Capítulo 26: A batalha começa em Vezendi
“Já faz um tempo.” disse Seigram enquanto se aproximava com um passo suave.
“Você está parecendo bem... Para o meu desgosto.”
Seigram foi poderoso o suficiente para aguentar um golpe da Espada da Luz matadora de mazokus de Gourry da última vez, embora tenho certeza de que o feriu bastante. Presumi que levaria muito mais tempo para que se recuperasse, na verdade... Acho que é mais forte do que supus. Nós tínhamos nos fortalecido desde aquela vez, contudo, se Seigram não tivesse se recuperado por completo, seria molezinha de resolver... Ok, talvez não molezinha, no entanto nossas chances seriam muito melhores.
“Voltei para pagar a dívida que tenho com vocês.” sua voz soou calma.
“E trouxe alguns amigos para a viagem?” zombei.
“Nós somos seus assistentes, de certa forma.” veio uma voz do topo das escadas. Era o mazoku estiloso, Duguld. Enquanto brincava com seu chapéu com a mão direita, prosseguiu. “Ele quer dar uma surra em você e naquele homem loiro sozinho enquanto Guduza e eu cuidamos das sobras.”
“Oh?” a sobrancelha de Zel se contraiu. “Vou fazê-lo se arrepender de me menosprezar, seu mazoku de terceira classe.”
“Controle seu temperamento, sua quimera patética.”
Uh-oh! Eis uma clássica e boa troca antes de uma briga!
“O que acabou de dizer?” Zel rosnou, irradiando hostilidade. “Diga de novo.”
“Eu disse para controlar seu temperamento, criança.”
Rapaz, as faíscas estão voando por todo lado...
“Acho que isso me deixa com você para lidar!” Amelia anunciou, apontando corajosamente para o mazoku restante no fundo do cômodo, Guduza.
“Heh, as agonias de um humano moribundo... Faz tempo que não me banqueteio com elas.” com essas palavras assustadoras, os cantos dos lábios vermelhos de Guduza se curvaram para cima.
“Então está tudo resolvido.” Seigram disse, abrindo lentamente as mãos. “Vamos começar.”
Uma luz mágica apareceu em suas palmas, sinalizando o início do combate mortal dentro da dimensão da barreira dos mazokus!
Com um silvo, Duguld saltou para frente. Estava descendo direto as escadas em direção a Zel!
Zel sacou a espada larga de suas costas e, sem emitir qualquer som, começou a entoar um feitiço. Sua lâmina era fina, embora ainda fosse mundana. Contra mazokus, seres fundamentalmente astrais, ela não representava qualquer risco, muito menos os machucaria. Zel também devia estar ciente, então...
“Vamos!”
Com a capa ondulando em suas costas enquanto descia, Duguld estendeu sua mão direita. Uma dúzia de pequenas balas de escuridão dispararam de seus dedos em direção a Zelgadis.
Zel saltou pouco depois para trás. Pop-pop-pop! Os projéteis fizeram pequenos buracos no chão de madeira ao redor dos pés de Zel com a facilidade de uma faca quente cortando manteiga. Todavia assim que fizeram contato, Zel terminou seu canto e ativou as palavras de poder.
“Videira Astral!” entoou, a lâmina da espada larga em sua mão começando a emitir um leve brilho vermelho.
Poderia ser...?
“O quê?” Duguld gritou e se apressou em mudar de curso no ar.
Zelgadis saltou, chutando o chão para confrontar o mazoku no ar, então atacou com um corte para cima de sua espada larga!
Thunk! Ambos os lutadores pousaram no mesmo momento.
“Nada mal. No mínimo, melhor do que estive esperando.” Duguld disse sem se alterar.
Tudo o que a espada fez foi um corte profundo em sua capa, embora eu tivesse certeza de que as roupas de um mazoku eram parte de seu corpo. E quando o mazoku sem rosto virou sua capa para trás, de fato, ela estava perfeitamente consertada.
“Retiro o que disse sobre vocês serem ‘sobras’. Entendo... Infundir uma espada normal com magia? Nunca vi um truque desses.” ele continuou.
Sim, não sei quando ou onde Zel aprendeu essa magia, mas Duguld estava certo. O feitiço que lançou imbuiu sua espada com magia, transformando-a em um intermediário para atingir um oponente com magia diretamente. Não sabia o quão poderoso a arma imbuída de magia seria, porém as evidências até agora eram satisfatórias.
“Agora... Acho que terei que levá-lo a sério.” disse Duguld enquanto uma dúzia de novas balas escuras apareciam no ar ao seu redor.
———
“Vamos!” Amelia gritou, correndo direto para Guduza enquanto entoava um feitiço baixinho.
Atacando desarmada? Garota, você ficou louca?
O mazoku riu.
“Vindo direto para mim, não é?”
Seu cabelo farfalhou ao redor enquanto se lançava ao encontro de Amelia.
Seu cântico foi concluído e, quando o fez, a sombra de Guduza no chão se estendeu em sua direção. Amelia tentou evitá-la, contudo foi um pouco tarde demais. A sombra atingiu sua perna...
Thunk.
“?”
Com um grito silencioso, Amelia lutou por um minuto apenas para perceber que estava presa no lugar. Era obra da sombra de Guduza. Talvez alguma forma de ligação do plano astral, semelhante a uma Captura de Sombra.
“Patético... Agora, vou te despedaçar.” Guduza se aproximou imediatamente, seu cabelo preto farfalhando...
“Lança Elemekia!”
Amelia fez aquela otária voar! Lança Elemekia é um feitiço que danifica o espírito de um oponente, o que afetaria até mesmo mazokus, no entanto...
“Tola!” o mazoku sussurrou, desviando por completo do ataque.
Isso é péssimo! Ela não teria tempo para entoar outro feitiço! Entretanto, quando o projétil mágico que havia liberado passou bem perto de seu alvo...
“Quebre!” Amelia gritou.
Hein?
A Lança Elemekia explodiu em pedaços perto de Guduza!
“O quê?”
Encharcada com os fragmentos mágicos, Guduza soltou um grito de surpresa e pulou para trás. Isso deve ter quebrado sua concentração, porque a sombra no chão desapareceu, e Amelia foi libertada.
O que Amelia fez foi pegar uma Lança Elemekia, um feitiço simples que se lança em linha reta, e ajustá-la para explodir sob comando. Pequenas alterações como essa eram possíveis se tivesse um entendimento profundo o suficiente do canto de um feitiço.
Claro, quebrá-lo dessa forma o enfraqueceu em comparação ao uso normal... A explosão provavelmente não pareceu pior do que um banho um pouco quente demais para Guduza. Foi apenas a surpresa que a fez recuar.
“Hmm... Nada mal para uma mera criança humana!” Guduza sibilou, suas palavras fervendo de ódio.
Mas Amelia já estava entoando seu próximo feitiço. Guduza fechou em poucos instantes a distância entre as duas para tentar outra abordagem.
———
Por último, porém não menos importante, Gourry e eu estávamos travados em uma batalha nossa. Tudo começou na mesma hora em que Duguld estava pulando escada abaixo e Amelia estava correndo pelo lugar...
“Eek!” gritei.
As duas luzes mágicas que se manifestaram nas mãos de Seigram dispararam em nossa direção. Comecei a entoar um feitiço enquanto pulava para o lado para escapar, e Gourry... Apenas avançou direto para as luzes!
“Luz, venha!” ele rugiu, segundos antes de fazer contato.
Um raio de luz brilhante surgiu da empunhadura sem lâmina em suas mãos... Esta era a Espada da Luz matadora de mazokus, que canalizava a vontade de seu portador em forma de arma.
“Hahh!” Com um grito, Gourry cortou as luzes mágicas que se aproximavam! Zing!
Vrrring! Com estrondos ensurdecedores, ambas foram dissipadas sem causar nenhum dano. Por sua vez, Gourry continuou a atacar Seigram que as havia atirado.
Foi mais ou menos nesse momento que terminei o canto para minha própria Lança Elemekia... Porém era muito cedo para usá-la. Lembrei que Seigram tinha o poder de manipular a escuridão e teleportar pelo espaço. Se liberasse meu feitiço agora, seria fácil de desviar dele e do ataque de Gourry ao mesmo tempo. Precisava esperar Gourry atacar primeiro, então liberar meu feitiço quando Seigram reaparecesse.
Então observei Gourry balançar a Espada da Luz, e Seigram... Pulou? Contrariando minhas expectativas, Seigram apenas pulou no ar para evitar o ataque de Gourry. Quase ao mesmo tempo, manifestou mais duas esferas de luz mágica em suas mãos... E as jogou para baixo em Gourry!
“Wugh!” Gourry se moveu rápido para cortar as duas. Assim que o fez, Seigram pousou bem ao lado do grande idiota. Antes que pudesse puxar sua espada para trás para se defender...
“Gah!”
Seigram tinha dado um chute bem no estômago de Gourry.
Puta merda, esse desgraçado é rápido!
Gourry saiu voando para trás. Aproveitei a oportunidade para disparar a Lança Elemekia que eu tinha preparado em Seigram. Mas o mazoku de máscara branca, parecendo perfeitamente despreocupado, derrubou-a no ar com mais uma luz mágica manifestada de sua mão esquerda.
“Ugh... Ghk...” Gourry gemeu, se levantando do outro lado do cômodo. Pelo visto havia saltado para trás com o chute para amortecer seu impacto.
“Você está levando isso a sério?” Seigram perguntou, seu tom perfeitamente inalterado. “Se estiver... Ficou mais fraco comparado a antes.”
Ok, péssima notícia. Seigram não só estava recuperado das feridas da nossa luta passada, como ficou mais forte do que da última vez...
———
“Venha até mim, criança!” Duguld provocou, em um tom zombeteiro.
“Como quiser!” Zelgadis gritou por sua vez, correndo direto para o cara.
“Um!” Duguld gritou com um salto para trás.
Ao seu chamado, as balas escuras que o envolviam dispararam em direção a Zel, que as rebateu sem dificuldades com sua espada larga infundida com magia.
“Oho! Bem, então... Dois!”
Outra rodada de balas, essas com tempo e trajetórias ligeiramente diferentes, atingiram Zelgadis, mas ele as rebateu também.
“E... Três!”
A terceira onda também teve o mesmo destino. Duguld agora estava com as costas contra a parede. Não tinha mais para onde correr. E antes que pudesse fazer seu próximo movimento, Zelgadis terminou o feitiço que estava entoando.
“Goz Vu Row!”
Uma sombra negra surgiu no chão e correu em direção ao mazoku. Se o acertasse, atingiria sua forma astral, porém...
“Nada mal!” Duguld comentou, enviando suas balas escuras restantes chovendo sobre o Goz Vu Row que se aproximava.
Ker-crack! Plasma negro chiou e ambos os feitiços desapareceram, contudo Zelgadis seguiu atacando! Duguld não tinha mais nada para protegê-lo dessa vez. Zel ergueu sua espada larga bem alto e...
Vrrrz! Com um som como asas de inseto, o corpo de Duguld se dissolveu na parede atrás dele!
“O quê?” Zel exclamou em choque.
Zunk! O que deveria ter sido seu golpe mortal afundou inofensivamente na parede.
“Essa foi por pouco... Você quase me matou.” uma voz lânguida zombou bem atrás de Zel.
Arrancando sua espada de volta, ao se virar, viu Duguld se levantando do chão. Não sei se era uma vantagem da dimensão da barreira ou uma habilidade especial de Duguld, no entanto, de qualquer forma, o cara era um belo de um trapaceiro.
“É impressionante que consiga usar sua espada encantada e seus feitiços ao mesmo tempo.” disse o mazoku, inclinando um pouco a aba do seu chapéu. Um enxame de balas escuras apareceu ao redor do seu corpo outra vez. “Na verdade... Talvez eu precise fazer um esforço real.”
“Cale a boca!” Zelgadis gritou, partindo para uma nova investida.
Pelo jeito Duguld iria se manter firme dessa vez e apenas cobrir Zel com balas escuras em massa. Zelgadis, por sua vez, estalou a língua e atacou sem se importar. Ele afastou a maioria das balas voadoras, todavia...
“Geh!”
Zelgadis errou uma, que o acertou no ombro esquerdo. Um segundo disparo raspou sua perna direita.
“Tch!”
Ele não deixou que isso detivesse sua investida. Arrastando a perna, continuou correndo e... Krrsh! Passou sua espada larga direto por Duguld.
“Gwaaah!” o mazoku lamentou.
———
“Graaah!”
A uivante Guduza cobriu a distância até Amelia em um piscar de olhos. Vwoosh! Seu cabelo longo e preto começou a avançar em sua direção, mas Amelia seguiu avançando mesmo assim. Em um piscar de olhos ficou de frente para a face de sua adversária. Então, empurrou sua mão esquerda para frente... Porém o cabelo de Guduza se enroscou em seu braço!
Snap! Um estalo surdo soou e o sorriso de Guduza se alargou. Contudo, sem sequer gritar, Amelia enfiou seu outro punho direto no estômago de sua inimiga.
“Elemekia Lance!” ela então entoou, liberando um feitiço simultaneamente.
“Gwuh!” o mazoku gritou e pulou para trás, libertando Amelia no processo. “Como... Como você ousa?” Guduza sibilou, sua voz cheia de agonia e ódio.
Era evidente que um golpe como aquele não era o suficiente para acabar com um mazoku, embora parece tê-la ferido bastante. A troca, no entanto, também deixou Amelia com uma mão quebrada.
“Será que está louca, criança? Sacrificar sua própria mão esquerda...”
“É a única maneira de vencer!” Amelia declarou, destemida.
Era visível em seu semblante que estava com dor. A fina camada de suor em seu rosto provava isso.
“Entendo... Cometi um engano.” Guduza sussurrou para si mesma enquanto Amelia começava a entoar seu próximo feitiço. “Esperava te espancar até a morte enquanto me banqueteava com seu medo e angústia... Entretanto parece que não posso me dar ao luxo de pegar leve com você...”
E enquanto falava, Guduza tocou sua sombra no chão. Burble... Suas mãos derreteram até os pulsos.
Nesse momento, Amelia estremeceu. As mãos de Guduza emergiram da sombra de Amelia em suas costas e agarraram seus tornozelos com força! Ainda assim, ela seguiu entoando seu feitiço sem interrupção.
“Hehe... Eu vou te destroçar!” Guduza sussurrou.
Seu cabelo preto começou a crescer, dançando e se contorcendo como várias cobras finas. Ele caiu no chão, deslizou para sua sombra e então lentamente rastejou para fora da sombra de Amelia. Enrolando-se em seus pés, deslizando para cima... Então parou de repente.
“Sua pirralha! Esse encantamento...” Guduza engasgou, enfim percebendo o que estava sendo entoando.
O bom e velho Ra Tilt, o feitiço de ataque mais forte em toda a magia xamânica. Era um ataque de apenas um alvo, contudo causava dano astral poderoso o suficiente para matar um mazoku como Guduza com um único golpe. Esquivar-se não seria fácil.
Guduza hesitou por apenas um segundo. Parecia estar avaliando se seu cabelo poderia ou não matá-la antes que terminasse seu encantamento. Ela finalmente percebeu que não poderia...
“Tch!”
Suas mãos e cabelos soltaram Amelia, recuando para a sombra de onde vieram. Seu rosto branco de repente escureceu, ficando da mesma cor de seu corpo. Estava tentando fugir?
Ainda bem que Amelia era mais rápida!
“Ra Tilt!”
Com isso... Vwoosh! Um pilar azul de fogo consumiu o mazoku e desintegrou seu corpo sem nem mesmo lhe dar a chance de gritar.
———
“Foi um descuido meu.” disse Gourry enquanto preparava a Espada da Luz com um sorriso intrépido. “Parece que você mudou seus padrões de ataque desde a última vez que lutamos. Então fui pego desprevenido.”
Ei, uh, Gourry! Não vá contando essas informações pro inimigo!
Se estivéssemos no meio de um campo, eu poderia conseguir alguma distância e esmagar Seigram com um Dragon Slave. No entanto Gourry e os outros estão por perto, sem mencionar o fato de que estávamos na cidade. Era bastante óbvio que se tratava de uma dimensão de bolso de algum tipo, entretanto não tinha como saber suas propriedades exatas, assim não tinha ideia se usar um Dragon Slave aqui afetaria o mundo exterior ou não. Essa incerteza limitou minhas opções de forma severa.
Decidi que teria que dar assistência dos flancos com feitiços menores, sendo o mais cuidadosa possível para não atingir Gourry com fogo amigo. Nesse caso, sem muita escolha, comecei a preparar outra Lança Elemekia.
Enquanto o fazia, Gourry correu para frente. Ao mesmo tempo, Seigram caminhou com calmos passos em sua direção...
Gourry estava certo, Seigram havia mudado seus movimentos. Na última vez em que lutamos, ele sempre aguardava que seu oponente viesse ao seu encontro antes de teleportar no último segundo e retaliar de um local inesperado.
Isso poderia significar...
Uma ideia de repente passou pela minha cabeça. E se Seigram não estivesse completamente recuperado afinal? E se não estivesse usando sua habilidade de teleporte porque não podia?
Enquanto considerava a ideia, Gourry e Seigram colidiram. Gourry soltou um grito de guerra enquanto desferia um golpe diagonal... Que Seigram não conseguiu desviar!
Crackle! A Espada da Luz parou, espalhando magia ou luz ou algo assim (não tenho certeza). Seigram bloqueou a lâmina com outro orbe que conjurou em sua mão direita! Em seguida, movendo-se em grande velocidade, lançou sua perna direita no estômago de Gourry.
“Tch!” usando sua própria perna, bloqueou o chute do mazoku.
Os movimentos de Seigram eram bastante ágeis, retraindo seu braço e perna e recuando um passo para trás. Gourry atacou com um golpe forte por cima, e Seigram avançou como se estivesse esperando por sua iniciativa. Ele empurrou sua palma esquerda para frente com outra luz mágica surgindo dentro dela!
Gourry balançou a Espada da Luz para cima no braço esquerdo estendido do seu adversário. Mas, parecendo antecipar essa manobra, Seigram se lançou para frente e bateu a esfera mágica em sua mão direita na lâmina. Sua mão esquerda então disparou em direção a Gourry e...
Bwoosh! A luz mágica em sua palma esquerda se apagou quando minha Lança Elemekia a atingiu.
Gourry e Seigram pularam para trás ao mesmo tempo.
Para ser honesta, queria acertar Seigram... Porém acompanhar o vai e vem dos dois em combate era difícil, então errei um pouco o alvo. Claro, é melhor do que acertar Gourry, eu acho.
Ainda assim, os movimentos de Seigram estavam muito mais rápidos do que da última vez que nos enfrentamos. Era difícil acreditar que estivesse dando o melhor que podia em combate corpo a corpo. Na verdade, não tinha certeza do que mais eu poderia fazer...
Até agora, tenho conseguindo acompanhar os ataques de Gourry um pouquinho, talvez o resultado de viajar junto por tanto tempo, contudo isso não significava que poderia prevê-los. Um movimento errado e acabaria explodindo sua cabeça ou algo pior até.
Aos poucos, no entanto com confiança, Gourry e Seigram diminuíram a distância entre eles outra vez.
———
O grito de Duguld persistiu mesmo quando este desapareceu. Um leve sorriso escapou nos lábios de Zel. Todavia...
“Brincadeirinha!” o mazoku espetado disse de repente, jactando-se.
Os olhos de Zel se arregalaram em choque momentos antes de uma explosão mágica irromper ruidosamente entre os dois. Sem a chance de reagir, Zelgadis foi jogado para trás e... Crash! Seu corpo lançado voando para uma mesa próxima.
“Muito descuidado da sua parte, criança.” disse Duguld, inclinando o chapéu na direção do caído Zel. A espada larga seguia alojado no estômago do mazoku. “Você nem percebeu? Minhas balas roubaram da sua lâmina a magia que infundiu nela. Um pedaço mundano de aço não pode me ferir... Nem assim.”
Logo depois, sua mão removeu sem cerimônia a espada larga de seu estômago, jogou-a de lado de forma desinteressada, então se virou e caminhou em direção à onde Guduza e Amelia estavam lutando.
“En... Entendo.” Zel conseguiu dizer com um estremecimento.
Duguld parou no meio do caminho.
“Oho!” ele sussurrou entretido, olhando por cima do ombro.
Zel tinha acabado de se levantar e agora estava pegando sua espada larga, no entanto seu estado desgastado era preocupante. Suas pernas tremiam.
“Tem razão... Fui descuidado.” Zelgadis concordou, um sorriso reaparecendo em seu rosto enquanto preparava sua espada uma vez mais.
“Entendo...” Duguld se virou. “Também fui descuidado, criança. Subestimei sua força. Se você fosse um mero humano, aquele golpe teria te matado. Não levei seus... Aprimoramentos... Em consideração. Não vou me segurar mais.”
Pela terceira vez, Duguld foi cercado por uma mortalha de balas escuras.
———
Quando o pilar azul de chamas enfim se extinguiu, Guduza se foi. Amelia soltou um pequeno suspiro. Contudo justo quando o fez...
Wham! Uma onda de choque mágica a atingiu de frente!
“Gwuh!”
A explosão a jogou contra uma parede, onde acabou caindo no chão. Quanto ao feitiço, veio de... Guduza? Seu rosto branco e rígido estava pairando quase na altura dos olhos, sem corpo preso.
“Hmm, hmm... Isso pareceu doer!” Guduza refletiu enquanto a escuridão irradiava para fora de seu rosto. Em segundos, ela veio a se transformar em seu cabelo e corpo mais uma vez.
“Ngh... Hng...” Amelia soltou um gemido baixo, olhando para Guduza de onde estava deitada no chão.
“Aquele feitiço poderia ter me matado... No entanto nós, mazokus, podemos facilmente escapar dos feitiços escassos que vocês, humanos, usam. Deixei apenas uma concha astral vazia como isca, e você caiu.” Guduza se aproximou devagar, seu cabelo farfalhando enquanto se movia. “Agora... Acho que vou te matar.”
A boca carmesim de Guduza se torceu em um sorriso.
———
Gourry e Seigram seguiam travados em combate.
Estive mantendo um olho em Zelgadis e Amelia conforme a situação permitia, entretanto não posso dizer que as coisas estavam boas. Zel ainda sangrava de um buraco de bala em seu ombro esquerdo, enquanto Amelia estava encolhida no chão.
O que devo fazer? Ajudar Amelia e Zel? Mas o que isso realmente faria por nós? Devo quebrar a barreira, então? Não, no que isso nos ajudaria?
Tudo o que a barreira fazia era nos manter isolados do mundo real. Não havia miasma aqui, então não estava energizando os mazokus. Eles também não pareciam estar usando-a contra nós. Assim, se nos tirasse da barreira e os colocasse no mundo real, tudo o que estaria fazendo seria arrastar pessoas inocentes para o nosso conflito.
Espere um minuto...
Por fim algo me atingiu. Se fosse esse o caso, por que os mazokus se incomodaram em erguer a barreira em primeiro lugar? Um tempo atrás, lutei contra outro mazoku que, por algum motivo, se recusou a envolver espectadores. Era isso que estava acontecendo aqui? Se sim, quebrar a barreira de fato poderia funcionar a nosso favor.
Decidi jogar a Lança Elemekia que estive entoando em Guduza. Esperava poder pegá-la em um ponto cego...
“Eh?” porém ela só emitiu um pequeno grito, desviou do meu feitiço e se virou para mim.
Ah, certo! Acho que você não tem pontos cegos quando não tem olhos!
De qualquer forma, enquanto eu tinha a atenção do mazoku, comecei meu canto de amplificação. Os talismãs no meu pescoço, minha fivela de cinto e ambos os pulsos começaram a emitir uma luz fraca.
“Sangue de Demônio?” Guduza gritou em choque.
Eu comprei essas gracinhas de Xellos há um tempo, e eles tinham o poder chocante de aumentar a capacidade mágica de um conjurador. O canto de amplificação necessário prolongava bastante o tempo de conjuração de um feitiço, todavia fornecia um aumento proporcional no poder.
“Amplificação, hein? Não tão rápido!” Guduza uivou, e avançou direto para mim! Meu feitiço chegaria a tempo?
“Não toque nela, Guduza!” foi Seigram quem a parou. “Temos um acordo.”
“Mas... Seigram...”
Enquanto Guduza hesitava, liberei meu feitiço!
“Quebra de Fluxo!”
Uma estrela de seis pontas explodiu com luz brilhante que engolfou o cômodo! E quando desapareceu... Nos encontramos em meio a uma multidão agitada.
Você já deve imaginar os tipos. Um bando de homens de aparência rude sentados ao redor das mesas, um velho que parecia bêbado há muito tempo e um homem de meia-idade servindo comida... Todos estavam nos encarando. Dadas suas expressões, imagino que surgimos do nada... Mazokus incluídos, é claro.
“Tch!” Seigram resmungou estalando a língua.
Gourry não estava disposto a perder uma oportunidade tão magnífica. Ele desferiu um golpe alto e quase o pegou desprevenido, porém Seigram usou outra esfera de magia em sua mão direita para bloquear o golpe. Gourry não parou por aí, no entanto. Passando para o lado de Seigram, girando com sua lâmina onde encontrou a esfera mágica, esmagou a empunhadura de sua espada na máscara branca de Seigram!
Krik! Ouvi o som de pedra quebrando.
“Gahh!” Seigram saltou para trás com um grito, segurando sua máscara no rosto com a mão direita. “Guduza, Duguld! Retirem-se!”
“Ah, e justo quando as coisas estavam ficando boas...”
“Se você insiste.”
Os três mazokus então se viraram e voaram para fora da porta, deixando para trás uma taverna de pessoas tagarelas e confusas.
Claro, o resto de nós ficou parado. Se tentássemos persegui-los, eles iriam revidar... E precisávamos ajudar Amelia primeiro.
“Amelia!” gritei enquanto corria até ela.
“Eu estou... Estou bem.” ela guinchou com bravata através da dor.
“Calma, garota.” falei enquanto a ajudava com cuidado a se levantar.
Sua mão esquerda está quebrada, e embora não tivesse nenhum outro ferimento visível, aquela onda de choque mágica realmente a afetou.
“Estou bem... Vou lançar um feitiço...” sussurrou pouco antes de começar um cântico.
Era Ressurreição, o feitiço de recuperação definitivo. Pelo visto sua situação era mais complicada do que imaginei...
“Como Amelia está?” Zelgadis perguntou enquanto se aproximava. Ele próprio andava com passos trêmulos.
“Está se curando, mas venha aqui. Vou cuidar do seu ombro.” ofereci, acenando com minha mão livre.
“Está tudo bem.” Zelgadis respondeu balançando a cabeça. “Posso curar isso sozinho.”
“O quê? Você conhece magia de cura, Zel?”
“Recuperação, sim. Ela me ensinou um tempo atrás.” ele disse, indicando Amelia antes de começar a recitar o canto.
“Com licença, pessoal...” um homem que parecia o estalajadeiro se dirigiu a nós um pouco sem jeito. “O que diabos está acontecendo aqui? Vocês apareceram do nada... E quem eram aquelas pessoas que saíram correndo?”
“Oh, aquilo foi, uh... Er, é complicado, veja...” tudo o que consegui fazer foi gaguejar.
———
Eu, Gourry e Amelia voltamos para a casa de Laddock Lanzard bem depois do pôr do sol naquela noite. Zel ficou para trás na pousada decadente.
“Tem certeza de que está bem, Amelia?”
“Certa como a chuva!” ela declarou com uma pose heroica. Pelo jeito havia se recuperado, tanto física quanto mentalmente. “Fui pega de surpresa com alguns desses truques desagradáveis, contudo a próxima vez que nos encontrarmos será a última vez daquela vilã miserável!”
Essas foram as conversas que compartilhamos enquanto caminhávamos pelo portão da propriedade Lanzard. E enquanto entrávamos na casa...
“Ora, ora. Você passou por um bom momento, não é? Hahaha.”
“De jeito nenhum. Essas coisas fazem parte de servir ao mestre.”
Podíamos ouvir Xellos falando com um velho em uma sala diferente. Dei uma espiada e encontrei Raltark, o mordomo, tendo uma conversinha agradável com nosso ‘amigo’ durante uma partida de xadrez.
Grr... Senti uma raiva fervente borbulhando dentro de mim. Estávamos lutando por nossas vidas, e ele estava jogando xadrez?
“Ei! Xellos!” me peguei gritando.
“Oh! Bem-vindos de volta, pessoal.” ele nos cumprimentou com seu sorriso de sempre.
Rrrgh...
“Não me venha com ‘bem-vindos de volta, pessoal’! Estávamos em sérios apuros lá fora!”
“Oh?” Xellos inclinou a cabeça, pelo visto despreocupado enquanto movia uma peça no tabuleiro.
Esse cara...
“Acredito que seja xeque-mate.”
“Hmm... Sim, é verdade. Vejo que sua habilidade está além de mim, Mestre Xellos.” Raltark sussurrou num tom severo.
“Sério, não foi nada demais. Hahaha.”
Hahaha, minha bunda!
“Ei! Nós estávamos lutando por nossas vidas lá fora e você está sentado aqui rindo? Que tipo de babaca...”
“Não está em posição de criticá-lo!” uma repentina voz veio de trás de mim.
“O que foi isso?” me virei para ver o filho de Laddock parado atrás de mim no corredor.
“Quero dizer, tenha paciência, né. Meu pai a contratou como sua guarda-costas, e a primeira coisa que faz é andar pela cidade. Então volta aqui e dá uma bronca em um companheiro por problemas em que vocês saíram para encontrar? Que descaro!”
Urk!
Por um momento, fiquei sem palavras. Entendo que, do ponto de vista de Abel, estávamos totalmente errados... No entanto Lina Inverse não aceita essa porcaria de qualquer um!
“Xellos não merece compaixão humana!” declarei orgulhosamente.
Atrás de mim, Gourry e Amelia caíram. O próprio Xellos não demonstrou reação.
“Além do mais, expliquei ao seu pai logo de cara que Zuma viria atrás de mim antes dele! Você estava lá quando falei! Será que não ouviu direito, ou será surdo?”
Uma expressão complicada, uma combinação de medo e hesitação, passou por um rápido instante pelo rosto de Abel antes que este dissesse.
“Você disse que teve problemas na cidade... Foi com Zuma, o assassino?”
“Não...” pensei em mentir por um segundo, entretanto decidi ser honesta.
“Aha, eu sabia.” disse Abel, jorrando triunfo. Então fez uma pose pretensiosa, alisando o cabelo para trás. “Existe mesmo um assassino envolvido em tudo isso?”
“O que está insinuando?”
“Para começar, como vou saber que a carta que meu pai recebeu é de fato do verdadeiro Zuma? Ao que me parece alguns mercenários azarados poderiam ter pensado que meu pai era um alvo fácil e decidido enviar uma carta forjada de Zuma exigindo que os contratasse.”
Grr!
“Espere um minuto! Isso é...”
“Espere, Lina!” Amelia me interrompeu, olhando na direção de Abel. “Você está nos pedindo para ir embora?”
Os olhos de Abel permaneceram em Amelia e em mim enquanto fungava.
“Sou uma alma bem sensível, sabe. Só de pensar em dividir uma moradia com vocês, mercenários desorganizados, me dá enjoo.”
O que foi isso? Grrrrr... É por esse, e outros motivos, que odeio pirralhos ricos e mimados!
“Se dependesse de mim, já os teria expulsado há muito tempo, mas...”
“Basta!” trovejou a voz de Laddock, se aproximando rapidamente do fim do corredor.
“Pai?” Abel gritou em choque. “Será que não ouviu o que acabei de dizer? Essa coisa toda pode ser uma farsa!”
“E se não for, o que acontece?”
“Eh, bem...”
“Oh, cale a boca, Abel!”
Abel estalou a língua e ficou em silêncio. Boa, velho! De outra nele! Porém enquanto eu torcia por Laddock internamente, seu olhar cortante se virou na minha direção.
“É melhor parar com essa bobagem também. Não posso deixá-la sair sozinha. Pelo menos peça minha permissão primeiro!”
“O quê...? Deixamos uma mensagem com seu mordomo dizendo que estávamos saindo e tudo mais!”
“Foi o que ouvi! No entanto não significa que autorizei!”
Esse cara...
“Com licença, como expliquei antes, Zuma...”
“Vai te atacar primeiro, certo? Já ouvi! Meu ponto é este: quaisquer que sejam os fatos, pelo menos superficialmente, estou pagando dinheiro a vocês para me protegerem! Sendo assim, não podem só sair desta mansão quando bem quiserem!” ele vociferou, ainda furioso.
Grrrrrrrr!
“Bom, tanto faz! Vou ignorar dessa vez! O jantar está pronto, então vou mandar alguém te mostrar o caminho! Vamos, Abel!” Laddock ordenou.
Nem tive tempo de responder antes que o homem desaparecesse pelo corredor.
———
“Mas que diabos! O que há de errado com essas pessoas?” eu me enfureci, cortando meu bife de carneiro como se este tivesse matado meu pai.
Um criado nos mostrou uma pequena sala de jantar. Por sorte, Laddock e Abel estavam jantando separados de nós. Pelo que vejo, o ódio era mútuo entre nós, o que me convinha muito bem, já que não estava ansiosa para passar meu precioso tempo de refeição olhando para suas caras estúpidas. A comida em si era muito boa, embora não fosse boa o suficiente para acalmar minha raiva.
Nós colocamos Xellos a par da situação antes que começasse minha ladainha de reclamações. Estávamos apenas nós quatro no refeitório... Eu, Gourry, Amelia e Xellos. Então tomei a liberdade de continuar reclamando.
“Não vou lembrá-lo do grande favor que estou fazendo a ele, porém começo a achar que deveria! Como pode tratar alguém que concordou em protegê-lo de tal maneira?”
“Talvez esteja estressado porque sua vida está em perigo?” Amelia argumentou, com timidez.
“Sei disso!” retruquei. “E sei que o ataque de Seigram não teve nada a ver com o Velho Laddock ou o Pequeno Pirralho Abel!”
“Então do que isso importa?” Gourry disse, despreocupado como poderia estar enquanto mastigava um pouco de brócolis, que foi escaldado apenas o tempo suficiente para manter sua cor verde deslumbrante. “Admito, o pai e o filho não são nem um pouco pessoas amigáveis. Entretanto reclamar não vai mudar nada, vai?”
“Também sei disso! Estou apenas desabafando o estresse aqui!” gritei, espetando um talo de brócolis no meu garfo.
“Vamos, Lina...”
“Claro, entendo o que está passando.” Xellos disse calmamente, enquanto ele, por algum motivo, cortava uma pequena cenoura cozida com uma faca e um garfo. “Acredito que tenha mencionado antes que a única conexão de Seigram e Zuma aqui é com você e o Mestre Gourry. Nenhum dos dois tem nada a ver com a Srta. Amelia ou o Mestre Zelgadis, todavia sua associação com eles agora colocou suas vidas em perigo. Tenho certeza de que se sente péssima, Srta. Lina, porém está sendo tímida demais para admitir... Assim, é natural que precise de alguma outra maneira de desestressar.”
Bem, vejo que alguém está me superestimando aqui... Lancei um olhar de soslaio para Xellos.
“Espere um minuto... Você não acha que eu seja uma boa pessoa, acha?”
“Nem um pouco!” Xellos devolveu uma resposta firme e um sorriso radiante.
Ok, um pouco mais grosso do que precisava...
“Contudo acredito que seja o tipo de pessoa que gosta de compartimentar seus companheiros dessa forma.”
Ugh... Sua franqueza me colocou numa posição difícil em saber como responder. Seria um pouco estranho ficar ofendida e negar...
Depois de tudo, houve apenas o som de louça tilintando por um tempo.
“Ah, é verdade, Gourry.” falei de repente, enfim me lembrando de uma ideia que tive há um tempo, mas que continuava adiando.
“Hmm? O que é?” Gourry perguntou enquanto sorvia seu macarrão.
“Queria perguntar... Se importaria em se juntar a mim esta noite?”
Assim que essas palavras saíram da minha boca...
“Nossa, Lina! Tão ousada!” gritou Amelia.
“Oraa, parece que nossa garota está crescendo!” Xellos acrescentou.
“E-Ei! Não foi isso que quis dizer! Vamos, Gourry! Pare de corar!”
“Bem, quero dizer... Sabe...”
“Não quis dizer nesse sentido! Quero que me ajude com meu treino de espada!”
“Oh, é só isso?” Amelia disse desapontada.
“Que pena!” ecoou Xellos.
“Ainda assim, não é do seu feitio, Lina. Por que de repente quer treinamento de espada?”
“Escuta, não que eu seja um grande fã de toda essa coisa de ‘sangue, suor e lágrimas’, entretanto...” prossegui, coçando minha cabeça. “Tive dificuldade em acompanhar Zuma antes, e só assisti-lo lutar de canto é um desperdício. Atacar às cegas também é perigoso, então...”
“Hmm... Tem razão.” Xellos comentou de forma distraída enquanto cortava um pouco da carne da coxa de frango. “Não há substituto para um treinamento adequado. Mais importante, deveria ser capaz de derrotar alguém do calibre dele sozinha.”
“É por isso que vou tentar me esforçar um pouco.” respondi, colocando um bolinho de batata na boca.
———
No dia seguinte, Gourry e eu voltamos para a cidade. É claro, obtivemos permissão de Laddock dessa vez. O homem não ficou feliz, então acabamos deixando Xellos e Amelia para fazer o trabalho de babás... Todavia minha principal tarefa hoje era comprar um substituto para a ombreira que Zuma destruiu no começo de toda essa confusão.
É só impressão minha ou tenho perdido um monte de ombreiras nesses últimos tempos? Teria preferido apenas consertar a minha, mas comprei esse conjunto específico em Saillune. É pouco provável que houvesse alguém aqui com o conhecimento, e até mesmo os materiais necessário, para realizar o trabalho.
Vezendi era uma cidade bem grande, porém tinha uma séria carência de lojas de magia. Não tinha certeza se era uma característica de todo o Ducado de Kalmaart ou se era exclusivo desta área. De toda forma, conversamos com alguns moradores e, depois de algum tempo, encontramos a loja mais indicada da cidade.
“Deixe-me ver... Sim, duvido que consiga consertar aqui.”
Era uma loja de itens mágicos de um cômodo. Perguntei à proprietária idosa, que parecia não saber muito sobre magia, se ela poderia consertar minha ombreira, e a resposta foi mais ou menos o que já esperava. A velha senhora não era uma especialista em arcanos, apenas uma típica comerciante.
A mulher examinou a ombreira que lhe entreguei e continuou.
“Os ferreiros dessas partes não lidam com esse tipo de material. Bem, teve aquela vez... Um outro feiticeiro pediu para consertar seu peitoral. Entreguei o trabalho para um ferreiro na cidade que estava disposto a tentar consertar. Ele preencheu a fissura com chumbo ou ferro ou algo assim. Quando o feiticeiro voltou, foi uma grande confusão. ‘Eu não posso usar essa coisa pesada! Não vou pagar por tal serviço!’. Foi uma bela briga.”
No seu lugar eu também ficaria brava.
“Agora, você provavelmente vai querer substitui-lo ao invés de consertá-lo. Não vou dizer que será mais barato, entretanto para consertá-lo, eu teria que enviá-lo de volta para Saillune... Levará dois ou três meses, no mínimo. E com as despesas de envio, pode esperar que as taxas de reparo totalizem uma pequena fortuna.”
“Hmm... Imagino que sim...” comentei, cruzando os braços.
Enquanto discutia o assunto com a lojista, Gourry estava olhando para os itens mágicos enfileirados nas prateleiras, arregalando os olhos como uma criança em uma loja de brinquedos.
“A propósito, você é uma viajante? Acho que nunca a vi por aqui antes.”
“Sim, sou.”
“Nesse caso, espero que isso não pareça muito hostil, mas voltar a pé até Saillune para os reparos deve te economizar tempo e dinheiro.”
“Adoraria ir, contudo não posso.” falei com um sorriso sombrio. “Estou a serviço de um morador local chamado Laddock...”
“Ah! Entendo!” a mulher assentiu em compreensão. “Então é você quem o Mestre Laddock estava procurando... Lina, certo?”
“Sim, está certo.”
“Entendo, entendo. Aposto que ele está te tratando muito bem.”
...
“Sim... Claro!” devolvi uma resposta vaga.
Aquele babaca antissocial é legal com alguém? Ponderei a respeito enquanto a velha senhora continuava falando.
“O pai dele era um excelente comerciante... No entanto, só entre nós duas, não era do tipo amigável. Todavia o Mestre Laddock é tão bem-humorado. Não tem o dom para o comércio como o velho tinha, mas viaja por aí por prazer. Aproveita a vida ao máximo, sabe? Claro, algumas pessoas o chamam de diletante, porém digo que todo o dinheiro do mundo não significa nada se não tiver um bom coração... Não concorda, mocinha?”
“Bem... Acho que é verdade.”
Ack! Essa velha senhora está tentando me pegar na teia de fofocas!
“Agora, veja bem, o Mestre Laddock me pediu para ajudá-lo com uma coisa...” decidi segui-la na parte do ‘mestre’ enquanto tentava levar a conversa de volta aos trilhos. “Claro, não tenho liberdade para revelar os detalhes, é só que estou servindo como sua guarda-costas no momento. Não tenho muito tempo a perder, então terei que comprar novas ombreiras!”
“Entendo. Se for o caso...” a velha pensou por um minuto. “Ombreiras encantadas, hein? Tenho algumas guardadas. Um conjunto feito de osso de dragão raja oco...”
“Hã?” eu me peguei ofegante.
O osso de dragão raja era leve e resistente, embora dragões raja sejam raros hoje em dia, então armaduras feitas com seu material estavam fora de estoque em quase todos os lugares. As pessoas que tinham o item não queriam vendê-lo por nada menos que uma quantia exorbitante. Encontrar uma peça em um lugar como esse...
“É caro, não é?”
“Nem um pouco. Os últimos dez donos tiveram mortes horríveis, então vou fazer barato.”
“Passo.”
Como tem a cara de pau de me querer vender um item amaldiçoado?
“Sério? Bem, também tenho itens de couro incrustados com amuletos de joias, alguns forrados com asas de wyvern...”
Hmm, nenhuma dessas opções me soavam lá muito atraentes. Não que estivesse em uma situação de ser exigente...
“Ah, já sei!” a velha bateu palmas. “Tenho um conjunto que um viajante me vendeu há pouco tempo... Não sei do que são feitos. Quer vê-los?”
“Claro!” concordei prontamente. Estava ao menos disposta a tentar.
“Deixe-me ver... Acho que era...” a velha senhora vasculhou os fundos da loja por um tempo. “Aqui está.”
Ela voltou com um conjunto de ombreiras pretas. Eram de um material semelhante aos grandes protetores de casco de tartaruga limados que eu costumava usar, porém a textura era um pouco diferente. Não eram polidas e tinham bordas de metal, cada uma com um amuleto de joia embutido no centro. Não tinham muita ornamentação, contudo eram surpreendentemente leves quando as peguei... E, mais importante, resistentes.
Não tinha certeza do que eram feitas, no entanto tinham que ser melhores do que ombreiras de ossos amaldiçoadas ou as básicas de couro.
“São caras?” perguntei hesitante.
“Oh, não!” respondeu a mulher com um aceno desdenhoso. “Não sei do que são feitas e não paguei muito por elas. Vou fazer um acordo com você.”
Sim! Meu instinto estava me dizendo que era um achado incrível. Claro, se fosse com muita sede ao pote, a velha me teria na palma da mão!
“Hmm... Bom, elas são melhores do que couro, entretanto não tenho certeza se me sinto confortável comprando algo de um material desconhecido...”
Que comece a pechincha!
———
“Cara, mas que belo negócio!” consegui novas ombreiras por menos do que esperava e, portanto, saí da loja como se estivesse andando nas nuvens. Por sua vez, Gourry caminhava ao meu lado com uma expressão que parecia esgotada. “Qual é o problema? Sua cara parece exausta.”
“Ah, bem... Meio que me arrependo de ter ido às compras com você.”
“Hã? Acho que olhar itens mágicos não é muito divertido para você, é?”
“Na verdade... Esse não é o problema.” ele respondeu, soltando um grande suspiro enquanto olhava para o sol poente banhando a cidade em luz carmesim.
Ahh, sim. Acho que estávamos na loja há um bom tempo, com toda essa troca, fofoca e tal.
“De qualquer forma... O que devemos fazer agora? Passar para ver Zel?”
“Não, acho que está tudo bem. Nada aconteceu desde a noite passada, e nosso chefe vai ficar bravo se voltarmos tarde outra vez.”
“Justo... Ei, depois do jantar, poderia me dar mais um treinamento de espada?”
“Claro. E falando nisso... Tem um hábito inconsciente seu que preciso lhe contar. Não é que o faça toda vez, todavia quando está tentando evitar um ataque frontal, você quase sempre desvia para a esquerda. Recomendo que tente consertar essa mania.”
Hein?
“Sério?”
“Sim.” Gourry disse, assentindo.
Bem, se tivesse percebido acho que não seria um ‘hábito inconsciente’. Tenho que prestar mais atenção esta noite.
“Ótimo! Vamos fazer isso!”
Eu não deveria ter ficado tão animada...
———
Estava no quarto que me foi designado no segundo andar da mansão Lanzard. Deitei meu corpo exausto na cama enquanto pensamentos de autocensura tomavam minha mente.
A avaliação de Gourry esta noite foi certa. Tenho a tendência de favorecer minha esquerda quando vou desviar de ataques frontais. Porém se ficar muito fixada nessa ideia, não reajo a tempo.
(O treinamento consistia em Gourry usar um galho fino de árvore para me atacar várias vezes. Acho que o bastardo até achou engraçado, o que, garanto, com certeza não foi para mim.) Pior ainda, tentar desviar de maneiras que não estou acostumada me deixou com uma estranha tensão. No fim, acabei em um bom caso de fadiga de treino após nossa sessão de luta. Já tinha tomado um bom banho e estava mais do que pronta para meu sono de beleza.
Rapaz, meus músculos estão doloridos... Pensei enquanto começava a cochilar.
Contudo então me ocorreu. Sentei-me ereta na cama, agarrando minha capa e espada. Já tinha sentido isso antes. Foi como uma premonição. Como se algo simplesmente não estivesse certo.
Reconheci a fonte.
“Você está aí, não está?” perguntei para a janela.
Houve um momento de silêncio e pouco depois...
“De fato.” respondeu uma voz familiar.
Era Zuma.
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