Capítulo 131: A caravana
A caravana viajou pelas colinas e vales agora repletos de sinais da primavera. A caravana era conduzida por uma carruagem com o brasão da Casa Bordeaux, seguida pelas carroças dos mascates. Soldados montados estavam dispostos de forma protetora ao redor da caravana, embora, por algum motivo, a carroça mais bem guardada fosse uma carroça de mascate perto do centro da procissão.
Na verdade, a carruagem de Bordeaux na frente estava vazia, enquanto a carroça desta vendedora ambulante em particular estava mais animada do que nunca. O grupo de Angeline (mais Marguerite) foi acompanhado por Helvetica e Seren — daí a segurança adicional dos dois aventureiros que o mascate inicialmente contratou para guardar seus produtos. Ao esconder as irmãs Bordeaux com os mascates, ninguém suspeitaria que esta carruagem fosse outra coisa senão parte da caravana do comerciante.
Angeline se mexeu preguiçosamente e endireitou-se enquanto a carroça avançava fazendo ruídos. Da carroça atrás, ela podia ouvir o dedilhar de um instrumento. Como esta carroça estava cheia, Yakumo e Lucille tiveram que viajar em outra.
Com as rédeas na mão, a mascate de cabelos azuis esporeou os cavalos, que lutavam contra a subida íngreme.
“Acho que está um pouco pesado demais...”
“Sinto muito por insistir nisso.” disse Seren, abaixando a cabeça se desculpando.
“Oh, n-não, de forma alguma.”
“Mas está um pouco lotado aqui. Quero dizer, temos muitas carroças, certo?” Marguerite apontou.
“Então você quer ir para outro lugar, Maggie?” Miriam perguntou com um sorriso travesso.
“Hey, pare de tentar me expulsar do grupo!” Marguerite estufou as bochechas e recostou-se na parede da carroça, como se quisesse insistir que não iria se mover nem um centímetro.
Angeline espreguiçou-se languidamente e depois olhou para a paisagem pela qual passavam.
“Um belo dia de primavera... Está ficando mais quente.”
“Viajar ao ar livre é muito mais fácil. Eu adoro esta temporada.” disse Seren, arrancando acenos de todos os outros. Não havia uma única alma no norte que não gostasse da primavera.
Dois dias se passaram desde o festival da primavera. Depois de ajudar na limpeza e conversar entre si, Angeline e seu grupo partiram de Turnera. Os agitados dias de primavera haviam chegado uma vez mais, porém ela quase ainda conseguia sentir um toque do aroma do festival na brisa. Por mais relutante que estivesse em partir, também sentia que estava longe de Orphen há muito tempo. Assim, decidiu voltar para cá no próximo outono.
A questão da masmorra parecia que levaria mais algum tempo. Seren serviria como assessora do chefe — ou melhor, sua procuradora. Descobrir os detalhes da masmorra teria que esperar até que fosse oficialmente instalada. Consequentemente, a vila ficou agitada mais uma vez quando começou a construção de sua nova casa na vila. Os carpinteiros sabiam que não poderiam exibir nenhum trabalho artesanal de má qualidade para a casa de sua administradora interina, a irmã da condessa. Eles foram motivados por partes iguais de tensão e tontura enquanto elaboravam os projetos e calculavam o número de matérias-primas. As obras na rodovia também foram retomadas. Parecia que todo tipo de coisa iria mudar — contudo isso não parecia uma coisa ruim. A ansiedade de Angeline em relação ao futuro foi superada pelas suas expectativas. Um sorriso escapou de seus lábios enquanto sua mente refletia sobre o que poderia resultar de todas essas mudanças.
Helvetica deu uma risadinha.
“Você é um livro aberto, Ange.”
“Esse é o meu argumento de venda.” disse Angeline. A garota desviou os olhos com timidez, incapaz de manter a pretensão arrogante.
Por alguma razão ou outra, Angeline sempre foi franca e fria com a condessa, no entanto Angeline se abriu com ela quando Helvetica tentou afogar suas mágoas, e desde então as duas se aproximaram. Antes disso, não estavam íntimas o suficiente para tomar uma bebida, todavia Helvetica provou ser uma bêbada bastante hiperativa e logo se tornou um pouco demais para Percival e Kasim aguentarem.
Talvez esse episódio fosse o que Helvetica precisava para desabafar algumas de suas emoções, já que foi restaurada à sua alegria habitual no dia seguinte e interagiu com Belgrieve e Satie como se nada estivesse errado. Todos ficaram surpresos com sua atitude.
Helvetica encostou-se na lateral da carroça e olhou para a paisagem com uma expressão digna no rosto. Não parecia se incomodar com a falta de almofadas macias na simples carroça, que eram habituais na carruagem de um nobre. Ela estendeu os braços para se esticar, os olhos fechados com satisfação.
“Ah, o tempo está bom mesmo.”
“Hey, Helvetica.” disse Marguerite.
Helvetica inclinou a cabeça.
“O que foi?”
“Você está muito alegre para alguém que acabou de ser rejeitada. Acha que a bebida ajudou?”
“Whoa. Maggie arranca para frente sem medo algum, hein...” Miriam comentou com uma risada cansada.
Helvetica riu também.
“Bom, é aquilo. Mas a questão é que acho que eu era como uma criança que não conseguiu o brinquedo que queria... Fiquei triste no momento, porém... Olhando para trás agora, acho que não foi grande coisa, afinal.”
“Hã? É assim que funciona? Como se tivesse perdido o interesse?”
“Hmm... Bem, não é como se eu não gostasse de Belgrieve ou algo assim... Como devo dizer? Talvez seja mais porque gosto de mim mesma por amar alguém como ele? Bem, acho que houve um pouco disso... Em algum lugar do meu coração, sabia que nunca iria realmente vencer.”
“Bom... Ele te recusou mais de uma vez.” observou Seren.
Helvetica deu um sorriso amargo.
“Belgrieve é praticamente a única pessoa que poderia recusar de forma tão obstinada um convite meu. É por essa razão que o queria tanto, tenho certeza. Você sabe, quanto mais difícil é conseguir algo, mais atraente é, certo?”
Angeline fez beicinho.
“Meu pai não é uma mercadoria...”
Helvetica riu e fechou os olhos de novo.
“Sim, precisamente. Dessa forma, falhei por completo em ver Belgrieve por si mesmo.”
“Isso não é... Um grande erro para uma condessa cometer?” Anessa perguntou.
“Talvez. Porém como mulher... Bem, sabe como é.”
“O quê, então está deprimido afinal? É um alívio.” Marguerite gargalhou, cruzando as mãos atrás da cabeça.
Helvetica franziu os lábios.
“O que é um alívio?”
“Só estou dizendo que você não precisa fingir para nós. Somos amigas, certo?”
Helvetica piscou, surpresa. Então, ela caiu na gargalhada.
“Hehe! Oh Maggie, você com certeza é direta.”
“Eu descreveria Marguerite como atrevida, contudo ela é tecnicamente uma princesa.” Anessa riu, cutucando Marguerite.
“Hã? O que? Falei algo estranho? Hey!”
“Está me perguntando? Não, acho que disse algo legal.” respondeu a comerciante de cabelo azul, um pouco nervosa por ter sido arrastada para a discussão.
Helvetica soltou um suspiro profundo e sentou-se um pouco mais ereta.
“Certo... Estou cercado por amigas agradáveis e confiáveis. Isto é uma bênção.”
“Suponho que essa seja a sua popularidade no trabalho, hein, Helvetica?” Miriam brincou.
Helvetica sorriu destemidamente.
“Eu de fato espero que sim. Quanto a Belgrieve... Olhando de um ângulo diferente, agora temos dois excelentes instrutores fixando residência permanente em nosso território, sem mencionar suas conexões com várias outras figuras proeminentes... Cedo ou tarde, Turnera se tornará a fortaleza mais ao norte, e os talentos que promove trará prosperidade a toda Bordeaux. Em outras palavras, é um investimento em nosso futuro. Meu coração partido? Isso não é nada em comparação.” a súbita mudança de tagarelice de Helvetica pegou todos de surpresa.
“C-Certo... Entendo.” Angeline assentiu e estendeu as duas mãos para Helvetica. “Senhorita Helvetica, você está decidida... Mas não precisa agir de forma dura. Aqui, vou te emprestar meu peito... Agora chore em meu seio volumoso.”
Todos os olhares caíram sobre a área do ‘seio volumoso’ de Angeline. Ninguém disse nada.
“Por que nenhum de vocês está dizendo nada?”
“Quanto tempo até Rodina?”
“Nesta velocidade, chegaremos durante o dia... Estaremos lá por volta da noite.”
“Hey, por que estão mudando de assunto...?”
“Ange, você pode passar a água de menta?”
Angeline, parecendo bastante insatisfeita, procurou em sua bolsa uma garrafa de água com menta e jogou-a para Miriam.
“Ahh...” Marguerite bocejou. “Hah, agora estou com vontade de tirar uma soneca.”
“Afinal, está um bom tempo para cochilar. Ah, Seren, quer um pouco de água com menta?” Miriam perguntou.
“Acabei de tomar um pouco... E você?” perguntou Helvetica, oferecendo a garrafa aos dois aventureiros contratados para guardar a carroça. Ambos balançaram a cabeça reservadamente.
“N-Não, estamos bem.”
Marguerite fez beicinho.
“Não fiquem tão tensos. Somos todos aventureiros aqui.”
“Bem, somos, no entanto...”
“Estamos com o grupo Rank S da Valquíria de Cabelos Negros e... A neta do Paladino. Seria difícil não ficar nervoso... Ainda somos apenas Rank C.”
“Ela não é neta dele. É sobrinha-neta.”
“Um detalhe minúsculo, que... Bem, temos até a Condessa Helvetica aqui. Acho que não os culpo.” admitiu Anessa. Com um sorriso estranho, pegou o arco e começou a fazer alguma manutenção. Entretanto com a carroça tremendo, suas mãos não estavam muito firmes.
“Continua tremendo... Acho que vai tremer menos quando as estradas estiverem prontas.” comentou, franzindo a testa.
“Espero que sim. Há a masmorra a considerar, então seria bom se pudessem terminar rapidamente.”
“Hehe... Isso tornará mais fácil voltar para casa. Que maravilha...”
Turnera ficava no meio do nada e as estradas eram ruins, então viajar até lá não era uma tarefa fácil. Além do mais, era essencialmente o fim da linha — não havia para onde ir além da pequena vila. Os viajantes e mascates que cruzaram seu caminho ficaram na cidade vizinha de Rodina. Todavia, se uma masmorra aparecesse e as estradas fossem mantidas, era possível que houvesse mais pessoas indo e vindo — o que tornaria a jornada de Angeline para casa muito mais fácil também. Essa era a parte que de fato a interessava.
De qualquer forma, suas longas férias haviam chegado ao fim e seus dias de aventura em Orphen estavam prestes a recomeçar. É verdade que essas férias implicaram travar muitas batalhas ao longo da viagem, mas, no que dizia respeito à Angeline, esses eram, na melhor das hipóteses, incômodos triviais em comparação com a alegria que sentia sempre que estava com o pai. Muitas coisas aconteceram, porém agora que tudo acabou, não passavam de boas lembranças. À medida que continuasse a trabalhar em Orphen, seus sentimentos de nostalgia seriam alimentados, e então chegaria o outono e seria hora de voltar para casa. Ela estava decidida a sair e colher amoras frescas da montanha na próxima vez.
“Todos os dias, eu fico triste!”
“Cale-se!”
Já fazia algum tempo que a carroça atrás delas andava terrivelmente barulhenta, culminando com o último verso visivelmente mais alto de Lucille. Então veio um grito furioso de Yakumo e tudo ficou em silêncio.
“O que estão fazendo lá...?”
“Lucille está arrasando...”
“Está sempre se divertindo, não é?”
Marguerite inclinou-se para fora da carroça e olhou para trás.
“Hey, vocês estão bem?”
“Não precisa se preocupar. Nossa cachorrinha ficou um pouco animada.” Yakumo respondeu com um aceno de mão desdenhoso.
Angeline riu antes de se recostar na lateral da carroça. O ritmo que as rodas faziam enquanto rodavam pelo chão reverberava através do painel de madeira e de seu corpo, por sua vez. À sua frente, Seren estava bocejando, e logo todas as outras também. Uma atmosfera bastante sonolenta tomou conta de todas.
O balanço suave da carroça logo fez com que as pálpebras de Angeline ficassem pesadas. Do lado de fora, podia ouvir cascos batendo em um ritmo constante em meio a várias vozes que gritavam entre as carroças.
Um dos soldados de Bordeaux aproximou-se da carroça.
“Senhora Helvetica, está quase na hora do almoço. Acho que deveríamos fazer uma pequena pausa em breve, senhora.”
“Hmm... Acho que tem razão. Por favor, cuide disso.”
Os soldados saudaram e incitaram o cavalo a avançar. Assim que teve certeza de que o soldado estava fora do alcance da voz, Helvetica soltou o bocejo que foi forçada a reprimir no último segundo, quando ele apareceu de repente. Angeline caiu na gargalhada por seu problema.
○
Com a partida de todas as garotas desordeiras, Belgrieve sentiu que a casa parecia um pouco vazia. A realidade é que a nova casa nunca esteve tão silenciosa até agora. Enquanto Belgrieve se ocupava em arrumar tudo, se perguntou se aquele lugar sempre fora tão espaçoso. A casa estava cheia desde que retornou, no entanto agora que tantas pessoas haviam ido embora, não pôde deixar de notar como parecia grande e vazia. Até as crianças pequenas saíram para passear com Graham fora da vila. O tempo estava bom desde o amanhecer, então era um dia perfeito para um passeio.
Belgrieve apoiou o peso na vassoura e suspirou.
“Foi muito animado, hein...” neste momento, enfim pareceu que sua longa jornada havia chegado ao fim. Mesmo assim, embora já estivesse em casa há algum tempo, tinha sido apenas uma coisa após a outra o tempo todo. Eles ainda nem haviam começado as negociações nas masmorras. Ele se sentiu bastante exausto.
Kasim, que estava reclinado no chão, virou-se para olhar para Belgrieve.
“Por que está deprimido? Está se sentindo sozinho agora que Ange se foi?”
“Tem isso também. Só me sinto um pouco cansado agora que tudo acabou.”
“Hehehe... Afinal, foi como um festival o tempo todo.”
“Sim. Estava tudo bem quando eu estava no meio da tempestade... Mas agora que tudo ficou para trás, estou exausto.”
“Está parecendo um homem velho.”
Belgrieve se virou e viu que Percival havia entrado, ambos os braços carregados de lenha.
“Você não está cansado?”
“Meu corpo sem dúvida não está. Porém parece um pouco mais silencioso.” Percival colocou a lenha perto da lareira e começou a empilhá-la com cuidado.
“Então estive pensando, Bell...” Percival começou.
“Hmm?”
“Que tal você e Satie voltarem para a casa antiga? É difícil para vocês dois pombinhos flertarem quando têm estranhos e um velho elfo em casa, certo?”
“Oh, é uma boa ideia. Isso é muita consideração da sua parte, Percy.” brincou Kasim.
“Você não tem respeito suficiente pelo seu líder.”
Belgrieve colocou a mão cansada na testa.
“Agradeço a consideração... Contudo aposto que as crianças prefeririam ficar aqui. Então é tudo a mesma coisa.”
“Bem, contanto que o velho Graham... Bem, talvez não.”
Deixando de lado as crianças mais velhas, Mit e Charlotte, as gêmeas ainda se agarravam a Satie enquanto dormiam. Nenhuma das crianças era tão apegada a Percival ou Kasim.
Kasim torceu a barba.
“Certo, eu não o considerei... Mesmo assim, realmente acho que é uma boa ideia ter um espaço só para os dois. As crianças... Bem, podemos pensar sobre mais tarde.”
“É verdade. Enquanto estiver nisso, que tal dar a Ange outro irmão ou irmã?”
“Hey.” alguém falou. Belgrieve olhou para ver que Satie havia entrado com um balde de água. Seu sorriso não parecia alcançar seus olhos. “Oh, Percy, Kasim... Por que os dois são sempre tão insensíveis?”
“Que parte disso foi insensível?” Kasim perguntou.
“Ele tem razão. Estamos apenas orando por sua felicidade aqui.”
“Felicidade? Por favor. Os dois cresceram e se tornaram velhos sujos... É melhor esperarem ansiosos pelo jantar de hoje.”
“Hey, aí já é contra as regras!”
“Sério? Vai nos envenenar?”
“Não vou tão longe!”
“Ok, então faça o seu pior.” brincou Kasim.
“Kasim... Não se sente pelo menos um pouco ameaçado?”
“Enquanto a comida de Satie for meramente intragável, será como se estivéssemos voltando aos velhos tempos. Não vai nos matar, hehehe...”
“Não era tão ruim naquela época!” Belgrieve protestou.
“É verdade, Kasim. Não seja mau. Não foi ruim; só não era saboroso.” disse Percival.
“Qual é a diferença?”
“E importa? De qualquer forma, vocês recém-casados, vão para a outra casa. Não quero que meu sono seja interrompido pelo som da sua cama rangendo.”
“Velho pervertido.” Satie repreendeu.
“O que?” Percival protestou, com a testa franzida.
“Devasso!” Satie mostrou a língua.
O clima foi quebrado quando a carranca de Percival se transformou em um sorriso e ele caiu na gargalhada. Logo Kasim e Belgrieve se juntaram, e até Satie cobriu a boca para abafar o riso, com os ombros tremendo.
Percival enxugou as lágrimas.
“Ha, ahahaha... Pensar que estaríamos juntos de novo, tagarelando sobre coisas estúpidas.”
“Ah, já chega!” disse Kasim. “Odeio quando as coisas ficam piegas.”
“Esta pode ser a primeira vez desde que nos reencontramos que somos apenas nós quatro juntos...” disse Satie.
Era verdade; eles sempre estiveram com Angeline ou os outros até agora, e esta foi talvez a primeira vez que os quatro velhos amigos tiveram a chance de conversar por conta própria.
Belgrieve se lembrou de como as coisas costumavam ser quando ainda eram adolescentes e se sentavam em volta de uma mesa conversando enquanto bebiam. Percival e Satie costumavam discutir enquanto Kasim os incentivava. Ao mesmo tempo, Belgrieve apenas observava, farto de suas travessuras. Belgrieve sentiu que começava a ficar com os olhos marejados com a reminiscência.
“Aw, Bell está chorando...” Satie sorriu atrevidamente enquanto cutucava Belgrieve no ombro.
Ele respondeu à sua provocação com um sorriso irônico enquanto esfregava os olhos.
“Deve ser a minha idade... Meus olhos começaram a vazar.”
“Certo, diremos apenas que é por causa da idade.” disse Percival.
Kasim riu.
“Você não estava reclamando que ele parecia um homem velho?”
“Precisa criticar cada pequeno detalhe?” Percival habilmente arrancou o chapéu de Kasim e jogou-o fora como se fosse um disco.
Sem perder o ritmo, Kasim estendeu o braço e sua mana perseguiu o chapéu. Congelou no lugar antes de flutuar de volta para sua mão.
“O que acha que está fazendo?”
“Haha! Bons reflexos.” disse Percival, nem um pouco arrependido enquanto voltava a empilhar lenha.
Satie transferiu a água do balde de madeira para uma jarra e saiu de novo pela porta. Belgrieve guardou a vassoura e saiu atrás dela.
Era quase meio-dia e o mundo estava banhado pela luz da primavera. A luz do sol refletia nas plantas jovens que brotavam, que quase pareciam brilhar. A brisa suave ainda estava um pouco forte enquanto acariciava a pele de Belgrieve, todavia já havia perdido o toque cortante do inverno. O tempo estava perfeito e foi um bom dia para viajar. Os pensamentos de Belgrieve se voltaram para Angeline em sua jornada.
“Elas já conseguiram passar pela passagem na montanha?” se perguntou em voz alta.
O som de uma polia rangendo ali perto chamou sua atenção para o poço, onde Satie tinha ido buscar mais água e agora estava erguendo o balde de madeira cheio. Belgrieve caminhou até ela.
“Quer que eu carregue isso?”
“Está bem; não é nada demais. Espero que Graham chegue logo em casa com as crianças; é quase hora do almoço.”
“Eles foram para a floresta de novo? Devo dar uma conferida...”
“Duvido que tenhamos que nos preocupar, mas, bem, por que você mesmo não vai dar um passeio?”
“Certo. Terei cuidado para não perdê-los.”
“Espere, antes disso...” Satie largou o balde e acenou para ele como se quisesse sussurrar algo.
“Hã?” Belgrieve se aproximou para ouvir. De repente, sentiu os lábios macios de Satie roçarem nos dele por um breve momento, então a sensação desapareceu.
Seus olhos esmeralda brilharam maliciosamente.
“Divirta-se.”
“Eu... Voltarei em breve.” Belgrieve murmurou, coçando a cabeça com timidez. Satisfeita, Satie riu e voltou para casa com passos saltitantes.
Belgrieve ficou ali por um momento, atordoado, porém voltou a si quando percebeu algo.
“Satie, a água.” gritou.
“Ah, esqueci.” ela saiu, pegou o balde e se apressou em voltar para dentro de casa — contudo não antes de Belgrieve poder ver a leve vermelhidão enfeitando as pontas de suas longas orelhas.
Belgrieve ficou ali sorrindo por um momento antes de decidir que deveria partir. Quando se virou para sair, ficou horrorizado ao ver Graham e as crianças parados ali o encarando. Graham parecia tão estoico como sempre, no entanto Belgrieve podia sentir o ar divertido nele. Charlotte, corando intensamente, sorria para Belgrieve.
“H-Há quanto tempo vocês estão aí?”
“Acabamos de chegar.”
“Hehe... Vocês dois são adoráveis.”
Parece que viram tudo... Belgrieve cobriu o rosto com as mãos. As gêmeas correram em sua direção e agarraram suas costas e pernas.
“Paaaai, sobre o que você estava conversando com a mãe?”
“Seus rostos estavam muito próximos. Deve ter sido um grande segredo.”
“S-Sim... Uh-huh. Era por volta do almoço. É quase hora do almoço, sabe.”
“Comida!”
“Yay!”
“Vamos, vocês dois. Vamos.” Mit, como um irmão mais velho, pegou as gêmeas pelas mãos e as conduziu para dentro de casa.
Graham esfregou o queixo.
“É bom conviver. Não há nada com que se preocupar.”
“Es-Esse não é o problema...”
“Não precisa ter medo do que os outros pensam de você, Bell. Esta é a sua casa. Somos apenas aproveitadores.”
“Quando fala assim, eu realmente não consigo dizer se está brincando ou não...” Graham riu baixinho antes de seguir as crianças.
“Está tudo bem, pai.” Charlotte sussurrou. “Vou mantê-lo em segredo de Kasim e Percy.”
“Sim, o-obrigado... Já se acostumou a cuidar das ovelhas?”
“Sim, os cordeirinhos são muito fofos. Hehe! Da próxima vez, vamos lá juntos.”
“Claro...” Belgrieve fez uma pausa por um momento antes de se voltar para o último membro do grupo. “Byaku...?”
Byaku olhou-o em silêncio com uma expressão azeda no rosto, então se virou para entrar na casa.
“B-Byaku, por favor, diga alguma coisa.”
“Quer mesmo que eu diga algo?”
Belgrieve considerou isso por um momento.
“Desculpe... Não importa.” Byaku zombou e desapareceu pela porta.
As crianças estão sendo consideradas comigo. Preciso mesmo me recompor... Belgrieve sorriu sem jeito e deixou Charlotte puxá-lo de volta para dentro.
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