domingo, 16 de fevereiro de 2025

Slayers — Volume 05 — Capítulo 22

Capítulo 22: A vida é uma série de encontros e despedidas

Eu me virei para ver um sacerdote de altura e constituição modestas parado ali. Pela sua aparência devia ter uns vinte anos, mais ou menos, com cabelo escuro. Seu traje era um conjunto típico de vestes pretas e sua mão levava um tipo de cajado de estanho que poderia comprar em qualquer lugar. Suponho que era bonito o suficiente, mas havia um sorriso muito deslocado em seu rosto, de outra forma normal.

“Quem é esse homem?” Balgumon perguntou a Feltis, o que me disse que o recém-chegado não fazia parte da gangue deles.

“Alguém que conheci antes, por acaso... Alguém que quero cortar em pedaços!” Feltis sibilou enquanto avançava, seus olhos brilhando de ódio.

Não faço ideia do que está acontecendo aqui, porém não gosto da ideia de ser arrastada para outra confusão. Decidi recuar e dar aos meninos algum espaço para brincar.

“Não vim aqui para matá-lo, Mestre Feltis. Por que nós dois não nos esforçamos para manter as coisas assim?” sugeriu o sacerdote.

“Sem acordo. Quero tanto te matar que posso sentir o gosto. Deixe-me avisá-lo, seu monge miserável... Vai ser preciso um feitiço poderoso para funcionar em mim!”

“Ah, então acho que não tenho escolha. Nesse caso...”

Com seu sorriso brilhante e inabalável, o sacerdote começou a entoar.

Hã? Esse feitiço...

“Nem tente!” Feltis gritou enquanto avançou em disparada.

Ele fechou a lacuna em um instante, deslizando sua espada longa para baixo mirando no sacerdote! Whoom! Houve um uivo, porém... Foi o homem-besta que foi jogado voando para trás!

“O quê?” gritei surpresa.

O que havia jogado o cara para trás foi uma barreira... O tipo de campo de força mágico que protegia um conjurador durante seu canto. Geralmente, quanto mais poderoso um feitiço era, mais poderosa era a barreira que produzia... Contudo ainda que fosse o feitiço de ataque mais forte conhecido, Dragon Slave, só criava um campo que mal conseguia bloquear uma Bola de Fogo de um feiticeiro de terceira categoria ou retardar o ataque de um guerreiro de primeira categoria. Nunca tinha visto um que pudesse repelir alguém correndo em sua direção de tal maneira.

No entanto, a barreira desse feitiço tinha jogado o homem-besta para trás. E quando escutei atentamente as palavras que o sacerdote proclamava... De jeito nenhum! Me afastei o mais rápido que pude de Feltis.

“O... O que foi aquilo?” o homem-besta uivou enquanto ia se levantando.

Mas então, o sacerdote já estava apontando em sua direção. No instante seguinte, entoou as palavras de poder...

“Bomba Explosiva!”

Vreeeeeeeee! O próprio ar pareceu gritar quando várias dezenas de bolas de luz apareceram ao redor do sacerdote, então rasgaram o ar na direção que apontou. Duas coisas aconteceram simultaneamente: eu me joguei no chão, e a luz da Bomba Explosiva caiu sobre o homem-besta.

Pfwosssssh! Uma onda de choque audível soou, seguida por uma explosão de calor. Se não tivesse tapado meus ouvidos, teria destruído meus tímpanos.

“Ngh...”

Depois de um momento, me levantei devagar. Feltis não estava em lugar nenhum agora, havia apenas uma cratera derretida no chão onde outrora estivera. O cara deve ter sido vaporizado instantaneamente. Caramba, cara, já ouviu falar de exagero?

Ei, espere um minuto!

Assim que me lembrei de Balgumon e Amelia, vasculhei os arredores procurando por eles também. Nenhum dos dois estavam em lugar algum. Como o feitiço não tinha sido direcionado a eles, duvido que estivessem feridos. O mais provável é que tenham ido embora, na pior das hipóteses.

“Minha nossa, meu Deus... Parece que o outro escapou.” disse uma voz meio desmiolada.

Virei-me e vi o sacerdote ali, coçando a cabeça e parecendo um pouco angustiado.

“Ah, bem...” sussurrou indiferente, e voltou seu olhar para mim. “Ah, perdoe a imposição, porém você por acaso sabe a morada da gangue à qual esses homens pertenciam?”

Sua atitude era descuidada e livre de malícia... O que de alguma forma a tornava mais assustadora.

“Você...” eu disse, encarando-o de frente. “É Lei Magnus, não é?”

O sacerdote caiu de cara no chão.

“O que diabos te faria pensar isso?” ele disse enquanto se apoiava em seu cajado.

“Hah! É simples. Só conheço uma pessoa que pode usar a Bomba Explosiva, e esse é Lei Magnus!”

“Peço desculpas! O feiticeiro Lei Magnus viveu há mais de mil anos!”

“Oh, por favor! O que são um ou dois milênios entre amigos? Poderia superar isso, fácil!”

“Poderia como? Por favor! Além do mais, tenho um nome próprio. É Xellos.”

“Ok, tudo bem... Então, quem é você, exatamente?”

“Um sacerdote misterioso.” limitou-se a dizer.

Bom... Acho que vou deixar por aí. A coragem que é preciso para se chamar de misterioso era de fato um mistério para mim.

“E... Quem eram aqueles outros caras?” perguntei em seguida.

“Inimigos!” Xellos respondeu, despreocupado. Quando eu não disse nada em resposta dessa vez, ele perguntou. “Não acredita em mim?”

“O inimigo do meu inimigo não é necessariamente meu amigo, sabia?”

“Ah, verdade!”

“Mais importante, decidi há muito tempo nunca confiar em sacerdotes ou no tipo excessivamente educado.”

“Entendo... Que vida aberrante deve ter vivido.”

Cale a boca!

“Agora, brincadeiras à parte...” ofereci. “Por que não me conta tudo sobre esses amuletos... Ou melhor, esses talismãs que tem aí?”

“Ao que está se referindo?” Xellos disse, desviando o olhar para longe, fingindo-se de bobo.

“Esses talismãs! Bem ali! Presos ao pingente pendurado no seu pescoço, na fivela do seu cinto e nas pulseiras em ambos os seus pulsos! Os que está usando para aumentar sua capacidade mágica!”

“Oh? Conseguiu perceber, hein?” ele admitiu prontamente dessa vez.

Aumentar a capacidade mágica de alguém era um campo de pesquisa que muitos feiticeiros haviam abordado ao longo dos tempos, embora nunca ouvi falar de alguém bem-sucedido. Eu mesma já havia me aventurado nessa área uma vez, contudo cheguei à conclusão de que era impossível conseguir apenas com feitiços e gestos. Este sacerdote, no entanto, parece ter obtido êxito, e ainda o fez com facilidade.

“Examinei os gestos e o canto curto que executou antes de liberar aquela Bomba Explosiva. O canto parecia ser para aprimoramento... Todavia se fosse tudo o que era preciso para aumentar a capacidade de alguém, os pesquisadores já teriam descoberto há muito tempo. Deve haver algo mais em jogo aqui.”

“E acredita que sejam os talismãs?”

“Pode apostar! Então, o que são eles? Não podem ser pedras preciosas comuns.”

“Sério, gostaria de saber também...” Xellos disse, coçando a cabeça sem jeito. “Eles foram um presente, sabe.”

Não parecia que havia pensado em nada além disso. (Falando em cabeças de vento, me peguei torcendo para que Gourry estivesse bem.)

“Tudo o que sei é que são chamados Sangue de Demônio, e representam, respectivamente, Olhos de Rubi, Estrela Negra, Azul Caótico e Névoa da Morte... Nosso próprio Lorde das Trevas, e três de outros mundos.”

“Lordes das Trevas de outros mundos?” repeti em choque. “E-Espera aí! Isto é, tipo, muito! Está falando sério?”

“Bem, foi o que me disseram.”

“Por... Quem?”

“É óbvio... Que é um segredo.” ele disse com um tímido balançar de dedo.

Rapaz, é assustador quando homens adultos fazem esse gesto...

“Quem quer que tenha sido, devem ser bem impressionantes... Ah, já sei! Venda essa gracinha para mim, ok?”

“O quê? Por que venderia?” Xellos reclamou em resposta ao meu golpe de gênio.

“Porque eu os quero, dãã! Vou te dar cinco e cinquenta. Não é generoso da minha parte? Você poderia comprar um belo florete com esse dinheiro!”

Mas meu garoto Xellos respondeu com um pequeno sorriso.

“Multiplique por dez mil e temos um acordo.”

“Ok, vendido!”

“Como é...?” ele gaguejou, atordoado pela minha aceitação ansiosa.

“Cinco e cinquenta vezes dez mil são cinco milhões e meio, certo?”

Com isso, larguei minha bolsa e comecei a vasculhar, tirando itens mágicos conforme mexia.

“Vejamos. Um maço de raiz de claura, um pacote de ervas meltia, um anel ladeline e uma pedra lemtite... Cinco sacos de pó de mustal... Ah, e é seu dia de sorte! Vou dar um bônus de três bolas medicinais kulfa! Vá até a cidade grande mais próxima e venda tudo. Mesmo que seja enganado, deve ganhar cinco milhões e meio... Fácil. Agora, acredito que temos um acordo!”

“Ah... Er... Bem...”

“Você não pode definir o preço e depois dizer que não quer vender! Vamos lá!” declarei depois de ver o olhar hesitante nos olhos de Xellos.

“Mas... Bem...” ainda hesitava, porém não pretendia deixá-lo escapar.

“Já falei que não pode voltar na sua palavra.”

...

“Tudo bem...”

Bom garoto!

“Eu disse que teríamos um acordo, então... Aqui está...” com uma expressão de resignação, Xellos removeu os quatro talismãs e os entregou a mim. “Precisa organizá-los em uma formação cruzada em seu corpo e recitar o canto de amplificação antes do feitiço que deseja usar. É assim...”

“Não se preocupe. Memorizei quando você recitou antes.”

“Aha!” disse Xellos com apreciação. “Isso é impressionante. É um canto curto, entretanto bem difícil de memorizar com apenas uma recitação.”

“Nada demais. Estudei esse tipo de coisa há muito tempo.” expliquei enquanto colocava os talismãs. Eles não faziam meu estilo, mas não era hora de ser exigente.

“Estudou sozinha, não é? Entendo. Então é uma feiticeira?”

“O que achou que eu fosse?”

“Uma excêntrica errante.”

“Desculpe, como?”

“Desculpe, porém se é uma feiticeira... Por que poupar o uso de magia naquela luta de antes?”


“Geh!”

Droga, indo direto na jugular? Tive que me esforçar por um minuto para decidir se deveria ou não contar a verdade, no entanto decidi que esconder minha falta de magia não mudaria nada.

“Veja bem, minha magia foi... Selada.”

“Oho. Existe alguém realmente capaz de fazer essas coisas?”

“Sim. Um membro da gangue deles. Uma mulher chamada Mazenda...”

“O quêêêêêêê?” ele gritou de repente. “Senhorita Mazenda? Ela está trabalhando com esses caras?”

“Espera, o quê?” dessa vez fui eu quem gritou, enquanto me inclinava para frente. “Q-Quer dizer que você a conhece?”

“Bom, poderia dizer que sim.” Xellos confessou, coçando a cabeça. “Embora tema que sejamos inimigos no momento.”

“Hmm... Isso tudo parece bem complicado.”

“De fato. Não deveríamos ficar aqui conversando o dia todo. Gostaria de me acompanhar até a vila mais próxima antes de continuarmos essa pequena discussão?”

“Boa ideia. Estou com muita fome.” respondi, concordando prontamente.

———

“Entendo... Que situação terrível.” Xellos disse, assentindo enquanto tomava sua sopa quente... Visivelmente menos preocupado do que eu gostaria.

Expliquei como acabei nessa situação enquanto almoçávamos tarde em um pequeno restaurante em uma vila próxima. O estabelecimento estava quase deserto, talvez devido ao horário ruim.

“Porém agora sou forçado a me perguntar...” Xellos prosseguiu. “Se sua magia está selada, por que se deu ao trabalho de comprar meus talismãs?”

“Com relação a isto, tenho testado minha magia todos os dias desde que fiquei nessa condição e parece que, ainda que lento, o selo está enfraquecendo. Tentei lançar um feitiço de Iluminação no dia em que aconteceu e não obtive nada. Contudo tentei de novo ontem e obtive uma pequena luz. Claro, apagou pouco depois, o que significa que a magia de ataque segue fora de questão, no entanto... Com esses talismãs, posso conseguir lançar alguns feitiços de novato.”

“Entendo. Ainda assim, me pergunto por que o selo está enfraquecendo. Poderia ser que o feitiço da Srta. Mazenda era de má qualidade, ou sua capacidade mágica é na verdade tão notável?”

“Seja o que for, preciso de todos os truques que puder. Até que possa me reunir com Gourry, ao menos.” sussurrei, meus olhos focados na tigela vazia na minha frente. “Quero dizer, conhecendo-o, é bem provável que tenha se saído muito bem... Estou mais preocupada com Amelia.”

“Tenho certeza de que ela está bem.”

“E o que te faz dizer isso?”

“Vejamos... Como devo explicar?” ele ponderou, agora tomando um gole de seu leite quente. “Dada a situação em que me deparei, com certeza parecia que eles poderiam tê-la matado na hora com facilidade. Aquele homem tinha uma faca em sua garganta, não tinha? O fato de tê-la levado junto, apesar do fardo que representava, sugere que tem planos maiores para sua amiga.”

“Quer dizer como isca?”

“Bingo!” ele respondeu com um aceno firme.

Eu suspirei.

“Olha, já tinha imaginado isso. O que me preocupa de verdade é que... Mesmo que Amelia esteja viva, pode não estar bem, se é que me entende.” falei, pegando o chá pós-refeição que o garçom enfim nos trouxe.

“Tenho certeza de que não há nada com que se preocupar a esse respeito.” Xellos insistiu em tom alegre. “A Srta. Mazenda pode só selar a magia da garota, então é improvável que se sintam obrigados a esmagar sua traqueia ou coisa do tipo. Agora, se eu fosse o inimigo, não me livraria da garota até usá-la como isca para me livrar do resto de vocês... E se o seu objetivo final é matá-la, a melhor maneira de fazê-lo seria como parte de um ritual.”

“Um ritual?” exclamei com minha xícara de chá a meio caminho da boca.

“Sim. Eles são um culto, afinal, e os cultistas costumam gostar muito de rituais. Mais importante, este é um culto ao Lorde das Trevas, o que significa que seu ritual de escolha é...”

“Sacrifício humano!” me peguei gritando.

“Exato. Normalmente, alguém quer que seu sacrifício humano seja o mais puro e imaculado possível. O que significa que é improvável que machuquem sua amiga sem motivo. Todavia, você sabe...” ele disse, o sorriso em seu rosto assumindo um tom preocupado. “Tenho que me perguntar se de fato acham que mazokus fazem o que os humanos querem só porque os adoram.”

“Bem, muitas pessoas só querem liberdade de restrições e consequências, e precisam de um poder superior para fazê-las chegar lá.” respondi com outro suspiro. “A adoração a Deus tende a desaprovar todo o ethos de ‘faça o que quiser’, então tenho certeza de que eles pensam, por que não tentar o Lorde das Trevas?”

“Ah, suponho que esteja certa...” Xellos disse com uma expressão sóbria.

“Mas... E se não pensaram em usá-la como refém antes do sacrifício?”

“Improvável. Klotz é um tipo escrupuloso.”

“Klotz?”

Onde já ouvi esse nome?

“É o líder da organização... O líder do culto, se preferir.”

Aha, claro. O cara que Balgumon mencionou no comício.

“Então, como se envolveu com essas pessoas?” perguntei.

“Bem, tive uma pequena briga com eles por causa de um certo item em Lyzeille. É uma história muito longa para contar aqui, resumindo, Klotz e os outros conseguiram fugir com o dito item e o esconderam em sua base.”

“Não acho que precisava ser tão resumido... Tudo bem. Qual era a coisa pela qual vocês estavam brigando?”

“Ahahaha, bem... Vamos apenas dizer que não é nada sério.” ele alegou, desviando os olhos enquanto tomava outro gole de leite quente.

“Ok, olha. Para alguém como você se meter com pessoas assim, vai ser algo muito sério. Desembucha de uma vez.”

“Er, bem, era, veja só...” Xellos murmurou antes de finalmente sussurrar para mim: “É um certo manuscrito.”

“Um manuscrito?”

Espere um minuto...

“Quer dizer...” falei, me levantando por reflexo.

“Senhorita Lina, por favor! Fale baixo!” Xellos pediu, tentando me acalmar.

Sentei-me de volta. Podia ver o velho que dirigia o restaurante nos encarando com desconfiança, então abaixei minha voz antes de dizer qualquer outra coisa.

“Você não quer dizer qualquer manuscrito, quer?” perguntei baixinho.

“É de fato... Um certo manuscrito, sim.”

“A Bíblia Claire...” sussurrei. Ele fez um aceno firme em resposta.

A Bíblia Claire era uma lenda entre os feiticeiros. Dizia-se que era um tomo de outro mundo que continha os segredos da magia e dos mazokus. O original estava em algum lugar por aí, assim como vários ‘manuscritos’, cada um uma cópia parcial e incompleta.

Então, quando os feiticeiros falavam de ‘certos manuscritos’, costumam se referir a cópias de partes da Bíblia Claire. Entretanto, embora geralmente se acreditasse que a Bíblia Claire era real, não havia nenhuma prova concreta de que ela existisse. Algumas pessoas ainda alegavam que era apenas uma lenda.

Da minha parte, no entanto... Sabia que a Bíblia Claire era bem real.

Uma vez visitei o Reino de Dils com minha irmã mais velha. Os cortesãos do palácio contaram uma história interessante. Eles disseram que tinham um manuscrito em sua posse, todavia que este foi queimado há muito tempo. Porém também disseram que o conteúdo do manuscrito foi passado de geração em geração entre os sábios reais... E adivinha quem teve a sorte de ouvir uma recitação?

Achei a história toda bem suspeita, assim, para me divertir, decidi testar dois feitiços com base no que ouvi, e... Um destes de fato funcionou. Era o Giga Slave, que invocava o maior de todos os lordes das trevas, o Senhor dos Pesadelos, para trazer o vazio a este mundo. Era muito mais poderoso que o Dragon Slave, que era considerado o feitiço mais destrutivo conhecido pela humanidade.

Se o que ouvi em Dils... E por consequência a existência da própria Bíblia Claire fosse pura invenção, nesse caso meu Giga Slave nunca deveria ter funcionado. O fato provou que o livro era real. Dito isto, nunca o relatei ao conselho dos feiticeiros. Um feitiço que poderia destruir o mundo parecia poderoso demais para ser conhecido.

Mesmo assim, só porque a Bíblia Claire era real não significava que todo e qualquer manuscrito alegado fosse. O documento pelo qual Xellos e os outros estavam lutando poderia ser só outra fraude.

“Bem... E esse seu manuscrito é real?” perguntei a Xellos, meu olhar bastante cético. “Talvez seja apenas um estratagema da vila para atrair turismo.”

“Ah, faz sentido, esse tipo de estratagema é bastante comum.” ele respondeu, imperturbável pelo jeito. “Escreva alguns feitiços inventados, chame-os de grimorio lendário e venda-os a um colecionador por um preço alto... Contudo, garanto que não é o caso. Parte da minha certeza vem de... Vamos chamar de uma espécie de instinto. Mas o mais importante, Mestre Klotz desviou um grande número de seus cultistas para o roubo. Chegou ao ponto de cuidar por conta própria do assunto... O que sugere um alto grau de confiança de sua parte. Portanto, acho muito provável que esse artigo seja genuíno.”

Tudo isso soou bem circunstancial para mim... Porém havia mais em jogo aqui do que apenas a autenticidade do livro.

“Então...” falei, mantendo um olhar direto nos olhos de Xellos. “O que há neste manuscrito? E mais importante, o que pretende fazer com ele?”

“Hmm...” Xellos pareceu pensar bastante por um minuto. “Minha situação é... Complicada, dessa forma temo não poder revelar tudo. Contudo posso lhe prometer uma coisa: não usarei o manuscrito para o mal.”

Sim, acredito. Eu teria que ser uma verdadeira idiota para aceitar uma promessa dessas pelo valor da sua boa vontade. Dito isto, a gangue de Klotz e Xellos pareciam bem decididos a pular um no pescoço do outro... E sem Gourry ou minha magia, precisava de tantos aliados quanto pudesse conseguir agora.

“Ok. Não vou mais bisbilhotar. Agora... O que eles pretendem fazer com o manuscrito?” perguntei.

Ali, o sorriso no rosto de Xellos enfraqueceu.

“Temo não saber.” admitiu. “No entanto duvido que seu objetivo seja trazer alegria para toda a humanidade.”

“Duvido também. Diga... Tenho uma proposta.”

“Você gostaria de fazer uma parceria?”

“Bingo. Não sei onde fica o esconderijo dos inimigos, entretanto posso levá-lo a um ponto de encontro deles por perto. E, enquanto isso, me sentiria melhor tendo alguém do meu lado.”

“Muito bem. Sabendo que a Srta. Mazenda está trabalhando com o grupo, preciso me envolver.”

“O que te faz dizer isso, exatamente?”

“É um segredo!” disse Xellos, pressionando um dedo sobre os lábios.

E foi assim que Xellos e eu nos unimos.

———

O quê...? Pulei da cama.

Era mais tarde naquela noite. Tinha reservado um quarto no segundo andar da pousada com um nome falso e estava dormindo um sono profundo... Até que fui acordada de repente por uma poderosa sensação de raiva direcionada a mim. Peguei a espada que tinha escondido debaixo do travesseiro e alcancei minha capa pendurada na beirada da cama. Nesse momento...

Bwooom! Uma explosão poderosa sacudiu o lugar.

“O quê?” coloquei minha capa e abri a porta. O cheiro de madeira queimada e calor atingiu meu rosto. “Ngh!”

Outra explosão abalou o prédio. O calor se intensificou em um piscar de olhos, e a escada foi inundada por uma luz laranja. Alguém está atacando a pousada! Eu percebi. Resumindo a história... Devem estar atrás de mim e Xellos.

Corri de volta para meu quarto, entoando um feitiço de Levitação enquanto abria a janela e pulava para fora...

Crash!

“Ow, ow, ow...”

Ah, certo... Na minha pressa de fugir, esqueci que não podia usar minha magia como de costume. A Levitação que lancei me deu uma sensação momentânea de flutuação enquanto pulava, mas foi tudo o que consegui. Por sorte, os arbustos abaixo amorteceram minha queda, ou poderia ter quebrado uma perna.

Maldição. Deveria ter usado aqueles talismãs, lamentei enquanto me desenterrava do mato.

E quando olhei para cima... Lá estava ela, bem na minha frente.

“Já faz um bom tempo.” disse a mulher, seus lábios vermelhos curvados em um leve sorriso. “Balgumon me contou tudo. Você é a Lina Inverse, não é?”

Uma espécie de luz faminta apareceu em seus olhos, seguido por um passo silencioso para mais perto de mim.

“Amelia... Amelia e Gourry estão bem?” perguntei, dando um passo incerto para trás.

Fiquei um pouco intimidada pela pressão que emitia. Digamos que não foram apenas as línguas de fogo lambendo seu caminho até a pousada que fizeram minha testa suar.

“A garota está bem.” respondeu. “Presumo que sim, pelo menos... Não faço ideia sobre o outro.”

“Aqueles homens-besta, Vedul e seus amigos... Eles não disseram nada?”

“Não que eu tenha ouvido.” Mazenda deu mais um passo para perto, seu cabelo esvoaçando no vento escaldante. “Não falei com eles... Apenas com Balgumon. Porém fiquei surpresa quando mencionou seu nome. Se eu soubesse que você era aquela Lina Inverse... Teria te matado na hora em vez de começar com esse jogo.”

“Mesmo assim... Incendiar a pousada não é exatamente o modus operandi mais sutil.” eu disse, parando no lugar.

Com esse comentário, uma expressão confusa cruzou o rosto de Mazenda.

“É verdade...” ela murmurou. “Balgumon mencionou que havia um sacerdote estranho junto. Ele morreu no incêndio?”

“Não!” falei balançando a cabeça lentamente. “Está bem ali atrás de você.”

“Heh!” Mazenda zombou com uma risada baixa. “Que truque infantil...”

“Temo que não seja nenhum truque, Srta. Mazenda.”

“Nã-Não pode ser...” murmurou a mulher em descrença.

Virando-se devagar, seu rosto quase congelado, até que seus olhos vislumbraram o sacerdote vestido com uma túnica preta.

“Xellos!” exclamou a mulher em uma voz próxima a um grito. “O que... O que está fazendo aqui?”

“Oh, meu Deus, não deveria ser eu quem pergunta isso? Liderando um culto do Lorde das Trevas, de todas as coisas... Honestamente...” Xellos disse com um sorriso envergonhado. “Deveria ter pelo menos tentado descobrir o que aquele seu líder de culto estava tentando realizar...”

“Quer dizer que o que Klotz trouxe com ele é...”! ela exclamou... Pelo visto tendo perdido a calma tanto que se esqueceu de falar em seu tom educado costumeiro.

Xellos devolveu um firme aceno, então pronunciou com seu sorriso alegre.

“Um manuscrito da Bíblia Claire, sim. O que nos coloca em lados opostos. Contudo, ainda que não fosse esse o caso, posso pensar em outras razões pelas quais não posso permitir que você continue livre.”

“O que pretende fazer?” Mazenda perguntou em um rouco tom, cambaleando para trás. A confiança absoluta que ela havia projetado comigo havia esfumado na frente de Xellos.

Seu sorriso aterrorizou a mulher enquanto dizia.

“Acho que nós dois sabemos a resposta para essa pergunta.”

Nesse momento, Mazenda soltou um grito baixo... Então se virou e se atirou no incêndio que havia engolido a pousada!

“Espere!” gritei, no entanto Xellos gentilmente colocou uma mão no meu ombro. “E-Ei, Xellos! O que está acontecendo aqui?”

Em vez de responder minha pergunta, o sacerdote apenas disse.

“Vou cuidar de Mazenda.”

“Hã?” eu disse, me sentindo muito idiota naquele momento.

“Pretendo persegui-la.”

“Persegui-la? Por acaso ficou louco? Ela está dentro daquele inferno!”

“Vai ser preciso mais do que isso para me matar. Não se preocupe.”

Como devo não me preocupar, exatamente?

“O que importa é que vou persegui-la e resolver alguma coisa.”

“Para... O quê?”

“Reavivar sua magia.” ele disse, imperturbável. “Sinto muito por ir embora tão cedo depois do nosso acordo de parceria, mas não tema. Vou encontrá-la de novo. Poderia me dizer onde foi o ponto de encontro deles?”

“Perto... Perto de Mayin.” me peguei respondendo com sinceridade sem sequer me dar conta.

“Ótimo. Agora, preciso ir. Tenho certeza de que nos encontraremos de novo em breve.”

E com essas palavras finais, assim como prometido, Xellos mergulhou nas chamas atrás de Mazenda. Quando ambos estavam fora de vista, fiquei sozinha em frente à pousada em chamas.

“O que diabos está acontecendo aqui?” perguntei a mim mesma.

Tudo o que conseguia fazer era olhar fixamente para o prédio em chamas. Odeio admitir que o principal pensamento em minha mente era o quão engraçado seria se eu encontrasse seus corpos carbonizados retirados das cinzas no dia seguinte.

———

Parti na manhã seguinte depois de passar a noite sob as estrelas. Já passava um pouco do meio-dia, e andava casualmente pela estrada a caminho de Mayin...

Disfarçada, é claro. Seguindo a deixa de uma que já usei antes, improvisei algo simples. Troquei de roupa para uma garota comum da aldeia e trancei meu cabelo atrás de mim. É óbvio que os homens-besta ou Balgumon me pegariam na mesma hora se me vissem, mas a grande maioria dos meus perseguidores nunca tinham me visto antes. Tudo o que tinham para prosseguir era ‘uma feiticeira de quinze ou dezesseis anos com cabelo castanho’. Isso deveria ser o suficiente para despistá-los.

Ainda assim, nunca fui o tipo de garota que usa saia, e essa roupa me deixou me sentido meio nua...

O ideal seria encontrar Gourry, recuperar minha magia graças às operações de bastidores de Xellos e então encontrá-lo de novo em Mayin... Tudo isso sem sair do radar do inimigo. Porém sabia muito bem que as coisas nunca eram tão fáceis. Fui cautelosa e testei meus novos talismãs depois da confusão da noite passada, e descobri que posso lançar com uma Bola de Fogo com a ajuda deles. Era tão poderoso quanto o que um amador de terceira categoria poderia fazer, contudo era mais do que nada!

“Você aí!” de repente uma voz chamou por trás, interrompendo meus pensamentos.

“Ok, aqui vamos nós...” suspirei.

“O que quer dizer com ‘aqui vamos nós’?”

Ao me virar, como já esperava, encontrei um grupo de cinco ou mais homens mascarados me encarando. Embora sem minha magia, é provável que conseguisse derrotá-los... Entretanto se eu trouxesse a dor para esses palhaços, os homens-besta não demorariam em chegar, e seria uma luta muito mais difícil. Optei por tentar sair dessa sem recorrer à força.

“Identifique-se. Para onde está indo e por quê?” um dos homens perguntou, mostrando um vislumbre de sua espada longa.

“M-Meu nome é Lily.” respondi com um olhar assustado. “Estou entregando um pacote para Saillune...”

“É mesmo?” o homem falou, me olhando de cima a baixo com interesse.

“Espere um minuto. Essa garota parece familiar...” um dos outros caras atrás dele falou.

Urk! Meu estômago embrulhou. Poderia ser um dos bandidos que espanquei antes?

“Talvez devesse dar uma revista nela para ter certeza.” continuou com um sorriso lascivo.

Ah, ok, não me reconheceu. Era apenas um pervertido que queria uma desculpa para me apalpar. Não que essa fosse uma reviravolta promissora... Tinha minha roupa e capa de sempre, além de vários itens mágicos, guardados na minha bolsa.

Minha espada curta, na bainha, estava presa ao meu corpo por baixo. Remover minha bolsa deixaria claro como o dia que estava escondendo algo sob minhas roupas.

Ugh, nesse caso...

Bufei de tanto rir.

“O que houve? Por que essa atitude?” o homem disse em um tom de voz agressivo.

Devolvi uma resposta seca, assumindo uma postura gélida.

“Sério... Se você é o melhor que Mazenda tem à disposição, posso entender por que pediu minha ajuda.”

“O-O quê?” os homens mascarados entraram em pânico ao ouvir esse nome. “Do que está falando?”

“Somos velhas amigas, sabe... Ela disse que estava com um pouco de problema e queria minha ajuda.”

Os homens trocaram olhares cautelosos.

“É... É verdade?”

“Acho que não consigo fazê-los acreditarem em mim!” eu disse, então me virei e comecei a voltar pelo caminho que vim. Quando passei pelos homens mascarados, acrescentei. “Vou para casa, então. Presumo que esteja tudo bem para vocês. Só não se esqueça de avisar Mazenda que me mandaram de volta.”

“E-Espere um minuto, por favor!” o homem implorou, me parando rapidamente. Vê-lo e seus capangas se transformarem instantaneamente em bajuladores deferentes foi bem hilário. “Se estiver dizendo a verdade, ela vai nos matar! Mas também pode estar apenas blefando, então...”

“Vamos perguntar à própria Mazenda. Então, onde está agora?”

“Bom... Na verdade nós não sabemos...” o homem mascarado gaguejou.

Deixei escapar um grande suspiro.

“Mas que problema. Escute, aqui está o que faremos. Irei para Mayin e pegarei um quarto em uma pousada. E da próxima vez que você vir Mazenda, diga a ela que Melty está esperando-a lá.”

“Calma aí...” disse um dos homens, me olhando desconfiado. “Você acabou de dizer que seu nome era Lily...”

Erk!

“E que tinha um pacote...”

“Seu idiota. Acreditou em uma mentira tão óbvia?” vociferei, mantendo minha voz calma apesar da minha mortificação interna. “Só estava tentando avaliá-los.”

“E-Entendo...”

Os homens pareceram aceitar essa explicação facilmente. Adoro capangas de terceira categoria!

“Vamos escoltá-la até Mayin, tudo bem?” um dos homens mascarados ofereceu.

“Sou do tipo solitária mesmo.” falei com um aceno de mão desdenhoso. “Agora parem de desperdiçar meu tempo e voltem a patrulhar. E não esqueça de passar minha mensagem para Mazenda.”

E assim, retomei minha jornada.

———

Por fim cheguei a Mayin. Estava feliz por estar de volta em território inimigo, contudo seguia não tendo nada do que precisava para um contra-ataque adequado. Não encontrei Gourry, e não só eu não tinha encontrado Xellos de volta, como não recuperei nada da minha magia. Isso significava que Mazenda seguia com vida, e possivelmente pior, que Xellos era um homem morto por seus problemas...

Claro, a grande Lina Inverse não ia ficar sentada sem fazer nada diante das dificuldades! Não-não! Em vez disso...

———

“Bem-vindos, meus camaradas!” uma voz masculina ressoou na escuridão.

Voltei a me infiltrar no ponto de encontro dos cultistas nas montanhas perto da cidade. Já se passaram cinco dias desde que cheguei em Mayin. Vinha aqui todas as noites, esperando pegar outra reunião, e enfim esbarrei em uma nova reunião. Entrei no lugar da mesma forma que fiz com Gourry e Amelia. Por sorte, com a amplificação dos talismãs, consegui fazer um feitiço de Levitação funcionar.

E minha razão para estar aqui, você pergunta? Para encontrar a verdadeira base de operações dos inimigos.

Um novo homem estava parado onde Balgumon estivera da última vez. Este era jovem, esbelto e tinha cabelos negros. Acho que era até bonito... No entanto o brilho em seus olhos era o que o diferenciava de fato. Não podia negar que o cara tinha carisma. Sua voz sonora, seus gestos suaves e seus maneirismos graciosos... Tudo parecia calculado para conquistar corações e mentes. Sem dúvida uma atualização, em termos de líder de culto, em comparação com Balgumon.

Vestido com uma túnica preta, o líder abriu os braços com um floreio e trovejou,

“Alegrem-se, meus amigos! Eu encontrei o que estávamos procurando!”

“Raaaaah!” um grito de alegria ecoou da multidão na noite.

“Sim! Depois de tanta busca adquiri um meio de exercer o verdadeiro poder, o verdadeiro medo! Agora podemos mostrar àqueles que servem aos deuses tolos, aqueles que nos rejeitam como um culto maligno, que somos nós os verdadeiros mestres deste mundo!”

“Raaaaah!” uma ovação ainda mais alta ecoou pela arena.

“Começaremos com Saillune!”

Hã? Minha testa franziu involuntariamente com a menção desse nome.

“Eles se consideram ‘a cidade sagrada’, aqueles adoradores de Ceipheed que usam magia branca! Destruí-los será nossa primeira demonstração de poder para o mundo!”

Ei, ei, ei, cara! Acho que está mordendo mais do que pode mastigar aqui! Sei que cultos malignos costumam funcionar na base de promessas vazias, mas se você tiver que voltar atrás nisso depois, vai irritar muito algumas pessoas! Espera...

Porcaria. Era o motivo pelo qual almejavam o manuscrito. Só pode ser brincadeira... Não que fosse preciso dizer, todavia tentar destruir Saillune era uma grande maldade. Não como se suas palhaçadas de antes tivessem sido todas amigáveis, é claro.

Enquanto processava tudo aquilo, Klotz mudou de assunto.

“Vários dias atrás, um grupo de hereges interrompeu nossa reunião. Não temam! Meu querido amigo, Bispo Balgumon, capturou um dos intrusos, e os outros dois cairão em nossas mãos em breve!”

Pelo visto Gourry conseguiu escapar são e salvo. Ao menos algum alívio.

O discurso de Klotz então passou a cobrir a falta de sentido dos rótulos bem e mal, potencial humano e todos os outros tipos de coisas com as quais eu não dava a mínima. Ele finalmente se acalmou, e a congregação começou a cantar um hino implorando a proteção de Olhos de Rubi. Ao terminarem, a reunião foi encerrada. Klotz e seus vassalos deixaram a arena central. Conforme as tochas começaram a se apagar, uma por uma, os seguidores vagaram em direção à saída.

Agora!

Me apressei em lançar outro feitiço de Levitação e, sob o manto da escuridão, me juntei ao enxame de cultistas sem chamar atenção. Claro, tinha vindo disfarçada para a ocasião. Estava vestida como um aldeão do sexo masculino, completo com uma máscara de saco sobre minha cabeça. Não havia muito que pudesse fazer sobre minha voz, no entanto se alguém parasse para me questionar, meu plano era desempenhar o papel de ‘menino que veio com seus pais e se separou’.

Hah! Quem disse que ser baixo e sem peito não compensa? Ok, tá bom, não vale a pena se gabar...

De qualquer forma, me misturei à multidão e segui em direção à saída na esperança de encontrar a equipe de Klotz lá fora.

Estava praticamente desarmada agora. Teria me destacado muito com minha espada no quadril, então a escondi na cidade com o resto das minhas coisas. Embora mantive os talismãs escondidos sob minhas outras roupas. Quanto às pulseiras em ambos os pulsos, as envolvi com bandagens. Não era a roupa mais convincente do mundo, mas era a melhor que consegui.

Dado tudo o que vinha acontecendo, não poderia tentar algo imprudente no momento. O plano era apenas seguir Klotz e companhia de volta ao esconderijo e confirmar sua localização.

Assim que entrei na arena, percebi que sua segurança aqui era bem fraca, porém... Fiquei perplexa quando saímos. Parecia que os cultistas tinham uma rota específica que usavam para retornar à vila, e todos começaram a sair em massa. A estrada se ramificava aqui e ali, entretanto havia guardas com máscaras vermelhas vigiando ao longo do caminho.

Não tive muita escolha a não ser seguir o rebanho. Vários cultistas estavam segurando tochas enquanto se dirigiam para a vila. Caminhei com eles até que tive a chance de me esconder em alguns arbustos próximos. Então, pouco a pouco, voltei para a arena.

Encontrei um bom lugar para me esconder no mato e observei as coisas por um tempo antes de ver movimento. Várias sombras surgiram de uma pequena saída, diferente das que os outros cultistas tinham usado. Havia cerca de dez figuras ao todo. Vários carregavam luzes, que eram apenas cajados com uma Iluminação de baixa potência lançada sobre eles. Reconheci uma das figuras como Klotz.

Depois de um tempo, o grupo lentamente começou a se dirigir mais para o interior das montanhas, na direção oposta da vila.

Ok! Eu me preparei psicologicamente, esperei que se adiantassem um pouco e segui suas luzes.

Não podia usar nenhuma luz, o que significava que só tinha a luz da lua para usar a meu favor. Era lento, porém havia um caminho estreito, pelo menos, então fiquei por ali. Cortar o mato tornaria muito mais difícil de me explicar se me notassem, afinal.

Depois de caminhar um pouco, percebi que alguém tinha parado no caminho à minha frente. Tinha sido visto com certeza, contudo voltar agora seria como gritar: ‘Sim! Sou um espião!’. Então continuei andando como se não tivesse notado o cara.

É claro, seguia levando minha máscara de cabeça de saco.

E eventualmente...

“Ei! Você aí!”

Quando o ouvi me chamar, estremeci como se estivesse surpresa.

“S-Sim?” perguntei, virando-me para encarar o cara.

Era um dos homens de vermelho. Ele era bem alto, talvez uma cabeça mais alto que Gourry. Como não reconheci sua voz, presumi que também não tinha me reconhecido.

“O que está fazendo aqui?” ele perguntou.

“Eu... Me separei do meu pai... E então vi a luz, aí pensei que...” comecei a dizer, hesitante.

“Só uma criança perdida, hein?” o homem respondeu com um suspiro. Pelo jeito tinha acreditado na história. “Contudo esse é o caminho errado. A vila fica lá atrás. Não posso só mandar uma criança sozinha por uma estrada escura na montanha... Ei, você é filho de quem, afinal?”

“Hein?” foi tudo o que consegui dizer em resposta à pergunta inesperada.

“Não grite assim, filho. Estou perguntando onde mora. Vou te levar para casa.”

Espera, o quê? Desde quando cultistas malignos levam crianças perdidas para casa? Sua compaixão é tocante, amigo, mas está sendo muito inconveniente para mim agora! berrei internamente.

“Por favor, senhor... Se puder me dar uma tocha ou algo assim, posso voltar sozinho... Não sou mais uma criança, sabia?”

“Qualquer um que diga ‘não ser mais criança’ com certeza ainda é uma criança. Sua voz sequer engrossou, garoto. Seria uma coisa em qualquer outra noite... Porém ouviu o que foi disseram no comício. Não posso deixá-lo voltar sozinho, tem havido pessoas suspeitas vagando por aí esses dias.”

Pessoas suspeitas, hein? Ora, se não é o sujo falando do mal lavado!

Enquanto conversávamos, as luzes do grupo de Klotz se moveram pela estrada e sumiram de vista.

Porcaria... Tenho que sair dessa de alguma forma... Um plano do tipo ‘dane-se, derrube-o, roube sua roupa e siga Klotz e companhia’ passou pela minha cabeça, entretanto não tinha uma boa ideia de quão durão esse cara era. Além do mais, mesmo que conseguisse encontrar a base inimiga dessa forma, estaria dificultando as coisas para mim a longo prazo. Conclusão: continue fingindo por enquanto.

“Claro, senhor. Só até o portão da vila, então. Tenho certeza de que você tem muito o que fazer de qualquer maneira.”

“Hah. Acho que você não é tão criança assim.” disse o homem, então começou a lançar um silencioso feitiço. Uma pequena esfera de luz apareceu na ponta de seu cajado, iluminando um pouco a estrada da montanha.

“Wow... Você sabe usar magia?” perguntei com um tom de espanto evidente.

“Claro que sei.” ele respondeu, estufando o peito com orgulho. “Ok, então vamos lá. Oh, espere... É melhor tirar sua máscara primeiro.”

“Hã?” congelei inconscientemente.

“Não me ouviu? Tire sua máscara. Mesmo se tivermos uma luz, essa coisa deve dificultar a visão. Vai acabar tropeçando em uma raiz de árvore ou algo assim.”

“N-Não vai tirar a sua máscara, senhor?” perguntei de volta, tentando mudar de assunto.

“Oh... Eu?” ele disse um tanto desamparado. “Não acho que vá gostar de ver o meu rosto.

Um homem-besta, talvez? Agora que o vi bem, o formato do rosto por trás de sua máscara parecia um pouco incomum...

“Tudo bem. Vamos lá. Tire!” insistiu, e estendeu a mão em minha direção.

Ok, Lina, qual é o plano? Mas justo quando estava pensando...

Bwooom! Uma explosão distante sacudiu o céu noturno.

“O que foi isso?” o homem gritou, se virando.

Ao longe... Na direção que presumi que o grupo de Klotz tinha ido, surgiu um clarão de fogo. Não fazia ideia do que estava acontecendo, porém tinha que ser a base deles!

“Desculpe, garoto!” o homem disse, pressionando o cajado aceso na minha mão. “Não tenho tempo para te levar de volta agora! Apenas siga o caminho de volta para a vila! Haverá algumas bifurcações na estrada, não as pegue! Entendeu?”

“Espere!” me vi chamando o homem enquanto este se virava para correr.

“O quê?”

“Er... Qual é o seu nome?”

“Duclis. Te vejo de novo depois!” ele disse, então desapareceu na noite.

Ele era meu inimigo, com certeza... Contudo não um que estava ansiosa para enfrentar. Mesmo assim, não podia ficar sentada aqui! Escondi o cajado que me dera no mato próximo e saí correndo na direção do clarão de fogo.

———

Finalmente, cheguei. Conseguia ver o que pareciam pedaços de uma estrutura pontilhando a encosta aqui e ali... Não tinha certeza se era construído na montanha ou um prédio enterrado por um deslizamento de terra que havia sido encontrado e reaproveitado.

Pensando bem... Este era o antigo território do Principado de Letidius. O país havia entrado em colapso há quinhentos anos, no entanto você ainda podia encontrar seus restos aqui e ali de vez em quando.

Havia uma entrada adequada para este lugar, e não vi muitos vigias. A alguma distância havia um buraco enorme na parede, de onde jorrava luz mágica. Parecia que esta era uma residência para os superiores do culto, o que significa que talvez não houvesse muitas pessoas aqui... Especialmente em relação ao tamanho do prédio enterrado.

Agora é minha chance de entrar... Claro, uma investida imprudente em uma fortaleza inimiga não seria moleza... Todavia aquela explosão de antes me disse que eles já tinham um inimigo para lidar. Xellos, talvez? Ele tinha perseguido Mazenda até aqui? Também havia uma chance de Gourry ter se infiltrado na fortaleza, sido descoberto e agora estar sob fogo mágico.

Ugh! Não é hora de considerar probabilidades! Eu me repreendi. Ainda assim, se quem causou aquela explosão fosse um dos meus, não podia me dar ao luxo de apenas sentar e ver o que aconteceria em seguida.

Pulei para fora do mato onde estava me escondendo e fui direto para a entrada. Evitei o buraco na parede com a luz mágica saindo... Toda aquela configuração tinha ‘armadilha’ escrito por toda parte. E pelo que podia ver, não havia ninguém vigiando perto da dita entrada.

Mascarando meus passos, entrei. A entrada parecia projetada para receber visitantes com pilares de mármore de cada lado, agora meio enterrados na terra. Além destes havia um portal quadrado aberto, que talvez houvesse segurado uma porta antes da queda do prédio.

Passei por ele e entrei em um grande salão redondo. De cada lado meu havia molduras sem portas. Havia uma luz fraca fluindo da que estava à minha direita. Era esse o caminho, então? Assim que dei um passo à frente... Bwoosh! Ouvi outra explosão vinda de dentro do prédio.

Sem dúvida tem uma briga acontecendo aqui! Pensei, correndo direto para a entrada iluminada. Não conseguia sentir ninguém lá dentro, mas o caminho à frente se dividia em dois, ramificando-se de uma forma que sugeria que cercava o salão principal. Um caminho seguia uma curva após uma curta distância, e o outro levava a uma escada. Havia luz vindo de ambos, porém... Ugh! Apenas siga seu instinto, Lina! No final, segui para a curva.

Quando o contornei, vi um corredor reto à frente. Portas ladeavam o corredor, com outro corredor se projetando à minha direita. Esteticamente falando, o interior do prédio era bem antigo e desgastado, contudo era de um trabalho fino. Feito para abrigar algum nobre muito rico, talvez.

Enquanto ficava de ouvidos atentos a qualquer sinal de vida nos cômodos que me aproximava, segui pelo novo corredor. Estava tudo silencioso. O cenário também era repetitivo, com portas alinhadas por todo o caminho até...

“Hmm... É este o lugar?”

Cheguei ao último cômodo no corredor. Só esta porta foi arrombada e havia fios de fumaça saindo dela... Um sinal claro de que magia de fogo havia sido usada. Não havia ninguém lá dentro, no entanto alguém havia explodido a parede externa, revelando o cenário externo além. Este deve ter sido o local da primeira explosão que vi. Um lampejo de magia de fogo aqui, e seria bastante visível de longe.

Queria procurar todos os outros cômodos um por um, contudo não tinha tempo para esse tipo de meticulosidade. Decidi verificar o outro corredor. No entanto quando estava voltando... Dei de cara com alguém virando a esquina!

“O que você está fazendo?” ele perguntou.

Eu conhecia esse cara, era o homem-besta Vedul.

“O-O que estou fazendo...?” gaguejei.

A espada larga pendurada em seu flanco brilhava na luz. Ainda estava usando minha máscara, entretanto estava preocupada que ele pudesse reconhecer minha voz.

Mudei para o modo garotinho e disse:

“Eu... Eu fui para a reunião e me separei do meu pai... Va-Vaguei por aí quando ouvi um grande estrondo... Então fiquei curioso e vim investigar...”

Foi uma desculpa esfarrapada, mas...

“Tire sua máscara.” Vedul disse sem se alterar.

Nada bom... Nada bom mesmo! Vou ter de testar minha sorte contra o cara... O corredor era bem largo, porém não largo o suficiente para balançar aquela espada larga sem consideração. Minha melhor aposta era fintá-lo para fazê-lo balançar a espada contra mim, então fugir! Não sei quem mais estava correndo solto no prédio, contudo talvez pudesse pelo menos tirar um pouco da pressão deles desviando algumas das forças inimigas.

“Mi... Minha máscara é...” me mexi nervosamente enquanto murmurava baixinho. Obviamente, estava recitando o canto de amplificação.

“Tire logo.”

Vedul deu um passo à frente, e dei um passo para trás. Terminei o canto de amplificação e comecei a entoar uma Bola de Fogo. Quase lá...

“Se não vai tirá-la por conta própria...” a mão de Vedul ficou tensa no punho de sua espada. Quando...

“Cuidado, Vedul! Isso é...” veio a voz de Gilfa de repente, do nada.

“O quê?”

No momento de distração do homem-besta, terminei meu feitiço.

“Bola de Fogo!”

Normalmente, nunca usaria algo assim em ambientes fechados. Mas com meus feitiços com seus efeitos reduzidos, deve ser seguro.

Uma estranha sensação de poder surgiu no espaço entre minhas mãos.

Hein? Eu não sabia o que fazer com isso, porém não tive tempo para hesitar!


“Recue, Vedul!”

Enquanto Gilfa tentava avisar seu companheiro, lancei a bola de luz no homem-besta!

Roarrrr! A explosão resultante foi muito maior do que esperei.

“O que...?”

A explosão sacudiu o prédio inteiro e me jogou contra o chão. Quando por fim pude abrir os olhos de volta, Vedul havia desaparecido. Não tinha certeza se a explosão o havia pegado ou se havia escapado na hora certa. Rachaduras subiam pelas paredes e pelo chão. O corredor à frente havia desabado, tornando-o intransitável.

Espere, aquela explosão... Será possível que...

Não perdi tempo e invoquei outro feitiço.

“Iluminação!”

E, com certeza, uma luz mágica deslumbrante apareceu acima da minha cabeça. Dessa vez sequer tinha usado o canto de amplificação.

Tudo bem, minha magia está de volta!

“Ótimo!” comemorei, tirando minha máscara em um movimento limpo.

Parece que Xellos tinha chegado em ótima forma. Agora que tenho minha magia de volta, sou imparável!

Ainda assim, imaginei que talvez deveria adiar qualquer amplificação até saber ao certo o quão poderosa seria... A enorme explosão daquela Bola de Fogo agora era o provável resultado amplificado da minha magia já superlativa. Fiquei feliz que a força da barreira de conjuração aumentou em proporção à força do feitiço, pois, de outra forma, talvez tivesse me assado viva no segundo em que a lancei. O ar ao nosso redor seguia até bem quentinho.

Mas tudo isso à parte, estava pronto para me soltar! Meu feitiço super poderoso havia selado a passagem, contudo posso só sair pelo buraco na outra sala e voltar pela entrada. Entretanto... Agora que enfim recuperei minha magia, era natural que quisesse testar o que os talismãs de amplificação poderiam fazer certo?

Em outras palavras...

Eu poderia usar um Dam Blas amplificado para atravessar a parede, confirmando simultaneamente o poder dos talismãs e abrindo um caminho para mim. Dois coelhos com uma cajadada só! Só para você saber, isso era pelo puro interesse da ciência. Não é nada próximo de ‘Não tenho conseguido usar magia de ataque esses dias, então preciso desabafar’. Estou falando a verdade! Confie em mim!

Escolhi uma sala aleatória e abri a porta.

“O corredor é por aqui, então...” sussurrei, então usei o canto de amplificação antes de começar meu feitiço. “Dam Blas!”

Com isso... Bwoom! Um buraco do tamanho de uma pessoa se abriu na parede.

“E lá vamos nós!”

Corri para o buraco na parede... Então pensei melhor. Peguei uma cadeira próxima e joguei no buraco. Houve um clarão prateado.

Crack! E a cadeira caiu no chão, cortada em dois.

Ah. Sabia.

“Você nos sentiu, não é?” a voz de Gilfa soou do outro lado do buraco, provocativa.

“Vocês sobreviveram afinal, hein, Vedul e Gilfa?” falei.

Como se em resposta, o homem-besta Vedul se aproximou do buraco que abri. Como de costume, Gilfa não estava à vista.

“Onde devemos lutar?” Vedul perguntou sem parecer muito preocupado.

“Boa pergunta... Um lugar bem aberto seria melhor. Vamos para o grande salão.” respondi.

O homem-besta recuou para abrir caminho para mim, todavia não tanto ao ponto que perdesse de vista. Mantive meus olhos fixos nele enquanto passava pelo buraco na parede. Podia ter recuperado minha magia, mas ainda eram dois contra um... E não tenho ideia de onde um deles estava.

Estava confiante de que poderia explodir os dois juntos com um feitiço amplificado, porém o canto de amplificação prolongou meu tempo de conjuração e ainda não tinha certeza de quão poderoso era. Um feitiço errante aqui poderia derrubar todo o prédio ao meu redor. Escolhi o grande salão como nosso campo de batalha porque seria fácil correr por lá e deveria me dar alguma margem com feitiços maiores.

Logo, Vedul e eu chegamos lá.

“Iluminação!” Gilfa conjurou, lançando uma luz mágica brilhante no centro do salão.

“Vamos começar.” disse Vedul, vindo em disparada.

Sua investida veio direto para mim, sua espada larga baixa ao seu lado. Sua velocidade era impressionante! Se eu corresse para a direita ou para a esquerda, ele me pegaria no movimento de volta.

Enquanto recuava, comecei a entoar. Ouvi Gilfa fazendo o mesmo.

“Lança Elemekia!”

Lancei um feitiço que causava dano direto ao espírito de um oponente. Mesmo que tivessem a resistência de um demônio inferior, deveria ter um efeito pronunciado... Supondo que acertasse, é claro.

Vedul deslizou com grande agilidade pelos arredores, no entanto esse esforço extra para desviar reduziu a velocidade de seu ataque. Dei de ombros e continuei me movendo para trás enquanto entoava meu próximo feitiço. Usaria este para cegá-lo e então correria para fora. Se decidisse me perseguir, o acertaria com um grande feitiço e acabaria com a luta.

Mas justo então... Gilfa terminou de lançar seu feitiço!

“Teia de Sombra!”

A sombra de Vedul se distorceu. Tentáculos semelhantes a lanças chicotearam dela, indo direto para mim!

Não!

Dei um grande salto para trás. Uma das lanças de sombra roçou meu tornozelo. Vedul continuou a avançar e... Eu não conseguia me mover? Olhei e vi que a lança de sombra com que Gilfa me pegou estava cravada na minha sombra no chão.

Uma Captura de Sombra... Executado por uma sombra?

Percebi tarde demais. Vedul ergueu sua espada larga e...

Algo prateado brilhou no ar! Zing! Um som frio e duro se seguiu quando uma espada caiu no chão, desviada. Alguém havia jogado sua própria espada no homem-besta a tempo de me salvar, e Vedul a jogou para longe.

“Gourry!” gritei.

“Desculpe desapontar...” respondeu uma voz familiar diferente. “Sou só eu.”

“Zelgadis!”

***

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