Capítulo 127: O festival da primavera estava se aproximando
O festival da primavera estava se aproximando. A neve nos campos de trigo era mais fina no solo à medida que começava a derreter, e a proporção de dias ensolarados e nublados aumentava constantemente. Os instrumentos agrícolas que tinham sido afiados e remendados durante os meses de inverno agora rompiam o solo enquanto o trigo que acabava de começar a brotar era debulhado sob os pés. Os rios ficaram turvos à medida que a água do derretimento da neve inundava, mesmo com um pouco de gelo ainda grudado nas margens dos rios.
Os campos de batata foram arados, cobertos com fertilizante e depois arados uma vez mais. A plantação foi um pouco mais adiante, pois o estrume precisaria de algum tempo para se fixar no solo, para não fazer mais mal do que bem.
Anessa, carregando uma cesta de esterco vazia, soltou um longo suspiro.
“Por que está bufando assim?” Miriam olhou para o rosto dela, segurando uma cesta semelhante debaixo do braço.
“Bem, estava pensando em como voltaremos para Orphen em breve. Já estamos ausentes há um bom tempo.”
“Ah, sim, você tem razão... Certo, Ange?”
Angeline assentiu. No ano anterior, elas haviam deixado Turnera no início do verão e, embora tivessem passado por Orphen uma vez durante a viagem, não voltaram desde então. Claro, a guilda honrou a liberdade de Angeline, mas não parecia certo ficar longe por muito tempo. Sem mencionar que Angeline e suas amigas sentiam falta dos dias de trabalho em Orphen. Quando estava na cidade, Angeline sentia falta de Turnera, porém isso era porque esta era sua cidade natal. Seu chamado como aventureiros de alto escalão só poderia ser cumprido ali, na cidade grande. Não poderia ter calma aqui no campo para sempre.
Angeline apoiou o peso na enxada.
“Depois do festival da primavera, vamos pegar carona com um dos vendedores ambulantes.”
“Soa como um plano. O Sr. Graham também está saindo para negociar a colocação na masmorra com Bordeaux, então vai funcionar para todos nós.”
Depois de alguma discussão, e tendo em conta as suas ligações com o senhor feudal e mestre da guilda, concluíram que o melhor local para instalar a nova masmorra seria perto de Bordeaux. Angeline argumentou que seria melhor se estivesse mais perto de Orphen, contudo masmorras de alta qualidade poderiam se tornar um pilar da economia de uma região, e Orphen já administrava várias masmorras. Deixar a Casa Bordeaux lucrar com a oportunidade também seria mais benéfico para Turnera.
Ultimamente, Graham vinha vigiando Mit de perto, treinando-o na arte da meditação. Como a mana de Mit se tornaria o núcleo da masmorra, não havia mal nenhum em aprender a controlar sua mana com mais habilidade, ou pelo menos foi o que Graham sugeriu.
No começo, Mit ficou descontente por não poder mais brincar com as outras crianças ou ajudar nas tarefas de casa como costumava fazer, no entanto depois de uma bronca de Belgrieve e Graham — ambos os quais admirava muito — ele se dedicou seriamente ao treinamento.
Miriam se espreguiçou e gemeu.
“Ah, agora que acabou, parece que todo aquele tempo passou num piscar de olhos. Hehe, foi divertido, não foi?”
Agora que Angeline refletiu a respeito, de fato foi uma grande aventura. Eles passaram por Tyldes até o Umbigo da Terra, onde conheceram Percival, depois encontraram Satie na capital e se envolveram em assuntos que diziam respeito ao coração do Império Rodesiano. De alguma forma, conseguiram se dar bem e Angeline voltou para Turnera com uma mãe, ainda por cima. Ela conseguiu passar alguns dias tranquilos em casa.
Mesmo assim, ainda havia uma última coisa que queria fazer em Turnera. Angeline olhou para as montanhas cobertas de neve e imaginou-as tingidas de vermelho e amarelo. A imagem provocou um suspiro de sua parte.
“Oh, desta vez Ange está suspirando.”
“Você não quer ir embora?”
“Não é isso...” Angeline balançou a cabeça. Seus lábios franziram como se estivesse chupando algo muito azedo. “Queria subir a montanha no outono e comer amoras frescas... Elas são agridoces e cheias de suco... Depois que começa a comê-las, não consegue mais parar. Mas só aparecem na estação do outono...”
Na verdade, ainda não tinha conseguido as amoras frescas pelas quais tanto ansiava. Agora era primavera e, por mais que tentasse, nunca conseguiria colher a colheita do outono.
Anessa deu uma risadinha.
“Parece que teremos que voltar no outono, então...”
“Eles vão trabalhar na estrada, certo?” disse Miriam. “Quero experimentá-la também.”
“Tudo bem. Nosso objetivo é o festival de outono, hehehe...”
Elas nem haviam comemorado a chegada da primavera e já pensavam no outono. Angeline achou um pouco engraçado, porém não havia como evitar — havia algumas coisas pelas quais apenas não conseguia deixar de ansiar.
“A vida é divertida... Que vida abençoada...” Angeline murmurou enquanto olhava para Belgrieve balançando uma enxada ao longe.
Anessa e Miriam se entreolharam e riram.
“Está parecendo uma senhora idosa assim, Ange.”
“Claro, tivemos uma ótima aventura, contudo seguem tendo muitas coisas divertidas por vir. Não é hora de ficar sentimental.”
“Sim...” Angeline concordou e olhou em volta. A lavoura foi feita e o esterco foi espalhado. Depois de pedir as outras duas que a seguissem, ela caminhou até o final do campo de Belgrieve.
“Pai, terminamos.”
“Oh, isso foi rápido. Obrigado pela ajuda. Vocês estão cansadas?”
“Não, ainda temos bastante energia. Certo?”
Quando Angeline olhou para trás, as outras duas sorriram ironicamente e encolheram os ombros.
“Não, estou um pouco...”
“Estou toda exausta.”
Havia uma lacuna inevitável entre a estamina monstruosa de uma combatente da linha de frente como Angeline e suas apoiadoras.
Belgrieve riu e deu um tapinha na cabeça dela.
“Tão enérgica como sempre, Ange. No entanto o sol está começando a se pôr. Devíamos começar a guardar as coisas. Poderia coletar as ferramentas?”
“Ok.”
O sol já havia descido bastante do seu zênite e escurecia à medida que as longas sombras da montanha ocidental os envolviam. Quando arrumaram as ferramentas e voltaram para casa, Satie e Charlotte estavam preparando o jantar. Um aroma agradável pairava no ar quando Satie se virou para eles com uma concha na mão.
“Ah, bem-vindos de volta. Logo a comida estará pronta.”
Angeline ficou tão feliz por ser recebida em casa que sorriu de orelha a orelha enquanto corria em direção à lareira.
“Esse é o cheiro de amoras... Vamos comer carneiro?”
“Sim, Kerry compartilhou um pouco de carne de cordeiro conosco. Como agradecimento por ajudar.” explicou Charlotte.
Angeline deu um tapinha na cabeça da menina.
“Bom trabalho, Char... Hehe, muito bem!”
“Eu sabia que você ia gostar, mana. Ah, e o pai também!”
“Sim, mal posso esperar para provar.” disse Belgrieve.
“O resto depende da captura da equipe de pesca... Ange, pode cuidar do fogo para mim? Char, passe o pequeno...” Satie foi interrompida quando Marguerite irrompeu pela porta. A elfa entrou com Yakumo e Lucille, assim como Byaku, Hal e Mal.
“Foi uma grande pescaria! Teremos um banquete esta noite!” Marguerite proclamou com orgulho, baixando uma cesta cheia de peixes no chão. Evidentemente, quase todo mundo tinha ido pescar no rio. As gêmeas gritavam de alegria e corriam.
“Também peguei alguns, pai.”
“Mas estava puxando muito forte, então Bucky ajudou.”
Belgrieve deu um tapinha na cabeça das meninas antes de inclinar para o lado.
“Graham e Mit à parte... Percy e Kasim não foram com vocês?”
“Não.” disse Marguerite. “Não sei para onde eles foram. Certo?”
“Sim.” Yakumo continuou. “Não os vejo desde o almoço.”
“Como disseram uma vez as pessoas do passado, ‘Aqueles que não trabalham não comem’. Porém quantas porções extras os trabalhadores recebem?”
“Cale a boca!” Yakumo repreendeu.
Kasim tinha resistência e mana potente, contudo não tinha muita força física quando se tratava de usar implementos agrícolas. Por sua vez, Percival quebrou a enxada com apenas um golpe. Assim, os dois desistiram do trabalho de campo muito cedo. Angeline fez a mesma suposição que o pai, no entanto parecia que eles não haviam ido pescar com os outros.
“Eles foram para a floresta, então...?”
“Talvez. Poderiam estar colhendo plantas selvagens...”
A essa altura os peixes já estavam eviscerados e, com uma pitada de sal, estavam prestes a ser grelhados na brasa quando o grupo ouviu uma batida na porta. A princípio, pensaram que Percival e Kasim haviam retornado, entretanto uma voz que não lhes pertencia gritou.
“Sr. Bell, Sr. Bell.”
Belgrieve, que estava espetando o peixe, lançou a Angeline um olhar preocupado.
“Desculpe, Ange. Poderia atender a porta?”
Quando Angeline abriu a porta, se deparou com um jovem da vila. Eles brincavam juntos quando ela ainda era criança e o garoto não era um estranho para ela. Ele parecia estar sem fôlego; talvez tenha corrido até aqui.
“Hã? Ange? Onde está o Sr. Bell?”
“Está cozinhando... Pai?”
“O que há de errado? Aconteceu alguma coisa?” Belgrieve limpou as mãos e trocou de lugar com Angeline. O homem dirigiu-lhe algumas palavras, às quais Belgrieve respondeu com um aceno de cabeça que parecia surpreso.
“Algum problema?”
“Bem, ele disse que haveria uma reunião, então eu deveria ir para a igreja. Tivemos um\ não muito tempo atrás.”
Naquela altura, a reunião tinha sido sobre os planos para os campos comunitários, a distribuição de esterco, os tempos de pastoreio para cabras e ovelhas e a ordem para que os cavalos e burros arassem os campos. A área ruim que começaram no ano anterior também precisava de cuidados. Esta era a época em que Turnera estava mais ocupada com o trabalho agrícola. O único outro ponto de preocupação em que conseguia pensar era no festival da primavera, mas talvez algo tivesse acontecido.
Belgrieve coçou o queixo, sua preocupação era evidente.
“Bom, tenho certeza que vai dar certo, porém... Satie, desculpe. Estou saindo um pouco.”
“Oh, querido, quando o jantar já está quase servido. Mas que assim seja. Tenha cuidado.”
“Pai... Posso ir também?”
“Para uma reunião municipal?”
“Sim.”
“Eu não me importo, contudo você pode ficar entediada.”
Certamente, as reuniões municipais às quais compareceu com o pai quando criança consistia apenas em adultos conversando sobre isso e aquilo, sem nada para entretê-la. No entanto agora, Angeline havia crescido. Talvez enfim entendesse todas aquelas coisas que não tinha entendido antes. E queria averiguar se esse era de fato o caso.
Então Angeline vestiu o casaco e saiu com Belgrieve para a igreja. Quando chegaram lá, encontraram Barnes, Rita e vários jovens da vila em desacordo com o chefe Hoffman, Kerry e a maioria dos pilares da comunidade. Foi uma surpresa ver Duncan lá também, junto com Percival, Kasim, Graham e até Mit.
Os olhos de Angeline se arregalaram.
“Hã? O que todo mundo está fazendo aqui...?”
“Oh, que bom que você pôde vir, Bell. E Ange também? Isso pode ajudar.” disse Hoffman, que se virou para os dois com uma estranha expressão cerimoniosa no rosto.
Belgrieve olhou ao redor da igreja com desconfiança. Sua testa franziu quando percebeu a estranha tensão no ar.
“Parece que esta não será uma discussão fácil. O que aconteceu?”
“Bem, verdade seja dita, os jovens estão fazendo estardalhaço — estão exigindo que a nova masmorra de Graham seja construída perto de Turnera.” explicou Kerry, cruzando os braços.
Belgrieve olhou para os jovens com surpresa.
“Por quê?”
“Bom, uma masmorra tem um efeito econômico, certo? Aprendemos bastante com vocês e fizemos nosso treinamento, então sabemos lutar. Em vez de ter todos trabalhando nos campos, pensei que seria bom ter uma indústria diferente aqui.” explicou Barnes.
Todos os jovens estavam concordando com a cabeça. Evidentemente, viram isso como a oportunidade perfeita para aproveitar todo o seu treinamento. De vez em quando, Belgrieve tinha vislumbres da admiração que tinham pelas conquistas de Angeline, e não era difícil imaginar que as histórias de seu heroísmo na capital tivessem sido a gota d'água.
“Isso explica esse grupo.”
Belgrieve deu outra olhada ao redor, convencido. Não admira que todas as pessoas que teriam conhecimento nesse campo tenham se reunido.
Uma masmorra em Turnera... Esse pensamento passou por um momento pela cabeça de Belgrieve quando Graham trouxe à tona a ideia de uma nova masmorra. Belgrieve não cogitou a ideia por muito tempo; Turnera era sua terra natal, um lugar isolado dos perigos das aventuras. Todavia agora que o assunto surgiu de novo, não parecia tão absurdo, afinal.
“O que acha, chefe?”
“Não acho que seja uma má ideia. Entretanto as vezes que Turnera teve que lidar com monstros foram raras. Há muitas pessoas que não querem que de repente se torne um fato cotidiano para nós.”
“Não duvido...” deixando de lado os jovens apaixonados e com estrelas nos olhos, os restantes eram adultos que se habituaram à vida que sempre conheceram, de cultivar a terra e de contar com as bênçãos da natureza.
“Contudo não é como se todos os aldeões tivessem que lutar... Certo?” Angeline sugeriu.
Barnes assentiu.
“Claro que não. No entanto eles estão falando sobre como estão preocupados e como é perigoso.”
“Isso é óbvio para qualquer pai, seu idiota. Não importa quantos anos você tenha, vou descrevê-lo como vejo.” repreendeu Kerry.
Com um beicinho, Barnes protestou.
“Não vou só avançar como um idiota, seu idiota. O Sr. Bell nos ensinou tudo sobre essas coisas!”
“É difícil ser pai...” Duncan murmurou com um sorriso irônico.
Os olhos de Percival estavam fechados em pensamento. Quando criança, se rebelou contra seus pais para se tornar um aventureiro. Aos seus olhos, as crianças de Turnera eram bons garotos — bons demais, na verdade.
Hoffman virou-se para Belgrieve com um suspiro.
“Então, como é mesmo? Eu ouvi do Sr. Graham e dos outros, mas ficará tudo bem se fizermos uma masmorra em Turnera?” Quando Belgrieve olhou para Graham, o velho elfo assentiu.
“Se Graham disser que tudo ficará bem, não duvido.” disse Belgrieve.
“É verdade, o Sr. Graham disse que estava tudo bem! E o mesmo fizeram o Sr. Kasim e o Sr. Percy, e até o Sr. Duncan! Todos concordam!” um dos jovens disse em voz alta, e os outros logo entraram na conversa também.
Quando os olhos de Angeline encontraram os de Kasim, Kasim piscou para ela. Se ele está agindo assim, há alguma necessidade de se preocupar? Angeline se perguntou.
Kerry balançou a cabeça.
“Essa não é a questão. Olha, sei que não deveria ser eu quem o diria, mas o Sr. Graham e todos que mencionou? Eles são aventureiros genuínos. De primeira linha. Claro, para eles, uma masmorra miserável não é nada. Porém é precisamente por essa razão que duvido que possam ver isso da perspectiva de fracos como nós.”
O coração de Angeline acelerou com suas palavras e ela não conseguiu responder. Com certeza, os aventureiros aqui foram todos aclamados como os melhores dos melhores, e mataram incontáveis monstros, cada um dos quais poderia ter trazido uma calamidade massiva se não fosse controlado. Contudo a maioria das pessoas teria dificuldade para sobreviver a um encontro até mesmo com um monstro de Rank E. Para essas pessoas, os benefícios econômicos eram irrelevantes. Um covil dessas criaturas era apenas motivo de preocupação.
Os jovens da vila insistiam que não eram tão fracos, enquanto os adultos argumentavam que as suas presunções os levariam a uma morte prematura.
“Bell não te treinou para enlouquecer em uma masmorra por brincadeira!”
“Isso também não é um jogo para nós!”
“Estão sendo muito apressados! Pense de forma racional.”
“Estamos fazendo isso! Esta é a decisão racional!”
“Vocês podem morrer...”
“Estamos ciente da possibilidade, pelo menos.”
“Se está chamando falando de ‘ciente’, então é óbvio que não entendeu!”
Não que os adultos protestassem por teimosia, entretanto os jovens estavam ansiosos por algo novo e não cediam um único passo. Parecia que nunca alcançariam um entendimento mútuo, todavia aos poucos foram os mais velhos que começaram a ceder. Todos eles já foram jovens, e nenhum deles poderia afirmar que nunca havia desejado uma aventura.
“De qualquer forma, não podemos impedi-los de entrar na masmorra. Conseguiram os professores mais fortes que poderiam desejar e ficará tudo bem desde que os ouçam.”
“Então...”
“Mas todo mundo está ansioso.”
“Sim, a maioria das pessoas aqui não quer nem pensar em lutar contra monstros. Queremos apenas viver tranquilamente, cuidando das nossas colheitas. Realmente vão ignorar essas preocupações?”
Os jovens lutaram para encontrar uma resposta a seu questionamento.
Com esta pausa no debate, Hoffman pediu a opinião de Belgrieve.
“Bell, você conhece a vida aqui e a vida como aventureiro. Se houvesse uma masmorra perto da vila... Seria perigoso para aqueles que querem apenas continuar com suas vidas normais? Os monstros começarão a sair de lá ou atrairão algo perigoso de fora?”
Quando isso acontecer, nós cuidaremos do problema — Angeline estava prestes a dizer, apenas para segurar a língua. Como alguém cuja base de operações ficava em Orphen, ela achou melhor não dizer algo tão impertinente. Sem mencionar que qualquer coisa que dissesse seria da perspectiva dos fortes.
Belgrieve coçou a barba enquanto pensava nessas preocupações. Percival, Graham e Kasim observaram tudo em silêncio, aparentando confiar a decisão a ele.
“Primeiro... Devo começar explicando como as masmorras são gerenciadas. Uma masmorra deixada por conta própria é perigosa. Os monstros são atraídos ou nascidos da mana produzida pelo núcleo ou chefe da masmorra. Para evitar que saiam do controle, guildas em todas as terras manterão as masmorras sob controle, abatendo com frequência os monstros de dentro delas. Contanto que seu número não se torne esmagador, não deixarão a masmorra, e muitas vezes há uma barreira erguida ao redor do local, só para garantir.”
Essa informação foi algo que Belgrieve leu em um livro pesado que comprou quando era muito mais jovem. Angeline conseguia se lembrar de quando o leu, antes de partir para Orphen.
“Então tudo ficará bem, desde que seja gerenciado de maneira adequada?”
“De modo geral, sim. Cada vez que um relatório de pesquisa chega de um aventureiro, os dados de cada masmorra são atualizados. Esta informação é usada como base para determinar qual posto de aventureiro deve receber a tarefa de diminuir os números — este é um dos deveres de uma guilda de aventureiros. A questão é que teremos que vigiar constantemente a masmorra, mas enquanto o fizermos, será muito menos perigoso do que você imagina. De qualquer forma, continuarei patrulhando como sempre fiz. Isso deve cuidar da maior parte.”
Os rostos dos jovens se iluminaram quando se viraram e sussurraram entre si.
Hoffman soltou um suspiro profundo e olhou para Belgrieve.
“Entendo. Ouvir isso de você é um alívio... Então, Bell, concorda com essa ideia? Ou é contra?”
A pergunta chamou a atenção dos jovens, até então entusiasmados, que agora direcionavam olhares nervosos para Belgrieve. Afinal, dado o clima, era plausível que sua palavra pudesse ser o fator decisivo para o andamento ou não do projeto.
Belgrieve fechou os olhos.
“É possível, é o que direi. Precisamos discutir mais a questão antes de poder apoiá-la de todo o coração, porém desde que consigamos lançar algumas bases adequadas, penso que tudo ficará bem. Além do mais...”
“O que foi?”
Belgrieve riu.
“Seria muito mais problemático se todos esses meninos e meninas se tornassem rebeldes e quisessem partir para serem aventureiros pelo mundo.”
Kerry caiu na gargalhada, segurando a barriga redonda.
“Isso resolve tudo!” ele disse. “Este será um grande empreendimento!”
“Meu Deus, vai ficar muito agitado por aqui... E já estamos naquela época movimentada do ano...” Hoffman coçou a cabeça com um sorriso torto.
Embora os outros anciãos da vila parecessem igualmente em conflito, estavam começando a mudar de ideia.
“Bom, não podemos detê-los.” disse um dos anciões, o que parecia ser o consenso emergente. Os jovens da vila, por sua vez, aplaudiram exuberantemente.
Esta reunião acabou sendo algo incrível, pensou Angeline. Seus pensamentos ainda estavam dispersos, então se contentou em pegar a mão de Belgrieve por enquanto.
Em meio à agitação comemorativa dos jovens, Percival e os outros se juntaram a Belgrieve. Segundo Percival, as coisas só teriam complicado se alguém de fora se intrometesse na discussão. Angeline assentiu. Não é à toa que ficaram tão quietos...
Kasim gargalhou e deu um tapinha no ombro de Belgrieve.
“Haha! Parece que você deu a palavra final, Bell. De fato parece muito mais convincente quando a palavra é sua.”
“Bem, entendo as suas preocupações, para ser honesto... Este é sem dúvida um lugar pacífico.” admitiu Percival, coçando a cabeça.
Duncan assentiu.
“Contudo a energia da geração mais jovem não é algo que possa conter, mesmo que queira. Mesmo assim, Bell, vai ficar agitado daqui em diante. Precisaremos de uma organização adequada para gerenciar uma masmorra.”
“Se as estradas forem mantidas, então a notícia da nova masmorra se espalhará e outros aventureiros ficarão sabendo. Precisaremos lidar com eles de alguma forma. Dependendo do resultado, poderemos até precisar construir uma pousada.”
“Parece que os negócios vão crescer! Podemos até conseguir algumas jovens esposas em potencial de passagem.”
“Como elfas, por exemplo?”
De repente, a capela se encheu de risadas. Belgrieve olhou em volta, preocupado.
“Hehehe... Vamos precisar considerar como vamos vender materiais e pagar pelas caçadas também. Se não houver dinheiro circulando, não será nada bom para a economia.” argumentou Kasim.
Belgrieve assentiu.
“Certo. Uma fonte de financiamento e... Precisaremos de boas informações, uma compreensão adequada do nível de perigo da nossa masmorra. Estaremos essencialmente fazendo o trabalho de uma guilda. Alguém terá que colocar todas as peças móveis em funcionamento...”
Percival zombou.
“O trabalho é seu.”
“Hã...?”
“Sim, Bell é o homem certo para o trabalho. Não acha também, Kerry?” Kasim perguntou.
Kerry assentiu em meio à risada.
“Pode apostar. Conversei a respeito com Percy e Kasim aqui — se isso der certo, você é o homem de quem precisamos para organizar as coisas por aqui. Bem, boa sorte, Bell.”
“Hein? Bem, hmm...”
“Pai! Você vai ser um mestre de guilda?”
Angeline puxou o braço de Belgrieve com entusiasmo, tirando-o do estupor. Ele balançou sua cabeça.
“H-Hey, espere, não tenho nada contra contribuir, no entanto não estou apto para estar no topo de uma organização como essa.”
“Se fosse um grupo de aventureiros, claro, você seria o número dois. Contudo não é certo colocar um guerreiro como eu no topo de uma guilda. Há também a sua popularidade em Turnera a ser considerada. Não há ninguém mais adequado. Apenas desista.”
“N-Não, mas... G-Graham, diga alguma coisa. Você não se encaixa melhor?”
Graham, que estava em silêncio, deu um raro sorriso travesso. Encolhendo os ombros, ele disse.
“O argumento decisivo foi seu e agora esta querendo se esquivar da responsabilidade? Isso não é nada típico seu...”
“O que?”
Com uma expressão de raiva teatral e fingida, Hoffman deu um tapinha no ombro de Belgrieve.
“Hey, Bell. Praticamente tomamos essa decisão por sua causa. Não vou te deixar fugir agora!”
“Is-Isso não é justo! Colocar dessa forma não é... Justo!”
À medida que a resistência de Belgrieve vacilava, os seus velhos amigos riam-se e cutucavam-no. Esse desenvolvimento foi uma surpresa completa, no entanto também foi interessante — e para Angeline, uma reviravolta realmente deliciosa.
Meu pai está se tornando um mestre de guilda! Não é maravilhoso? ela estava aérea enquanto se agarrava às costas dele.
“Será incrível, pai!”
“Ange...”
“Pai, eu vou ajudar.”
“Até você, Mit...? Aw, não tem jeito.” por fim, Belgrieve soltou um suspiro resignado, torcendo a barba com um sorriso irônico. “Tudo bem, façam do seu jeito. Mas não me obriguem a fazer todo o trabalho.”
“É óbvio. Eu cuidarei da venda de todos os materiais. Pode contar comigo para negociar com os comerciantes.” disse Kerry rindo.
Kerry sem dúvida se tornou o homem mais rico de Turnera devido à sua perspicácia empresarial, então era o homem certo para esse trabalho. Em vez disso, Belgrieve precisaria decidir como os outros empregos seriam divididos e teria que manter os olhos no panorama geral.
Esse é o melhor trabalho para o pai, pensou Angeline, com o peito estufado, como se fosse ela quem recebesse tal promoção.
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