

“Sra. Sierra te trouxe aqui.” Anessa respondeu, virando-se para indicar a mulher.

“Você é bem grande, mas não foi nenhum problema. Ela é uma mulher poderosa.” Miriam entrou na conversa, rindo.

“Não foi problema algum. Foi minha culpa por começar essa precipitada, então, por favor, não se preocupe...” Sierra implorou enquanto segurava o rosto nas mãos.

Belgrieve revirou os ombros com um sorriso irônico, podia sentir seu corpo se soltando a cada estalo. A partida foi antes do meio-dia, então estava apagado por um tempo. Além do mais, havia o cansaço de suas viagens a considerar também, então talvez esse fosse apenas o descanso de que precisava.

“Onde estão Kasim e Maggie?”

“Você não estava acordando, então eles foram fazer compras.” disse Angeline.

Coçando a cabeça, Belgrieve perguntou a Sierra.

“Você teve a chance de falar com Kasim?”

Sierra balançou a cabeça. Depois que sua raiva diminuiu, foi tomada pela vergonha de seu próprio temperamento explosivo e, a essa altura, falar com Kasim era a menor de suas preocupações. De sua parte, Kasim não a procurou nem nada.

Belgrieve suspirou.

“O que fazer com ele...?”

“Hey, hey, é assim mesmo, Sra. Sierra? Tem uma queda por Kasim ou algo assim?” Miriam cutucou Sierra com um sorriso.

“Isso... Pode ser verdade.” Sierra murmurou sem jeito. “Embora eu odeie admiti-lo.”

“Oh... Uma donzela apaixonada... Entendo.” Angeline assentiu, parecendo um tanto entretida. Anessa estendeu a mão e deu um tapinha na cabeça dela.

“Haha, não é tão sério, Angeline. Apenas... Não sei quando desistir.” disse Sierra, coçando a cabeça. “Eu o ouvi falar sobre Belgrieve, Percival e Satie muitas vezes. Sempre parecia tão cínico e cansado de tudo, porém ficava estranhamente feliz quando contava essas histórias. Era como se seu grupo atual não importasse nada... Eu ficava irritada com essa ideia com bastante frequência.”

“Kasim sempre foi tão...”

“Não, entendo como Kasim se sente. Ele estava terrivelmente triste apesar de ser tão forte. Queria poder ajudá-lo... Contudo não poderia ser sua substituta. Kasim saiu do nosso grupo e deixou de ser um aventureiro de vez... Achei que tinha desistido então. Nunca esperei encontrá-lo outra vez. Nem vê-lo com você, e vê-lo tão detestavelmente feliz...”

Sierra deu um sorriso triste.

“Achei que tinha tomado minha decisão. No entanto, Belgrieve, quando você estava diante dos meus olhos, continuei pensando em coisas odiosas, me perguntando por que não era boa o suficiente. A alegria de Kasim só fez piorar... Quando percebi, fiquei tão rancorosa que surpreendi até a mim mesma... Realmente sinto muito.” Sierra abaixou a cabeça como se quisesse esconder as lágrimas.

Belgrieve sorriu e colocou a mão em seu ombro.

“Não precisa se preocupar, Sierra. Obrigado por ser honesta comigo. E tenho certeza que Kasim também se sente agradecido.”

“Será mesmo...? Mas ele nunca me olhou...” ela se interrompeu para enxugar as lágrimas.

Kasim de fato passou por sua própria parcela de dor. E, contudo, houve outros que foram atormentados pela imprudência que veio de sua angústia. Foi um pouco triste pensar sobre.

Belgrieve suspirou e voltou os olhos para a janela. A escuridão agora cobria a rua e até se arrastava para dentro, apenas mal mantida à distância pela luz do lampião.

Nesse momento, a porta foi aberta por Marguerite. Ela entrou com as duas mãos carregadas de mantimentos.

“Desculpe por fazê-los esperar. Oh, Bell está acordado? Bem, isso é perfeito. Comprei um pouco de vinho enquanto estava lá.”

“Ficou escuro antes que percebêssemos. Você está bem, Bell? Os punhos de Sierra com certeza dão um belo soco, hein?” Kasim disse quando entrou atrás de Marguerite.

Angeline, Anessa e Miriam imediatamente olharam-no com reprovação.

“Cabeça dura.”

“Inútil.”

“Estúpido.”

“Hã? O que é isso, o que é isso?” Kasim examinou o quarto em pânico.

Belgrieve fechou os olhos, cansado.

“Esta é a única vez que não estou no seu lado, Kasim.”

“Espere o que? Sobre o que estavam falando enquanto eu não estava por perto?”

“E, espera, o clima com certeza é sombrio. Por que está chorando, senhora?”

“Maggie, não a chame assim. Ela é uma donzela...”

“Hã? Que diabos? Bem, tanto faz, estou morrendo de fome. Vamos fazer um jantar juntos.” sem diminuir seu passo habitual, Marguerite começou a alinhar a mesa com suas compras. Havia todo tipo de comida que evidentemente comprara nas barracas de rua, algumas ainda fumegando.

Embora parecesse que a conversa deles havia sido interrompida, todos estavam com fome. Belgrieve ajustou-se na cama para poder sentar-se com as pernas penduradas para o lado.

Depois de juntar-se a Marguerite na organização de suas compras, Kasim escolheu um dos pacotes.

“Aqui.”

“Hã... Para mim?” Sierra encarou-o sem expressão enquanto Kasim desajeitadamente o empurrou em suas mãos. As lacunas no papel de embrulho revelaram algum tipo de doce assado com cheiro açucarado.

“Você costumava gostar disso, não é?”

“É... Bolo Pinichet...” era um bolo feito com vários frutos secos e especiarias misturados numa massa mole de leite de ovelha e cozido numa forma de pastelaria.

Marguerite, dando uma olhada na troca, apontou para Kasim.

“Ah, aquela coisa? Kasim, aquele idiota — ele procurou por toda a cidade. Foi por isso que demoramos tanto para voltar.”

Kasim torceu a barba.

“E quando encontrei um, mal tinha aquele figo seco que você gostava.”

“O que...?” Angeline piscou. “Então estava sendo atencioso com a Sra. Sierra...?”

“Kasim...”

“Sim... Bem, sabe como é...” Kasim se virou sem jeito para Sierra. “Veja, quando estou focado em uma coisa, não consigo ver mais nada, então... Uh, desculpe. Achei que já tínhamos resolvido tudo entre nós...”

“Nã-Não precisa. Eu sou a única que continuou arrastando-o. Então...”

Belgrieve sorriu ao ver os dois lutando para descobrir o que dizer um ao outro.

“Podemos ter um pouco de sidra... Se você tiver alguma.”

“Ah, nós temos algumas aqui.”

“Hã, tem? Não... Bem... Quero dizer, não é suficiente. Temos Maggie conosco.”

“Espera, está me deixando beber hoje?”

“Bem, hmm... Kasim, poderia ir comprar algumas?”

“Você quer que eu saia de novo?”

“Por favor, ajude-o, Sierra. Tenho certeza de que Kasim irá precisar de alguém que lhe mostre o caminho.”

“E... Eu não me importo...”

“Mas me escute, Bell.”

“Oh, cale-se logo! Pare de reclamar e vá em frente!” Belgrieve gritou com Kasim, estranhamente. Perplexo, Kasim saiu com Sierra, que também parecia confusa. Depois que os dois se foram, os ombros de Belgrieve caíram, exaustos, e soltou um grande suspiro. “Que cara problemático...”

As meninas, que estavam sufocando o riso, por fim começaram a gargalhar.

“Hehehehehe, isso foi um pouco forçado, pai... Porém bom trabalho.”

“Teehehe, você é desajeitado nas horas mais estranhas, Sr. Bell.”

“Vá com calma comigo. Não estou acostumada a fazer esse papel...”

“Contudo o resultado não foi terrível. Vamos torcer para que eles possam conversar a respeito adequadamente.”

Ainda havia uma pessoa que parecia não entender a situação.

“O que está havendo? O que aconteceu?” Marguerite perguntou, fazendo beicinho. “Não me deixem de fora do assunto.”

“É uma história de amor adulta... Você é jovem demais para entender, Maggie.”

“Experimente, sua pequena... Espera, história de amor? Poderia ter dito logo! Conte-me tudo!”

As meninas estavam ainda mais barulhentas agora que Marguerite estava na mistura. De sua parte, Belgrieve pegou uma garrafa de vinho e começou a beliscar alguns dos pães e carnes.

Kasim disse que queria recuperar o passado que havia deixado para trás, e Belgrieve, Percival e Satie fizeram parte disso. Essas eram questões que ele precisava resolver, entretanto o passado era o passado, nada mais — quando tudo acabasse, talvez Sierra assumisse o papel de empurrar Kasim para o futuro.

Então e eu? Belgrieve se perguntou.

“Bem... Já tenho gente suficiente.” não era uma sensação ruim ter outra geração para cuidar, incluindo sua filha. Ele também tinha amigos íntimos. Sua situação era diferente da de Kasim, que havia sofrido isolado. Depois de resolver seu passado, Belgrieve apenas retornaria ao seu dia-a-dia original em Turnera, onde também tinha Charlotte, Byaku, Graham e Mit.

“O futuro, hein...” ao contrário dos velhos que partiram para o passado, todas essas meninas tinham um futuro cheio de possibilidades. Belgrieve as observava em sua animada discussão sobre Kasim e Sierra quando começou a franzir a testa.

“Em vez de fofocar sobre outras pessoas, que tal vocês encontrarem alguém legal também?”

Suas palavras murmuradas desapareceram no escuro, sem serem ouvidas por mais ninguém.


O crepúsculo veio e se foi, e agora a cidade de Mansa estava envolta na escuridão total da noite. As estrelas brilhavam no céu enquanto um frio intenso descia sobre o mundo. Todas as lojas ao longo da rua acenderam as lanternas penduradas em seus beirais, e os rostos dos transeuntes foram lançados em sombras profundas.

Kasim, com uma garrafa de sidra pendurada na mão, caminhou até lá com Sierra. Os dois haviam alcançado seu objetivo, mas não parecia certo voltar logo em seguida.

Evitando as estradas mais movimentadas, Sierra coçou a bochecha com a ponta do dedo.

“Acha que ele estava tentando ser atencioso?”

“Poderia ser. Bell é muito estranho às vezes.” disse Kasim com uma risada.

A expressão de Sierra suavizou, como se estivesse seguindo seu exemplo.

“Ele é uma boa pessoa, Sr. Belgrieve. Talvez eu possa entender por que o aprecia tanto.”

“Não é?” Kasim disse com alegria, descansando a garrafa sobre o ombro. “Bell sempre foi assim. Todos além dele — inclusive eu — éramos todos muito egocêntricos, fazendo o que queríamos. Só conseguimos trabalhar juntos porque Bell estava por perto. Algumas pessoas mudam com a idade, claro, porém Bell permaneceu o mesmo. É um cara legal, sem dúvida.”

Enquanto Kasim tagarelava animado, o sorriso de Sierra começou a parecer um pouco solitário. “Sabia... Você sempre parece estar se divertindo muito quando conta histórias sobre aqueles três.”

“Hmm? Sim... Bem, é verdade.” Kasim desajeitadamente coçou a cabeça.

Sierra pareceu reconhecer que talvez tivesse cruzado a linha e virou a cabeça para ele.

“Ah, não, desculpe. Não o disse por despeito.”

“Não, não, sinto muito também. Posso ser imprudente, sei bem como posso.”

“Não precisa soletrar. Posso dizer.”

“Hey, vamos.”

Sierra riu. Ela soltou uma longa expiração e olhou para o céu.

“Odeio o quão pequena sou.” disse ela. “Quando assumi o cargo de mestra da guilda, pensei que tinha ficado alta e poderosa o suficiente para ficar lado a lado com você... Contudo quão patética sou? Enlouquecendo de inveja na minha idade? Só pensei em mim mesma. Mesmo quando o Sr. Belgrieve estava tentando ser atencioso do começo ao fim.”

“Hmm...” os olhos de Kasim vagaram.

Sierra suspirou.

“Não o culparia, não importa o quanto me repreendesse depois disso. Quer ele me batesse ou me repreendesse, pretendia me resignar ao meu destino... Simplesmente não posso ser a substituta do Sr. Belgrieve. Quero dizer, não há muitas pessoas por aí que possam tolerar com calma tamanha insolência. Sendo sincera, é o suficiente para eu ter inveja de você.”

“Está entendendo tudo errado, Sierra.” Kasim parou. Ele olhou diretamente para ela, um olhar sério em seu rosto — pelo menos, tão sério quanto poderia. “Nunca pensei em você como substituta de Bell. Sierra é Sierra. Você não é mais ninguém.”

“Agh...” suas bochechas ficaram tingidas de uma leve vermelhidão quando ela desviou os olhos. “N-Não não está falando como é típico seu, Kasim.”

“Sim... E agora estou me sentindo envergonhado por ter dito isso.”

No entanto eles não podiam apenas parar no meio da rua. Ambos voltaram a caminhar, um clima um tanto estranho entre eles. Por alguma razão, aceleraram um pouco o ritmo.

Não demorou muito para que estivessem parados na frente da pousada. Lá, pararam e se entreolharam. Os olhos de Sierra começaram a vagar, pois não sabia o que fazer.

“Hum...” ela disse. “Vou indo então.”

“Hmm...” Kasim pensou por um momento antes de pegar a mão dela.

Seus olhos dispararam.

“O-O que está fazendo?”

“Veremos. Tive a sensação de que eles ficariam bravos conosco se eu a deixasse ir embora — Bell, por exemplo, mas especialmente as garotas.”

“Acha...? Então o que vamos fazer?”

“Vamos caminhar um pouco mais... Certo, esqueça Bell por enquanto. Vamos falar de outra coisa. Como o que aconteceu comigo e com você. Há coisas que eu gostaria de dizer e coisas que gostaria de ouvir. Muitas coisas.”

“Sim... Entendi.” Sierra murmurou, balançando a cabeça timidamente. O rosto barbudo de Kasim se suavizou enquanto a conduzia pela mão mais adiante na movimentada estrada.

Um comentário:

  1. Eita porra, será que vai dar namoro? Kskksks um capítulo leve e gostoso como sempre. Obrigado pela tradução.

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