sábado, 22 de fevereiro de 2025

A Fera na Caverna (H.P. Lovecraft)

Capítulo Único


A conclusão horrível que aos poucos se intrometia em minha mente confusa e relutante era agora uma terrível certeza. Estou perdido, completamente, irremediavelmente perdido nos vastos e labirínticos recessos da Caverna Mamute. Por mais que me esforçasse, meus cansados olhos não podiam distinguir qualquer direção ou objeto capaz de servir como um marco para me colocar no caminho para fora. Que nunca mais eu pudesse contemplar a abençoada luz do dia, ou vislumbrar as colinas e vales agradáveis ​​do belo mundo lá fora, minha razão não conseguia mais alimentar a menor descrença. A esperança me abandonara. No entanto, doutrinado como fui por uma vida de estudo filosófico, derivava uma boa dose de satisfação de meu comportamento desapaixonado; pois embora tivesse lido frequentemente sobre os frenesis selvagens nos quais eram lançadas as vítimas de situações semelhantes, não experimentei tal infortúnio, mas me mantive calmo assim que percebi a perda de meus rumos.



Nem o pensamento de que talvez tivesse vagado além dos limites máximos de uma inspeção normal me fizeram abandonar minha compostura, nem por um momento. Se tenho de morrer, refleti, então está terrível, porém majestosa caverna, seria um sepulcro tão bem-vindo quanto aquele que qualquer cemitério pudesse oferecer; uma concepção que trouxera consigo mais tranquilidade do que desespero.



Morrer de fome seria meu destino final; disso tinha certeza. Alguns, eu sabia, enlouqueceram em circunstâncias semelhantes, contudo senti que esse fim não seria meu. Meu desastre foi o resultado de meu próprio erro, pois, sem o conhecimento do guia, me separei do grupo regular de turistas; e, vagando por mais de uma hora pelos caminhos proibidos da caverna, descobri que não conseguia refazer os meandros tortuosos que havia seguido desde que abandonei meus companheiros.



Minha tocha já começava a se extinguir; logo eu seria envolvido pela escuridão total e quase palpável das entranhas da terra. Enquanto estava na luz minguante e instável, me perguntava sobre as circunstâncias exatas do meu fim iminente. Lembrei-me dos relatos que ouvi sobre a colônia de tuberculosos que, tendo sua residência nesta gruta gigantesca para encontrar saúde no ar aparentemente salubre do mundo subterrâneo, com sua temperatura estável e uniforme, ar puro e silêncio pacífico, encontraram, em vez disso, a morte em forma estranha e medonha. Tinha visto os tristes restos de suas cabanas malfeitas enquanto passava por eles com o grupo, e me perguntei que influência não natural uma longa estada nesta caverna imensa e silenciosa exerceria sobre alguém tão saudável e vigoroso quanto eu. Agora, dizia a mim mesmo com gravidade, minha oportunidade de resolver este ponto havia chegado, desde que a falta de comida não me trouxesse uma partida muito rápida desta vida.



Enquanto os últimos raios intermitentes da minha tocha desapareciam na obscuridade, decidi não deixar pedra sobre pedra, nenhum meio possível de fuga negligenciado; então, convocando toda a força de meus pulmões, comecei uma série de gritos altos, na vã esperança de atrair a atenção do guia com meu clamor. Entretanto, enquanto gritava, em meu íntimo sabia que meus gritos não tinham propósito, e que minha voz, ampliada e refletida pelas inúmeras muralhas do labirinto negro ao meu redor, não alcançariam nenhum ouvido, exceto o meu. Mas, de repente, minha atenção foi tomada com um sobressalto quando imaginei ouvir o som de passos suaves se aproximando no chão rochoso da caverna. Minha libertação estava prestes a ser realizada tão cedo? Teriam sido todas as minhas horríveis apreensões em vão, e o guia, tendo notado minha ausência injustificada do grupo, seguiu meu curso procurando-me neste labirinto de pedra? À medida que tais alegres perguntas surgiam em meu cérebro, estive prestes a renovar meus gritos, para que minha descoberta pudesse vir mais cedo, quando em um instante meu deleite se transformou em horror diante o que ouvi. Meu ouvido sempre aguçado, agora afiado em grau ainda maior pelo completo silêncio da caverna, trouxe ao meu entendimento entorpecido o conhecimento inesperado e terrível de que essas pegadas não eram como as de nenhum homem mortal. Na quietude sobrenatural dessa região subterrânea, o passo do guia calçado teria soado como uma série de golpes afiados e incisivos. Aquelas batidas eram suaves e furtivas, como das patas acolchoadas de algum felino. Além disso, às vezes, quando escutava mais atentamente, parecia o som de de quatro em vez de dois pés.



Agora estava convencido de que, com meus gritos, havia despertado e atraído alguma fera selvagem, talvez um leão da montanha que acidentalmente se perdera dentro da caverna. Talvez, considerei, o Todo-Poderoso tivesse escolhido para mim uma morte mais rápida e misericordiosa do que a de fome. No entanto, o instinto de autopreservação, nunca totalmente adormecido, foi despertado em meu peito, e embora escapar do perigo iminente pudesse apenas me poupar de um fim mais severo e prolongado, decidi, entretanto, abrir mão da minha vida pelo preço mais alto que pudesse exigir. Por mais estranho que pareça, minha mente não concebeu nenhuma intenção da parte do visitante, exceto a de hostilidade. Dessa forma, fiquei o mais quieto possível, na esperança de que a fera desconhecida, na ausência de um som para guiá-la, perdesse o rastro, e assim passasse por mim. Mas essa vã esperança não estava destinada à realização, pois as pegadas estranhas avançavam firmemente. Se fazia evidente que o animal capturara meu cheiro, que em uma atmosfera livre de todas as influências distrativas como a da caverna, poderia sem dúvida ser seguido a grande distância.



Vendo, portanto, que deveria me armar para defesa contra um ataque misterioso e invisível no escuro, agrupei ao meu redor os maiores fragmentos de rocha que estavam espalhados pelo chão da caverna nas proximidades e, segurando um em cada mão para uso imediato, esperei com resignação o resultado inevitável. Enquanto isso, o horrível bater das patas se aproximava. Certamente, a conduta da criatura era bastante estranha. Na maior parte do tempo, o passo parecia ser o de um quadrúpede, caminhando com uma singular falta de ritmo entre as patas traseiras e dianteiras, porém em intervalos breves e infrequentes eu imaginava que apenas dois pés estavam envolvidos no processo de locomoção. Tentei imaginar que espécie de animal me confrontaria; devia ser, pensei, alguma fera infeliz que pagou por sua curiosidade ao investigar uma das entradas da gruta assustadora com um confinamento permanente em seus recessos intermináveis. Sem dúvida estaria obtendo como alimento os peixes cegos, morcegos e ratos da caverna, bem como alguns dos peixes comuns que eram trazidos em cada fluxo do Rio Verde, que se comunica de alguma maneira oculta com as águas da caverna. Ocupei minha terrível vigília com conjecturas grotescas sobre quais alterações a vida na caverna poderia ter causado na estrutura física da fera, lembrando das aparências horríveis atribuídas pela tradição local aos tuberculosos que morreram após longa residência na caverna. Então me lembrei com um sobressalto que, mesmo que conseguisse matar meu antagonista, nunca veria sua forma, pois minha tocha havia se extinguido há muito tempo e estava desprovido de fósforos. A tensão em meu cérebro agora se tornou assustadora. Minha fantasia desordenada evocou formas horríveis e assustadoras da escuridão sinistra que me cercava e que realmente pareciam pressionar meu corpo. Mais perto, mais perto, as pegadas terríveis se aproximavam. Parecia que eu deveria dar vazão a um grito agudo, todavia se tivesse sido suficientemente irresoluto para tentar tal coisa, minha voz mal teria respondido. Me encontrava petrificado, enraizado no local. Duvidei que meu braço direito me permitiria lançar seu projétil na coisa que se aproximava quando o momento crucial chegasse. Agora o firme toc, toc, dos passos estava próximo; muito próximo. Podia ouvir a respiração arfante do animal e, aterrorizado como eu estava, percebi que ele devia ter vindo de uma distância considerável e estava igualmente fatigado. De repente, o feitiço se desfez. Minha mão direita, guiada pelo meu sempre confiável sentido de audição, jogou com força total o pedaço de calcário em ângulo agudo em direção àquele ponto na escuridão de onde emanava a respiração e o tamborilar e, maravilhoso de se relatar, quase atingiu seu objetivo, pois ouvi a coisa pular, pousando em um ponto mais distante, onde pareceu deter-se.



Tendo reajustado minha mira, disparei meu segundo projétil, dessa vez mais efetivamente, pois com uma onda de alegria ouvi a criatura cair no que parecia um colapso completo, onde permaneceu prostrada e imóvel. Quase dominado pelo grande alívio que me invadiu, cambaleei para trás contra a parede. A respiração continuou, em inalações e expirações pesadas e ofegantes, de onde percebi que não havia mais do que ferido a criatura. E agora todo o desejo de examinar a coisa desaparecera. Por fim, algo aliado ao medo infundado e supersticioso entrou em meu cérebro, e não me aproximei do corpo, nem continuei a atirar pedras nele para dar cabo de sua vida. Em vez disso, corri a toda velocidade no que era, tanto quanto pude estimar em minha condição frenética, a direção de onde vim. De repente, ouvi um som, ou melhor, uma sucessão regular de sons. Em outro instante, eles se reduziram há uma série de tinidos metálicos e agudos. Desta vez não havia dúvida. Era o guia. Gritei, berrei, vociferei, até clamei de alegria ao contemplar nos arcos abobadados acima a fraca e cintilante refulgência que eu sabia ser a luz refletida de uma tocha que se aproximava. Corri para encontrar o clarão e, antes que pudesse entender completamente o que havia ocorrido, joguei-me no chão aos pés do guia, abraçando suas botas e balbuciando, apesar da minha reserva alardeada, de uma maneira muito sem sentido e idiota, despejando minha terrível história e, ao mesmo tempo, sobrecarregando meu ouvinte com protestos de gratidão. Por fim, acordei com minha consciência reestabelecida. O guia havia notado minha ausência na chegada do grupo na entrada da caverna e, a partir de seu próprio senso intuitivo de direção, procedeu a uma varredura completa das passagens secundárias logo à frente de onde havia falado comigo pela última vez, localizando meu paradeiro após uma busca de cerca de quatro horas.



Quando me contou isso, eu, encorajado por sua tocha e sua companhia, comecei a refletir sobre a estranha fera que havia ferido a uma curta distância na escuridão, e sugeri que descobríssemos, com a ajuda da luz da tocha, que tipo de criatura fora minha vítima. Assim, refiz meus passos, desta vez com uma coragem nascida da companhia, até a cena da minha terrível experiência. Logo avistamos um objeto branco no chão, um objeto mais branco que o próprio calcário cintilante. Avançando com cautela, demos vazão a um simultâneo grito de espanto, pois de todos os monstros sobrenaturais que qualquer um de nós havia visto em nossas vidas, este era um grau além do mais estranho. Parecia ser um macaco antropoide de grandes proporções, escapado, talvez, de algum zoológico itinerante. Seu pelo era branco como a neve, algo devido sem dúvida à ação de branqueamento de uma longa existência dentro dos confins escuros da caverna, porém também era surpreendentemente fino, estando de fato ausente, exceto na cabeça, onde era de tal comprimento e abundância que caía sobre os ombros em considerável profusão. O rosto estava virado para longe de nós devido a criatura ter caído sobre ele. A inclinação dos membros era muito singular, explicando assim a alternância em seu uso que notei antes, por meio da qual a besta usava às vezes todos os quatro, e em outras ocasiões apenas dois de seus membros para seu deslocamento. Das pontas dos dedos das mãos ou dos pés, longas garras semelhantes a unhas se estendiam. As mãos ou os pés não eram preênseis, um fato que atribuí àquela longa residência na caverna que, como mencionei antes, parecia evidente pela brancura onipresente e quase sobrenatural tão característica de toda a anatomia. Não parecia haver nenhuma cauda.



A respiração agora estava muito fraca, e o guia sacou sua pistola com a intenção evidente de despachar a criatura, quando um som repentino emitido por este último fez com que a arma caísse sem uso. O som era de uma natureza difícil de descrever. Não era como a nota normal de nenhuma espécie conhecida de símio, e me perguntei se essa qualidade não natural não era o resultado de um silêncio longo e completo, quebrado pelas sensações produzidas pelo advento da luz, algo que a besta não poderia ter visto desde sua primeira entrada na caverna. O som, que eu poderia debilmente tentar classificar como uma espécie de balbucio de tom profundo, foi fracamente continuado. Por fim, um espasmo fugaz de força pareceu passar pelo corpo da fera. As patas fizeram um movimento convulsivo e os membros se contraíram. Com um solavanco, o corpo branco rolou para que seu rosto ficasse virado em nossa direção. Por um momento, fiquei tão horrorizado com os olhos assim revelados que não notei mais nada. Eles eram negros, aqueles olhos, profundos, pretos como azeviche, em contraste horrível com o cabelo e a carne brancos como a neve. Como os daqueles outros habitantes das cavernas, estavam profundamente afundados em suas órbitas e eram destituídos de íris. Ao olhar mais de perto, vi que estavam dispostos em um rosto menos prognata do que o do macaco médio e substancialmente mais peludo. O nariz era bem distinto.



Enquanto olhávamos para a visão misteriosa diante de nós, os lábios grossos se abriram e vários sons saíram deles, após o que a coisa relaxou e morreu.



O guia agarrou a manga do meu casaco e tremeu de tal maneira que a luz tremulava intermitentemente, lançando sombras estranhas e móveis nas paredes ao nosso redor.



Não fiz nenhum movimento, fiquei rigidamente parado, meus olhos horrorizados fixos no chão à nossa frente.



Então o medo foi embora, e a admiração, o espanto, a compaixão e a reverência sucederam em seu lugar, pois os sons emitidos pela figura atingida que jazia estendida no calcário nos contaram a verdade impressionante. A criatura que eu havia matado, a estranha fera na caverna insondável era, ou havia sido em algum momento, um HOMEM!!!

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