Capítulo 124.6: Bônus Histórias Curtas
Conversas de elfas
“Eu também sou de um assentamento oriental, até onde sei, mas nunca conheci Maureen antes.” refletiu Satie.
“É verdade.” concordou Maureen. “Nunca pensei que uma veterana da mesma região que eu morasse tão perto. É chocante, de verdade.”
“Se for um assentamento diferente vocês não vão se encontrar, né? Também não conheço todo mundo no oeste.” argumentou Marguerite.
Satie, Maureen e Marguerite estavam conversando. Por alguma razão, há um clima realmente majestoso sempre que você tem três elfas juntas, pensou Angeline. Ela se viu em transe.
Era raro ver tal visão nas terras humanas. Todas as três tinham características bastante atraentes, como cabelos prateados e pele clara. Os olhos de Angeline estavam tão focados nelas que por um momento se perguntou se de alguma forma havia acabado em território élfico.
Porém este era um quarto de uma pousada. Belgrieve e os outros homens mais velhos partiram e levaram Touya junto, e então as meninas se reuniram. A mesa estava posta com chá e lanches leves, enquanto as gêmeas brincavam com brinquedos de madeira. Foi divertido colocar todos em um espaço tão apertado.
“O território élfico é um lugar vasto. Contudo, Maureen, você já conheceu Graham antes, não é?” Miriam perguntou.
Maureen assentiu.
“Certo, certo. Acho que já contei antes, na verdade já conheci a Senhorita Marguerite antes também.”
“Hey, Satie, nunca pensou em conhecer o Sr. Graham também?” Anessa perguntou.
“Ugh.” Satie gemeu antes de colocar um dedo em sua bochecha. “Bem, é claro, o admirava muito... No entanto, mais do que tudo, queria conhecer novos lugares. Se fosse ver Graham, bom, ainda estaria em território élfico.”
“Hmm, entendi.”
“É só que... Sabe como é... Muitas pessoas vieram ver meu tio-avô porque o admiravam, entretanto não vi nenhum deles de fato trabalhando como aventureiros aqui.” disse Marguerite.
É verdade, pensando agora... Angeline cruzou os braços.
“Maggie está certa... Tenho a sensação de que deveria haver mais alguns elfos aventureiros por aqui.”
“Oh, há um número surpreendente de nós. É só que o estilo de vida de um aventureiro vai contra o bom senso dos elfos. Quando ficam enjoados e cansados da realidade, eles finalmente voltam para casa. É o que acontece com a maioria. Diria que noventa por cento percebem que é impossível para eles apenas se misturarem com humanos na fronteira.” explicou Maureen. Ela passou a descrever como os dois grupos viviam e pensavam sobre o mundo de maneiras diferentes. Depois houve a questão de alguma discriminação contra os elfos para dissuadir os possíveis aventureiros. Ela riu e depois começou a encher o rosto de doces.
É tão diferente? Angeline se perguntou. Pelo menos pelo que ela percebeu ao sentar-se e conversar com elas, Satie, Maureen e (especialmente) Marguerite dificilmente eram diferentes dos humanos. Claro, Graham tinha um ar um tanto místico, porém não era difícil se dar bem com ele. Se eu conhecesse um elfo diferente deles, seria capaz de ter uma conversa adequada? Angeline tentou imaginar, contudo não conseguia nem começar a entender o que os elfos conversavam entre si.
No entanto tenho certeza de que o pai conseguiria se sair bem, concluiu Angeline. A garota apenas sabia que ele seria educado, ouviria bem e avaliaria com cuidado suas respostas. De fato seu comportamento também seria apreciado em território élfico.
Nesse caso, talvez tivessem que ir juntos para o território élfico algum dia. Aquelas florestas das quais tinha ouvido falar, os bosques de árvores cobertos de prata — talvez fossem ainda mais incríveis do que a floresta de Turnera. Se pudesse passar por eles de mãos dadas com Belgrieve e Satie, com certeza seria um momento maravilhoso. Angeline riu daquela imagem em sua mente.
“Do que está rindo?” Marguerite perguntou antes de dar uma mordida em um doce.
“Hmm... Estava pensando que queria visitar o território élfico um dia desses.”
Assim que Angeline disse isso, as expressões das três elfas mudaram. Marguerite parecia bastante desagradada e Satie olhou fixa para Angeline, enquanto Maureen ria.
“Eu não quero ir para casa.”
“Não é um lugar muito interessante, Ange. Quero dizer, o cenário pode ser bonito, porém...”
“Mas pode ser divertido ver como Angeline interage com os elfos em casa. Posso imaginar que as conversas não se conectaram nem um pouco.”
Ao que parecia, nem tudo era sol e arco-íris. De qualquer forma, todas as três consideravam o território élfico chato. Acharam-no tão triste que fugiram para se tornarem aventureiras, então talvez essa resposta fosse natural.
“Contudo quero vê-lo uma vez na vida. Há muitas árvores ohma crescendo lá, certo?” Miriam perguntou.
“Tenho a sensação de que também haverá outros animais selvagens raros.” continuou Anessa, “Embora imagino que seja muito frio, já que fica ainda mais ao norte do que Turnera.”
Angeline assentiu.
“É uma terra de mistério para nós... E é emocionante partir para o desconhecido.”
“Hehehe.” Satie riu. “Lembro-me de Bell ter dito algo assim antes — que era um lugar distante para ele, então queria visitá-lo. No entanto para nós, o mundo humano é muito mais atraente.”
“Ainda pensa assim, mesmo agora?” Angeline a perguntou.
Satie pensou por um momento, seus olhos vagando.
“Bom... Já vi muitas coisas terríveis, admito. Mesmo assim, gosto daqui. Tem Bell, Percy e Kasim — e eu também tenho minha filha, hehe...” Satie cutucou a bochecha de Angeline.
“Heehee...” Angeline coçou a cabeça timidamente. Não havia como não ficar muito feliz depois de ouvir isso.
De repente, o corredor foi preenchido com o som de vários passos e houve uma batida na porta. Quando esta se abriu, Belgrieve enfiou a cabeça para dentro.
“Desculpe, estamos muito atrasados. Vocês já tomaram café da manhã?”
“Não, ainda não. E vocês?”
“Não, acabamos de terminar nossas compras e voltamos. Achei que seria bom comer alguma coisa com todo mundo... Do que estavam falando?”
“Hehehe... Contarei tudo mais tarde. Certo, Ange?”
“Isso mesmo, mãe. Hehehe...”
Vendo as duas sorrindo de orelha a orelha, Belgrieve inclinou a cabeça com curiosidade.
Delinquentes em massa
A paisagem urbana da capital pode ser completamente diferente de um distrito para outro. Embora a área perto do palácio imperial (alinhada pelas mansões dos nobres) fosse limpa e ordenada, os locais onde as pessoas comuns viviam podiam ser miseráveis, ostentando as marcas de extensões aleatórias colocadas em edifícios existentes. Era como um labirinto ali. Estas eram as partes da cidade com as quais os aventureiros estavam mais familiarizados. Algumas áreas eram perigosas, todavia tais problemas também eram o pão com manteiga dos aventureiros.
“Aqui, aqui, olhe aqui! Esse sou eu, jovem.” Kasim sorriu ao apontar para uma estátua que havia sido erguida em um canto da praça. A figura da estátua tinha a mesma barba de Kasim, embora suas feições parecessem um pouco mais jovens. Entretanto talvez tivesse ficado muito exposto aos elementos, já que muitas de suas características faciais haviam ficado mais suaves, e mesmo com o próprio homem parado bem ao lado, era difícil dizer que era ele.
“O Senhor do Vazio, não é? O mundo deve estar acabando se estão chamando alguém como você de herói.” Percival gargalhou, com uma garrafa de cerveja na mão.
Algum tempo se passou desde a batalha na capital. Todos compartilharam as alegrias do reencontro, mas ainda seguiram caminhos separados para ver os pontos turísticos da metrópole. Percival e Kasim estavam tentando ser atenciosos ao casal recém-casado, então, para variar, saíram pela cidade por conta própria. Dito isso, não era como se tivessem algum destino específico em mente. Os dois andavam sem rumo, comendo e bebendo nas barracas ao longo da rua e insultando as seleções de lojas e arsenais obscuros.
“Porém eles acabaram de se casar e já se acostumaram. Não é divertido.”
“Justo o que penso. Mesmo se tentar provocá-los, só aceitam com um sorriso bobo. É tedioso.”
“Uma coisa é Bell, contudo pensar que Satie acabaria assim. Meu Deus, estou realmente ficando velho.”
“Você não mudou por dentro, no entanto.”
“Hey, o mesmo vale para você.”
Os dois saíram da praça, continuando com as brincadeiras.
O inverno já havia chegado; o céu estava coberto por uma camada escura de nuvens e, embora não estivesse chovendo, o vento estava frio o suficiente para fazê-los tremer. Percival brincou com a garrafa vazia na mão enquanto seu olhar varria os arredores.
“Que tal bebermos algo quente?”
“Parece bom.”
Ambos foram direto para um bar aleatório. Estava iluminado de vermelho perto da lareira, e todas as pessoas aglomeradas lá dentro tornavam o ambiente muito mais quente do que do lado de fora. Tirando a capa e pendurando-a numa cadeira, Percival olhou em volta.
“Os bêbados são os mesmos, não importa aonde vá... Bebidas destiladas, cortadas com água morna.”
“Hehehe, claro que são. Vou tomar um vinho quente, e quando digo quente, quero dizer quente.”
“Pode deixar.” respondeu o velho do outro lado do balcão.
Numa mesa próxima, cinco homens jogavam pôquer. Pelas aparências, a maioria eram trabalhadores. Embora cada jogo tenha visto apenas uma pequena quantia de dinheiro trocando de mãos, eventualmente um deles — um homem vestido de maneira diferente do resto do grupo — levantou-se indignado da mesa. Ele era um jovem que parecia ser aprendiz de comerciante.
“Droga, estou exausto.” disse ele antes de sair bufando.
Os homens restantes começaram a distribuir moedas de cobre sobre a mesa com gargalhadas.
Percival sorriu.
“Pelo que vejo estão conspirando juntos para trapacear.” observou, baixando a voz. “Parece que foi demais para o jovem.”
“Hehehe... Adoro esse tipo de coisa. Parece divertido. Que tal você me incluir nessa?” Kasim disse em voz alta.
Os homens pareceram surpresos por um momento, contudo logo riram de novo, convidando Kasim para sua mesa. As cartas foram distribuídas e os homens circularam pela mesa fazendo apostas e trocando cartas. Terminadas as trocas, as mãos foram reveladas e quem tivesse a mão mais forte levava o pote inteiro.
“Tudo bem, eu ganhei.”
Kasim venceu imediatamente a primeira mão. Os homens agiram um pouco tristes, no entanto jogaram a mão seguinte de qualquer maneira. Embora um homem diferente tenha vencido o próximo, o seguinte e o seguinte foram para Kasim. Aos poucos, as moedas de cobre foram se acumulando no lado da mesa de Kasim. Enquanto observava por trás, Percival pediu uma segunda porção de destilado com uma expressão divertida no rosto.
“Está indo bem aí.”
“O que esperava?”
Seus motivos ocultos eram bastante claros. Os homens o deixavam vencer de propósito no início para deixá-lo mais absorvido no jogo. Em breve, a quantidade de dinheiro em jogo aumentaria, e seria aí que os quatro conspirariam para despojá-lo de tudo o que possuía.
“Um par. Perdi.” admitiu Kasim.
“Hã? O quê? Os trabalhadores pareciam perplexos. Entretanto recuperaram a compostura e a próxima mão foi dada.”
“Ah, tão perto. Quase tive um flush.”
“Dois pares, mas sua mão é mais forte.”
A cada jogo, Kasim sofria pequenas perdas, devolvendo moeda após moeda aos outros jogadores. Os homens estavam vencendo, todavia mesmo assim trocaram olhares insatisfeitos. Eventualmente, a montanha de moedas desapareceu na frente de Kasim.
Ele ficou.
“Cara, no começo pensei que tive sorte, mas não adiantou. Hehehe... Vocês receberam todo o seu dinheiro de volta. Não reclamem. Vamos, Percy.”
Com isso, os dois saíram do bar. Percival coçou o queixo, aparentando estar se divertido.
“Hey, aquelas mãos eram todas ridículas. Por que você continuou dizendo coisas como um par e dois pares?”
Aos olhos de Percival, as mãos de Kasim eram sequências e flushes, nada além de mãos vencedoras.
Kasim riu.
“Bem, sabe como é. Lancei magia de ilusão em seus olhos — cada mão que joguei saiu tal qual eu queria. Foi uma boa maneira de matar o tempo.”
“Acho que só serve para mostrar que você não deve enganar um mago. Agora deveríamos ir para casa.”
“Sim, deveríamos.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário