Capítulo 21: Ok, então isso tudo é bem repentino
Tudo começou com um clichê...
“Seu dinheiro ou sua vida! Hehehe.”
E como se aquela ceninha vergonhosa dos bandidos mascarados não fosse o suficiente, um deles mostrou um vislumbre de sua espada longa.
Hahh... O som veio de todos nós três em uníssono.
“O-O quê? Por que estão suspirando?”
“Estamos cansados disso.” falei com um gemido. “Quer dizer, droga... Pensei que pegar uma estrada deserta poderia nos dar uma chance, mas mesmo aqui, são bandidos, bandidos e mais bandidos! Se vocês não têm coragem de fazer seu ato de assaltante na porcaria da rodovia, qual é o sentido? Já devem ser... Nem sei quantos de vocês encontramos desde que chegamos a esta área, porém só hoje já é o segundo grupo!”
“Sua... Ei, não venha com essa conversinha de ‘Nós já estamos limpos, então não se incomodem’, ouviu?”
“Na verdade, eu estou tentando dizer, ‘Estou cansada de ter que bater em cada um de vocês’.”
“O que...”
Minhas palavras deixaram o bandido atordoado em silêncio.
“Você não parece cansada disso, Lina. Na verdade, parece estar ansiosa para enfrentá-los.”
Uma repreensão baixinha veio de um dos meus dois companheiros de viagem, Gourry. Ele era alto, loiro, bonito e um espadachim incrível... Pena que seu cérebro era o de uma água-viva.
“Cale a boca! Esta é a melhor parte!” sibilei de volta para Gourry.
Intimidação de bandidos... Ah, essas palavras eram como música para meus ouvidos! Veja, deixar bandidos se pavonearem antes de deixá-los esparramados na terra era uma espécie de passatempo meu. Se pudesse rastrear sua base e roubar seu tesouro depois, melhor ainda. Me livrar do lixo enquanto encho meus próprios estoques?
Bom para o mundo, bom para mim. Tente citar um passatempo mais louvável!
Além do mais, quem iria reclamar? Sabe o que sempre digo: sem direitos para os perversos!
Contudo, se está pensando em adotar esse passatempo, segure esse pensamento, amigo. Só posso fazer isso porque sou a poderosa Lina Inverse, guerreira-feiticeira extraordinária. Um aventureiro comum tentando seguir meus passos estaria perdido em dez dias, com certeza. Não tentem isso em casa, crianças. Entenderam?
Agora, de todos os inúmeros apelos que existem no esporte da intimidação de bandidos, meu favorito era contar seu tesouro. No entanto meu segundo favorito era essa brincadeira antes do show de verdade começar. A maioria dos bandidos voltava às mesmas velhas falas cafonas, só que ao menos podia desfrutar de suas variações regionais. As vezes encontrava alguém com algum material realmente maluco também. E eles frequentemente reagiam de maneiras diferentes às minhas farpas.
Certo... As coisas sempre terminavam do mesmo jeito.
Agora, o que esse cara vai me mostrar?
“A questão é que não temos uma única moeda para vocês, idiotas.”
“O-O quê? Eu te ofereço misericórdia e me devolve um tapa?”
Oferece misericórdia? Quando?
“Argh, tudo bem! Então vamos tomar à força!”
“Dá um tempo!” sussurrei, jogando minha capa para trás enquanto Gourry alcançava o punho de sua espada.
“Uh...” um dos bandidos mascarados disse com uma voz meio idiota.
“O que diabos essa garota está fazendo?”
“Hã?”
Olhei na direção que o homem estava apontando para ver minha outra companheira de viagem, Amelia. Então respondi sem me alterar.
“É justo o que parece.”
“Parece que... Está subindo em uma árvore?”
“Claro que está.”
“Por quê?”
“Você verá em breve. Mas não se preocupe com ela; vamos voltar ao assunto.”
“Bem... Se insiste. Co-Como eu estava dizendo, nós vamos tomar à força!”
Então...
“Seus atos malignos terminam hoje, vilões!” a voz de Amelia trovejou ao nosso redor.
“O quê?”
“De onde veio isso?” os bandidos gritaram, olhando ao redor em pânico.
Rapaz, que bando de imbecis! Ou será talvez que soubessem como seguir um roteiro?
“Lá em cima!” um deles exclamou.
Claro, o homem estava apontando para Amelia, que estava em pé no topo de um galho da árvore que tinha acabado de escalar. E bem na hora, ela começou seu discurso...
“Onde quer que a vida habite, assim como há sombra e mal... Também há luz e bondade! Vocês deixaram a escuridão entrar em seus corações, e permitiram que os desviasse!”
Nesse momento, Amelia apontou o dedo numa pose dramática para os bandidos.
“Os céus me ungiram como juiz, e eu os julgarei! Preparem-se para sua punição!”
Ela estava expressando isso em uma linguagem muito floreada, porém a essência era: ‘Vou chutar seus rabos em nome da justiça!’
“Agora, venham com tudo! Hup!”
Com aquele grito ousado, Amelia saltou da árvore e... Splat! Caiu nos arbustos abaixo. Nossa, essa pareceu doer...
“Ei, tudo bem aí?” Gourry perguntou, preocupado.
“Não tema!” declarou a garota enquanto surgia do mato.
“Espere, Amelia, por que seu pescoço está dobrado desse jeito?” perguntei, preocupada também.
“Oh, não é nada demais! Vai ser preciso mais do que algo assim para quebrar meu espírito!” ela me tranquilizou com um aceno alegre.
Sim... Não é bem com seu espírito que estou preocupada.
“Estou começando a pensar que não deveríamos ter mexido com esses caras.” outro bandido mascarado murmurou. Ele estava totalmente certo, contudo a percepção veio tarde demais para salvá-los.
“Preparem-se para a justiça, servos do mal!” Amelia declarou antes de começar um canto.
E então a batalha começou...
E terminou tão rápido quanto.
Se me permite ser direta, não havia como esses vagabundos durarem nem dez segundos contra uma combinação de um-dois de mim e Amelia.
“Hum...” Gourry emitiu um sussurro lamentável atrás de nós enquanto fazíamos nossa pose da vitória. “Não tenho nada pra fazer dessa vez?”
“Não!” respondi casualmente e com firmeza.
Olha, não tenho tempo para mimar Gourry agora! Tinha uma tarefa importante para cuidar: intimidar os bandidos feridos no chão para revelar a localização de seu saque!
“Agora, vejamos...”
Peguei um cara deitado perto e tirei sua máscara, que era na verdade apenas uma bolsa com buracos para os olhos rasgados. O rosto por baixo era... Bom, eu não chamaria de bonito, no entanto parecia bem normal. Não muito típico de um bandido. Como qualquer velho que se pode encontrar em uma rua de vila.
“Ei, ei! Acorde logo!” gritei, sacudindo-o algumas vezes antes que o homem abrisse os olhos turvos.
“Hã...? Wagh!” ele tentou desesperadamente se afastar, entretanto meu feitiço tinha feito um belo estrago. Tudo o que o pobre coitado conseguiu fazer foi gemer e se debater.
“E-Espere! Espere! Me poupe!”
“Heheheh... Seu dinheiro ou sua vida?” exigi, ecoando sua fala anterior em uma brilhante demonstração de ironia.
“Vo... Você não pode fazer isso! Você é um monstro!”
Espere, vai puxar essa fala agora? Claro, indiferença para com a própria hipocrisia era parte integrante de ser um cara mau, então...
“Não tenho que aceitar isso vindo de um bandido! Agora, desembucha! Onde é seu esconderijo?”
“Poderia, por gentileza, soltá-lo?” veio uma voz repentina de outra direção.
“Quem está aí?” Amelia disse antes que eu pudesse.
Nós duas nos viramos para ver uma mulher parada silenciosamente no bosque.
“D-Dama Mazenda!” gemeu o homem cuja coleira continuei agarrando.
A mulher parecia ter uns vinte anos, mais ou menos, vestida com roupas brancas largas e pele tão pálida que era quase translúcida. Cabelo longo e brilhante e lábios lustrosos, ambos de um vermelho vivo... Alguns podem ter dito que era uma beleza impressionante, contudo a impressão primária que tive foi uma rainha do gelo.
“Eu disse a eles para não fazerem nada imprudente... Embora não me ouviram, pelo jeito.” ela suspirou.
“É-É que... Bey disse...” o bandido gemeu.
“Não estou falando com você.” Mazenda interrompeu sem se alterar, então olhou para mim antes de continuar. “Sei que esses homens não tem jeito, mas seguem sendo meus camaradas. Peço que os deixe ir com um aviso.”
“Acha mesmo que vou concordar com isso?”
“Não!” ela respondeu sem pestanejar. “Então... Que tal isso? Vou fazer um pequeno truque, e se te entreter, você os deixa ir.”
Com essa deixa, a mulher deu um pequeno passo para frente. Whoosh! Amelia pulou para trás, e Gourry colocou a mão na espada. Eu até me peguei soltando o cara que estava segurando para começar um encantamento.
Quem é essa mulher? Questionei-me, porém enquanto estava pensando...
Rustle!
As folhas nas árvores acima balançaram em uma cacofonia violenta, então choveram sobre nós em massa, obscurecendo nossa visão.
“Bwuh!”
Sentindo uma presença atrás de mim, me virei... E lá estava Mazenda. Vi seus lábios vermelhos se curvarem em um pequeno sorriso, então algo saiu de sua mão direita. Projéteis? Ela lançou alguns objetos pequenos não em mim, mas ao meu redor. Um feitiço de barreira? Saltei para o lado sem perder tempo, contudo...
Crack!
“Ngh!”
Uma dormência percorreu meu corpo como um leve choque elétrico. Durou apenas uma fração de segundo. Não tinha ideia do que era esse truque, no entanto não ia deixar que me impedisse de fazer meu movimento!
“Lança Elemekia!” lancei meu feitiço, e por um momento... Hein? Minha mente ficou em branco.
“Suponho que seja a líder, nesse caso... Isso deverá resolver.” Mazenda falou em um tom provocador antes de desaparecer de volta nas folhas dançantes. “Estou um pouco entediada, então vou jogar um joguinho com vocês. Para voltar ao normal, terá de me matar. Se quiser tentar, venha para a vila Mayin.”
No segundo em que terminou de falar, houve outro farfalhar enorme quando todas as folhas caíram no chão de uma vez... Deixando eu, Amelia e Gourry parados ali, estupefatos. Não tenho certeza de como o havia feito, entretanto ela levou todos os bandidos caídos junto.
Porém o mais importante... Ahhh! Ela realmente conseguiu me abalar! Eu não conseguia acreditar!
“Eles se foram.” Amelia sussurrou.
“Tudo bem aí, Lina?” Gourry chamou, embainhando sua espada antes de correr em minha direção. Seu pé atingiu algo no caminho. “O que é isso?”
Ele se inclinou, olhando para o que quer que fosse saindo do chão. Parecia uma agulha vermelha, tão longa e fina quanto um pedaço de linha. Gourry a agarrou entre os dedos e a arrancou. Quando o fez... A firme agulha de repente se tornou flexível como uma linha.
“É cabelo. Provavelmente daquela moça, Mazenda.” disse Amelia.
Olhei em volta outra vez e encontrei mais quatro ‘agulhas’ presas nas proximidades. Significava que, incluindo a que Gourry tinha acabado de arrancar, cinco delas haviam sido plantadas ao todo... Um pentagrama comigo no centro.
Droga. O que quer que tenha jogado naquela hora foi apenas uma finta. Ao desviar, fui descuidada por uma fração de segundo, permitindo que criasse a barreira real com seu cabelo... O que me deixa com uma pergunta importante agora.
“O que há de errado, Lina?” Gourry perguntou.
Não respondi a sua pergunta, limitei-me a começar a entoar um feitiço. E então...
“Iluminação!”
...
“E-Ei! Lina!” Amelia gritou, ficando pálida.
“O-O-O quê?” Gourry gaguejou, inseguro sobre o que estava acontecendo.
Creeeak... Eu lentamente estiquei meu pescoço em direção a ele e confessei a verdade sem rodeio.
“Não posso... Usar magia mais...”
Aaaaaaaaaaah... No momento, esse foi o único som que minha mente conseguiu produzir.
———
Estávamos agora em um pequeno restaurante em alguma vila próxima. Tínhamos passado por lá depois de toda a confusão na estrada mais cedo para podermos conversar durante uma refeição, embora me sentia mais confusa agora do que nunca. Estava tão fora de mim que só consegui engolir dois pratos especiais do jantar.
“Então... Realmente não pode usar magia?” Gourry perguntou.
“Pelo jeito, sim.” Amelia respondeu em meu nome (seguia estando muito abalada). “Nada que possamos fazer a respeito, suponho. A questão é o que faremos a seguir.”
“Bem, verdade... Lina sem sua magia é...”
“Só uma dor no rabo.”
Grr!
“Bem, eu não iria tão longe, no entanto seu comportamento é bastante mandão, e para se tornar tão inútil agora...”
Grr, grr!
“Sim, ela tem atitude máxima com busto mínimo...”
“Sex appeal de linha reta também.”
“Calem a boca!” explodi. “Como podem dizer toda essa merda enquanto estou sofrendo aqui?”
“Bom... Lá vamos nós.” disse Gourry, coçando a cabeça enquanto trocava olhares com Amelia.
“Não fique brava, Lina. Nós dois só estávamos tentando animá-la um pouco.”
“Sério?” perguntei com um olhar de soslaio para a dupla.
Amelia então acenou com a mão pacificamente e riu.
“Nah!”
“Rrragh!”
“E-Espere! Espere, Lina! Estrangular Amelia não vai resolver nada! Mais importante, tem alguma maneira de recuperar sua magia?”
“Eliminar aquela mulher Mazenda deve resolver... Pelo menos, foi o que ela insinuou.” expliquei, tirando minhas mãos da garganta de Amelia e me sentando de novo, imutável.
“Então isso resolve.” disse Amelia, esfregando o pescoço. “Nós apenas vamos matá-la como disse, certo? Quer dizer, não precisamos nos segurar. É óbvio que trabalha com bandidos, o que a torna uma bandida também.”
Bem... No mínimo Mazenda não parecia um dos ‘mocinhos’.
“Mas como vamos encontrá-la?” perguntou Gourry.
“A própria mulher disse: a vila Mayin.” eu disse com um suspiro. “Claro, te conhecendo, tenho certeza de que não estava ouvindo...”
“Ouvi sim. Só esqueci.”
Ah, sim, porque isso é muito melhor...
“De qualquer forma, não é como se tivéssemos muita escolha.” interrompeu Amelia. “Estamos indo nessa direção de todo jeito.”
Gourry e eu concordamos em uníssono.
———
“O quêêêêêêê?” Amelia gritou, silenciando toda a taverna.
Estávamos atualmente saindo de uma velha estrada secundária que ia de Saillune para o Reino de Dills passando por Kalmart. Estávamos a apenas duas vilas de Mayin agora, porém o trecho mais difícil da jornada seguia estando por vir. Mayin era o território de Mazenda e sua gangue, então é provável que acabássemos sendo surrados se atacássemos despreparados. Assim, decidimos passar a noite nesta vila e reunir todas as informações que pudéssemos sobre Mayin aqui na taverna.
Foi quando o que parecia um velho mascate sussurrou para nós.
“É melhor vocês evitarem aquele lugar.”
Amelia foi até lá para pedir detalhes, o que a levou a gritar quando os ouviu.
“Ei, cuidado! Fale baixo!” o velho sibilou, olhando com pressa pelos arredores.
“Certamente não vou! Você sabe que há muitos malfeitores em duas cidades, mas nem tentou informar seu senhor local... Não tem amor pela justiça em seu coração?”
“Ju-Justiça não tem nada a ver com isso! São apenas rumores! Se levasse boatos infundados para as autoridades, eu seria o único em apuros!”
Essa era uma perfeita postura racional, porém Amelia não era do tipo que se deixava levar pela racionalidade.
“Não se engane!” declarou enquanto plantava um pé em cima de uma cadeira, sua mão direita fechada em um punho. “Há um mal poderoso se espalhando por aí!”
“Ela está nessa de novo, hein?” Gourry murmurou indiferente enquanto cutucava seu frango assado.
“Contudo acho que tem umas coisas bem malucas acontecendo em Mayin, né?”
“Eu apostaria nisso.”
“Mazenda nos convidou para ir lá, afinal...”
“Hmm, não é bem o que estou pensando.”
“O que está pensando, então?”
“Bom...” Gourry fez uma pausa, coçando a cabeça. “Só que nada em que você já se envolveu foi menos do que maluco.”
“Ah, cale a boca!”
Foi justo nesse momento que Amelia retornou com uma estranha expressão sombria no rosto.
“Como foi?” perguntei.
“Não aqui... Explico quando voltarmos para o quarto.” ela respondeu antes de devorar o resto da sua refeição em silêncio.
———
“Ok, Amelia, aqui estamos. Desembuche.”
Já era depois do jantar. Nós três tínhamos conseguido três quartos adjacentes na pousada, e nos reunimos no do meio para nossa conversinha particular. Aqui, poderíamos ter certeza de que ninguém ouvisse, mesmo se falássemos com num tom normal.
“Ele disse que eram apenas rumores, no entanto...”
Era raro ver Amelia vacilar assim.
“A vila Mayin parece ter se tornado o lar de... Uma certa organização.”
“A gangue de bandidos daquela mulher, certo?” Gourry perguntou, oferecendo a conclusão óbvia.
Um mero esconderijo de bandidos não deixaria Amelia tão afetada.
Então ela balançou a cabeça e disse.
“Não, um culto... Um do qual Mazenda e os bandidos provavelmente são membros.”
“Um culto?” sussurrei, estreitando meus olhos.
Amelia gemeu um pouco.
“Sim. De acordo com aquele cara na taverna... Eles adoram Shabranigdu.”
“Sha-Shabranigdu?” me peguei gritando.
Olhos de Rubi Shabranigdu, o rei dos mazokus, dito controlar toda a escuridão em nosso mundo... E...
“Silêncio! Fale baixo!” Amelia me repreendeu.
“Ce-Certo, desculpe. Mas você tem certeza absoluta de que foi isso que o homem disse?”
“Bem, como falei, é tudo apenas boato. Entretanto não sei quem inventaria uma história sobre um culto à Shabranigdu do nada.”
Ela tinha razão...
“O que mais conseguiu?”
“É isso.” Amelia concluiu. “Tudo o que ele sabia era que o que se dizia nas ruas sobre Mayin se tornar uma base para adoradores de Shabranigdu, que estão aprontando todo tipo de coisas secretas e perversas. De resto, disse não saber mais a respeito. Ou melhor, que não queria saber.”
“Hmm...”
Pelo visto estávamos até o pescoço de novo nesse assunto.
“Diga, Lina...” Gourry, tendo ficado quieto até então, enfim falou. “Há algo que estou pensando.”
“O que é?”
“Quem é esse cara ‘Shabrigoo’?”
Ei...
“Shabranigdu, Mestre Gourry.” Amelia o corrigiu.
“Quero dizer, me soa familiar.” ele disse, esfregando a nuca envergonhado. “Só que tenho muita dificuldade com nomes longos como esse.”
“Gourryyy...”
“O-O quê, Lina? Você parece infeliz com alguma coisa...”
“Pode apostar que sim! Está falando sério? Não se lembra de Shabranigdu?”
“Bem, uh...”
“Bem, o quê? Lembra? Olhos de Rubi? O Lorde das Trevas? Shabranigdu, homem!”
Após uma longa pausa, Gourry bateu palmas e exclamou.
“Oh, oh! Sim, sim! Agora me lembro.”
Mentiroso!
Eu o ignorei e me virei para Amelia.
“E no que a adoração a Shabranigdu se envolve? Não é como se pudessem invocar o Lorde das Trevas e fazer um simpósio com ele como convidado ou algo do tipo...”
“Ninguém sabe ao certo.” ela respondeu. “As pessoas estão apenas dizendo que é o seu culto maligno padrão que promete que o Lorde das Trevas realizará seus desejos mais profundos em troca de seu serviço. Há sacrifícios, violência, o pacote completo.”
“Hmm... Acho que confere. Explica por que temos aldeões normais se vestindo como bandidos mascarados: eles estão tentando arrecadar fundos para seu culto. Se for o caso mesmo, significa que estamos contra uma organização inteira.”
“Pode vir!” Amelia disse, cerrando os punhos. “Bastardos vendendo suas almas para as trevas e abandonando os caminhos da luz... Não temo as centenas ou milhares que suas legiões podem contar! Enquanto carregarmos a bondade em nossos corações, a vitória será nossa!”
“Exceto... Que Lina não pode usar magia agora, o que é um problema.”
“Ah, é verdade.” concordei e comecei a entoar um feitiço. “Iluminação!”
Ergui minha palma, na qual uma tênue bola de luz apareceu... E então se apagou do nada.
“Foi tudo...?” Amelia sussurrou.
Assenti em resposta.
“Pelo visto o selo da minha magia está enfraquecendo com o tempo. Contudo é o melhor que consigo fazer agora, mesmo para um feitiço de Iluminação. Não devo nem conjurar uma brisa no que diz respeito à magia de ataque.”
“No entanto isso não significa que sua magia vai voltar sozinha?” Gourry perguntou, ganhando um suspiro meu.
“Vamos lá... Faz ideia de quantos anos levaria? Além do mais, não há garantia de que voltaria completamente ao normal.”
“Ah. Então, resumindo, você ainda não consegue fazer nada.”
Sim, ‘resumindo’, mas caramba...
“D-De qualquer forma, precisamos fazer algum reconhecimento. Vamos montar uma base na próxima vila ou em algum outro lugar perto e reunir o máximo de informações que pudermos na área ao redor de Mayin. Por sinal, gostaria de já agradecê-lo, Gourry. Rapaz, você está realmente se dispondo pelo time dessa vez.”
“Espera aí, por que sou eu quem vai fazer isso?”
“Seu bobo. Eles já sabem como somos, então teremos que trabalhar sob o manto da noite.”
“E?”
“Todo mundo sabe que moças adoráveis precisam de um sono da beleza.” expliquei enquanto Amelia assentia enfaticamente.
“Ei...”
“Então, obrigado por ser nossos olhos e ouvidos!”
“Espera aí! Vocês querem que eu vasculhe as montanhas sozinho, à noite, por sabe-se lá quanto tempo?”
“Oho! Que astuto da sua parte, Gourry.”
“Não me venha com ‘oho’! Estarei morto em uma semana! Não pode só jogar todo o trabalho em cima de mim! Não é justo!” Gourry continuou reclamando.
“Tudo bem, tudo bem.” concedi, coçando a cabeça enquanto pensava. “Se insiste, nós lhe daremos uma chance. Sem objeções, certo?”
“Não... Acho que não.” ele concordou com um relutante balançar de cabeça.
Heh. Otário.
“Ok, vamos votar! Quem acha que é uma boa ideia enviar Gourry? Levante a mão!”
Minha mão disparou, rapidamente seguida pela de Amelia.
“Então está decidido! Boa sorte, meu chapa!”
“Vocês...”
“Vamos lá, sem choramingos. Nós votamos de forma justa e honesta.”
“Mas...”
“Mestre Gourry.” Amelia, com uma expressão solene, deu um tapinha em seu ombro. “Sinto muito, porém é assim que a democracia funciona.”
Na verdade, essa era apenas a tirania da maioria. Gourry engoliu suas objeções em lágrimas, contudo então, de repente...
“Ha... Bwaha... Hahahahaha!” ele saiu do desespero e caiu numa gargalhada louca. “Lina, sua idiota! Você deixou passar uma falha fatal no seu plano!”
“O-O quê?”
“Se me mandar sozinho, não vou conseguir distinguir o que é suspeito do que não é! Acha que eu consigo fazer um trabalho de reconhecimento adequado sozinho?”
“Ma-Maldição! Pe-Pensar que você era tão autoconsciente... Você é um inimigo temível mesmo, Gourry! Vejo que cresceu desde que te conheci!”
“Pena que seu peito não cresceu!”
“Seu pequeno...”
Eu estava prestes a começar uma briga quando... Bam! Nossa porta se abriu de repente.
“Com licença, senhoras e senhor... Vocês poderiam, por favor, falar baixo?” perguntou o estalajadeiro um tanto exasperado.
Depois de nos desculparmos, acabamos decidindo uma rotação de reconhecimento via pedra, papel e tesoura.
———
Tochas tremeluziam no escuro, iluminando centenas de figuras mascaradas reunidas.
“Isso é um pouco mais do que imaginei...” observei num sussurro.
Nesse momento estávamos nas montanhas, não muito longe de Mayin. As ruínas aqui estavam escondidas entre as árvores. O lugar estava dilapidado pelo tempo, contudo é provável que tenha sido um local e tanto no seu apogeu. Um edifício redondo alinhado com assentos para espectadores se espalhava ao redor de uma arena central. As fileiras superiores estavam quase todas afundadas, então o grupo mascarado ocupava às seções inferiores.
Gourry, Amelia e eu estávamos empoleirados no alto dos assentos baratos e em ruínas ao longo da borda externa da estrutura. Teria sido impossível chegar até eles sem um feitiço de Levitação, o que explicava por que não havia vigias nesta seção. Ninguém jamais nos veria aqui no escuro, escondidos em meio aos escombros.
Amelia tinha encontrado este lugar ontem à noite, e todos nós voltamos juntos para encontrar esta misteriosa assembleia reunida.
“Não parece que sejam muitos para mim...” Gourry sussurrou ao meu lado.
“Em termos de números absolutos, não. Entretanto no que diz respeito à densidade populacional, é uma reunião bem séria para uma área remota como essa.”
“Isso vai contra a bondade!” Amelia sussurrou do outro lado de Gourry. “Pensar que um culto maligno atraiu tantos seguidores... Não há justiça nessas terras?”
Enquanto a garota divagava, a energia ao redor dos participantes mascarados mudou. Uma alegria surgiu na multidão.
“Alguém está vindo!” Gourry disse, relatando o óbvio.
Cinco figuras apareceram na arena do que provavelmente era a entrada dos lutadores. Cada uma das figuras estava vestida com capas e túnicas vermelhas, carregando espadas longas cerimoniais com lâminas manchadas de carmesim. Apenas um deles tinha o rosto visível. Os quatro restantes usavam máscaras da mesma cor de suas túnicas, que pareciam feitas profissionalmente em vez das improvisadas que seus seguidores usavam.
O homem de rosto descoberto caminhou até o centro da arena, enquanto os outros ficaram a cinco ou seis passos de distância. Cada um assumiu uma posição nas quatro direções cardeais ao redor dele... Norte, sul, leste e oeste.
“Os cinco tenentes.” Amelia sussurrou como se as palavras tivessem deixado um gosto ruim em sua boca.
Ah, claro...
“Os cinco o quê?” Gourry me perguntou, por algum motivo.
“Os cinco mazokus de alto escalão que Olhos de Rubi Shabranigdu criou.”
Apesar de que não sei se é fato ou ficção, acrescentei para mim mesma.
“Ok, então, os quatro em um círculo correspondem às direções associadas ao Dragão do Caos, Mar Profundo, Dinastia e Grande Besta. Isso faz com que o do centro seja o Mestre do Inferno.” Amelia se prontificou a explicar.
O Mestre do Inferno Fibrizo, que podia manipular livremente o plano astral, era o mais forte dos cinco. Então... Isso significava que o homem era o líder do culto? Pra mim parecia um feiticeiro maligno de terceira categoria bem magricelo. Nem um pingo de carisma.
“Senhores!” ele berrou com uma voz bastante profunda e surpreendentemente penetrante.
“Recebemos boas notícias hoje. Lorde Klotz retornará em breve!”
Outra comemoração ecoou pela arena. Esse tal de ‘Klotz’ deve ser o líder do culto, e o sujeito que estava discursando apenas seu substituto.
“Também recebi a notícia de que encontrou o que estava procurando!” o homem continuou com paixão enquanto o burburinho na multidão aumentava. “Ninguém pode nos parar agora! Estejam avisados, hipócritas que adoram o Dragão Chamejante Ceifeed! O verdadeiro poder, o verdadeiro desejo humano, está conosco!”
Ei, ei, ei, vamos com calma! Eu me vi olhando para Amelia. Felizmente, ela estava abaixando a cabeça, mal-humorada. Ainda não havia perdido a paciência.
O homem continuou.
“O estado natural da existência é o caos! Em outras palavras, o mal! Aqueles tolos que se recusam a reconhecer is...”
Ali, Amelia se levantou de repente.
Espere um minuto...
“Explosão Rondo!” ela entoou, fazendo chover uma dúzia ou mais de bolas de luz sobre a reunião de uma só vez.
Bwoom!
“Gwaaah!”
“Hyeeeee!”
“Yaaaaargh!”
Línguas de fogo se ergueram no ar com os gritos. Agarrei minha cabeça em minhas mãos. Porcaria! Amelia não estava de mau humor... Estava recitando um feitiço de ataque! Essa garota... Se vai ficar toda furiosa, pelo menos me avise!
No entanto, embora o feitiço que usou tivesse a aparência de várias Bolas de Fogo disparando ao mesmo tempo, cada uma era um tanto fraca. (Quero dizer, se uma te acertasse em cheio, ainda poderia esperar uma bela fritada.) Este feitiço de aparência impressionante, entretanto de baixo poder, foi a declaração aberta de guerra de Amelia.
“Ah... Ali em cima!”
“Alguém está aqui! O que os vigias estão fazendo?”
Quando os cultistas nos notaram...
“Iluminação!” Amelia lançou uma luz mágica sobre sua cabeça.
“Prestem atenção, servos da escuridão!” Amelia começou como se estivesse recitando poesia. “Não importa quantas falsidades vocês juntem, há apenas uma verdade! Se mesmo um fragmento de luz permanecer em seu coração, você deve reconsiderar o caminho que trilha! Escolha a retidão, e escolha-a por sua própria vontade!”
Nobres palavras, mas não funcionariam com ninguém aqui...
“Peguem-nos!”
Viu?
Por ordem do líder de aparência doentia, seus discípulos nos atacaram. Eles nunca chegariam aqui sozinhos, porém ainda não havia sentido em ficar parados esperando eles chegarem.
“Amelia, Gourry! É hora de nos fugirmos!”
“Por quê? Nós deveríamos enfrentá-los em...”
“Desvantagem de terreno.” respondi, interrompendo-a. “Se apenas um desses caras puder usar magia de ataque, poderiam derrubar essa estrutura debaixo de nós enquanto você está entoando um feitiço!”
“E-E... Vamos virar as costas para o mal...”
“Recuar, reagrupar e retaliar quando estivermos prontos! É assim que os heróis agem, certo?”
“Sim, tem razão!” Amelia respondeu antes de começar rapidamente um cântico.
“Levitação!”
Que bom que ela é fácil de manipular! Seu feitiço nos ergueu para o ar.
“Magia?”
“Maldição! Não os deixem escapar! Lá fora!” os homens mascarados gritaram.
“Depressa, Amelia!”
“Estou tentando!”
Gourry apressando-a não estava ajudando. Levitação é um feitiço que dispunha de boa mobilidade, contudo era bem lento. Talvez lento não seja o termo, no entanto sua velocidade máxima não era muito mais rápida do que uma caminhada rápida. Quando pousamos, nossos perseguidores já estavam à vista a alguma distância atrás de nós.
“Entrem na floresta!” Amelia gritou, então correu sem esperar por uma resposta.
Gourry e eu a seguimos. Os homens mascarados a perseguiram, gritando clássicos como “Lá estão eles!” e “Peguem-nos!” (Não que fossem obrigados a inventar novas falas em uma situação como essa.) Amelia saiu do caminho, disparando entre as árvores.
“Mãos, pessoal!” Amelia gritou.
Gourry e eu de bom grado pegamos suas mãos estendidas. Ela então começou um encantamento. Espere, conheço essa...
“Nevoeiro Negro!” gritou Amelia.
Como o nome sugeria, o feitiço nos envolveu em uma névoa sombria. A visibilidade era virtualmente zero. Não dava para ver de fora para dentro, nem de dentro para fora. Era o movimento característico de um certo assassino que tinha me atacado uma vez...
“Quando você aprendeu esse feitiço?”
“Parecia bem útil, então tenho trabalhado nisso em segredo.”
“Aww... Vai me fazer querer chorar. Que iniciativa! Gourry, aprenda um pouquinho com ela.”
“Ah, vamos lá. Isto é...”
“Daquele lado! Eu posso ouvi-los!” veio a voz de um perseguidor, interrompendo o que Gourry ia dizer, o que também nos silenciou de vez.
“Aqui! Tenho certeza de que ouvi vozes dessa direção!”
“O que está acontecendo? O que é essa coisa preta gigante?”
Tudo o que o feitiço Nevoeiro Negro fez foi criar uma zona de escuridão... Entretanto de fora, à luz de tochas, aposto que parecia um monstro preto enorme. Sendo franca, era bem suspeito!
“Lá dentro... Não, está muito escuro para ver! É algum tipo de feitiço!”
“Ugh! Alguém chame a Senhora Mazenda!”
“Deve estar no templo...”
Assim, enquanto nossos perseguidores se preocupavam com a isca Nevoeiro Negro, nós escapamos.
———
“Ei, Lina, até onde temos que fugir?” Gourry perguntou ao ver que passávamos pela segunda vila depois de Mayin.
“Sim, já é quase meio-dia... É melhor fazermos uma pausa em algum lugar...” Amelia choramingou, parecendo exausta. Havia enormes bolsas sob seus olhos.
“Tudo bem... Vamos descansar na próxima cidade.”
Claro, também estou cansada. Nós tínhamos caminhado a noite toda e mais um pouco para escapar. Gourry era o único de nós que ainda parecia vivo em pé.
Queria colocar o máximo de distância possível entre nós e o inimigo. Obviamente, nos esconder na floresta tornaria mais difícil para o inimigo nos rastrear. Todavia nem eu nem Amelia queríamos acampar, então essa opção estava fora de questão.
“Deixando tudo isso de lado, Lina. Recuar e reagrupar está tudo bem, mas como exatamente devemos retaliar agora?” perguntou Amelia exausta.
“Não teria sido melhor só seguir em frente e acabar com eles lá?” Gourry perguntou.
Amelia concordou com a cabeça. Era óbvio que falta de sono estava afetando seu julgamento.
“De que adiantaria esmagar uma pequena reunião de cultistas? O seu líder nem estava lá.”
“Aquela não era a base principal?”
“Ah, por favor... Gourry, que tipo de organização secreta faria de um lugar óbvio como aquele seu esconderijo? Mesmo que estivesse escondido nas árvores, qualquer um que desse um passeio casual pelas montanhas teria tropeçado naquela coisa. Além do mais, algum dos cultistas até gritou que Mazenda estava ‘no templo’, lembra?”
“A-Alguém disse isso?”
“Sim! E Mazenda não veio atrás de nós quando Amelia atacou, o que significa que não estava lá na hora. O que também significa que o suposto templo fica em outro lugar. O que significa...”
“No fim, aquela não era a sua base...”
“Bingo. Agora, quanto aos nossos planos para seguir em frente, o primeiro passo é derrotar Mazenda e recuperar minha magia. Está ouvindo, Gourry?”
“Er...”
Sim, nada atento outra vez.
“Vamos lá, cara.”
“Espera, Lina, a Amelia...”
“A Amelia o quê?”
Eu me virei para olhar, e... Ela estava cambaleando um pouco atrás de nós, parada. Gourry correu de volta rapidamente.
“Está tudo bem!” ele gritou. “Só dormiu em pé.”
Ei, como foi que...
“Parece que ela estava realmente cansada. Vamos deixá-la em paz por um tempo.”
“Pera aí! Não podemos ‘deixá-la em paz’ em um lugar como este! Vamos! Amelia! Acorde!”
Me aproximei e a sacudi algumas vezes antes que enfim abrisse os olhos.
“Ah... Lina?”
“Não é boa em ficar acordada a noite toda, hein?”
“É... Eu só não consigo... Aguentar o... zzz...”
Imaginei.
“Bem, pelo jeito você terá de carregá-la, Gourry.”
“Zzz... Zzz...”
“Ei! Não finja que está dormindo pra cima de mim, grandão! Droga... Não temos tempo pra essa palhaçada agora!”
“Não... Não temos mesmo.” Gourry disse, de repente entrando em modo sério e sacando sua espada.
Senti a presença um momento depois... Devo estar mais cansada do que imaginei.
“Um inimigo?” Amelia perguntou, acordando ao notar também.
Então veio um farfalhar entre as árvores próximas.
“Lina, ouça com atenção...” disse Gourry em voz baixa. “Pegue Amelia e saia daqui. Eu vou segurá-los.”
“Espere! Espere, Gourry! Que diabos de ideia é essa?”
“Eles parecem ser oponentes excepcionais. Já que não pode usar magia e Amelia está exausta, devo conseguir sair vivo sozinho, pelo menos, mas...”
“Minha nossa, vejo que tem instintos excelentes.” gritou uma voz masculina esganiçada entre as árvores. Olhei naquela direção, porém não vi nada.
“Um bom vilão se mostraria!” Amelia gritou, contudo a voz a ignorou.
“Procurar uma briga com nossa organização, mesmo enquanto estávamos fora, foi realmente ousado... Uma pena para vocês que retornamos logo depois que arruinaram o comício. Claro, iriam morrer de qualquer maneira... Hehehe.”
“Gilfa, não conte tudo isso a eles.” disse outra voz, dando um passo à frente.
Era um homem-besta. Sua aparência era um pouco semelhante a um homem-lagarto, todavia havia algumas diferenças sutis. Havia uma corcova bem grande em suas costas, sugerindo que era uma fusão de humano e cobra espiral preta. Ele era cerca de uma cabeça mais alto que Gourry e carregava uma espada larga desembainhada em uma mão.
“Hehehe. Não seja rude, Vedul. Quero que saibam quem está prestes a matá-los.” a voz ainda invisível de Gilfa riu.
“Por que se incomodar? Fomos apenas ordenados a rastreá-los e matá-los. É tudo o que precisamos fazer.” respondeu Vedul enquanto se aproximava aos poucos.
Com isso, Gourry rapidamente embainhou sua espada e retirou um alfinete do bolso.
Já está indo direto para a Espada da Luz?
A Espada da Luz era a arma lendária que havia matado Zanaffar, a besta que havia destruído Sairaag, antes conhecida como a Cidade da Magia. A espada magicamente forma uma lâmina canalizando a vontade de seu portador... Uma lâmina poderosa o suficiente para cortar até mazokus. Por mais inacreditável que pareça, Gourry era o orgulhoso herdeiro dessa arma lendária. O fato de estar recorrendo a ela logo de cara sugeria que esses dois inimigos não eram para brincadeira.
“Cuidado, Lina! Amelia!” Gourry alertou sem tirar os olhos de Vedul. “São três! Não baixem a guarda!”
Hein?
“Oho! Incrível. Você ouviu, Vedul? Esse cara foi capaz de sentir Grouz escondido ali.” disse Gilfa, sua voz o mais calma possível... Exceto que parecia estar vindo de onde Vedul estava.
Cerrei os olhos no sol do meio-dia, no entanto tudo que conseguia ver era o homem-lagarto ali. Também não parecia ventriloquia, então onde no mundo estava Gilfa?
O corpo de Vedul pulsava, enchendo-se de poder. Só então...
“Flecha Flamejante!” Amelia atacou de repente, aparentemente tendo entoado um feitiço todo esse tempo.
Vrrroosh! Conseguindo evitar ser pego de surpresa, Vedul pegou várias flechas. Mas no momento em que o fez, avançou direto para Gourry!
“Luz, venha!” o espadachim loiro rugiu, sacando sua lâmina brilhante em um movimento suave.
Gourry cortou a espada larga de Vedul e o próprio Vedul... Ou... Deveria ter feito isso.
“Tch!”
Em vez disso, ele recuou com um grande corte em seu peitoral de escamas de serpente de ferro.
“Hah! Olha, Vedul! A Espada da Luz! Não sei o quão habilidoso esse cara é com ela, porém é superior a qualquer espada que você possa encontrar. Poderia até cortar minhas sombras!” a voz de Gilfa soou, tão alegre que era estranha.
Parecia que no momento em que Gourry sacou a Espada da Luz, várias lâminas de escuridão haviam saído da sombra de Vedul no chão. Ao recuar, Gourry usou a Espada da Luz para afastá-las... E a espada larga de Vedul o atingiu de raspão no processo.
“Eles também parecem surpresos... Lamento dizer que precisará de magias melhores do que essa para machucar Vedul. Ele desenvolveu uma incrível resistência.”
Vedul tinha uma natural resistência mágica, comparável a um demônio inferior? Já lutei com um homem-besta parecido antes...
“Cale a boca!” disse o homem-lagarto, repreendendo Gilfa outra vez por sua loquacidade.
“Oh, não seja assim, Vedul. Se eu não tivesse usado minhas sombras agora, você estaria desarmado. E poderia não ter sido a única casualidade também...”
Espere... Gilfa era um mestre das sombras?
“Mesmo se tiver razão, não tenho como retribuir o favor.”
“Bem, isso é verdade...”
Enquanto os dois discutiam, Vedul voltou a atacar Gourry. Porém Gilfa... Mesmo se fosse um mestre das sombras, era realmente possível falar através da sombra de alguém assim?
“Sua sombra, Mestre Gourry!” Amelia gritou.
“Entendido!” Gourry respondeu sem perder o ritmo.
Então avançou, enfiando a Espada da Luz na sombra de Vedul no chão. Não, Gourry! Puxando-a de volta um segundo depois, um golpe descendente de Vedul veio no movimento de volta. Ele cortou a espada larga ao meio, entretanto no segundo em que o fez... O homem-besta enterrou seu punho esquerdo no intestino de Gourry!
“Gah!”
“Gourry!”
Gourry voou para trás com Vedul em perseguição. Seu corpo conseguiu se endireitar e preparar a Espada da Luz quase instantaneamente. Desta vez, foi ele quem fez Vedul recuar. A espada do cara era inútil agora.
“Meu Deus... Cuidado, Vedul. Teremos que pedir ajuda a Grouz nesse ritmo.”
“Acho que devemos.” disse o homem-besta com um forte aceno.
“Eu estava errada?” Amelia engasgou. Pelo jeito havia pensado que Gilfa se escondia literalmente na sombra de Vedul...
“Lina! Amelia! Vão logo! Posso resolver essa briga sozinho!” Gourry gritou, sangue escorrendo de sua boca.
“Mas...”
“É só um corte no meu lábio! Estou bem! Agora vá!”
“Tudo bem...” consegui espremer as palavras para fora.
“Lina?” Amelia gritou.
“Não estamos fazendo nada de bom aqui! Seus feitiços de suporte não vão funcionar, e... Sou apenas um fardo agora!”
Essa era a verdade nua e crua. Com minha magia selada, sou apenas um peso morto.
“Lina...” a voz de Amelia ecoou.
“Gourry! Estamos indo!”
“Ótimo! Fiquem seguras e nos vemos em breve! Amelia, tome cuidado com Lina!” Gourry disse, então sorriu confiante para Vedul. “Agora, vamos continuar. E você pode chamá-lo quando quiser... Este terceiro membro da sua equipe.”
“Muito bem! Saia, Grouz!”
Ao grito de Vedul, algo saiu voando da floresta... Porém Amelia e eu nunca vimos o que era.
———
“Lina...”
“...”
Nós duas estávamos caminhando pela floresta. Deixamos Gourry para trás e seguimos a estrada principal por um tempo antes de entrar nesta floresta ao longo do caminho.
“Lina?”
“Ah... Desculpe, estou me sentindo meio confusa.” respondi, minha voz baixa. “Só... Preciso descobrir o que fazer.”
Precisava encontrar uma maneira de derrotar Mazenda e recuperar minha magia. Ela parecia muito forte para derrotar de forma mundana. E se mandasse Amelia persegui-la, poderia acabar no mesmo estado que eu. Precisávamos de Gourry para qualquer estratégia anti-Mazenda plausível.
“De toda forma... Vamos nos esconder um pouco e esperar nossa chance de encontrar Gourry. Tenho certeza de que ele está bem. Só precisamos nos reagrupar.”
“Desculpe, contudo não vou lhe dar esse tempo.” soou uma voz familiar na nossa frente.
“Ugh!”
Mordi meu lábio.
Um manto vermelho e capa combinando... Era o cara que liderou a assembleia ontem à noite. Seu rosto era modesto, entretanto não consegui entender sua habilidade.
“Apesar da minha aparência, eu, Balgumon, sou o número dois da organização... Você me humilhou realizando essa façanha no meu turno, então vou provar meu valor destruindo-a com minhas próprias mãos.”
‘O número dois da organização’, hein? Então não se consideravam um culto...
“Obrigado, mas não.” respondi, sacando minha espada curta.
Apesar das aparências, sou bem decente no manuseio de uma lâmina. Posso derrotar quatro ou cinco caras normais sem nem mesmo usar o velho livro de feitiços. Talvez fosse só uma chance distante, porém se esse cara fosse apenas um feiticeiro comum, acredito que teria boas chances de derrotá-lo.
Certo! Vamos fazer acontecer!
“Amelia! Me apoie!” gritei enquanto corria para o cara. Podia ouvi-la entoando atrás de mim um feitiço que conhecia muito bem.
Ah, então é isso que ela está preparando...
“Heh! Tente a sorte!” Balgumon gritou, começando um canto próprio.
Amelia terminou primeiro, lançando seu feitiço de trás.
“Morra!” gritei enquanto pulava em Balgumon.
Um instante depois, a área foi engolida por um clarão de luz abrasador.
“Ugh!” Balgumon lamentou enquanto suas retinas eram queimadas.
Amelia tinha lançado um feitiço de Iluminação de brilho máximo e duração zero atrás de mim. Tendo previsto seu movimento, me abaixei para o lado assim que alcancei Balgumon. Boa! No momento em que a luz recuou, fechei a distância entre nós. Agora te peguei! Balancei minha espada curta com um movimento perfeito (se é que posso dizer)... Mas só acertei o ar.
“O quê?”
Balgumon, apesar do fato de que deveria estar cego, desviou do meu ataque sem esforço.
Afobada, me movi para persegui-lo. Ele se afastou, como se realmente pudesse me ver, e começou outro cântico. Talvez estivesse apenas fingindo ter perdido a visão? Contudo se fosse esse o caso, por que não aproveitou e revidou?
“Lina!”
No instante em que ouvi a voz de Amelia, senti uma ameaça se aproximando de cima...
“Ngh!”
Saltei para o lado assim que um lampejo de algo prateado passou direto pela direita do meu rosto. Se tivesse demorado um único segundo a mais, minha cabeça teria sido partida como uma melancia.
“Tem outro com você?” gritei, me distanciando em pânico.
“Tch. Não acabei com ela.”
Meu atacante era um homem-besta brandindo uma espada longa. Parecia um lobisomem, no entanto havia algumas pequenas diferenças. Talvez uma mistura de algumas espécies diferentes.
“Feltis, hein? Não interfira!” Balgumon se gabou, interrompendo seu próprio feitiço de novo.
“Seus olhos estão bem?”
“Sim. Consigo distinguir formas agora.”
Enquanto falavam, o homem-besta gradualmente se aproximou de mim enquanto Balgumon recuava.
“Ugh! Amelia! Agora não é hora de ser tímida!” gritei.
“Entendido!” ela gritou de volta, começando outro cântico.
Muito bem, era hora de trazer as armas grandes para o jogo! Mas agora... Balgumon estava correndo a toda velocidade em direção a Amelia. Ele estava apenas fingindo estar cego?
“Amelia!”
O homem-besta cortou meu caminho, então não pude me mover para ajudá-la. Amelia teria que enfrentar isso sozinha! Ela abortou o feitiço que estava entoando, assumiu uma pose de luta...
“Não se preocupe, Lina! Posso lidar com um ou dois vilões ordinários! Vou mostrá-lo o poder da justiça... Urgh!”
E prontamente perdeu a consciência quando levou uma joelhada no estômago de Balgumon. Vamos lá, aguente firme! Droga!
“Não se mova!” Balgumon ameaçou, agarrando-a por trás.
Ok, e agora? Vamos, Lina, pense...
“Que ingênuo.” falei, optando pelo blefe. “Acha que não sei? Mesmo se te ouvir, você ainda vai me matar no final de qualquer maneira... Então acha mesmo que vou fazer o que me disser?”
Com minhas palavras, um sorriso apareceu no rosto de Balgumon.
“Espere, tenho outra opção para oferecê-la. Porém primeiro, deixe-me perguntar uma coisa. Você é a feiticeira cuja magia Mazenda selou?”
“Sim, sou eu!” respondi, ainda mantendo minha espada erguida.
“Mais uma coisa, então. Essa garota te chamou de Lina... Você seria Lina Inverse?”
“Talvez!” tornei a responder casualmente.
Não é para me gabar, no entanto minha reputação me precede. Ouço esse tipo de coisa o tempo todo. Como uma bela espadachim de primeira classe e feiticeira virtuosa que esmaga o mal e salva os fracos, pode apostar que sou famosa! (Oops! Acabei me gabando!)
“Nesse caso... Pouparei sua vida. Também falarei com Mazenda e removerei o selo. Em troca, você vai nos ajudar.”
Ah. Eu sabia que que essa conversinha viria...
“Hmm...” murmurei.
Pessoalmente preferiria morrer do que trabalhar com esses idiotas, todavia não podia só deixá-los matar Amelia. Além do mais, ser morta aqui com ela não beneficiaria ninguém... O que não me deixava outra opção. Respirei fundo, abri a boca e...
“Ah, enfim te encontrei. Estive te procurando em todos os lugares, Mestre Feltis.” chamou uma voz cadenciada atrás de mim.
“É você! Aquele maldito monge! Não acredito que me perseguiu até aqui!” Feltis rugiu.
Whoa, ele parecia muito bravo. Com quem estava falando?
Nenhum comentário:
Postar um comentário