quinta-feira, 6 de março de 2025

The Dragonbone Chair — Volume 01 — Capítulo 04

Capítulo 04: Gaiola de Grilo


Morgenes revirava sua oficina, envolvido em uma busca por um livro perdido. Ele acenou para Simon para que encontrasse uma gaiola para os pássaros, então voltou para sua caça, derrubando pilhas de manuscritos e fólios como um gigante cego em uma cidade de frágeis torres.

Encontrar um lar para os filhotes foi mais difícil do que Simon havia esperado: havia muitas gaiolas, mas nenhuma parecia adequada. Algumas tinham barras tão muito espaçadas que pareciam feitas para porcos ou ursos; outras já estavam abarrotadas de objetos estranhos, nenhum dos quais se assemelhava a animais. Por fim, encontrou uma que parecia adequada sob um rolo de pano brilhante. Chegava à altura do seu joelho e possuía forma de sino, feita de juncos de rio bem retorcidos, vazia, exceto por uma camada de areia no fundo; havia uma pequena porta na lateral mantida fechada por uma torção de corda. Simon afrouxou o nó e a abriu.

— Pare! Pare agora mesmo!

— O quê? — Simon saltou para trás. O doutor pulou para frente e fechou a porta da gaiola com o pé.

— Desculpe por assustá-lo, garoto. — Morgenes ofegou. — Porém eu deveria ter pensado antes de mandá-lo procurar por aí. Temo que esta gaiola não é boa para os seus propósitos.

— Por que não? — Simon se inclinou para frente, apertando os olhos, contudo não conseguiu ver nada de extraordinário.

— Bem, meu amigo, fique aqui um pouco e não toque, e lhe mostrarei. Que tolice minha não ter lembrado.

Morgenes olhou ao redor por um momento até encontrar uma cesta de frutas secas há muito ignorada. Soprou a poeira de um figo enquanto caminhava até a gaiola.

— Agora observe com cuidado. — ele abriu a porta e jogou a fruta; esta caiu na areia no fundo da gaiola.

— E...? — perguntou Simon, intrigado.

— Espere! — sussurrou o doutor. Assim que as palavras deixaram seus lábios, algo começou a acontecer. A princípio, parecia que o ar soprava na gaiola; rapidamente ficou claro que a própria areia estava se movendo, girando devagar ao redor do figo. De repente... Tão de repente que Simon pulou para trás com um grunhido de surpresa, uma grande boca dentada se abriu na areia, engolindo a fruta tão rápido quanto uma carpa pode romper a superfície de um lago para pegar um mosquito. Houve uma breve ondulação ao longo da areia, e então a gaiola ficou outra vez estagnada, tão inocente quanto antes.

— O que tem ali embaixo? — Simon engasgou.

Morgenes riu.

— É a areia! — ele soara muito satisfeito. — É a própria besta! Não há areia em si: é apenas uma mascarada, por assim dizer. A coisa toda no fundo da gaiola é um animal inteligente. Adorável, não acha?

— Acho que sim. — disse Simon, sem muita convicção. — De onde veio?

— Nascadu, lá nos países desérticos. Viu por que não quis que mexesse aí dentro. Acredito que seus órfãos emplumados também não teriam se divertido muito.

Morgenes voltou a fechar a porta da gaiola, prendendo-a com uma tira de couro, e colocou-a em uma prateleira alta. Tendo subido em sua mesa para fazê-lo, ele então continuou ao longo de sua grande extensão, pisando habilmente sobre a cama até encontrar o que queria e pular para baixo. Este recipiente, feito de tiras finas de madeira, não continha areia suspeita.

— Gaiola para grilos. — o doutor explicou, e ajudou o jovem a mover os pássaros para seu novo lar. Um pequeno prato de água foi colocado dentro; de algum outro lugar Morgenes até mesmo tirou um pequeno saco de sementes, que espalhou no chão da gaiola.

— Eles têm idade suficiente para isso? — Simon perguntou. O doutor acenou com a mão descuidada.

— Não se preocupe. — respondeu. — Será bom para os seus bicos.

Simon prometeu aos seus pássaros que voltaria em breve com algo mais adequado, e seguiu o velho pela oficina.

— Bem, jovem Simon, encantador de tentilhões e andorinhas. — Morgenes sorriu. — O que posso fazer por você nesta fria manhã? Creio que não havíamos completado sua justa e honrada recompensa pelos sapos no outro dia, quando fomos forçados a parar.

— Sim, e estava esperando...

— E acredito que havia outra coisa também?

— O quê? — Simon pensou bastante.

— Um pequeno problema de um chão que precisa ser varrido? Uma vassoura, solitária e abandonada, dolorida em seu coração de galhos para ser usada?

Simon assentiu, melancólico. Esperava que um aprendizado pudesse começar de uma forma mais auspiciosa.

— Ah. Uma pequena aversão ao trabalho braçal? — o doutor ergueu uma sobrancelha. — Compreensível, no entanto deslocado. Deve-se valorizar essas tarefas monótonas que mantêm o corpo ocupado, entretanto deixam a mente e o coração livres. Bem, nos esforçaremos para ajudá-lo em seu primeiro dia de serviço. Pensei em um arranjo maravilhoso. — ele deu um pequeno passo engraçado. — Eu falo, você trabalha. Ótimo, hein?

Simon deu de ombros.

— Tem uma vassoura aqui? Esqueci a minha.

Morgenes vasculhou atrás da porta, enfim puxando um objeto tão gasto e cheio de teias de aranha que era quase irreconhecível como uma ferramenta para varrer.

— Agora... — o doutor disse, apresentando a vassoura com tanta dignidade como se fosse o próprio estandarte do rei. — Sobre o que quer que eu fale?

— Sobre os invasores do mar e seu ferro negro, e os sitha... E nosso castelo, é claro. E o Rei John.

— Ah, sim. — assentiu Morgenes, pensativo. — Uma longa lista, mas se não formos interrompidos mais uma vez por aquele preguiçoso cabeça de pano, Inch, posso ser capaz de reduzi-la um pouco. Vamos, garoto, vamos... Deixe a poeira voar! A propósito, onde foi que parei na história...?

— Oh, os rimmerios tinham vindo, e os sitha estavam recuando, e os rimmerios tinham espadas de ferro e estavam cortando pessoas, e matando todo mundo, matando os sitha com ferro negro...

— Hmmm. — Morgenes ruminou secamente. — Agora me lembro. Hmm. Bem, verdade seja dita, os invasores do norte não estavam matando todo mundo; nem suas expansões e ataques eram tão implacáveis ​​quanto os fiz parecer. Eles ficaram muitos anos no norte antes de cruzarem a Marca Gelada... Mesmo assim, encontraram um grande obstáculo: os homens de Hernystir.

— Sim, mas o povo sitha... — Simon interrompeu, impaciente. Sabia tudo sobre os hernystiros, pois havia conhecido muitas pessoas daquela terra pagã ocidental. — Você disse que o povo pequeno tinha que fugir das espadas de ferro!

— Povo pequeno não, Simon... Oh, meu Deus! — o doutor desabou sobre uma pilha de livros encadernados em couro e puxou suas escassas suíças. — Vejo que preciso contar essa história com mais detalhes. Estão o esperando de volta na cozinha para o almoço?

— Não. — Simon mentiu prontamente. Uma história ininterrupta do doutor valia uma das lendárias surras de Raquel.

— Bom. Então vamos encontrar um pouco de pão e cebolas... E talvez um pouco de algo para beber. Falar é um trabalho que dá muita sede, então me esforçarei para transformar a escória no mais puro Metal Absoluto: em suma, para lhe ensinar algo.

Depois que os dois se abasteceram, o doutor Morgenes voltou a tomar assento.

— Bem, bem, Simon... Oh, não precisa levar essa vassoura enquanto come. Os jovens são tão flexíveis! Agora, corrija-me, por favor, se estiver errado. O dia de hoje é o décimo quinto... Décimo sexto? Não, décimo quinto dia de novender. E o ano é 1164, não é?

— Acho que sim.

— Excelente. Coloque isto no banco, sim? Então, fazem mil cento e sessenta e quatro anos desde o quê? Sabe me dizer?

Morgenes se inclinou para frente.

Simon fez careta. O doutor sabia que ele era um cabeça-oca e estava tirando sarro. Como um ajudante de cozinha poderia saber sobre essas coisas? Assim, continuou a varrer em silêncio.

Depois de alguns momentos, olhou para cima. O ancião mastigava, olhando-o atentamente por sobre um pedaço crocante de pão escuro.

“Que olhos azuis penetrantes o velho tem!” Simon pensou, se virando de volta.

— E bem? — o doutor insistiu com a boca cheia. — Desde o quê?

— Não sei. — sussurrou o garoto, odiando o som de sua própria voz ressentida.

— Que assim seja. Você não sabe... Ou acha que não sabe. Você escuta as proclamações quando o pregoeiro as lê.

— Às vezes. Quando estou no Mercado. Caso contrário, Raquel me conta o que dizem.

— E o que dizem no final? Eles leem a data no final, se lembra? E cuidado com aquela urna de cristal, garoto, você varre como um homem barbeando seu pior inimigo. O que dizem no final?

Simon, irritado pela vergonha, estava prestes a jogar a vassoura no chão e ir embora quando de repente uma frase flutuou das profundezas de sua memória, trazendo consigo sons de mercado... O vento estalando de flâmulas e toldos, e o cheiro limpo de grama primaveril espalhada sob os pés.

— Desde a Fundação.

Estava seguro. Ouviu como se estivesse na avenida principal.

— Excelente! — o doutor ergueu seu copo como se estivesse em saudação e tomou um longo gole. — Agora, a ‘Fundação’ de quê? Não se preocupe... — ele continuou enquanto Simon começou a balançar a cabeça. — Vou te contar. Não espero que os jovens de hoje em dia, criados como são em andanças e proezas apócrifas, saibam muito sobre a real substância dos eventos. — o doutor balançou a cabeça, com tristeza fingida. — O Império Nabbanai foi fundado... Ou declarado fundado, mil cento e sessenta e sei lá o que anos atrás, por Tiyagaris, o primeiro Imperador. Naquela época, as legiões de Nabban governavam todos os países dos Homens ao norte e ao sul, em ambos os lados do Rio Gleniwent.

— Mas, mas Nabban é pequeno! — Simon ficou surpreso. — É apenas uma pequena parte do reino do Rei John!

— Isso, jovenzinho... — explicou Morgenes. — É o que chamamos de ‘história’. Impérios têm uma tendência a declinar; reinos a entrar em colapso. Dado mil anos ou mais, qualquer coisa pode acontecer. Na verdade, o auge de Nabban durou consideravelmente menos do que isso. O que quero dizer é que Nabban já governou os Homens, e os Homens viveram lado a lado com o povo sitha. O rei dos sitha reinou aqui em Asu’a, ou Hayholt, como o chamamos. O rei-erl, ‘erl’ é uma palavra antiga que quer dizer sitha, recusou aos humanos o direito de entrar nas terras de seu povo, exceto por uma concessão especial, e os humanos... Mais do que com um pouco de medo dos sitha, obedeceram.

— O que são os sitha? Você disse antes que não eram o Povo Pequeno.

Morgenes sorriu.

— Aprecio seu interesse, rapaz. Ainda mais quando ainda não matei ou mutilei ninguém hoje! Porém apreciaria muito mais se não fosse tão tímido com a vassoura. Dance com ela, garoto, dance! Olha, limpe ali, se quiser.

Morgenes trotou até a parede e apontou para um pedaço de fuligem com vários côvados de diâmetro. Parecia muito com uma pegada. Simon decidiu não perguntar e, em vez disso, começou a varrê-la para soltá-la da pedra rebocada de branco.

— Ahhhh, te agradeço meu garoto. Estou querendo tirar essa coisa há meses, desde a véspera dos Defuntos do ano passado, na verdade. Agora, onde em nome dos Vistrils Interiores eu estava...? Ah sim, suas perguntas. Os sitha? Bom, foram os primeiros a estar aqui, e talvez estejam aqui quando todos tivermos partido. Quando todos nós tivermos partido. São tão diferentes de nós quanto o Homem é do Animal, contudo um pouco parecidos também... — o doutor parou para reconsiderar suas afirmações.

— Para ser justo, Homem e o Animal vivem um período de anos similarmente breve em Osten Ard, e isso não é verdade para os Sitha e Homem. Se o Povo Encantado não é de fato imortal, ainda é certo que vivem muito mais do que qualquer homem mortal, até mesmo nosso rei nonagenário. Pode ser que não morram, exceto por escolha ou violência... Talvez se você for um sitha, a violência em si mesma pode ser uma escolha...

Morgenes parou. Simon o encarava de boca aberta.

— Oh, feche essa boca, garoto, está parecendo Inch. É meu privilégio divagar um pouco em pensamentos. Prefere voltar e ouvir a Senhora das Camareiras?

A boca de Simon se fechou, e voltou a varrer a fuligem da parede. Havia mudado o formato original da pegada para algo parecido com uma ovelha; ele parava de vez em quando para olhá-la com avaliação. Uma coceira de tédio se fez sentir na parte de trás do seu pescoço: gostava do doutor, e preferia estar ali do que em qualquer outro lugar... No entanto o velho seguiu assim! Talvez se varresse um pouco mais da parte de cima, pareceria um cachorro...? Seu estômago roncou baixinho.

Morgenes continuou explicando, no que Simon pensou ser talvez detalhes desnecessários, sobre a era de paz entre os súditos do eterno Rei-Erl e os dos Imperadores humanos emergentes.

— Então, sitha e homens encontraram uma espécie de equilíbrio. — disse o velho. — Até comercializavam um pouco juntos...

O estômago de Simon roncou alto. O doutor sorriu um pequeno sorriso e colocou de volta a última cebola, que acabara de levar da mesa.

— Os homens trouxeram especiarias e corantes das Ilhas do Sul, ou pedras preciosas das Montanhas Grianspog de Hernystir; em troca, receberam coisas bonitas dos cofres do Rei-Erl, objetos de misteriosa e estranha artesania.

A paciência de Simon chegava ao seu fim.

— Mas e os marinheiros, os rimmerios? E as espadas de ferro?

O garoto olhou ao redor em busca de algo para roer. A última cebola? Ele se esgueirou cautelosamente até ela. Morgenes, parado de frente para a janela, olhava para o entardecer cinzento. Simon a guardou no bolso e correu de volta para o ponto da parede. Muito diminuída em tamanho, a mancha agora parecia uma serpente.

Morgenes continuou sem se afastar da janela.

— Suponho que houve bastante sobre tempos de paz na minha história de hoje. — ele balançou a cabeça, caminhando de volta para seu assento. — A paz logo acabará... Não tema.

O doutor sacudiu a cabeça outra vez, e uma mecha de cabelo fino caiu sobre sua testa enrugada. Simon roeu escondido sua cebola.

— A era de ouro de Nabban durou um pouco mais de quatro séculos, até a chegada dos primeiros homens rimmerios a Osten Ard. O Império Nabbanai começou a se voltar contra si mesmo. A linhagem de Tiyagaris havia morrido, e cada novo Imperador que tomava o poder era outro lançamento do copo de dados; alguns eram bons homens que tentavam manter o reino unido. Outros, como Crexis, o Bode, eram piores do que qualquer saqueador do norte. E alguns, como Enfortis, eram apenas fracos.

— Durante o reinado de Enfortis, os portadores do ferro chegaram. Nabban decidiu se retirar do norte completamente. Eles recuaram pelo rio Gleniwent tão rapidamente que muitos dos postos avançados da fronteira norte se viram desertos, deixados para trás para se juntar aos rimmerios que se aproximavam ou morrer.

— Hmmm... Estou te entediando, garoto?

Simon, encostado na parede, se levantou bruscamente para encarar o sorriso conhecedor de Morgenes.

— Não, Doutor, de forma alguma! Só estava fechando os olhos para ouvir melhor. Continue!

Na verdade, todos aqueles nomes, nomes, e mais nomes o estavam deixando um pouco sonolento... E desejou que o ancião se apressasse para as partes com batalhas. Embora gostasse de ser o único em todo o castelo com quem Morgenes falava sobre tais assuntos. As camareiras não sabiam nada sobre esse tipo de coisa... Coisas de homens. O que as criadas ou damas da corte sabiam sobre exércitos, bandeiras e espadas...?

— Simon?

— Oh! Sim? Continue!

O garoto se virou para varrer o último borrão da parede enquanto o doutor prosseguia. A parede estava limpa. Tinha terminado sem se dar conta?

— Vou tentar fazer a história um pouco mais breve, rapaz. Como ia dizendo, Nabban retirou seus exércitos do norte, tornando-se pela primeira vez um império puramente do sul. Era apenas o começo do fim, é claro; com o passar do tempo, o Império se dobrou como um cobertor, cada vez menor, até hoje, onde não passa de um ducado... Uma península com suas poucas ilhas auxiliares. O que, em nome da Flecha de Paldir, você está fazendo?

Simon se contorcia como um cão tentando coçar um ponto difícil. Sim, ali estava o restante da sujeira da parede: uma mancha em forma de cobra nas costas de sua camisa. Ele se encostou nela. Virou-se sem jeito para Morgenes, mas o doutor apenas riu e continuou.

— Sem as guarnições imperiais, Simon, o norte foi imerso em um caos. Os marinheiros capturaram a parte mais ao norte da Marca Gelada, nomeando seu novo lar Rimmersgardia. Não satisfeitos, os rimmerios avançaram para o sul, varrendo tudo diante deles em um avanço sangrento. Coloque esses fólios em uma pilha contra a parede, sim?

— Roubaram e arruinaram outros homens, fazendo muitos de prisioneiros, porém para os sitha se revelaram criaturas fatais, eles os caçaram e deram morte ali onde os encontravam; com fogo e ferro frio... Cuidado com esse, é um bom rapaz.

— Aqui, Doutor?

— Sim... Pelos Ossos de Anaxos, não os deixe cair! Coloque-os no chão! Se soubesse as terríveis horas da meia-noite que passei rolando dados em um cemitério de Utanyeat para colocar minhas mãos neles...! Pronto! Muito melhor.

— Agora, o povo de Hernystir, um povo orgulhoso e feroz que nem mesmo os Imperadores de Nabban conseguiram conquistar, não estava nem um pouco disposto a dobrar seus pescoços para os rimmerios. Ficaram horrorizados com o que os nortistas faziam com os sitha. Os hernystiros eram de todos os homens os mais próximos dos sitha, ainda hoje é visível a marca de uma antiga estrada comercial entre este castelo e o Taig em Hernysadharc. O senhor de Hernystir e o Rei-Erl fizeram um pacto desesperado e, por um tempo, mantiveram a maré do norte sob controle.

— No entanto, mesmo unidos, sua resistência não duraria para sempre. Fingil, rei dos rimmerios, marchou rumo ao sul da Marca Gelada por sobre as fronteiras do território do Rei-Erl... — Morgenes sorriu com tristeza e continuou. — Estamos chegando ao fim agora, jovem Simon, não tema, estamos chegando ao fim de tudo...

— No ano 663, as duas grandes hostes chegaram às planícies de Ach Samrath, ao norte do Rio Gleniwent. Por cinco dias de terrível e implacável carnificina, os hernystiros e os sitha conseguiram forçar os rimmerios a retroceder. Entretanto no sexto dia foram traiçoeiramente atacados de seu flanco desprotegido por um exército de homens dos Thrithings, que há muito cobiçavam as riquezas de Erkynlandia e dos sitha para si. Amparados pelo manto da escuridão, fizeram uma investida assustadora. A linha de defesa foi quebrada, as carruagens dos hernystiros esmagadas, o Veado Branco da Casa de Hern pisoteado na terra sangrenta. Dizem que dez mil homens dos hernystiros morreram no campo naquele dia. Ninguém sabe quantos sitha caíram, mas suas perdas também foram graves. Os hernystiros que sobreviveram fugiram de volta para a floresta de seu lar. Em Hernystir, Ach Samrath é hoje um nome apenas para ódio e perda.

— Dez mil! — Simon assobiou. Seus olhos brilhavam com o terror e a grandiosidade da cifra.

Morgenes notou a expressão do garoto com uma pequena careta, ainda que não comentou.

— Esse foi o dia em que o domínio sitha em Osten Ard chegou ao fim, embora tenha levado três longos anos de cerco antes que Asu’a caísse para os vitoriosos nortistas.

— Se não fosse pelas estranhas e horríveis magias realizadas pelo filho do Rei-Erl, provavelmente não haveria sobrevivido nem um único sitha à queda do Castelo. Todavia muitos sobreviveram, fugindo para as florestas, e para o sul para as águas e... E outros lugares.

Agora a atenção de Simon estava fixa como se estivesse pregada.

— E o filho do Rei-Erl? Qual era o seu nome? Que tipo de magia invocou? — um pensamento repentino lhe ocorreu. — E o Preste John? Achei que fosse me contar sobre o rei... Nosso rei!

— Outro dia, Simon. — Morgenes abanou a testa com um maço de pergaminhos finos, embora a câmara estivesse bem fria. — Há muito a contar sobre a idade das trevas após a queda de Asu’a, muitas histórias. Os rimmerios governaram aqui até o dragão chegar. Nos últimos anos, enquanto o dragão dormia, outros homens tomaram conta do castelo. Muitos anos e vários reis em Hayholt, muitos anos sombrios e muitas mortes até John chegar...

Ele parou de falar, passando a mão no rosto como se quisesse afastar o cansaço.

— E o filho do rei dos sitha? — Simon perguntou baixinho. — E a... A ‘magia terrível’?

— Sobre o filho do Rei-Erl... É melhor não dizer nada.

— Por quê?

— Chega de perguntas, garoto! — Morgenes rosnou, acenando com as mãos. — Estou cansado de falar!

Simon ficou ofendido. Só tentava ouvir a história toda; por que pessoas adultas se aborrecem tão fácil? Contudo, era melhor não ferver a galinha dos ovos de ouro.

— Sinto muito, doutor. — tentou parecer arrependido, no entanto o velho estudioso parecia tão engraçado com seu rosto de macaco corado e seu cabelo ralo espetado!

— Sério, me desculpe.

Nenhuma mudança. O que tentar em seguida?

— Obrigado por me contar uma história.

— Não é ‘uma história’! — Morgenes rugiu. — É a História! Agora vá embora! Volte amanhã de manhã pronto para trabalhar, pois você mal começou o trabalho de hoje!

Simon se levantou, tentando manter o sorriso escondido, mas quando se virou para ir embora, este escapou e desenhou seu rosto. Quando a porta se fechou nas suas costas, ouviu Morgenes xingando quaisquer demônios sobrenaturais que haviam escondido sua jarra de cerveja preta.



***



A luz do sol da tarde estava cortando através de frestas nas nuvens pesadas enquanto Simon voltava para o bastião interior. À primeira vista, parecia estar enrolando e boquiaberto, um garoto alto, desajeitado e ruivo com roupas cobertas de poeira. Por dentro, estava tomado por pensamentos estranhos, uma colmeia de desejos zumbindo e murmurando.

“Olhe para este castelo.” pensou... Velho e morto, pedra pressionada sobre pedra sem vida, uma pilha de rochas habitada por criaturas de mente pequena. Porém já tinha sido diferente. Grandes acontecimentos ocorreram aqui. Trompas soaram, espadas brilharam, grandes exércitos se chocaram uns contra os outros e ricochetearam como as ondas do Kynslagh batendo contra o muro. Centenas de anos transcorreram, contudo parecia a Simon que agora tudo isso havia ocorrido apenas para ele, enquanto o povo lerdo e estúpido que dividia o castelo com ele passava rastejando, pensando em nada além da próxima refeição e um cochilo logo depois.

“Idiotas.”

Quando passou pelo portão traseiro, um brilho chamou sua atenção, atraindo-o para a passarela distante que circundava a Torre de Hjeldin. Uma garota estava lá, brilhante e pequena como uma joia, seu vestido verde e cabelo dourado abraçando o raio de sol como se tivesse caído do céu apenas para ela. Simon não conseguia ver o seu rosto, no entanto de alguma forma tinha certeza de que era linda... Linda e misericordiosa como a imagem da Imaculada Elisia que havia na capela.

Por um momento, aquele lampejo verde e dourado o acendeu como uma faísca em madeira seca. Sentiu todo o incômodo e ressentimento que carregava desaparecer, esfumando em um instante. Sentia-se tão leve e flutuante quanto a pena de um cisne, presa de qualquer brisa que pudesse levá-lo para longe, pudesse levá-lo até aquele brilho dourado.

Desviou o olhar da maravilhosa garota sem rosto, para suas próprias vestes esfarrapadas. Raquel o esperava, e seu jantar tinha esfriado. Um peso indefinível voltou a tomar seu assento habitual, dobrando seu pescoço e deixando seus ombros caídos enquanto caminhava em direção aos aposentos dos criados.

***

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