Capítulo 72: O graveto brilhava vermelho como uma pedra preciosa
O graveto brilhava vermelho como uma pedra preciosa e, embora não houvesse chamas saindo dele, se alguém colocasse a mão sobre as brasas, seria difícil mantê-lo ali por mais de alguns segundos. A panela pendurada sobre ele continha um ensopado — ou melhor, uma mistura fervente de miscelânea.
A vista da janela estava envolta no leve manto da noite, mais um tom de violeta do que preto como breu. O vento podia ser ouvido farfalhando as folhas nos galhos.
“Agora coma até se fartar!” uma garota elfa colocou o pote bem no centro da mesa, arrancando um leve sorriso de um garoto de cabelos castanhos. “Aqui está, a especialidade da terra dos elfos — ensopado mulligan.”
Outro menino de cabelos louros o encarava com ar cansado.
“De novo...?” reclamou. “É a única coisa que você sabe fazer?”
“Qual é o seu problema?” a garota elfa protestou.
O menino de cabelos castanhos começou a servir o ensopado.
“Não é ruim, não me interpretem mal. O gosto é bom, porém... Sabe.”
“Você fica enjoado se tem o mesmo gosto toda vez.” o garoto de cabelos louros terminou sua fala.
“Bem, o que devo fazer então? Estamos pressionados por dinheiro aqui. Se quer reclamar, vá trabalhar!”
“Não tenho como contradiz, contudo... Hey, você não pode fazer algo a respeito?”
A conversa de repente mudou para um garoto ruivo, que coçou a bochecha desajeitadamente.
“Por que está me perguntando?”
“É horrível, então?” a elfa fez beicinho. “Acha isso também?”
“Não particularmente... Acho ótimo.”
“Não é? Hehehe, agora são dois contra dois.”
“Ele só está com pena... Sigh, vamos terminar o próximo trabalho o quanto antes para que possamos colocar algo bom na mesa.”
O menino de cabelos louros resignadamente enfiou uma colher em sua tigela. O menino ruivo fez o mesmo, saboreando os legumes e a carne (picada um pouco grande demais), fervida em caldo com sal como único tempero. Os ingredientes contribuíram com seus próprios sabores e sem dúvida não tinham um gosto ruim. No entanto parecia que faltava alguma coisa.
O garoto ruivo parou por um momento até que algo lhe ocorreu. Puxando sua bagagem para perto de si, começou a remexer nelas.
“Algo errado?”
“Bem...” o garoto ruivo tirou uma pequena caixa de dentro.
A garota elfa inclinou a cabeça.
“O que é essa caixinha?”
“Algumas especiarias do leste, algumas ervas silvestres e um pedaço de seiva de atura.” disse enquanto pegava alguns saquinhos de dentro. Parecia que o menino tinha o hábito de carregar temperos. Medindo alguns dos temperos em pó em sua mão, polvilhou-os todos juntos sobre a panela. Não muito depois um cheiro apetitoso começou a exalar.
“Próximo...” o garoto esculpiu um pedaço de seiva de atura seca. Era uma substância com sabor e fragrância únicos, usada com frequência na culinária ao ar livre. O menino comprou alguns apenas no caso de o grupo ter que acampar em um pedido de longo prazo. Ele derreteu a seiva no fogo e a adicionou assim que atingiu uma consistência sedosa, testando cuidadosamente o sabor o tempo todo. Em seguida, jogou ervas aromáticas secas e sal antes de terminar com queijo duro e seco, que raspou com uma faca e polvilhou por cima.
“Para ser honesto, eu estava guardando isso para se tivéssemos que acampar, mas... Como está?”
Os meninos já estavam bebendo quando terminou de fazer a pergunta.
“Delicioso! Sabia que você tinha algo aí!”
“Confiável como sempre, pelo que vejo.”
“Estão me dando crédito demais.” o garoto ruivo disse com um sorriso irônico. Ele ficou surpreso ao descobrir que a elfa de repente o puxou para perto dela. Podia ver seu próprio rosto refletido claramente em seus olhos esmeralda.
“Hey.”
“S-Sim?”
“Poderia me ensinar a cozinhar?”
“C-Claro.”
○
A casa não era muito espaçosa para começar, e agora estava um pouco apertada. Contando crianças e adultos, eram nove moradores. A mesa, que acomodava apenas quatro pessoas, estava longe de ser suficiente, então Belgrieve pegou outra emprestada que ocupava o restante do espaço.
“O pão está pronto, pai.” Charlotte gritou, enquanto começava a empilhar os pães finos em um prato.
“Tudo bem.”
Ao mesmo tempo, Miriam mexeu uma panela de ensopado sobre a lareira. Os preparativos do jantar demoravam um pouco mais agora — não era uma tarefa simples alimentar mais do que o dobro do número de bocas a que estavam acostumados. Por sorte, Angeline, Anessa e Miriam sabiam cozinhar. Charlotte estava fazendo o possível para aprender, e o processo se tornou mais divertido do que problemático.
A refeição consistia em pão fino frito e ensopado de carneiro, junto com uvas secas e queijo. O cheiro exalando do ensopado o deixou com um humor estranho. As especiarias foram compradas em Orphen; Belgrieve sentiu como se os tivesse cheirado há muito tempo.
Kasim amarrou o cabelo para trás e disse.
“Oh, é um cheiro nostálgico.”
“Também acha? O que era mesmo...? Onde nós o pegamos...?”
“Foi nessa época, lembra? Quando jogou aquelas especiarias na comida de Satie.”
“Oh, verdade.”
Sim, eu me lembro disso. Fazia menos de um mês desde que o grupo havia se formado. No início, Satie era convidada a cozinhar pelo motivo óbvio de ser a única menina. Depois daquilo, porém, Belgrieve lembrou-se de ter sido encarregado de cozinhar com mais frequência.
Kasim partiu um pedaço de pão e relembrou.
“Acho que foi o contraste, mas foi legal. Realmente apimentou o ensopado insípido de Satie.”
Anessa piscou.
“Satie cozinhava mal ou algo assim?”
“Nada mal, só faltava variedade.”
“Ela cortava carne e legumes e os cozinhava com sal e nada mais. Gabou-se de ser uma especialidade élfica ou algo parecido. Seja honesto comigo, vovô. Ela estava dizendo a verdade?”
Graham, que estava limpando o ensopado pegajoso da boca de Mit, ergueu a cabeça para responder.
“Reconhecidamente, uma vez que se acostuma com os sabores daqui, a culinária do território élfico parece um pouco sem graça. Não é que não comemos carne, é que apenas raras vezes enfeita a mesa de jantar. Embora lembas e hidromel estejam muito acima até mesmo das maiores iguarias do ducado.”
“Lembas, hein? Ouvi Maggie mencioná-las.”
“Lembas é sua comida favorita, tio?” Charlotte perguntou.
“Sim, é”
“Como a faz? Acha que poderíamos fazê-la aqui?”
“Duvido... É preciso amassar a farinha com a seiva da árvore espiritual e, uma vez cozida, deve descansar nas folhas da árvore espiritual... As árvores são abundantes no território élfico, contudo são difíceis de encontrar aqui.”
“‘Árvore espiritual’... Quer dizer ohma?”
“Lembro-me de ser referido como tal...”
“Wow! Então existem muitas árvores ohma crescendo em território élfico? É incrível!” Miriam se surpreendeu.
O ohma era uma árvore rara cuja seiva podia ser usada para produzir vários remédios — elixires caros sendo um deles. Todavia, foram colhidos até a última raiz em locais de habitação humana. Agora, só podiam ser encontrados nas profundezas das montanhas ou em masmorras difíceis. Talvez fosse precisamente porque os humanos não eram bem-vindos no território élfico que suas florestas eram povoadas por árvores.
Angeline, com a boca cheia de ensopado, perguntou.
“Satie já falou alguma coisa sobre lembas?”
“Certo, não me lembro de ter ouvido muito sobre antes... Tive a sensação de que ela não gostava muito de sua terra natal.”
“Sempre que falava sobre território élfico, era sempre sobre como era chato.”
“É, tio?”
“Bem... Seria chato para um elfo que anseia pelo mundo exterior.”
Graham, Marguerite e Satie eram todos hereges pelos padrões dos elfos. Todos partiram, rejeitando seu modo de vida tradicional. Era lógico que a vida élfica era chata para essas pessoas; se estivessem satisfeitos, nunca teriam ido embora.
Anessa cruzou os braços.
“Eu realmente não entendo... Os elfos se opõem mesmo a sair de casa?”
“É igual com os humanos, Anessa. Os aventureiros veem o que fazemos como um desejo evidente, mas muitos humanos preferem criar raízes em um só lugar, viver e morrer lá.”
“Você acha?”
Foi o assim para os residentes de Turnera. Os agricultores rurais valorizavam a tradição e a comunidade local acima de tudo. No momento em que alguém nascia ali, era como se estivesse fadado a morrer ali também. Seu anseio pelo mundo além terminou dessa forma — um anseio não realizado, que poucos jamais colocariam em prática.
Dentro de tais costumes, seriam os ‘hereges’ que tornariam esses anseios uma realidade — os excêntricos em seu meio que não se inibiam pelo modo como a vila funcionava até aquele ponto. Às vezes, isso equivaleria a se tornar um viajante e, outras vezes, era apenas uma alma rebelde questionando o status quo. Em Turnera, esse papel coube a Belgrieve e Angeline, e no território élfico coube a Graham.
A tradição era, em certo sentido, estagnação. A mudança também pode ser chamada de caos. Onde quer que seja, havia aqueles que odiavam a estagnação e outros que odiavam a mudança. Não era menos evidente no ducado do que na terra dos elfos.
Eles conversaram mais enquanto desfrutavam do jantar e, quando os pratos foram lavados, o sol já havia se posto além das montanhas.
Belgrieve encheu uma chaleira com água e colocou-a sobre o fogo antes de sair de casa para pegar lenha. A primavera estava em plena floração durante o dia, porém a brisa da noite era fria assim que o sol se punha. Por mais frio que estivesse, o crepúsculo da primavera era estranhamente suave e ele não se importava nem um pouco.
Seus pensamentos se voltaram para as casas vizinhas. Talvez um de seus vizinhos estivesse praticando algum ofício ou outro, e talvez outros estivessem oferecendo um pequeno banquete. Belgrieve podia ouvir o dedilhar de um violino desafinado voando ao vento em algum lugar da vila.
Belgrieve olhou para a escuridão no final do pátio até se lembrar da madeira que viera buscar. Quando voltou, Graham e Byaku estavam sentados um de frente para o outro diante da lareira.
“Hmm... Então, mais uma vez.”
“Entendi.”
A expressão de Byaku ficou tensa enquanto parecia se concentrar em algo. Foi sugestão de Graham que conversasse com o demônio dentro dele. O objetivo era fazer com que o menino definisse melhor quem era enquanto ganhava uma compreensão mais profunda do demônio.
Desde o início, Graham ficou intrigado com o mistério do que de fato eram os demônios e, é claro, se interessou bastante pelo garoto. Até Byaku teve dificuldade em ir contra o comportamento solene do velho elfo; ele raramente o xingava como faria com Belgrieve e a maioria dos outros, e Belgrieve achou bastante divertido o quão dócil havia se tornado.
Enquanto os dois se encaravam, todos determinados, Charlotte passava o tempo todo mexendo no cabelo de Graham. Parecia estar se divertindo brincando com o cabelo prateado caracteristicamente sedoso de um elfo, e seu pente nunca dava sinais de descanso. Também foi muito divertido ver Graham — com uma cara tão séria — tendo o cabelo trançado e preso em rabos de cavalo e marias-chiquinhas pelas meninas. Belgrieve segurou o riso enquanto adicionava lenha ao fogo até que Byaku terminasse sua meditação e abrisse os olhos, momento em que Belgrieve explodiu em gargalhadas.
“Seu cabelo é tão liso, e na sua idade! É incrível!” disse Charlotte.
“Você... Quando estou tentando ser sério aqui...” Byaku gaguejou.
“Não precisa ficar tão bravo... Byaku...”
“Está bem com isso, vovô...?” perguntou Anessa. Ela estava ocupada olhando por cima do arco, lubrificando a corda e inspecionando as penas e pontas de suas flechas.
Angeline sentou Mit em seu colo enquanto jogava cartas com Miriam e Kasim. Era tão animado que Belgrieve mal podia acreditar que estava morando sozinho apenas um ano antes.
“Vamos jogar pôquer, pai.”
“Sim, me dê um segundo. Vou preparar um chá.”
“Está fervendo água? Deixe-me fazer isso...” Angeline transferiu Mit para Miriam e pulou. “Gosto de chá floral, contudo sinto falta das folhas quaresmais.”
“O pote é muito pequeno para tanta gente... Vamos torcer para que o mascate traga um grande da próxima vez.”
“Devíamos ter comprado um quando tivemos a chance.”
“Verdade... Estive com medo de quebrá-lo no meio do caminho, no entanto foi um erro.”
“Hehehe... Então você também comete erros, pai?”
“Claro que cometo. Acho que está me superestimando.” Belgrieve disse com uma risada, bagunçando o cabelo de Angeline.
Quando o chá foi trazido para a mesa, Mit agarrou-se a Belgrieve.
“Pai, comete erros?”
“Haha, você é um bom ouvinte.” Belgrieve deu-lhe um tapinha na cabeça e tomou um gole de chá.
“Senhor Bell, sabe...” Miriam explicou, rindo. “Comprou tantas coisas, mas esqueceu de pegar um bule.”
“É porque comprei tantas coisas peculiares...”
“Como o vaporizador...?”
“Sim... E aquela panela quente. O que vamos fazer com aquilo?”
“Hehehe, não vai encontrar ingredientes orientais aqui.” disse Kasim, acariciando a barba. Então, como se só então se lembrasse, ele apoiou o cotovelo na mesa. “Então qual é o plano? Quando vamos sair?”
Kasim estava se referindo a sua jornada iminente ao Umbigo da Terra em busca de Percival. Belgrieve levantou Mit antes que pudesse tropeçar e o colocou em seu colo.
“Por volta do verão. Devemos pelo menos esperar até que a nova casa esteja pronta.”
“É incrível. Eles já fizeram tanto, então devem terminar antes do verão, imagino.”
“Uma casa nova... Mal posso esperar.”
“Está ficando muito apertado aqui.”
Além do mais, Belgrieve não conseguia deixar de lado a sensação de que mais pessoas viriam. Em todo caso, seus dias eram passados trabalhando nos campos enquanto se preparava aos poucos para a viagem. Não tinha muitas coisas para empacotar, porém eles estavam indo para uma terra estrangeira e teriam que escolher o caminho com cuidado.
Dizia-se que o Umbigo da Terra ficava nas montanhas Nyndia, na fronteira de Tyldes e Dadan. Ficava bem ao sul de Turnera. Havia duas opções que poderiam tomar para chegar lá. O primeiro caminho implicaria passar por Lucrecia ao sul, enquanto o segundo envolveria ir para o leste de Orphen ou Bordeaux e passar por Tyldes.
Terminada a manutenção do arco, Anessa puxou uma cadeira e se juntou ao círculo.
“Se está indo para o leste de Bordeaux, significaria pegar a rota comercial do norte, certo? Vai ser um grande desvio.”
“Sim, está certo. Se estivermos passando por Tyldes, seria mais seguro pegar a rota comercial oriental de Orphen.”
“Já esteve em Tyldes, Sr. Kasim?”
“Estive. Bem, fiquei na capital imperial por mais tempo, então me sentiria mais em casa lá, no entanto.”
“Hmm, então isso pode ser melhor...”
“Entretanto quero ver mais Tyldes...”
“Tyldes é uma terra de planícies abertas, Ange. Eles têm muitos nômades. Você vai ficar bem quando é tão ruim para andar a cavalo?”
“Grr...” Angeline cruzou os braços. Por alguma razão, andar a cavalo era a única coisa que nunca conseguia entender. Naturalmente, Angeline insistiu em acompanhá-lo na viagem. Se a líder do grupo estava indo, significava que Anessa e Miriam seriam adicionadas à contagem também. Será uma viagem luxuosa, viajando com dois aventureiros Rank S, pensou Belgrieve.
Kasim se mexeu um pouco para olhar para Graham.
“Hey, vovô. Já esteve alguma vez naquele buraco?”
Graham levantou a cabeça. Seu cabelo trançado agora estava preso em um coque atrás da cabeça.
“Apenas uma vez.” disse ele. “Foi há mais de cinquenta anos.”
Belgrieve coçou a bochecha. Cinquenta anos — foi antes de nascer. Era uma escala vertiginosa de tempo.
“Bem, é alguma coisa.” disse Kasim, despenteando a barba com um sorriso. “Mas duvido que se lembre do caminho então.”
“Sim... Minhas memórias daquela época são vagas.”
“Que rota usou naquela época?” Angeline perguntou.
“Eu? Naquela época... Estava voltando do leste, pelo que me lembro. Foi depois de obter isso.” disse Graham, apontando para sua espada encostada na parede. Era uma lâmina viva fabricada a partir do fruto da árvore de madeira de aço, que crescia apenas nas extremidades mais distantes do leste.
Angeline soltou um suspiro de admiração.
“É uma boa espada.”
“Talvez seja hora de você encontrar uma boa espada para si mesma.”
“Hmm...” Angeline pegou as cartas e começou a embaralhá-las com maestria. “Por enquanto, vamos apenas brincar.”
“Tudo bem, vamos fazer assim. Podemos tomar nosso tempo planejando a viagem mais tarde.”
“Certo...”
Belgrieve olhou pela janela, acariciando a cabeça de Mit enquanto o menino puxava sua barba. O vento sacudia levemente as finas vidraças.
○
A oeste de Bordeaux e Hazel havia uma floresta profunda conhecida apenas como Floresta Antiga. A floresta existia desde os dias em que os humanos cultivaram o solo imperial e, embora muitos tenham tentado cultivar a terra, a floresta exibia veemente oposição. No final, só puderam erguer aldeias em sua orla. A floresta ofereceria prontamente todas as suas bênçãos, todavia nunca deixaria ninguém ser seu mestre.
Poucos se aventurariam nas profundezas da floresta, é claro que tal coisa permitiu que muitos rumores espalhassem: de monstros de alto escalão que espreitavam lá dentro, grandes árvores que andavam por conta própria e bruxas que desviavam os errantes e os transformavam em animais. Foi até dito que era o lar de deuses antigos e perdidos de antes da época de Salomão.
Havia dois homens estacionados lá. Um era um soldado sênior nascido e criado em Hazel, e o outro era um soldado mais jovem destacado de Bordeaux.
“E eu estou lhe dizendo.” disse o velho ao jovem. “Nunca vá muito fundo, é o que minha mãe sempre me dizia.”
“Hmm, então nem mesmo os aventureiros se aventuram muito lá dentro?”
“Você acertou. Afinal, é um lugar para onde os aventureiros vão e nunca mais voltam. Não é preciso ir muito longe para colher frutas e cogumelos, e é um lugar abundante, considerando todas as coisas.”
“Acha que a senhorita Helvetica já pensou em abrir o lugar?”
“Quem sabe. Tudo o que posso dizer é que nada de bom aconteceu com as pessoas que tentaram fazer isso.”
“O que quer dizer?”
“Depois de cortarem várias centenas de árvores para cultivar a terra, ouvi dizer que um bando de novas árvores veio marchando das profundezas da floresta para substituí-las. Contudo primeiro, elas esmagaram os lenhadores e os enterraram no chão. Mesmo agora, pode ouvir os gemidos daqueles lenhadores que foram transformados em fertilizante...”
O jovem soldado estremeceu.
“Hey, chega dessa história.”
“Hahaha, você não gosta de histórias assustadoras, não é?”
“Não é bem assim... Tudo isso foi inventado?”
“Não, é verdade que as árvores que você cortou estarão de volta na manhã seguinte. E também que a primeira aldeia que alguém tentou montar foi engolida pela floresta. E que ninguém nunca mais ouviu falar dela.”
“Whoa, que horrível. Se cortar não funciona, que tal queimá-las?”
“Não seja tolo. Uma floresta de verdade não pega fogo assim. Há muita água no solo. E se o fizer, acabará acordando todo tipo de coisa que não deveria ser despertada.”
“Haha, estou apenas brincando... Então é por esse motivo que temos que patrulhar a floresta todas as noites?”
“Exato. Não é como se estivesse transbordando de monstros ou algo parecido. Nem se tornou uma masmorra. O lugar é simplesmente incompreensível.”
“Eles são como um vizinho problemático?”
“Pode colocá-lo dessa forma. Mas, hey, estamos nos dando bem o suficiente por enquanto e devemos nos dar bem no futuro. Você apenas não pode deixar de ficar um pouco ansioso quando é tão misterioso.”
“Hã? Ouviu alguma coisa?”
“O que?”
Os dois soldados aguçaram os ouvidos. Misturado com o farfalhar das árvores, havia um som estrondoso — um rosnado baixo, do tipo que ressoava na boca do estômago.
Depois de trocar um olhar, os dois olharam fixamente para as profundezas da floresta. Iluminados pelo que era quase uma lua cheia, entre as silhuetas escuras da mata, puderam ver que algo grande se movia — uma tremenda massa de sombras, muito maior que a própria floresta. Era como se uma montanha inteira estivesse se movendo. Para sua surpresa, embora algo tão grande estivesse em movimento, os dois não podiam ouvir nenhuma das árvores caindo, ou mesmo o estalar dos galhos. Ainda era apenas o farfalhar das folhas que acompanhavam o rosnado baixo.
Os soldados prepararam seus arcos no topo da torre de observação e engoliram a respiração. Eles pensaram em tocar a campainha para acordar os outros. Seria uma emergência terrível se aquela coisa chegasse à cidade. Precisavam despertar os moradores.
Porém aquela coisa grande — o que quer que fosse — não estava indo na sua direção. Ela estava lenta, no entanto seguramente em curso para as montanhas ao norte.
“O que nós fazemos?”
“Vamos assistir para ver o que faz. Se não começar a vir por aqui, podemos fazer um relatório mais tarde. Não há necessidade de tocar a campainha.”
“Vou acordar os soldados.”
“Vá em frente.”
Houve um grande tumulto no posto de soldados de Hazel naquela noite, todavia felizmente não foi grande coisa. Ela apenas se movia devagar, aparentando não mostrar sinais de sair da floresta. Ao amanhecer, havia sumido. Os soldados sentiram como se tivessem sido colocados sob algum tipo de feitiço e não sabiam bem o que relatar.
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