Capítulo 31: Passeios turísticos por algum motivo
Eu estava vagamente ciente de que ela era um ser que possuía grande poder.
No entanto, é verdade que às vezes tinha aquela expressão no rosto como se tivesse tudo planejado, ou aquela parte em que demônios de alto escalão, como Ein-san e Sechs-san, juraram lealdade absoluta a ela, e como pediu em pessoa a uma Deusa para me abençoar. Pensando nesses casos, havia de fato uma parte de mim que na verdade poderia ter imaginado — mas, ainda assim, nunca pensei que Kuro fosse o Rei do Submundo.
Quero dizer, para fins de argumentação, por que é que um dos pináculos do Reino Demoníaco estaria vagando por aí assim?
“Desculpe. Você teve que agir separadamente só por mim.”
“...”
Afastando os pensamentos céticos que seguiam em minha mente, faço uma reverência para a mulher que caminha ao meu lado.
A mulher de cabelo ruivo curto, vestindo calças que facilitam seu movimento, uma jaqueta sem mangas e um lenço preto enrolado no pescoço, negou com sua cabeça meu pedido de desculpas.
Seu nome é ‘Sieglinde’ e é alguém que serve Lilia-san. No atual momento está me acompanhando como guia e acompanhante enquanto vou à cidade fazer compras.
Sieglinde é da raça élfica que possui orelhas longas distintas e, junto com sua aparência esbelta e bonita, é uma pessoa digna que parece se encaixar com perfeição nos termos ‘linda em roupas masculinas’.
A imagem de cabelos loiros me veio à mente quando a palavra ‘elfo’ foi mencionada, porém em um mundo onde existem muitas raças híbridas, diz-se que os elfos têm uma variedade de cores de cabelo.
Atualmente, a mansão de Lilia-san está em um estado horrível que já pode ser chamado de campo de batalha.
Sob a liderança da fanática, que foi revivida de seu estado distraído (Lunamaria-san), eles iniciaram uma cruzada para erradicar toda partícula de poeira, enquanto Lilia-san dava instruções a várias pessoas sem parar, certificando-se de que os preparativos para receber a convidada terminassem o quanto antes.
O Ducado Albert está agora em um estado de turbulência, já que um dos Seis Reis, os seres mais importantes do Reino Demoníaco, está visitando a mansão de um nobre e, pra ser franco, Kusunoki-san, Yuzuki-san e eu não somos nada mais do que apenas obstáculos.
Claro, Lilia-san nunca nos diria tal coisa, contudo não é como se pudéssemos apenas sentar e relaxar enquanto todos os outros, incluindo os servos, estão ocupados correndo, no entanto isso não significa que há algo que possamos fazer até mesmo para ajudar.
Então, decidimos ir à cidade fazer algumas compras para não atrapalharmos seu serviço, e depois de consultar Lilia-san, e acho que isso é de se esperar da Lilia-san, que tende a se preocupar, ela designou uma escolta para cada um de nós três.
Mas bem, Kusunoki-san, Yuzuki-san e eu, que escapamos do campo de batalha sob o pretexto de passear pelo local, estávamos nos movimentando juntos no começo. Porém então, as duas decidiram que queriam ir comprar roupas, junto com suas roupas íntimas, e não acho que o eu masculino deveria ir junto, então decidimos um local e horário de encontro e nos separamos até lá.
“Há muitas lojas relacionadas a comida por aqui, você não acha?”
“...”
Sieglinde-san acena com a cabeça em afirmação às palavras que murmurei enquanto olhava para as lojas vizinhas.
A propósito, a razão pela qual Sieglinde-san não falou desde antes não é porque não gosta de mim. Não é que não queira falar, ao que parece é porque não consegue falar.
Parece que quando ela era membro da Ordem dos Cavaleiros sua garganta foi gravemente ferida em uma batalha com monstros, tirando sua capacidade de falar. Disseram-me que ainda havia uma grande cicatriz sob o lenço preto em seu pescoço.
Sinto que sua incapacidade de falar a torna inadequada como guia e escolta, contudo a habilidade de Sieglinde-san parece ser a melhor entre o exército particular de Lilia-san, e como é uma ex-membra da Ordem dos Cavaleiros, está acostumada a ser uma escolta.
E o que mais agradeço é o fato de não ter nenhum sentimento repulsivo em relação ao eu masculino. Com o aviso de Lilia-san, minha posição na mansão se tornou estável, entretanto ainda há um certo número de pessoas que me lançam olhares estranhos.
Bem, minha posição é, para dizer o mínimo, a de um garoto que foi matriculado em uma escola só para garotas, então não posso culpá-las. Lilia-san também entende a situação, e parece que foi cuidadosa ao selecionar pessoas assim como Sieglinde-san dessa vez.
“Parece haver muitas lojas que vendem comida por aqui, não acha?”
“...”
“Agora que estamos aqui de qualquer maneira, gostaria de comprar alguns doces que poderíamos comer no lanche, no entanto me pergunto se há algum bom lugar para comprá-los?”
“...”
“Essa terceira loja?”
“...”
“Ah, a loja antes dessa! Muito obrigado.”
“...”
Lilia-san me pediu desculpas antecipadamente porque pode ser difícil para alguém que não sabe falar ser um guia, todavia para mim não há problema algum.
Sieglinde-san está balançando a cabeça e fazendo gestos em resposta, então, para ser sincero, foi muito mais fácil entendê-la do que quando estava conversando com Shiro-san.
Bem, Shiro-san tem suas vantagens e é divertido conversar com ela quando pega o jeito, mas a dificuldade de alcançar esse feito é alta.
Porém, em comparação, as emoções de Sieglinde-san são fáceis de ler a partir de suas expressões faciais e gestos, por esse motivo fica mais fácil se comunicar.
“Com certeza há muitos aqui. Tem alguma recomendação, Sieglinde-san?”
“...”
“Essa geleia? Existem vários tipos aqui, contudo são produtos locais daqui?”
“...”
“Entendo. Há também algumas geleias com cores que nunca vi antes. Seria bom comprá-las com bolinhos ou algo parecido.”
“...”
“Unnn? Ah, biscoitos de geleia, hein! Parecem bons mesmo.”
“...”
Sieglinde-san me levou a uma confeitaria para encontrar alguma comida que pudesse ser consumida como lanche. É ótimo ter um item fantástico como minha caixa de itens, então não preciso pensar em datas de validade.
Pensando bem, Kuro uma vez me trouxe baby castellas com geleia. A geleia estava tão boa, e acho que esses biscoitos de geleia combinariam com o chá que Shiro-san me deu.
Kuro também mencionou que gosta de doces, então também comprarei um pouco mais para a próxima refeição juntos.
Enquanto fazia perguntas a Sieglinde, estava escolhendo alguns biscoitos de geleia para comprar, contudo de repente me lembrei das palavras de Kuro.
Pensando bem, Kuro disse que tinha algo que precisava fazer hoje, no entanto me pergunto o que estaria fazendo? Bem, ela pode estar ocupada como Rei do Submundo, mas pelo que vi até agora, tive a imagem de que ela provavelmente estaria fazendo o que quisesse em algum lugar...
Querida mãe, pai — como a visita do Rei do Submundo é um assunto de grande importância, Lilia-san e os outros estão com muita pressa, porém eu, a pessoa relacionada ao motivo disso ter ocorrido — estava passeando por algum motivo.
Um demônio possuindo um alto nível — essas classificações são a prova do nível de poder julgado em relação a esses seres. Na sociedade do Reino Demoníaco, onde ter um alto nível de habilidade está diretamente ligado à posição que ocupam, é um grande trunfo ter tal título.
E um desses demônios de alto escalão, um demônio que detém o título de Visconde, está agora — em desespero.
Seus demônios subordinados que estavam à vista até poucos momentos atrás caíram no chão como cadáveres, e como se o próprio vento tivesse parado de soprar, os sons ao redor desapareceram.
Tudo aconteceu num instante. O castelo decorado com ornamentos brilhantes, os numerosos tesouros que havia guardado e a influência e majestade que tinha como um demônio de alto escalão — todos desapareceram em um piscar de olhos.
Como isso pôde acontecer? Essa pergunta estava flutuando em sua mente, contudo não conseguiu sair de sua boca trêmula.
Não é que a sua capacidade de falar tenha desaparecido. No entanto, junto com o tremor de medo de seu corpo, seu esforço para manter um controle firme sobre sua consciência restante devido ao desespero, e pelo fato de que não deveria desviar o olhar — não era permitido.
Isso porque a pessoa que tem controle total naquela sala não o permitiu...
“Eu deveria ter adivinhado que foi você quem fez isso desde o início.”
Uma voz semelhante a um sino ecoa naquela sala silenciosa. Diante do olhar do demônio desesperado havia olhos dourados brilhando na escuridão.
“A Magia de Inibição de Reconhecimento lançada em Kaito-kun. Pela sensação de poder mágico, já tinha pensado que provavelmente um demônio estava envolvido no incidente, mas ainda não estava claro quem de fato era.”
O motivo para isso foi apenas um desejo trivial.
Não era que o demônio quisesse estar no topo do Reino Demoníaco ou algo dessa magnitude.
Só que queria alcançar uma posição um pouco mais alta do que tinha agora. Queria ganhar maior riqueza e autoridade do que tinha no atual momento. Para consegui-lo, buscou a tecnologia que não existe neste mundo... Porém, apenas por causa dessa pequena ambição que esse demônio possuía, trouxe a destruição para si mesmo.
“Um demônio de alto escalão do Reino Demoníaco mexe com o Reino Humano... E com as pessoas que vieram de outro mundo. Esta é uma situação bastante problemática, não é? É por essa razão que eu queria resolvê-la o mais rápido possível... Contudo graças ao Kaito-kun, foi bom ter conseguido encontrar esse problema mais cedo.”
No Reino Demoníaco, existem seres que não podem ser combatidos, mesmo pelos demônios de alto escalão que ocupam posições elevadas. Eram tais seres que se opor a eles é um caminho direto para a sua destruição... Eram seres que detinham um poder que era esmagadoramente incomparável com os outros...
“Ela não costuma coopera comigo em relação a coisas assim, no entanto acho que é porque estava interessada em Kaito-kun. O fato de ela ser muito cooperativa em nos ajudar nesse assunto... Foi um grande azar para você. Enquanto os ‘olhos’ de Shiro te procurarem, não haverá espaço para tentar nos enganar.”
Passo a passo, os olhos dourados se aproximam, revestidos de um poder mágico que parece engolir o espaço.
Como se para dar ao demônio, que não consegue escapar, tempo para se arrepender de suas ações, o Rei do Submundo caminhou lentamente e ficou diante do demônio.
“Agora, o que fazemos se fizermos algo ruim?”
“Ahh... Uwaahh... M-Minhas...”
“Unnn?”
“Por favor, aceite minhas desculpas...”
A presença da morte é muito densa ao seu redor. Ele sente medo a tal ponto que até a palavra ‘desespero’ é bastante morna.
Depois de ir contra a vontade do ápice do Reino Demoníaco, esse demônio não possui mais nenhuma liberdade, nem mesmo a liberdade de morrer. Imaginando o castigo que receberia, que até conceder-lhe a morte é um ato de bondade, o demônio pede desculpas e coloca a cabeça no chão.
“Unnn. Bem, então vou deixar você ir dessa vez.”
“Sim... Eh?”
Depois de ouvir essas palavras em sua mente, o demônio parecia perplexo quando olhou para ela.
Para ser franco, ele não entendeu imediatamente o significado dessas palavras. Como esse demônio foi contra a vontade de um dos Seis Reis, por causa de um desejo mesquinho, isolou alguém de outro mundo lançando Magia de Inibição de Reconhecimento e planejou fazer uma lavagem cerebral nele, depois usá-lo como um peão.
Por assim dizer, é um ato que teria quebrado a relação amigável entre o Reino Demoníaco e o Reino Humano, e não tinha imaginado que havia alguma maneira de tal ato ser perdoado...
“Neste caso, aconteceu de eu estar passando, e você apenas lançou uma Magia de Inibição de Reconhecimento e terminou assim, e não causou nenhum dano real.”
“S-Sim.”
Sim, de certa forma, poderia dizer que esse demônio teve sorte e azar.
Foi seu azar quando violou aquilo que foi proibido por desejo e um dos Seis Reis descobriu... Todavia o fato de que aquele que lidou com ele foi o mais benevolente entre os Seis Reis, o Rei do Submundo, e mesmo que tenha tentado manipular alguém de outro mundo para obter seu conhecimento, ainda assim foi uma bênção disfarçada que o plano acabou sendo apenas uma tentativa.
No entanto, quando ela disse ‘desta vez’...
“Você não deve incomodar os outros ou fazer nada de ruim, certo? Não haverá ‘próxima vez’...”
“Hiihhh!”
Sim, ela foi capaz de perdoá-lo desta vez. Entretanto, não haveria próxima vez... Se você é um demônio, até mesmo um bebê pode entender o significado de ouvir essas palavras direto de um dos Seis Reis.
De agora em diante, esse demônio passará incontáveis anos carregando o medo de que um dos Seis Reis esteja de olho nele, ao mesmo tempo em que se certifica de que deve viver de forma honesta e justa. Pois mesmo o menor dos delitos não será perdoado na próxima vez.
De certa forma, este pode ser o castigo dado a este demônio. Para o demônio, que tem uma vida incomparavelmente longa em comparação com os humanos, o dia em que serão libertados do medo em seu coração está muito longe...
“Agora, com isso fora do caminho... Você colaborou com alguns dos nobres humanos, não foi?”
“!?”
“E é claro... Vai me contar sobre eles, não vai?”
“S-Sim. Como desejar, contarei tudo sobre todos...”
Não tendo mais vontade de desobedecer, a palidez no rosto do demônio permaneceu enquanto cuspia todas as informações que tinha.
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