domingo, 10 de dezembro de 2023

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 10 — Capítulo 130

Capítulo 130: O sol da manhã reluzia nas planícies

O sol da manhã reluzia nas planícies, e a grama brilhante e orvalhada encharcava as botas de Belgrieve e a bainha das calças. Ele soltou um suspiro profundo, que permaneceu no ar por um momento como uma nuvem branca antes de se dissipar lentamente.

Belgrieve estava em sua patrulha habitual. Era a manhã do festival da primavera, mas não iria perder seu ritual matinal. Não era tanto um senso de dever que o motivava, e sim uma questão de rotina; ou se não se sentiria bastante inseguro ao não realizá-la.

“Pai...” Angeline veio de trás e agarrou sua mão.

“O tempo está ótimo.”

“Sim. Estou feliz por termos céu limpo este ano.”

O ar por aqui estava nebuloso e cinzento, porém o céu estava ficando incrivelmente azul e claro à medida que o sol subia mais alto. Todos os aldeões fizeram o possível para preparar um banquete tão bom quanto possível no início da primavera, contudo depois de passarem todo o inverno abrigados contra o céu nublado do inverno, talvez o calor incessante do sol fosse o maior prazer de todos.

Angeline bocejou ao lado de Belgrieve, que sorriu.

“Você vai embora amanhã, certo, Ange?”

“Depende do mascate, no entanto... Acho que sim.”

Eles já haviam conversado a respeito com a mascate de cabelo azul — assim que o festival da primavera terminasse, ela pegaria uma carona de volta para Orphen. Presumivelmente, todos os mascates que tinham vindo para Turnera desta vez — cerca de dez carruagens no total — se uniriam numa grande caravana para a viagem para sul.

Angeline abraçou o braço de Belgrieve.

“Então... Você sabe, acho que vou trabalhar durante o verão... E voltarei para o festival de outono.”

“Haha... Você não disse a mesma coisa da última vez?”

“Da última vez não pude voltar para casa porque fui convocado para Estogal. Desta vez voltarei com certeza. Então, todos nós colheremos mirtilos juntos...” neste ponto, perder isso parecia ser o único arrependimento que Angeline estava deixando para trás em Turnera.

Belgrieve riu e acariciou a cabeça de sua filha.

“Sim, vamos fazer isso... Até lá, acho que toda essa conversa sobre masmorras terá se acalmado.”

“Hehe! Mal posso esperar.”

Os jovens de Turnera ficaram um pouco mais agitados durante a masmorra do que seria bom para eles, mas a voz de realismo de Helvetica esfriou seu ardor, para melhor ou para pior. Embora os aventureiros agora em Turnera ostentassem uma força incomparável contra monstros, administrar uma guilda era uma história diferente, e poder de combate não os levaria muito longe.

É bom que a condessa seja compreensiva e cooperativa... Belgrieve refletiu enquanto acariciava a barba.

“Vou voltar primeiro...” disse Angeline, como se tivesse acabado de se lembrar de algo. Então se virou e correu colina abaixo.

Belgrieve se despediu dela antes de respirar fundo e sorrir ironicamente. Angeline estava tramando alguma coisa — Belgrieve sabia, mais ou menos. Também ficou claro que Percival e Kasim estavam em conluio. Dados os membros dessa conspiração, sabia que nada de bom viria, porém era um pouco fofo ver sua filha agindo de forma tão sutil e suspeita. Bem, acho que vou ficar quieto e deixar ela me enganar...

A névoa branca e pura subia das planícies sob o calor do sol. O vento, como se quisesse afastá-lo, começou a ficar mais forte e bagunçou o cabelo e o manto de Belgrieve. Lembrando-se da manhã do dia em que deixara Turnera, quando era mais jovem, lembrou-se de ter subido aquela mesma colina. Embora naquela época fosse outono, o sol brilhava através da névoa da manhã, assim como fazia agora, e se lembrou da visão da grama úmida brilhando como estrelas.

Ele podia ver a fumaça saindo das chaminés sobre a vila e sabia que não demoraria muito para que a igreja realizasse seu culto. Belgrieve bateu a perna de pau no chão duas vezes antes de descer devagar.


Um novo barril de cidra de maçã foi aberto e o agradável aroma de álcool encheu o ar. Abrir barris de cidra que foram enchidos no outono e deixados para amadurecer durante o inverno foi uma das delícias da primavera. Embora todos tenham sido feitos quase da mesma maneira, a safra de cada ano tinha um sutil sabor diferente, e os barris também podiam alterá-lo. Alguns acabariam por ter um sabor de alta classe, enquanto outros seriam azedos, e outros ainda teriam apenas uma pitada de amargor — contudo para aqueles que enfrentaram o longo inverno, cada colheita tinha gosto de celebração.

Assim que o serviço religioso terminou e Belgrieve foi para a praça da vila, a festa já estava acontecendo. A colheita tinha sido estável nos últimos anos, por esse motivo já não era tão difícil sobreviver durante o inverno — no entanto nem sempre foi assim. Antigas histórias de pioneiros transmitidas pelos anciãos da vila contavam sobre aqueles que morreram por falta de provisões de alimentos e outros que congelaram por falta de combustível para as fogueiras. Naquela época, a chegada da primavera e seu calor eram uma ocasião de verdadeira gratidão.

Talvez a sua ação de graças fosse agora incomparável à dos seus antepassados, todavia mesmo dessa forma foi um acontecimento alegre. Afinal, ainda era a época dos começos, e os começos eram sempre o que agitava o coração. Os aldeões trocaram copos de cidra enquanto agradeciam sem reservas a Viena, aos espíritos e às almas dos seus antepassados.

“Sim, acabou muito bem este ano.”

“Melhor do que aquelas coisas que experimentei antes. Está bom e forte agora.”

“Tome um pouco disso, Senhora Helvetica.”

“Obrigado.”

Naturalmente, a condessa e a irmã estavam presentes, bebendo enquanto o sol ainda estava alto no céu.

Enquanto o cheiro agradável de carne e peixe cozinhados no fogo pairava sobre todos, os talentosos músicos da vila (acompanhados por Lucille) começaram a tocar uma música. O conjunto de instrumentos de cordas, flautas e tambores manteve um ritmo alegre enquanto as crianças saltavam ao som da música. Byaku — que há muito tempo era aceito como irmão mais velho de todos — foi relutantemente arrastado pelas crianças mais novas para a dança, com um olhar sofredor no rosto.

Em meio a essa orquestra folclórica, a voz e as seis cordas de Lucille podiam ser ouvidas com clareza, destacando-se das demais. Os ritmos despreocupados do sul misturaram-se com as melodias habituais do norte, resultando numa performance bastante fresca de material clássico.

“Dance, dance, baby... Yakky, vamos lá.”

“Hmm? Oh... Você quer um truque meu. Sim, tudo bem...” Yakumo largou seu copo de cidra meio vazio e levantou-se, segurando sua lança. Ela caminhou um pouco até avistar uma bolinha com a qual as crianças estavam brincando e a pegou. Então, jogou-o no ar e equilibrou-a com grande habilidade na ponta da lança.

“Agora, todos se levantem, um e todos. Posso ser uma aventureira de profissão, mas tenho algumas habilidades de tempos passados. Venham, observem a dança da lança e da bola — vejam como elas se encontram e como se separam.”

Com esta introdução eloquente, Yakumo inclinou a haste da lança e deixou a bola rolar por ela. Assim como parecia que a bola iria cair no chão, Yakumo girou habilmente a lança, e foi como se a bola tivesse se fixada na haste. Um leve toque fez a bola voar pelo ar, onde a pegou mais uma vez. Descendo em espiral ao longo da lança antes de rolar pelo braço e ombro, por trás do pescoço e depois até o lado oposto. Com a lança pendurada nos ombros, a bola voltou à haste outra vez e logo foi lançada no ar mais uma vez.

Com os pés, Yakumo a chutou para cima, depois chutou de novo, e uma terceira vez, após o que pousou em cima de sua cabeça. Em seguida, lançou-a e pegou-a na ponta da lança uma vez mais. Com equilíbrio imaculado, embora a bola balançasse para um lado e para o outro, nunca parecia correr o risco de cair. Os movimentos pouco realistas da bola e as manobras elegantes e dançantes de Yakumo provocaram aplausos do público.

Com sua rotina concluída, Yakumo abaixou a cabeça e jogou a bola para uma criança próxima. Imediatamente, as outras crianças se reuniram para inspecioná-la, tentando discernir em voz alta se realmente o havia encantado com o sopro da vida.

“Incrível! Você é muito habilidosa, Yakumo...” Angeline se entusiasmou, batendo palmas enquanto Yakumo se sentava ao seu lado.

“O que? Isso não é nada.”

“Não, foi incrível mesmo.” Anessa interrompeu. “Você era artista de rua?”

Yakumo colocou o cachimbo entre os lábios antes de responder.

“Algo assim. Foi quando eu estava começando, antes de conseguir um trabalho decente. Às vezes, o fazia mesmo depois de ter subido na classificação como aventureira, apenas para mudar o ritmo e ganhar alguns trocados. Foi desse jeito que conheci aquela cachorrinha ali.”

“Oh!” Miriam riu. “Entendo, então foi isso que uniu vocês duas!”

Pensando bem, com uma vindo do Extremo Oriente e a outra do Sul, elas na verdade formam uma dupla bastante desconexa. Angeline nunca encontrou o momento certo para perguntar por que as duas se tornaram uma equipe, então foi uma surpresa descobrir que foi por causa das apresentações nas ruas.

Yakumo exalou uma nuvem de fumaça e gentilmente se aproximou de Angeline.

“Então, o que aconteceu com todas as suas maquinações vis?”

“Não é vil... E vai começar em breve.”

“Hmm? Bem, eu não sei nada sobre cerimônias de casamento. O que isso implica, pra ser exato?”

“Senhor Percy e o Senhor Kasim disseram que precisamos fazê-los se beijar na frente de todos...”

“Esses velhos estão além da salvação.” Yakumo suspirou e bateu nas cinzas de seu cachimbo.

É claro, Angeline e seus colegas conspiradores queriam genuinamente celebrar o casamento de Belgrieve e Satie. Porém eles queriam muito ver o casal sensato ficar sem palavras e tímido.

Não era como se seu plano fosse muito longe. Assim que vissem a oportunidade, arrastariam os dois para frente e fariam os aldeões animarem uma tempestade — isso era tudo que havia para fazer. Mas, para consegui-lo, procuraram secretamente quase todos os residentes de Turnera antes de hoje. Ainda não se sabia se era sério ou apenas bobagem, porém, de qualquer forma, eles usariam o pretexto das festividades animadas para provocar os dois e, no fim, aproximá-los. Ao todo, era um plano bastante simples e aleatório.

Angeline provou um pouco de cidra de maçã enquanto olhava para a praça, distraída. Satie estava cuidando das gêmeas e de Mit, que pulavam ao som da música, enquanto Belgrieve conversava sobre algo com Percival, Kasim, Kerry e os outros homens mais velhos.

De todos os momentos para ficarem separados... Angeline estufou as bochechas, irritada.

Enquanto isso, Seren veio se juntar a ela.

“Angeline, este lugar está ocupado?”

“Não, vá em frente...”

Seren parecia aliviada quando se sentou à sua frente. Miriam estendeu-lhe convidativamente um jarro de cidra de maçã; Seren, por sua vez, estendeu a xícara para ser preenchida.

“Deve ser difícil ser a nova chefa da cidade.” disse Miriam.

“Oh, não me provoque... Foi uma surpresa completa para mim. Ainda estou um pouco confusa.”

“Não é como se fosse acontecer agora. Você precisa se preocupar tanto?” Anessa perguntou.

Seren sorriu sem jeito.

“Pelo contrário, poderia ter sido mais fácil se eu tivesse sido nomeada aqui e agora. Poderia ter sido levada pelo impulso, pelo menos. Agora que tenho tempo para me preparar, vou acabar pensando demais nas coisas...”

“É bom que esteja levando tudo a sério. Pronto, pronto.” Angeline estendeu a mão e deu um tapinha na cabeça de Seren. Seren se contorceu com cócegas, embora não parecesse tão insatisfeita.

“Espere, onde está Helvética?” Anessa perguntou, olhando em volta.

Aproveitando, Seren logo fez o mesmo.

“Ela tinha acabado de... Ah.”

As garotas puderam ver que Helvetica havia se aconchegado ao lado de Belgrieve e estava se oferecendo para servir um pouco de cidra para ele. Embora seu sorriso fosse tenso, Belgrieve não recusou a oferta, para diversão de Percival e dos outros homens ao seu redor.

“Irmã!” Seren gritou em pânico, correndo para intervir.

Yakumo riu.

“Ela pretende roubá-lo, mesmo quando não tem esperança de vitória... Que moça corajosa.”

“Maldita seja, Helvetica! Só porque o pai é gentil... Não vou te perdoar!”

Angeline estava prestes a disparar para dar vazão à sua fúria, contudo foi segurada por Anessa e Miriam.

“Mesmo que você ‘não a perdoe’, o que exatamente vai fazer? Apenas sente-se.”

“Sim, deixe para Seren. Só vai ficar complicado se você for lá, Ange. Tenha calma.”

“Quero dizer...” Angeline reclamou.

Yakumo riu do evidente descontentamento de Angeline.

“Não há necessidade de ser tão espinhosa. E às vezes o amor brilha mais forte quando se tem um rival.”

“Oh, parece que alguém está falando por experiência própria!” Miriam brincou com um sorriso.

Yakumo piscou, surpresa, antes de desviar o olhar.

“Esqueça que ouviu isso.”

“Oh, o que foi? Eu acertei o alvo?”

“Você teve um episódio agridoce em sua vida?”

“Eu quero ouvir...”

Quando as três garotas se aproximaram dela, Yakumo fez uma cara amarga e soltou uma nuvem de fumaça. Elas acenaram com as mãos para limpá-lo.

“Parem de me incomodar, suas curiosas... De qualquer forma, vocês são todas muito mais jovens do que eu — com certeza devem ter uma ou duas histórias entre vocês, hein?”

As três trocaram olhares.

“Não.”

“É, não...”

“Não tenho nada...”

“Oh...”

Todas as três garotas pareciam um pouco tristes no final da conversa. Acho que pelo menos estão cientes de suas próprias situações, pensou Yakumo. Ela não tinha certeza se não havia problema em rir. Tinha uma expressão conflituosa no rosto enquanto esvaziava o cachimbo novamente.

Foi então que Marguerite, segurando três espetos em cada mão, juntou-se ao grupo. A jovem elfa inclinou a cabeça para o lado, perplexa.

“O que está acontecendo aqui?”


Apesar das tentativas de Seren de afastá-la, Helvetica ainda estava colada próxima de Belgrieve e se recusou a recuar um único passo.

“Não é como se fosse levá-lo embora, então qual é o problema? Agora, Belgrieve, outro copo.”

“Uh, claro...”

"Irmã, pare de agir tão impensadamente.”

“Oh, servir uma bebida para alguém é considerado impensado agora?”

“Uh, Helvetica... Não importa o quão fortemente venha até mim, já estou...”

“Ir até você? Céus não. É tão incômodo que eu expresse meus sentimentos de afeto?” Helvetica perguntou com um sorriso radiante.

Quando colocou dessa forma, Belgrieve não conseguiu afastá-la. Ele estava ainda mais hesitante porque era com Helvetica que estava lidando.

Belgrieve olhou para Satie a alguma distância, onde cuidava das crianças com Graham. Ela nem estava olhando na sua direção; na verdade, parecia perfeitamente calma e controlada. Ele sentiu a estranha suspeita de que Satie poderia estar testando-o de alguma forma.

Kasim acenou com o copo vazio, rindo.

“Você é uma senhorita sem vergonha, sabia disso? Hehehe... Que tal me servir um também?”

“Sim, com prazer. E o senhor Percival?”

“Não é todo dia que uma condessa lhe serve uma bebida. Mesmo assim, seus nervos são de aço. Seria uma excelente guerreira — é quase um desperdício ter sido criada como uma dama nobre.”

“Hehe! Meu pai sempre me dizia o mesmo. No entanto, do fundo do meu coração, sou grata por ser uma mulher.” disse Helvetica, dando uma piscadela atrevida para Belgrieve.

Belgrieve coçou a cabeça sem jeito. O máximo que podia fazer era rir. Parecia que aquela pequena mulher estava o encurralando.

“Meu Deus... Nunca pensei que veria Bell nesta situação.” refletiu Kerry.

“Caras populares passam por dificuldades também.” acrescentou Kasim.

“O que está dizendo? Meu Deus...” Belgrieve lançou um olhar para Helvetica. Ela encontrou seu olhar com um sorriso radiante.

Belgrieve colocou a mão na testa. Se ao menos eu pudesse ser severo em um momento como este... Ainda quando decidiu falar o que pensava, hesitou assim que a olhou nos olhos. Ele sabia que tinha que ser feito, mas relutava em deixar alguém infeliz com suas palavras. Antes, conseguiu afastar Helvetica com bastante facilidade quando o recrutou para o serviço governamental, porém era como se tivesse se transformado desde então. Naquela época, Helvetica tinha o comportamento de uma jovem; agora, era como se tivesse aprendido a manejar sua própria aura inocente como uma arma formidável. Não estava mais lidando com uma criança, e sim com o tipo de pessoa que Belgrieve era péssimo em lidar.

Isso não significava que tivesse qualquer intenção de ser influenciado. Tinha uma disposição positiva em relação à Helvetica, contudo como amigo; não tinha absolutamente nada a ver com romance. Belgrieve queria bater o pé, todavia não conseguiu. Sentindo-se bastante irritado, terminou sua cidra apenas para Helvetica logo lhe servir outra. Ele nem sabia quantos já tinha tomado. Talvez a bebida o estivesse afetando, pois se sentia um pouco entorpecido no fundo de sua mente.

“Hehe... Você lida bem com suas bebidas. Agora, outra...”

“Irmã, dê um tempo já. Precisa interagir com todos os outros também, não apenas com Belgrieve.”

“Ahhh! Hey, Seren — entendi, entendi, então pare de me puxar!”

Seren finalmente perdeu a paciência e começou a levar Helvetica embora.

Aliviado por esta salvação, Belgrieve recuperou o fôlego antes de lançar um olhar furioso para seus amigos sorridentes.

“Por que sou amigo de vocês...?”

“Não coloque a culpa em nós. Isso é algo que você precisa superar.” disse Percival. “Tem uma esposa, então por que está sendo bajulado por uma jovem, hein?”

“Eu não estava... Era assim que parecia?”

“Ora, é claro.” disse Kasim. “Seu rosto está vermelho brilhante.”

Percival sorriu e coçou o queixo.

“O Ogro Vermelho está ficando todo vermelho.”

“Não, é culpa do álcool... Ah, tanto faz.” Belgrieve suspirou antes de beber outra cidra. Ele não bebia mais nada há algum tempo, o que só o deixou com mais sede.

Kerry examinou a cidra enquanto a girava no copo, estreitando os olhos.

“Bem, você sempre foi uma alma gentil, então... Mas sabe, precisa resolver essas coisas de forma limpa e rápida, ou só vai piorar as coisas para Helvetica. Não a deixe abrigar expectativas indevidas.”

“Estou ciente... Não tenho esperança...” a garganta de Belgrieve ficou seca enquanto bebia mais um copo.

“E por que é sempre tão rápido em se rebaixar? Que tal pegar uma página do livro de Duncan e Hannah?” Percival deu um tapinha nas costas de Belgrieve enquanto Belgrieve se servia de outra bebida, fazendo-o espirrar um pouco.

Belgrieve lambeu a bebida derramada em sua mão e olhou para Duncan e Hannah no círculo de dançarinos. Duncan não parecia muito acostumado com a dança e se atrapalhava com passos peculiares enquanto Hannah o conduzia pela mão.

“Estou feliz que tenha funcionado para eles.”

“Não aja como se não tivesse nada a ver com você, Bell. Deveria ir dançar com Satie.”

“Não, não danço...”

Kerry riu.

“O que está dizendo? Ange não te arrasta o tempo todo?”

Belgrieve coçou a cabeça. Sua garganta estava seca — com certeza culpa do álcool. Ou talvez estivesse muito tenso e impaciente. Impaciente? Sobre o que? Não adiantou; sua cabeça estava ficando nebulosa. Já havia bebido muito mais do que estava acostumado.

O tempo voou com mais bebida, comida e provocações. O sol atingiu seu zênite e começou a descer, o horizonte ficando gradualmente avermelhado.

Belgrieve, levado a abusar da cidra por causa da sede, sentiu-se mais embriagado do que há muito tempo — não tanto a ponto de resultar em estupor ou cochilar no local, porém sentiu-se um pouco confuso, quase como se estivesse flutuando logo acima do solo.

“Kasim... Água...”

“O que? É raro vê-lo assim.” Kasim pareceu um pouco surpreso ao derramar água no copo de Belgrieve. O próprio homem bebia muito e sua pele não era diferente do normal. Percival, que conseguia acompanhar o ritmo de bebida de Kasim, tinha uma expressão divertida no rosto.

“Contudo esta é uma boa oportunidade. Oi, Bell. Venha comigo por um segundo. Kasim, chame Satie.”

“Tudo bem, aqui vamos nós.”

“Hein? O quê?” Belgrieve inclinou a cabeça com curiosidade enquanto Percival o incitava a se levantar.

A mente de Belgrieve, mesmo entorpecida pela cidra, começou a refletir sobre isso. Pensando bem, esses dois estavam tramando algo com Ange... Não sabia de nenhum detalhe do esquema deles, no entanto tinha um pressentimento terrível a respeito.

Enquanto Percival o arrastava, os aldeões vizinhos pareciam entusiasmados com uma coisa ou outra. Ao fundo, ouviu alguém dizer.

“Estava esperando por isso!” e ficou alarmado ao descobrir que quase todo mundo parecia estar envolvido no esquema.

Sem qualquer ideia do que seus amigos haviam feito, Belgrieve foi empurrado diante da multidão para se juntar a Satie, que também havia sido levada para lá e olhava em volta, nervosa.

“Satie...”

“Ah, Bell. O que é isso? O que está acontecendo aqui?”

“Eu também não sei.”

Eles compartilharam um momento de confusão até que Hal, Mal e Mit apareceram, liderados por Charlotte.

“Satie, abaixe-se.”

“Rápido, rápido.”

“Hã?” Satie murmurou, mas fez o que lhe foi ordenado. Um grande colar de flores foi colocado em volta do pescoço e ela foi coroada com uma coroa de flores. A cor vibrante das flores da primavera complementava suas feições. As crianças acenaram satisfeitas com seu trabalho.

“Fofo!”

“Combina com você.”

“Nós fizemos juntos, certo?”

“Nós nos separamos para colher flores! Mãe, você está linda.”

“Haha, obrigada...” um leve rubor virginal enfeitou as bochechas de Satie quando colocou a mão em sua coroa floral.

Belgrieve encarou-a, atordoado, até que Percival deu um tapinha nas suas costas.

“Então, o que acha?”

“Hã? Oh, bom, acho que combina muito bem com ela.”


“Entendo. Que ótimo. Hey, padre! Agora é com você.”

Padre Maurice apareceu com uma expressão peculiar no rosto, pegando Belgrieve de surpresa.

“Ahem... Bell, Satie, parabéns. Que vocês tenham as bênçãos da Todo-Poderosa Viena.”

“Sim... Obrigado... O que está acontecendo?”

“Bem, Percy e Ange disseram que vocês dois deveriam ter uma cerimônia de casamento adequada, e tinham razão."

Então era isso que eles estavam fazendo, pensou Belgrieve, batendo na testa.

Satie deu uma risada perturbada.

“Um pouco tarde para fazê-lo, ahaha... É um pouco embaraçoso...”

“Oh? É raro ver Satie corar assim. Hehehe...” Kasim brincou, claramente tentando irritá-la.

Satie fez beicinho.

“Seu pequeno... Vocês sempre serão crianças.”

“Mãe, dê um tempo... E aceite suas bênçãos.” Angeline apareceu furtivamente ao lado de Satie e pegou sua mão.

“Até você, Ange...? Certo, tudo bem. Está bem com isso, Bell?”

“S-Sim...”

Embora estivessem chamando de cerimônia, não havia muito nisso. Na maioria dos casos, um casal ia à igreja, proclamava o seu amor diante de Viena e recebia a sua bênção. O ponto principal era o juramento compartilhado entre um casal, e os processos e detalhes mais sutis não eram gravados em pedra. Assim, o casal resignou-se e ficou diante do padre.

“Hmm... Então Bell é meu marido... Certo?”

“Sim... E isso a faz minha esposa.”

Padre Maurice pigarreou.

“Muito bem, então vocês se reconhecem como marido e mulher? Juram seu amor à Todo-Poderosa Viena?”

“Sim...”

“Eu juro.”

“Sério?” uma voz fria cortou o barulho. Belgrieve olhou para ver Helvetica parada ali corajosamente.

Angeline franziu a testa.

“Helvetica...”

“Ainda quer insistir nesse assunto, irmã...”

Porém Helvetica empurrou Angeline e Seren para fora do caminho enquanto se aproximava de Satie.

“Não, isso é algo que tenho a dizer! Só de olhar para os dois, posso dizer que se dão bem. Acho que combinam bem um com o outro. Contudo, como podem esperar que eu apenas recue quando continuo vendo essa estranha sensação de distância entre vocês?”

Satie piscou.

“Uh... Desculpe? Eh? Está com raiva de nós?”

“Sim, estou lívida! Pelo menos o faça de uma maneira que eu possa desistir! Não posso aceitar se agirem como se só estivessem juntos porque seguiram o fluxo! Vou roubá-lo se for assim! De verdade!”

As coisas estavam começando a ficar interessantes e a multidão ao redor começou a sussurrar animadamente entre si. Percival e Kasim se entreolharam como se dissessem.

“Isso foi completamente inesperado.”

Ao mesmo tempo, Angeline e os membros de seu grupo estavam inquietos, sem qualquer ideia do que deveriam fazer.

Belgrieve fechou os olhos, passando um momento pensando. Por fim disse.

“Tem razão... Helvetica pode estar certa. Eu apenas segui o fluxo.”

“Hã... Pa-Pai?” Angeline encarou-o com ansiedade, a questão de saber se seus pais realmente se amavam fez com que seus batimentos cardíacos disparassem. Ela se viu apertando ansiosamente o peito.

Belgrieve olhou nos olhos de sua esposa.

“Satie, eu te amo. Não... Já te amava há muito tempo. Desde que nos conhecemos. Sou um idiota e um tolo quando se trata dos sentimentos dos outros, assim como dos meus próprios... Entretanto sei que tem amo sem dúvida alguma. Não é só por causa de Hal e Mal, ou por causa de Ange... Quero tê-la ao meu lado por sua causa. Você se tornará minha esposa?” com isso, Belgrieve estendeu gentilmente a mão.

“Ah, hmm...” Satie se atrapalhou com as palavras, sua pele pálida ficando vermelha até a ponta das orelhas. Enfim, ela deu um pequeno aceno de cabeça e pegou a mão estendida de Belgrieve.

“Eu... Também te amo... Bell... Quero estar com você...”

A praça da vila estava em silêncio. Todo mundo estava olhando com a respiração suspensa.

A tensão foi quebrada por Lucille dedilhando seu instrumento.

“Parabéns, baby!” gritou com uma voz cantante — e os aldeões começaram a aplaudir.


“Hey, Bell! Eu não sabia que você poderia ser tão apaixonado!”

“Vamos beber esta noite!”

“Você já está bêbado.”

“Parabéns, Bell!”

“Bom para você, Satie!”

“Parabéns para os dois!”

“Parabéns!”

“Sejam felizes, caramba!”

Belgrieve sorriu sem jeito enquanto seus amigos e vizinhos o agarravam. Satie caiu na gargalhada, ainda vermelha de orelha a orelha. As crianças da vila atiraram flores para o alto enquanto a banda iniciava mais uma atuação animada.

Helvetica assistiu à celebração com um sorriso suave antes de virar-se para sair — calmamente no início, todavia seus passos aos poucos se aceleraram. Quanto mais se afastava da multidão, mais seu sorriso desmoronava e não conseguia mais conter as lágrimas.

“Agh... Eu perdi...” murmurou, fungando.

“Oh, senhorita, tudo bem?”

“Hehe... Parece que foi abatida. Que pena.”

Helvetica tropeçou em Percival e Kasim, que também fugiram da multidão, parecendo algo entre um pouco entretidos e sem jeito.

Helvetica assuou o nariz e enxugou as lágrimas com a ponta dos dedos.

“Não havia muito que pudesse fazer. Belgrieve e Satie têm um vínculo forte — e seu passado.”

“No entanto você tem minha gratidão.” disse Percival. “É graças a sua ajuda que Bell enfim se expressou.”

“Mas parece que somos os perdedores no final. Não sei por que, porém parece que ele nos superou.”

“Bom, não há muito que possamos fazer. Só mostra que Bell era mais homem do que pensávamos.”

“Helvetica!” alguém gritou em voz alta. De repente, Angeline e Seren estavam correndo em direção a eles.

“Hum... Uh...” Angeline tentava falar, sem palavras.

Helvetica deu um sorriso gracioso.

“Não se preocupe. Está tudo bem, Angeline. Não teria sido capaz de aceitá-lo de outra forma.” Helvetica sempre conseguiu obter tudo o que quis — era apenas um reflexo do poder de sua família e da inteligência com a qual foi abençoada. Foi precisamente por esse motivo ficou ainda mais arrasada quando as coisas não aconteceram do seu jeito.

“Irmã...”

“Vamos agora, Seren. Não faça essa cara. Posso ser uma tola, contudo é parte do tolo sorrir até o fim.”

“Você é uma moça forte. Bem, vá em frente, beba. É em momentos como este que as coisas fortes fazem maravilhas.”

Helvetica aceitou um pequeno copo cheio até a borda com licor destilado e bebeu de um só gole, engasgando um pouco. Então tropeçou para frente e agarrou Kasim e Percival pelo braço.

“Uh, o quê?”

“Esta é uma bebedeira comemorativa... Não estou bebendo para dissipar minhas tristezas!”

“Oi? Helvetica? Pode me ouvir?” Kasim acenou com a mão na frente do rosto dela. Helvetica olhou-o com olhos vidrados.

“Você vai ficar comigo hoje, marque minhas palavras. Foi por causa da sua trama suja que acabei com o coração partido!”

“Então está bebendo suas mágoas.”

“Perdão?”

“N-Não é nada...”

O olhar da jovem condessa conseguiu silenciar os dois aventureiros de meia-idade de Rank S. Helvetica zombou antes de se virar para Angeline.

“Angeline! Você também vem junto, é claro! Seren, traga um copo.”

“I-Irmã, acalme-se...”

“Não se preocupe! Beba — é uma ordem. Angeline! A garrafa!”

Angeline riu e pegou a garrafa de bebida.

“Ficarei feliz em acompanhá-la, condessa...”

“Muito bom! Por que vocês estão reclamando? Percival, Kasim, bebam, vamos! Não conseguem ouvir o que estou dizendo?”

“S-Sim, senhora...”

“Eu vou querer um pouco.”

Os dois homens mais velhos estenderam os copos com certa reserva.

“Hã? Algo está acontecendo lá!”

“Bem quando pensei que todos tinham desaparecido para algum lugar.”

“O que estão fazendo? Deixe-nos entrar na diversão!”

Eles foram acompanhados pela perspicaz Marguerite, com Miriam e Anessa a reboque. A festinha estava ficando cada vez mais animada. Entretanto, o resto da vila, estimulado pela paixão do casamento, ainda tinha muitas horas de festa pela frente.


O sol estava prestes a se pôr enquanto a festa continuava na praça da vila. Embora as grandes panelas de guisado e mingau de trigo estivessem quase esgotadas, os aldeões seguravam firmemente a cauda do festival e não estavam dispostos a abandoná-lo. Parecia que ninguém queria voltar para casa ainda.

E, no entanto, Belgrieve escapou furtivamente da festa e saiu da vila. Embora a primavera tivesse chegado, o vento seguia estando frio perto do pôr do sol, e ele levantou a gola da capa para proteger a nuca da brisa fresca.

Houve um som suave enquanto o vento agitava a grama jovem. É o vento ou a grama que está fazendo barulho? Ele não tinha certeza. O sol tinha-se escondido além das altas montanhas ocidentais, que agora lançavam as suas sombras sobre Turnera. A linha do cume tornou-se uma linha divisória clara entre luz e escuridão, a superfície azul da montanha tornando-se pouco mais do que uma silhueta que assomava acima deles.

Belgrieve subiu até o topo da colina, onde se sentou e respirou fundo. A brisa fresca era agradável contra seu rosto embriagado, fazendo-o sentir que tinha sido um dia bastante agitado, no geral.

“Não estava no meu juízo perfeito...”

Parecia que tinha dito algumas coisas bastante embaraçosas, e Belgrieve ficou com o rosto vermelho ao se lembrar delas. Embora a bebida tivesse desempenhado um papel importante, seguia surpreso por ter dito essas coisas na sua idade e na frente de uma multidão. Na boca do estômago teve uma sensação como de um aperto, o que em parte foi o motivo pelo qual fugiu das festividades.

O silêncio do crepúsculo foi quebrado pelo som repentino de outro par de pés pisoteando a grama.

“Hehe... O que está fazendo sozinho?”

Lá estava ela — Satie, seus cabelos prateados balançando ao vento. Ela já havia tirado o colar de flores do pescoço.

Belgrieve rapidamente colou um sorriso.

“Eu só queria ficar um pouco sóbrio.”

“Você bebeu muito, haha... Lá vamos nós.” Satie se abaixou ao lado de Belgrieve. Seus cabelos prateados e roupas brancas pareciam quase iridescentes no crepúsculo. Satie abraçou os joelhos contra o peito e apoiou o queixo sobre eles, o corpo se curvando. “Parece que ainda está frio quando o sol se põe.”

“Isso porque o vento passa direto por aqui, o que o deixa ainda mais frio.” Belgrieve exalou e endireitou-se. “Uma vez, quando parti para Orphen, subi ao topo desta colina. Pode-se ter uma boa visão de toda a vila daqui.”

“Entendo... É uma bela visão.”

Eles puderam ver que alguém havia começado a acender as fogueiras na praça e a fumaça logo subiu para o céu.

“Esta... É realmente uma boa cidade.” disse Satie.

Belgrieve sorriu.

“Fico feliz em saber.”

“É a sua terra natal, então nunca me preocupei... Fiquei um pouco assustada no começo. Achei que poderiam não me aceitar. Contudo todos foram incrivelmente gentis. Eles se abriram comigo em tão pouco tempo...”

“Isso é porque você queria aceitar todos em troca. Eles podiam notar.”

“Acha mesmo? No entanto Graham também está aqui, e Maggie também. Talvez apenas tenham se acostumado com os elfos.”

“Pode ser também.”

“Hehe...” ela riu enquanto olhava para ele.

Belgrieve olhou de volta com curiosidade.

“O que é?”

“Bem, eu estava pensando... Recebi uma confissão bastante apaixonada, não foi?”

Belgrieve ficou vermelho brilhante de uma só vez e, reflexivamente, enterrou o rosto nas mãos.

Satie riu enquanto bagunçava seu cabelo.

“O que está feito, feito está. Não há necessidade de ficar envergonhado agora.”

“Eu sei, mas... Por que eu...?” Belgrieve murmurou por trás de suas mãos.

Satie fez beicinho.

“Então... Se arrepende de tê-lo dito? Ou disse sem pensar?”

“Claro que não... Bem, admito que a cidra ajudou. É constrangedor porque era tudo verdade... E na frente de tantas pessoas... Ugh...”

“Está voltando para mim agora... Sim, foi constrangedor.” Satie murmurou baixinho antes de se aconchegar suavemente em Belgrieve.

“Sim...”

Ambos ficaram em silêncio por algum tempo depois disso.

Satie acomodou seu corpo ao lado de Belgrieve. Ele podia sentir o calor dela em seu ombro e braço. Aos poucos, ele moveu o braço e colocou-o em volta do ombro dela. Satie estava tremendo de frio ou de alguma outra coisa. Belgrieve puxou-a para mais perto. Seu rosto virou-se para encará-lo. Mesmo na penumbra, Belgrieve podia perceber claramente a sua pálida pele corando timidamente.

Seus rostos se aproximaram e então veio à suavidade de seus lábios e um perfume doce. Belgrieve se viu refletido nos olhos esmeralda de Satie.

Ela riu timidamente.

“Hehe, você cheira a álcool...”

“Você também...”

O som distante do festival chegava até eles com a brisa. Suas mãos envolveram as costas um do outro. A escuridão desceu; suas duas silhuetas tornaram-se uma.

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