Capítulo 125: As escassas folhas que restavam
As escassas folhas que restavam nas árvores murchas farfalhavam com a brisa, mas não demoraria muito para que perdessem a batalha contra a gravidade. Todas elas quebraram seus galhos e caíram no chão. A luz sépia que preenchia o espaço havia diminuído e empalidecido. Havia rachaduras espalhadas pelo chão, enquanto a casa desabou completamente.
Crunch, crunch... O som dos passos do homem vestido de branco pisando na terra seca era visivelmente alto. Ele parou no meio do jardim devastado para examinar os arredores.
“O contrato deveria ter terminado...” murmurou.
Ele vagou sem pressa, inspecionando tudo que encontrava. Olhando para a horta — ou melhor, para seus restos murchos e desintegrados — deu um leve chute na cerca de madeira. Parecia que as tábuas haviam apodrecido na base e quebraram com apenas a menor força.
O homem continuou vagando como se estivesse procurando alguma coisa; sua busca passou do quintal para as ruínas da casa e, por fim, para os fundos dela. Havia uma floresta seca no final do quintal e, na frente, uma pedra como uma lápide foi colocada. O homem ficou ali olhando para a pedra por um momento.
“Hmph... Que ingenuidade.”
Sua mão acenou acima do monumento. Por um breve instante, a palma da mão brilhou com o leve brilho de mana e, no momento seguinte, a pedra desmoronou. O chão abaixo começou a tremer até que, pouco depois, vários fragmentos de árvores quebradas irromperam do chão em direção à sua mão.
O homem pegou os fragmentos e os inspecionou de perto. Pareciam pertencer a uma macieira, porém estava quebrada em tantos pedaços que quase não retinha vestígios de sua forma original.
“Incrível. Apenas esses resquícios possuem energia suficiente para manter este espaço.”
Envolvendo o feixe de lascas com ambas as mãos, o homem fechou os olhos e começou a cantar baixinho. Foi um período muito longo. Os desenvolvimentos no campo da magia conseguiram encurtar bastante os encantamentos e omitir muitas porções desnecessárias. Cânticos mais longos como esse eram raros nos dias de hoje e, portanto, era presumivelmente um feitiço de uma época passada.
A luz brilhante ao redor das mãos do homem tornou-se cada vez mais brilhante à medida que os fragmentos se formavam uns em torno dos outros até formarem um único e fino galho. Cresceu entre seus dedos, dividindo-se em dois pequenos ramos dos quais brotaram botões e se desenrolaram em um exuberante feixe de folhas verdes.
“Ela deve ter pensado que estava destruído.”
Da base ao fim, tinha apenas o comprimento de seu antebraço e parecia um bastão quando o segurava na mão. Ao balançar, sentiu uma leve vibração no espaço ao seu redor.
“Parece que vou precisar reabastecer seu poder...”
Depois de enfiar o galho no bolso do peito, a figura do homem brilhou e desapareceu. O espaço sépia que deixou para trás distorceu-se antes de derreter, desintegrando-se em um nada escuro como breu.
○
O mundo lá fora ainda estava envolto em uma camada de neve branca, contudo embora o cenário estivesse nublado pelos flocos que ainda caíam, o ar em si não continha mais um frio congelante. Era uma manhã de inverno que trazia uma espécie de calor suave.
Belgrieve voltou de sua patrulha matinal com Angeline, tirando a neve de seu casaco antes de entrar em casa. A essa altura, todos que ainda dormiam quando saíram estavam bem acordados e a casa estava cheia de energia.
“Estou em casa.”
“Bem vindos de volta.” Satie sorriu da lareira, onde mexia a panela no fogo. Mesmo agora, era uma sensação muito estranha vê-la ali.
Angeline pendurou a capa na parede antes de correr alegremente até Satie.
“Estava frio de novo... Ensopado?”
“Isso mesmo. Vocês dois são realmente incríveis, trabalhando tão cedo todas as manhãs.” Satie riu enquanto cobria a panela com a tampa.
“Que tal ir conosco da próxima vez, mãe?” Angeline perguntou, estufando o peito com orgulho.
“Bem, porque não? Se o fizer, acho que terei que contar com sua ajuda no café da manhã.” disse Satie, olhando para Belgrieve. Ele encolheu os ombros.
Ao longo da longa viagem de ida e volta à capital, a construção da nova casa foi quase concluída. De acordo com Graham, os carpinteiros fizeram o possível para terminar tudo o que puderam antes do inverno e, como resultado de seus esforços, até fizeram alguns acréscimos que não estavam no plano inicial. Havia agora espaço mais que suficiente para abrigar esta família grande e crescente. A amplitude das reformas foi um alívio para Belgrieve, considerando o quão animada sua residência estava agora.
Havia uma mesa colocada no chão de terra ao redor da lareira, e era onde as refeições eram preparadas e servidas. Charlotte — cujo cabelo cresceu enquanto Belgrieve não estava — amassou a massa de pão com a ajuda de Mit, que agora era tão alto quanto Charlotte.
Um tapete de pele estava estendido sobre o piso elevado de madeira, e havia almofadas espalhadas pelo local, compradas de um mascate que o visitara durante o festival de outono. Foi aí que Percival se sentou em frente à Yakumo com um tabuleiro de xadrez entre os dois. Kasim, Lucille e Marguerite assistiam do lado de fora, provocando um ou outro a cada movimento dos jogadores. Graham sentou-se por perto, observando as gêmeas Hal e Mal enquanto elas incomodavam Byaku sem parar. Anessa e Miriam observaram o fogo queimar, ocasionalmente acrescentando gravetos ou sacudindo as cinzas da placa de ferro.
“Ficou muito mais movimentado aqui...” Belgrieve refletiu.
Yakumo, Lucille e Duncan conseguiram voltar com o cristal de mana do An À Bao A Qu antes do inverno pousar em Turnera. Os três haviam se acomodado para esperar a geada passar até a primavera, com Yakumo e Lucille hospedados na casa de Belgrieve e Duncan na de Hannah.
Um mês se passou desde que o resto do grupo retornou a Turnera após sua grande aventura na capital. Desde então, se acostumaram bastante com seu estilo de vida turbulento aqui — tanto que alguns deles não conseguiam imaginar viver de qualquer maneira outra maneira agora.
Cuidar do fogo e cozinhar refeições eram tarefas que Belgrieve estava acostumado a realizar sozinho, no entanto agora havia muitos voluntários ansiosos para fazê-las, e Belgrieve muitas vezes se encontrava sem nada para fazer. Ao sentar-se na cadeira, sentiu que algo estava sutilmente diferente enquanto observava Charlotte e Mit amassarem a massa. Fazia apenas meio ano desde a última vez que os vira, mas os dois pareciam um pouco mais maduros e um pouco mais altos também. De sua parte, teria esperado isso de Mit, que sempre cresceu muito rápido, porém Charlotte foi de fato uma surpresa. Você não pode subestimar o quão rápido as crianças crescem...
Charlotte, percebendo sua atenção, ergueu os olhos.
“O que foi, pai?”
“Não é nada. Eu só estava pensando que você está fazendo um bom trabalho.”
“Hehe, acha mesmo...? Contudo a mãe também cozinha bem. Ela é completamente diferente do que imaginei nas suas histórias.”
“Sim, também fiquei surpreso. E pensar que é a mesma Satie que eu conhecia... Naquela época, mal sabia preparar pratos.”
“Hey, vamos! Não espalhe essa informação por aí... Meu Deus...” reclamou Satie, fazendo beicinho.
Como Charlotte disse, as habilidades culinárias de Satie melhoraram de maneira notável. A primeira vez que se ofereceu para preparar o jantar, Percival e Kasim se perguntaram provocativamente se ficariam bem. Entretanto o resultado foi um ensopado de verdade. Os dois homens, relutantes em admitir que era bom de verdade, ridicularizaram-no como uma mistura aleatória de ingredientes, todavia ainda assim repetiram a refeição.
Nas refeições que se seguiram, Satie também conseguiu preparar grelhados e pães recheados, além de diversas outras iguarias. Agora foi a sua vez de provocá-los.
“Nada mal, certo? Qual é a sensação de ser terem provado estar enganados?”
Satie havia se tornado uma boa cozinheira — só isso já era uma prova da passagem do tempo. Os quatro membros do grupo passaram os anos à sua maneira, e cada pequena coisa que ele aprendeu sobre eles encheu Belgrieve de alegria por terem se reunido mais uma vez.
Depois de um animado café da manhã, os pratos foram arrumados. As crianças ajudaram com entusiasmo e, como esperado, Belgrieve ficou sem nada para fazer. Ele sabia que se intrometer no trabalho deles não adiantaria nada, então manteve distância e pegou suas ferramentas de fiar. Fiar fio era uma de suas tarefas habituais de inverno.
Terminada a partida de xadrez, Yakumo se aproximou e sentou-se ao lado de Belgrieve.
“A primavera está chegando em breve. Sr. Bell, seu corpo não parece pesado depois de ficar escondido nesta casa por tanto tempo?”
“Se vale de alguma coisa, faço questão de fazer exercícios todas as manhãs. Mas então, lutar não é minha ocupação principal.”
“Mesmo agora, tenho dificuldade em acreditar nisso... Porém vê-lo fiando assim torna tudo mais fácil de imaginar.”
Yakumo recostou-se na cadeira e observou as mãos de Belgrieve trabalhando. O fuso girava e girava, e cada vez que Belgrieve beliscava a lã, um pedaço de fio parecia surgir.
“Quer tentar?”
“Não, um trabalho tão complexo não é para mim.” disse Yakumo com um sorriso irônico antes de soltar um longo bocejo. “Mesmo assim, ficou bastante animado... É assustador pensar que poderíamos derrotar dragões e demônios apenas com os membros desta família.”
“É tão surpreendente? Quero dizer, no Umbigo da Terra...”
“Esse é exatamente o tipo de lugar que é o Umbigo da Terra. Não é normal ter quatro Rank S aqui na periferia norte, sem sequer uma masmorra por perto.”
“Entendo... Você pode estar certa.”
Pensando bem, ele concordou que era com certeza estranho. Contudo um deles era sua filha, enquanto os outros três eram seus amigos. Claro, eram aventureiros de alto escalão, no entanto fora do combate, riam, sentiam tristeza e viviam como qualquer outra pessoa. Sua deslumbrante imagem pública não era tudo o que existia a seus respeitos.
Percival girou o pescoço, gemendo.
“Ficar enfiado aqui não é para mim, estou me sentido duro.”
“Diz o cara que se escondeu no Umbigo da Terra durante anos.” Marguerite provocou.
“Quem disse que eu estava me escondendo, idiota?”
“Não, você sem dúvida estava. Certo, Lucille?” Marguerite perguntou.
Lucille assentiu.
“O senhor estava com medo de sair.”
“Tudo bem, entendi agora... Estão querendo arrumar uma briga. Bom, conseguiu uma, vamos levar isso para fora.”
“Tudo bem! Estava com vontade de me soltar!” Marguerite se vangloriou.
“‘Nascido para ser selvagem’, baby!”
Percival, Marguerite, Lucille e Kasim saíram. A excitação fez com que Hal e Mal começassem a agir, puxando as roupas de Byaku e Graham.
“Todo mundo está indo embora!”
“Vamos! Vamos! Bucky, vovô, venham!”
“Agora, quando está tão frio...? Hey, pare de puxar. Tudo bem — só preciso ir junto, certo? Isso vai te deixar feliz?” Byaku, com desgosto evidente em seu rosto, vestiu o casaco e um chapéu de inverno.
Mit juntou-se a eles e vestiu também suas roupas de inverno.
“Eu também.”
Satie riu.
“Parece que o irmãozão é super popular.”
“Quem está chamando de irmãozão...? E você?” Byaku resmungou, seus olhos se voltando para Charlotte.
“Hmm, acho que vou. Cansei de ajudar e tudo mais...” ela disse, inquieta e lançando um olhar para Belgrieve.
Belgrieve assentiu.
“Claro. Divirta-se.” ele a incentivou com um sorriso.
“Hehe... Ok, voltarei em breve!” a garota colocou o chapéu e o casaco com entusiasmo.
“Já disse que vou, então pare de puxar. Hey, use isso direito ou se arrependerá. Pare de se contorcer.” Byaku vestiu vigorosamente as gêmeas com roupas de inverno antes de se virar para Graham. “Estamos indo, vovô.”
Graham acenou com a cabeça e se juntou a Byaku e as gêmeas, com Mit e Charlotte acompanhando.
Mit e Charlotte cresceram notavelmente, e até mesmo o de Byaku também suavizou um pouco, pensou Belgrieve. O menino ainda era abrasivo e não mediu palavras, mas fez um bom trabalho cuidando das crianças e cuidando dos outros sem pensar duas vezes. Era um pouco desajeitado perto de Satie, talvez por timidez, contudo era provável que se acostumaria com o tempo.
“O que vai fazer, Ange?” Miriam sussurrou no ouvido de Angeline. “Bucky está começando a parecer o irmão mais velho.”
“Grr... Hmm... Ainda tenho uma chance de me recuperar. Pai, estou indo!”
“Entendi, vou vigiar a casa. Cuide das crianças como uma boa irmã mais velha, ok?”
“Deixe comigo! Anne, Merry, vamos embora.”
“Hã? Nós também?"
“Bem, quero dizer... Acho que poderia verificar as armadilhas que preparei ontem.”
As três vestiram os casacos e saíram correndo porta afora. E assim, todos foram embora e a casa ficou silenciosa. Satie, tendo terminado de arrumar a mesa, pegou uma chaleira.
“Meu Deus, e agora está quieto. Querem chá?"
“Sim, vou aceitar. E você, Yakumo?”
Yakumo se espreguiçou e se levantou.
“Não, acho que deveria fazer algum exercício. E não gostaria de ficar entre vocês, recém-casados.”
“Não é assim...”
“Não há necessidade de ter consideração. Com uma família tão grande, não há muitas oportunidades para vocês dois pombinhos ficarem sozinhos.” disse Yakumo com um sorriso antes de sair.
Belgrieve e Satie se entreolharam, agora sozinhos na vasta casa.
“O que há com eles?”
“Sim...”
Belgrieve torceu a barba com um sorriso irônico. Pensando que o deixaria relaxar um pouco, subiu até o piso elevado e sentou-se em uma das almofadas. Satie riu enquanto servia o chá e se sentou ao seu lado.
“Um casal, hein... Ainda parece irreal.”
“Acho que sim.”
Se houvesse algum tipo de processo de namoro padrão, haviam pulado a maior parte deste. Ambos tinham caído em suas posições, então naturalmente havia muita coisa que Belgrieve não entendia. Embora, a seu ver, tivessem passado por muito mais etapas para chegar até aqui do que se estivessem em um casamento arranjado.
Tomando um gole de chá, Satie aninhou-se junto, apoiando a cabeça em seu ombro.
“Eu também não entendo, no entanto falando por mim mesma, tudo parece confortável para mim.”
“Sim.” Belgrieve gentilmente colocou a mão na cabeça de Satie. O cabelo dela estava sujo e desgrenhado quando se reuniram pela primeira vez, entretanto agora estava macio como seda, e seus dedos deslizaram por ele sem prender.
Satie mexeu-se com cócegas, estufando as bochechas com leve descontentamento.
“Você está fazendo isso como faz com Ange, Bell.”
“Hã? E-Eu estou?”
“Logo entrar no modo pai... Ah, é verdade.” de repente, Satie puxou-o para mais perto.
“O-O que foi?”
“Não se preocupe com isso.”
Belgrieve cedeu, permitindo que Satie deitasse a cabeça em suas coxas. Seus dedos delgados percorreram seu cabelo ruivo e áspero.
“Hmm... Hehe, é um travesseiro de colo. Como se sente, Bell? Como é ser mimado?”
“É... Como devo dizer...? Um pouco embaraçoso.”
“Oh, que fofo.” Satie sorriu enquanto continuava massageando seu couro cabeludo.
Belgrieve coçou a bochecha desajeitadamente.
“Isso é divertido?”
“Sim, muito. Hehehe... Você não parece estar acostumado.”
“Bom, em minha defesa, quase sempre sou eu quem mima...”
“Eu sabia. Considerando Ange, posso dizer que é muito melhor em mimar os outros do que em ser mimado.”
“É realmente algo em que se pode ser bom?” Belgrieve soltou um bocejo profundo e logo Satie estava olhando-o com uma expressão divertida no rosto.
“Você pode dormir se quiser.”
“Não, não acho que vou dormir. Seria constrangedor se alguém voltasse.”
“Acho que tem razão. Mas os outros aldeões pararam de aparecer, então tudo bem.” no momento em que chegaram a Turnera, espalhou-se imediatamente pela pequena vila a notícia de que Belgrieve havia retornado com uma noiva élfica. Os aldeões, na esperança de dar uma olhada em sua suposta esposa, passavam por lá com presentes sempre que tinham um momento. Eles o interrogaram sobre isso e aquilo e perguntaram, provocativamente, se havia feito toda aquela jornada apenas para encontrar uma mulher. Belgrieve achava essas visitas exaustivas, porém também não as odiava. E considerando o resultado de sua jornada, não estavam de todo errados. Sendo franco, foi mais um alívio que os aldeões tenham aceitado Satie e as gêmeas tão rápido. Se resistir a um pouco de fofoca e brincadeira ajudou a facilitar tal situação, que assim seja.
Belgrieve fez menção de se levantar, imaginando que já era hora, contudo Satie o segurou.
“Não há necessidade de tanta pressa. Que tal eu limpar seus ouvidos? Certo, deite-se de lado. Vamos.”
“Não, espere...”
“Hehehe... Resigne-se.” ela riu enquanto brandia um cotonete para limpar os ouvidos.
Agora que chegara a esse ponto, Belgrieve não estava em condições de recusar. Ele obedientemente deitou a cabeça no colo de Satie, os olhos semicerrados por causa das cócegas que sentiu no ouvido interno.
○
Anessa apertou ainda mais seu arco, sua respiração saindo em baforadas brancas.
“Vou ir para a floresta, então.”
“Hum, vou também. Estou preocupada em te deixar sozinha, Anessa.”
“Ha. Ha... Muito engraçado, Merry. E você, Ange?”
“Vou cuidar das crianças... Porque sou a irmã mais velha.”
Elas riram ao ver Ange estufando o peito e partiram sozinhas.
Angeline olhou em volta. Estava nevando, embora pouco — mais como uma calmaria para anunciar a iminência da primavera. Mesmo assim, empilhou-se suavemente no chão e, embora tivessem escavado o caminho naquela manhã, já havia o suficiente para que suas botas deixassem pegadas distintas.
As outras crianças da vila já estavam correndo pela praça da cidade quando chegaram lá, e parecia que estavam colocando toda a sua energia para aproveitar um dia de inverno lá fora — afinal, geralmente fazia muito frio e nevava para poder brincar. Eu costumava correr assim também? Angeline se perguntou. Ela os observou, sentindo-se um pouco peculiar.
Percival cruzou os braços e suspirou enquanto olhava todos os rostos que o seguiram quando ele saiu.
“Por que todo mundo veio junto? Bem, tenho uma vaga ideia do porquê...”
Kasim riu.
“Hey, qual é o mal nisso? Precisamos dar a esses dois algum tempo a sós de vez em quando.”
“‘Você me faz sentir como uma mulher de verdade’.” cantou Lucille, dedilhando as seis cordas de seu instrumento.
“O que isso significa?”
“Essa Satie é uma mulher perto de Bell.”
“Bem, tanto faz. Agora pode vir, Maggie. Vou te enfrentar com uma mão.” Percival girou sua espada de madeira na direção de Marguerite.
Marguerite zombou e olhou para ele.
“Agora está apenas zombando de mim, bastardo. Não chore quando perder!”
Ela diminuiu a distância como se estivesse patinando no chão, dando um golpe forte em Percival com sua espada de madeira. O som seco de madeira batendo na madeira ressoou no ar enquanto Percival bloqueava o ataque com uma expressão de compostura.
“Parece que estão começando... Então, o que acha, vovô? Sua sobrinha-neta melhorou?” Kasim perguntou.
“Ela ficou mais prudente, mas...”
“Hehehe... Exigente. Seu domínio da espada é muito bom, no entanto. Quero dizer, está se defendendo contra Percy.”
“Se não consegue vencer Angeline, é muito cedo para enfrentar Percival. Ele está se contendo um pouco.” observou Graham.
“Bem, você é praticamente a única pessoa contra quem Percy teria que lutar a sério. Então, como te parece? Como avaliaria a sua força?” Kasim perguntou.
Graham estreitou os olhos.
“Eu não seria capaz de me conter contra ele. Se fosse meu inimigo, evitaria o confronto direto.”
Kasim riu.
“Hehehe... Percy deve ser incrível se o Paladino tem isso a dizer a seu respeito!”
Angeline juntou-se aos dois, quieta, e puxou a manga de Kasim.
“Senhor Kasim...”
“Hmm? O que é?”
“Então, hum...” Angeline fez um pedido, que Kasim atendeu. Acenando com o dedo, formou pedaços retangulares da neve e os empilhou em uma mureta.
“Será que isso basta?”
Angeline assentiu. As crianças atrás dela começaram a gritar de alegria.
“Obrigado, Sr. Kasim!”
“É um forte!”
“Wow!”
As crianças correram e testaram a solidez da parede de neve jogando bolas de neve nela. Parecia que uma luta de bolas de neve sem limites estava em andamento.
“‘Balance e dance, baby’!” antes que alguém percebesse, Lucille havia escalado a parede e dançava em cima com pés ágeis enquanto dedilhava seu instrumento. As crianças riram e atiraram bolas de neve em sua direção, porém Lucille se esquivou de todas sem problema.
Estufando o peito como Angeline, Mit instruiu as crianças.
“Todos se reúnam. Decidiremos as equipes por pedra-papel-tesoura. Quem for atingido, vá até lá.”
“Atingido como? Um braço ou uma perna não te matariam.”
“Então quem for atingido três vezes na cabeça ou no corpo, vai lá.”
As crianças pareciam ter criado as regras à sua maneira. Angeline os circulava visivelmente, tentando mostrar seu lugar como a mais velha, contudo perdeu a chance de falar e acabou observando em silêncio. Logo começou a luta de bolas de neve, e ela desistiu e observou à distância, decidindo ficar de olho e garantir que ninguém se machucasse. No entanto eles tinham a parede de neve de Kasim e as bolas de neve eram macias. Além de Angeline, Graham e Kasim também estavam lá, então não tinha certeza se era necessária.
Yakumo se aproximou. Sua respiração fluía como uma névoa branca enquanto tremia no ar invernal.
“Huff... Com certeza está frio. Mas as crianças parecem estar se divertindo.”
“Eu perdi meu lugar aqui... Onde está minha dignidade como irmã mais velha…?”
“Dignidade? Esse tipo de coisa surge por si só, quer queira ou não. Você é uma aventureira Rank S, não é?”
“Não é assim. Quero dizer, esse tipo de... Só não é isso.” Angeline tropeçou nas palavras enquanto observava as gêmeas e alguns meninos agarrados a Byaku. Quando jogavam esses jogos, as crianças na maioria das vezes pareciam recorrer ao menino mais velho.
Está bem. Vou deixar Bucky assumir as partes boas. Sou uma irmã mais velha muito generosa, pensou Angeline, como se quisesse se convencer. Afinal, deixar seu irmão mais novo aproveitar os holofotes era, sem dúvida, uma prova de que era uma irmã mais velha capaz.
Com essa ideia em mente, Angeline se conteve deliberadamente e observou à distância. De repente, ocorreu-lhe que cuidar da diversão dessa forma era um pouco parecido com o que Belgrieve sempre fez. E não é essa a posição mais legal para se estar? Angeline se sentiu exultante. Mesmo que não conseguisse mostrar sua força na luta de bolas de neve, certamente havia algumas crianças que se sentiram aliviadas ao saber que estava as cuidando. Afinal, sempre se sentiu em paz sempre que seu pai a cuidava — isso não era diferente. Eu sou tão legal!
Angeline assentiu com satisfação.
“Agora entendi...”
Yakumo olhou-a com curiosidade.
“O que está pensando?”
“Realmente sou filha do pai...”
“Eu conheço você há um tempo... Porém ainda não entendi qual é o seu objetivo.” Yakumo desistiu. Ela enfiou a mão no bolso da camisa e tirou o cachimbo, apenas para se lembrar que tinha ficado sem ervas para fumar. Então o devolveu ao bolso, com a testa franzida de tristeza.
As crianças, entretanto, terminaram a batalha e reuniram-se para renovar as discussões — afinal, nenhuma guerra foi vencida numa única batalha.
Angeline cruzou os braços. Tudo bem, hora de vigiá-los de novo... De repente, uma bola de neve voou em sua direção e atingiu-a na cabeça. A neve explodiu em todas as direções e cobriu seus cabelos com pó.
Yakumo piscou, assustada.
“Tinha certeza que você iria se esquivar.”
“Não valia a pena se esquivar. Eu sou legal.” não era como se na verdade tivesse baixado a guarda, apenas porque a bola de neve era muito fraca e não tinha qualquer malícia ou intensidade por trás. Enquanto isso, as crianças começaram a gritar de alegria por causa do ataque.
“Consegui! Ataque direto!”
“Que tal, garoto Bucky?”
“Esse é o espírito. Continue assim e cubra-a de neve.”
Byaku ficou no meio das crianças, com um leve sorriso no rosto. Evidentemente, mudou o foco para Angeline. Até mesmo Mit segurava com entusiasmo uma bola de neve na mão.
“En garde¹, mana — tome isso!” ao comando de Mit, uma série de pequenas bolas de neve voou em sua direção.
“Hey, vamos!” Yakumo objetou enquanto desviava as bolas de neve com as mangas de seu manto oriental. Angeline se esquivou por pouco e olhou para as crianças com raiva.
“Malditos sejam, irmãos e irmãs... A irmã mais velha terá que educá-los.” Angeline logo se abaixou para pegar um punhado de neve e comprimiu-a em uma bola. Com apenas um leve movimento o lançou pelo ar, acertando em cheio a cabeça de Byaku.
“Bwah?!”
Mit virou-se para ele ansiosamente.
“Bucky, você está bem?”
Depois de tirar a neve do rosto, Byaku se voltou contra Angeline com raiva.
“O que pensa que está fazendo?”
“Hmph. É o que merece por subestimar sua irmã mais velha...”
“Irmã mais velha? Por favor. Vou derrubá-la do seu cavalo!” Byaku fez sua própria bola de neve e a jogou. Seu tiro provocou outra saraivada de tiros das crianças.
“Isto é mau! Pessoal, temos que ajudar mana!”
Ao ver a situação difícil de Angeline, Charlotte correu com um esquadrão de meninas da vila para ajudá-la. Depois veio Marguerite, que havia terminado o duelo com Percival, e o absurdo segundo round da luta de bolas de neve estava bem encaminhado. Percival, Kasim e Yakumo assistiram à briga com largos sorrisos no rosto. Até Graham estava sorrindo suavemente. O dedilhar do instrumento de Lucille desapareceu alegremente nos campos de neve branca.
Notas:
1. Em guarda, em francês no caso do capítulo, então optei por manter o original.
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