domingo, 10 de março de 2024

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 11 — Capítulo 141

Capítulo 141: Turneta viu muito pouca chuva

Turnera viu muito pouca chuva — para não dizer que nunca choveu, mas ainda assim foi uma visão rara. No inverno, a neve era quase uma ocorrência cotidiana, porém quando a primavera e o verão chegavam e a chuva começava a cair, as crianças viam essa estranheza como motivo de comemoração e dançavam com prazer nela (não importando os adultos, que tendiam a ficar irritados por atrapalharem seu trabalho ao ar livre).

A chuva de hoje foi uma garoa leve; a chuva que caía era tão fina que mal poderia ser chamada de gotas, contudo sair de casa ainda resultaria em roupas molhadas e pegajosas, e a água acumulada nos beirais dos edifícios caía pesadamente.

“A água está caindo...”

“Isso é estranho.”

Hal e Mal estavam andando pelo quintal. Seus cabelos pretos estavam encharcados e a franja colada na testa. Foi uma experiência bastante interessante para as duas, e elas acariciavam os cabelos úmidos enquanto olhavam para o céu chuvoso. Elas nunca pareciam se cansar disso.

Belgrieve observava suas travessuras em uma cadeira sob o beiral de sua casa. Ele se lembrou de como Angeline costumava andar na chuva assim. Não parecia se importar em se molhar e, consequentemente, Belgrieve acabaria tendo que acender a lareira no meio do verão para ajudar a secar suas roupas.

O cenário distante era de um branco enevoado, visível apenas como uma coleção de silhuetas tênues. O som da água pingando do telhado para o chão ou para o balde de madeira que havia sido deixado de fora emitia um som claro e distinto de tambor. O bater rítmico da chuva foi interrompido pelo eco dos machados atingindo as árvores ao longe.

“Hey, vocês vão pegar um resfriado se ficarem muito molhadas.” alertou Belgrieve.

As gêmeas riram, seu aviso apenas as fez se sentirem mais inclinadas a correr maliciosamente na chuva. Pareciam gostar de incomodar os mais velhos, um desejo comum a todas as crianças. E como já sabia, Belgrieve as deixou sozinhas, apesar do sorriso amargo em seu rosto. Teria ficado um pouco mais preocupado se fosse uma chuva de primavera, no entanto agora era verão. Contanto que secassem e se aquecessem, é provável que ficassem bem.

Algum tempo se passou desde que encontrou a Dama do Inverno com Percival e Kasim. Eles discutiram o encontro com Graham mais tarde, entretanto como o inimigo não estava claro, ninguém queria tirar conclusões precipitadas. Não era como se estivessem tratando as palavras do grande espírito como um completo absurdo — a forma como entidades como a Dama do Inverno percebiam o tempo era diferente dos humanos. Talvez os eventos de que falou acontecessem em pouco tempo, todavia poderiam muito bem acontecer cem anos no futuro. Seja qual for o caso, não adiantava se preocupar. Eles determinaram que havia muito pouca informação para basear e, em Turnera, era impossível obter mais informações do que as que tinham. Nesse caso, era inútil continuar pensando a respeito agora, e por mais frustrante que fosse, Belgrieve finalmente retornou à sua rotina diária.

Hoje era sua vez de ficar de olho na casa. Ele leu alguns documentos pertencentes às guildas e pensou um pouco nas operações do dia-a-dia. Depois de passar algum tempo no trabalho, saiu para ver as gêmeas brincarem.

Graham, Percival e Kasim saíram totalmente armados para localizar o local certo para a masmorra. Os três formaram um grupo de reconhecimento bastante absurdo para vasculhar a área ao redor de Turnera, e Belgrieve não pôde deixar de rir dessa situação. Satie foi à casa de Kerry para ajudar na limpeza depois da tosquia que terminou outro dia. A lã recolhida precisaria ser fervida em uma panela grande e lavada várias vezes para limpá-la antes de poder ser cardada e fiada em um fuso para fazer fio. Quando o processo terminasse, Belgrieve suspeitou que o cheiro do inverno estaria na brisa.

Charlotte e Mit foram com Satie. Embora Belgrieve tenha se oferecido para ir junto, Charlotte insistiu que ficaria bem. Não faz muito tempo que eles dependiam de Belgrieve para tudo, agora chegaram ao ponto em que queriam que ele visse que podiam fazer as coisas por conta própria.

Charlotte estava bastante empenhada em cuidar das ovelhas e estava entusiasmada com a perspectiva de algum dia possuir seu próprio rebanho. Era um pouco estranho pensar que a filha de um cardeal lucreciano, depois de todas as suas viagens, acabaria por se tornar uma pastora nos confins do norte.

“Eles estão todos... Crescendo.” murmurou Belgrieve. Foi assim com Angeline, e agora Charlotte e Mit também estavam crescendo. As gêmeas brincando diante de seus olhos também cresceriam algum dia e partiriam em busca de seus próprios caminhos na vida.

Ao ouvir o som de botas chapinhando na lama, Belgrieve se virou e viu Byaku vindo em sua direção. O garoto evidentemente estava no campo, pois usava capuz e tinha manchas de lama nas mangas. O cesto que carregava continha restos de vegetais, pequenas raízes e grandes vagens de ervilha.

“Você poderia ter esperado a chuva parar.”

“Não é da sua conta.” Byaku respondeu friamente enquanto se abrigava sob o beiral e tirava a água de suas roupas.

Belgrieve riu.

“Você precisará lavá-las. Quer que eu tire um pouco de água?”

“Hum...”

Então Belgrieve foi para o poço. Enquanto puxava o balde de madeira, as gêmeas correram até ele, espalhando água lamacenta a cada passo.

“Pai, o que você está fazendo?”

“Água pra beber?”

“Oh, não. É para lavar os vegetais. Vocês querem ajudar?”

“Sim.”

“Ok.”

Elas colocaram os vegetais no balde de água e limparam com cuidado a sujeira de cada um. Além da sujeira, alguns deles também estavam cheios de insetos, e estes eram removidos de maneira mais confiável mergulhando-os em água.

Enquanto Byaku e as gêmeas cuidavam da lavagem sob os beirais, Belgrieve entrou para pegar algumas toalhas e voltou para secar a cabeça das gêmeas. As garotas não pararam de lavar os legumes, mesmo enquanto se contorciam e chiavam.

“Nããão.”

“Não atrapalhe, pai.”

“Vocês vão pegar um resfriado... Hey, fique quieta.”

“Não quero.”

“Bucky, ajuda.”

Depois de algum tempo, as gêmeas abandonaram o balde para se agarrarem a Byaku, que estava sentado à sua frente.

“Hey, idiotas, não se agarrem a mim quando estão molhadas. Apenas ouçam o que ele disse.”

Embora as gêmeas furiosas pudessem estar bastante agitadas, ele conseguiu contê-las, uma debaixo de cada braço.

Belgrieve abriu um sorriso.

“Deve ser difícil ser um irmão mais velho.”

“Que diabos está dizendo? Em primeiro lugar, você é o... Dane-se! Basta entrar em casa agora!”

Ainda segurando as gêmeas, Byaku adentrou a casa. Byaku, como todos os outros, estava bastante acostumado com a vida em Turnera e estava muito mais forte do que antes. As gêmeas, por sua vez, pareciam estar completamente entretidas com o passeio, suas vozes alegres audíveis para Belgrieve do lado de fora.

A chuva continuava escorrendo da beirada do telhado. A garoa enevoada acompanhava o vento e soprava direto em sua direção, então, mesmo com o telhado para protegê-lo, o cabelo e a barba de Belgrieve estavam ficando úmidos. Se apressando, lavou os legumes restantes e, devolvendo-os ao cesto, levantou-os para levar o cesto para dentro.

Graças ao tempo, estava bastante escuro na casa, mas não tão escuro que precisasse acender uma vela. Byaku havia adicionado um pouco de lenha às brasas da lareira, que agora estava vermelha novamente. As meninas estavam encolhidas sob um cobertor em frente à lareira, com as roupas penduradas perto do fogo.

Belgrieve riu enquanto colocava o cesto ao lado de uma panela.

“Estão sentindo frio, não é? O que eu as disse?”

“Não está frio.”

“Bucky disse que tínhamos que ficar assim.”

“Não vamos pegar um resfriado.”

“Certo?”

Foi o que disseram enquanto se aconchegavam perto do fogo. É claro, pretendiam ser teimosas nessa questão — tamanha rebeldia das crianças pequenas era adorável.

Mesmo assim, Byaku, hein? Belgrieve coçou a barba. O garoto era abrasivo e de língua afiada, porém era bom em cuidar das pessoas. Estava enfrentando todos os problemas que surgiram com sua idade, contudo, apesar de tudo o que viu em sua curta vida, aprendeu com eles e cresceu. Ou talvez essa fosse apenas a sua verdadeira natureza o tempo todo.

Byaku estava vasculhando uma cômoda no piso elevado, em busca de uma muda de roupa para as gêmeas, quando encontrou o olhar de Belgrieve.

“O que foi?”

“Nada, estou feliz por tê-lo por perto.”

“Tsk...” Byaku se virou e levou as roupas para as duas meninas.

“Hey, coloque isso.”

“Roupas?”

“Então podemos brincar?”

“Qual seria o sentido de trocar se você se molhar de novo? Apenas fique onde está.”

“Aw.”

“Não quero então.”

Hal e Mal fizeram beicinho e voltaram a se aconchegar. Depois que se tornavam desafiadoras, não era fácil persuadi-las.

Byaku franziu a testa.

“Tudo bem, façam do seu jeito... Não é problema meu.” e então ele se virou, ainda segurando suas roupas. As gêmeas logo pareceram ansiosas, olhando para suas costas e lançando olhares furtivos para Belgrieve. Podiam ser obstinadas, no entanto sem ninguém com quem brincar, não sabiam o que fazer. Belgrieve achou tudo muito adorável de assistir.

“Tudo bem, que tal começarmos o almoço? Vocês duas precisam se vestir adequadamente. Então poderiam ajudar seu irmão mais velho.”

“Sim...”

“Vamos ajudar...”

Elas se levantaram, inquietas. Byaku parecia tão azedo como sempre, entretanto ainda colocou as roupas em suas mãozinhas. Hal e Mal se vestiram e correram para alcançá-lo.

“Bucky!”

“Nós vamos ajudar.”

“Minha nossa...”

Byaku suspirou cansado, então pegou as vagens de ervilha da cesta e começou a trabalhar removendo seus espinhos fibrosos, as gêmeas seguindo seu exemplo. Byaku certificou-se de que pudessem ver suas mãos e trabalhou lenta e deliberadamente.

Ver cenas como essa encheu Belgrieve de uma felicidade inexplicável e deleite com esses sinais de crescimento das crianças. Ele já havia experimentado isso uma vez com Angeline, mas não diminuiu nem um pouco o sentimento. Pensando agora, Angeline também insistia de maneira teimosa que poderia fazer coisas que não podia quando era pequena, falhando uma e outra vez. Na maioria das vezes, nem admitia que havia falhado. Quando tentou limpar a fuligem da panela, ela ficou toda preta, mesmo assim insistiu que tinha feito de propósito. E quando cozinhava pratos que acabavam não comestíveis, fazia uma cara azeda e insistia que estava tudo bem enquanto as comia. Era fofo quando as crianças eram um pouco teimosas.

Belgrieve muitas vezes se pegava relembrando memórias antigas sempre que as crianças faziam alguma coisa. Estava vivendo no presente, todavia sempre era trazido de volta às memórias de Angeline. Acho que sou realmente um pai amoroso, pensou, coçando a cabeça.

“Hey, velho. Os outros não precisam de almoço, certo?” Byaku perguntou, jogando as ervilhas em uma peneira.

“Sim. Somos apenas nós quatro hoje.”

Graham, Kasim e Percival haviam levado um almoço embalado, enquanto Satie, Charlotte e Mit estavam na casa de Kerry e comeriam lá. Nesse caso, eram apenas Belgrieve, Byaku e as gêmeas hoje — uma formação um tanto rara.

As raízes e as aparas foram jogadas em uma panela untada com óleo com carne seca, enquanto as ervilhas foram fervidas com sal e vinagre de maçã. O mingau que sobrou da manhã foi então aquecido com algumas verduras picadas, e o almoço foi resolvido.

Ainda faltava algum tempo para que os vegetais de verão pudessem ser totalmente colhidos, entretanto as plantas já estavam floridas e algumas já tinham frutos do tamanho de seu polegar. Sua propagação poderia ter sido um pouco branda por enquanto, mas logo se tornaria vibrante com todas as cores da colheita.

Geralmente eram Percival, Kasim ou Charlotte quem dava início à conversa e, sem nenhum desses por perto, os quatro que restavam terminavam a refeição com poucas palavras. Quando os pratos foram limpos, as gêmeas satisfeitas estavam ficando com sono. Elas deitaram a cabeça nas almofadas do chão e cochilaram ali mesmo.

A chuva e seu tamborilar rítmico haviam cessado e, pela janela, Belgrieve podia ver o sol emergir por entre as nuvens. As árvores e a grama umedecidas brilhavam sob a luz do sol através do tênue véu de vapor. Pode ficar um pouco abafado, pensou Belgrieve enquanto colocava um cobertor grosso sobre as meninas e começava a preparar o chá.

Byaku sentou-se à sua frente, reclinado no encosto da cadeira, e exalou profundamente.

“Você está cansado?” Belgrieve perguntou enquanto empurrava uma xícara de chá para o garoto.

Byaku bocejou e enxugou uma lágrima dos olhos.

“Estou cheio, só isso.”

“Entendo.”

As gêmeas estavam dormindo um sono profundo agora, e a lenha na lareira emitia sons altos de estalos. Byaku pegou a xícara, porém parecia estar sonhando acordado.

Pensando bem, já faz um tempo que não éramos só eu e ele. Sempre que todo mundo está sendo vivaz, Byaku sempre dá um passo para trás e fica em silêncio. E quando está cuidando das crianças, também não temos tempo para uma longa conversa agradável.

“Byaku, como é a vida em Turnera para você?”

“É o que é... Quer eu goste ou não.”

Ele estava tão distante como sempre. Belgrieve sorriu, com ironia, e tomou um gole de chá.

“Sim, você está ocupado todos os dias... Acho que não é tão divertido.”

“Não falei isso. Bem... A comida é boa, pelo menos.” os olhos de Byaku ficaram um pouco distantes. Ele balançou levemente a cabeça em frustração, parecia estar tentando esquecer uma lembrança repentina.

“Algo errado?”

“Nada.”

“Não vou te forçar a falar sobre, mas... Não carregue tudo sozinho, ok?”

Byaku franziu a testa e suspirou.

“Naquela época... A comida não tinha gosto de nada. Não importa o que eu comia, era amargo e nojento. Nem sabia por que estava vivo... Porém agora, não é tão ruim.”

“Entendo... Sim, entendo.”

Belgrieve estendeu a mão e deu um tapinha gentil na cabeça de Byaku. Byaku fez uma careta e afastou a mão.

“Pare com isso, estúpido.”

“Oh, desculpe...” Belgrieve se afastou. Acabou por tratar o garoto como uma criança sem se dar conta. As crianças menores gostavam quando fazia carinho em suas cabeças, contudo Byaku deixava bem claro que odiava. Além de sua personalidade espinhosa, havia sua idade a ser considerada. Não posso ser insensível a esse tipo de coisa... Belgrieve coçou a cabeça, sem jeito.

Os dois ficaram em silêncio por um tempo depois da troca. Quando as gêmeas começaram a roncar, um pouco da água da chuva escorreu do telhado e, ao longe, Belgrieve ainda podia ouvir o som ecoante de um machado atingindo uma árvore.

Byaku estava olhando pela janela quando começou a falar de novo.

“Schwartz não é um cara decente, posso garantir. Embora só tenha o visto em pessoa poucas vezes... Aposto que Satie passou por momentos difíceis.”

Belgrieve ficou um pouco surpreso ao ouvi-lo. Byaku tendia a evitar Satie, no entanto talvez estivesse cuidando dela à sua maneira.

“É provável. Não perguntei a ela a respeito desse assunto. Parece que estou abrindo uma ferida antiga.”

“Talvez eu a tenha conhecido antes. Ela está lutando contra Schwartz há muito tempo, certo?”

“Sim... Entendo. Você estava trabalhando para ele.”

Byaku ergueu a bochecha e fechou os olhos.

“Lutei com pessoas que se opuseram a ele algumas vezes antes. Havia outras organizações pesquisando Salomão também, e depois houve a Inquisição de Lucrecia. Matei meu quinhão e perdi todo tipo de coisas. Sempre houve um gosto amargo na minha boca. Acho que nunca provei comida naquela época...”

“Isso... Deve ter sido difícil.”

“Pensando nisso agora, sabe... Naquela época, eu tinha desistido. Pensei comigo mesmo: ‘É assim que as coisas são’. Minha vida agora... Não é ruim. A esse respeito, acho que... Deveria agradecer à estúpida da Ange.”

Belgrieve sorriu.

“Acho que Ange ficaria encantada se a dissesse isso em pessoa.”

“Não brinque comigo.” Byaku bagunçou o cabelo, claramente arrependido do que disse. Belgrieve riu e encheu outra vez seu copo vazio. Ele ouviu as gêmeas se virarem durante o sono. Preciso ir para o campo à tarde, pensou.


O céu estava claro e o sol caía implacável sobre a estrada empoeirada abaixo. Os tijolos dos edifícios altos e as muralhas brancas da cidade pareciam quase brilhar a luz do sol do início do verão. Era onde Angeline e seu grupo estavam, a bordo de uma carroça com destino à guilda.

Marguerite acenou com a mão na frente do rosto para tirar um pouco da poeira.

“Ick, está muito quente e empoeirado.”

“Sim, é um dia seco. Mas é melhor que Istafar, certo?” Anessa disse sem tirar os olhos da estrada. Era ela quem segurava as rédeas no banco do motorista.

De fato, o sul de Istafar estava tão seco que a poeira teria ficado tão acumulada sobre elas que passar um dedo sobre sua pele produziria uma linha nítida. Era incomparável em relação à Orphen. Porém mesmo que estivesse um pouco melhor aqui, Marguerite ainda estava carrancuda.

“Estou acostumada... Contudo é novidade para você, certo, Maggie?” Angeline perguntou.

Marguerite assentiu.

“Quero dizer, não se tem nuvens de poeira na floresta, e havia muita grama em Turnera... Isso é um pouco demais. É melhor no inverno, quando há pelo menos um pouco de neve no chão.”

“Depois de tudo, esta área não é pavimentada...”

“Mas com certeza está seco, não é? Estou suando muito também; vamos nos apressar e entregar a mercadoria para que possamos tomar um bom banho.” disse Miriam, esticando os membros.

Dois dias atrás, as quatro partiram para uma masmorra próxima para coletar os materiais solicitados. Era uma masmorra de alto escalão, entretanto agora que Marguerite, uma lutadora de primeira linha da linha de frente, foi adicionada ao time, estavam ainda mais fortes do que antes. Elas conseguiram recolher tudo sem problemas e não demorou muito para que estivessem a bordo da carroça de volta a Orphen.

Já era verão, muito depois do ponto em que os ocasionais dias frios se alternavam com os quentes. Agora estava quente todos os dias.

Quanto à questão de Salomão, Maria parecia ter encontrado uma pista, então deixaram o assunto em suas mãos por enquanto e dedicaram sua atenção ao trabalho mais uma vez. À medida que se aproximava o dia de seu retorno a Turnera no outono, Angeline assumiu seu trabalho com maior fervor. Estava fazendo mais para compensar a ausência iminente, embora a carga de trabalho estivesse começando a incomodá-la um pouco.

O plano era regressar a Turnera para o festival de outono e, a partir daí, partir numa viagem para leste. Contudo Angeline teve a sensação de que poderia acabar vagando pela casa durante todo o inverno. O pai suspiraria se me ouvisse dizer isso? questionou-se.

De qualquer forma, retornaram à guilda e entregaram seus materiais, receberam um formulário de confirmação e circularam até a mesa do saguão. Era a mesma velha rotina. Todavia, a mesa estava estranhamente lotada hoje. Ao que parecia, vários grupos tinham saído sob o mesmo pedido de guarda e havia uma discrepância com os seus contratos. Agora estavam brigando por causa disso.

Yuri parecia bastante perturbada, porém seguia lidando com a multidão com um sorriso. Logo atrás, Gilmenja ia e vinha, alinhando vários documentos no balcão.

“Pelo jeito vai demorar um pouco.”

“Sim. Bem, não estamos com pressa. Devemos adiar?”

“Então é hora do banho. Para o banho!”

“Estou com fome também. Um banho, depois o lugar de sempre. O que acham?”

E com isso, adiaram a papelada para finalizar o pedido. Angeline se separou das outras três e voltou para seu apartamento, pegando uma muda de roupa antes de sair para o balneário público.

Quando Angeline chegou lá, as outras três ainda não haviam chegado. O vapor fazia com que a luz do sol do meio-dia que entrava pela janela alta parecesse um feixe sólido, e podia ouvir o chiado da água ao passar sobre uma grande pedra em chamas. Havia algumas outras clientes, contudo devido ao calor, a maioria apenas se lavava — poucos tinham coragem de realmente entrar no banho.

Angeline amarrou o cabelo e lavou-se antes de mergulhar na grande banheira. Ela respirou fundo. Parecia que por fim estava livre de todo o suor que derramou em seus dois dias de mergulho nas masmorras e de toda a poeira que apanhou no caminho de volta.

“Phew... Ahh... Se ao menos houvesse um desses em Turnera...” murmurou, esticando as pernas na água. Para Angeline, Orphen ficou aquém de Turnera em quase todos os aspectos, no entanto tinha uma pequena vantagem quando se tratava de banho. Angeline secretamente massageou o peito um pouco até que as outras chegassem.

“Está bem vazio.” disse Anessa.

“Parece que podemos ir com calma.” acrescentou Miriam.

Marguerite sentou-se ao lado de Angeline na banheira.

“Aaagh! Está no ponto perfeito...”

“Você parece um homem velho, Maggie.”

“O que você disse?” Marguerite fez beicinho e cutucou Angeline no ombro. Anessa e Miriam riram ao entrar na água e relaxaram a vontade.

Elas foram aquecidas e libertadas da sujeira do dia e saíram bastante revigoradas. Assim que saíram, as quatro garotas foram mais uma vez envolvidas pelo ar empoeirado, todavia não as incomodava tanto agora, especialmente considerando que não estavam cobertas pela sujeira da masmorra como antes.

Juntas, caminharam no meio da multidão e se dirigiram ao bar de costume. À medida que se aproximavam, puderam ouvir uma estranha voz barulhenta.

“Espero que todos se divirtam!”

“Essa voz é...”

“Sim.” elas já tinham uma boa ideia antes de entrar e, como era de se esperar, lá estava Lucille em pé em cima de uma das mesas, dedilhando seu instrumento de cordas e cantando.

Os ébrios, já bem embriagados desde o meio-dia, foram contagiados pelas melodias alegres do sul e uniram as vozes numa desarmonia cacofónica. Havia calor suficiente no ar para fazer alguém suar; era muito raro encontrar esse tipo de atmosfera neste bar em particular.

Em seguida avistaram Yakumo sentada no canto com uma expressão rabugenta no rosto e se juntaram a ela. Yakumo ficou um pouco surpresa ao vê-las, mas também um pouco aliviada.

“Já faz algum tempo.”

“Sim. Como tem estado, Sra. Yakumo...?”

“Como pode ver. E você também pode ver como aquele filhote está. Prefiro beber em paz e sossego, porém... Bem, que tal uma confraternização?” Yakumo perguntou, segurando uma garrafa.

Yakumo e Lucille planejavam ganhar algum dinheiro em Orphen por enquanto. Isso significava que estavam na mesma cidade que Ange e as outras, contudo não faziam parte do mesmo grupo, nem trabalhavam nos mesmos lugares. Havia mais de um mês desde a última vez que se viram. Não foi um tempo incrivelmente longo, no entanto foi um pouco agradável vê-las depois de um tempo.

Pediram vinho e comida e fizeram um brinde. Depois de beber o primeiro copo num piscar de olhos, Marguerite lambeu os lábios.

“Ahh.” ela suspirou. “O primeiro gole depois de um trabalho bem feito é outra coisa... Mas o que vamos fazer com esse formulário?”

“Vou passar lá mais tarde...” Angeline ofereceu. “Só temos que entregá-lo, afinal.”

“Bem, não é como se todas nós tivéssemos que estar lá. Tem certeza de que está tudo bem pra você?” Anessa perguntou enquanto passava tigelas para o ensopado.

Angeline assentiu.

“Sim. Uma caminhada depois de uma bebida é justo o que preciso.”

“Então terá que ir embora antes que beba demais.” Miriam gargalhou.

“O que é isso? Ainda estão trabalhando?”

“A mesa estava lotada. Ainda não entregamos nosso formulário de preenchimento.”

“Oh, entendo... Bom, se o trabalho em si estiver feito, não há necessidade de pressa.”

“E vocês? Tem dinheiro suficiente?” Marguerite perguntou.

Os olhos de Yakumo vagaram pensativos.

“Bem, para começar, não estávamos realmente pressionadas por dinheiro... É mais como se tivéssemos perdido nossa chance de ir embora.”

“Estão planejando ir em outra jornada?”

“Algo parecido. Nunca fomos boas em ficar em um só lugar.”

Uma nova garrafa de vinho foi trazida à mesa. Lucille ainda estava cantando junto com os outros.

Angeline serviu-se de outro copo.

“Sra. Yakumo, você é de Buryou, certo...?”

“Sou. E daí?”

“Bem, sabe... Quando o outono chegar, vamos retornar para Turnera e então seguir para o leste a partir daí. Quer vir com a gente? Eu ficaria feliz em ter alguém que conheça o lugar...”

“Hmm, soa interessante. Não ficarei entediada com vocês, meninas. Bem, vou pensar um pouco.” Yakumo riu antes de terminar o copo.

A modesta festa continuou por mais um tempo, mas Angeline se levantou quando percebeu o tom vermelho da luz do sol entrando pela janela.

“Vou passar na guilda...”

“Ah, certo. Tinha me esquecido.”

“Dizculpi, Ange. Podi cuidar dizzu?” Miriam murmurou, arrastando as palavras enquanto gesticulava com o copo. Ela já estava um pouco fora de si.

Angeline saiu do bar. O sol poente iluminava agora as ruas de um novo ângulo, moldando a cena numa atmosfera um tanto diferente. Como sempre, estava lotado e empoeirado, porém com um pouco de vinho, Ange não achou desagradável. Afinal, aquela era a mesma cidade onde vivera um quarto de sua vida.

Ela passou pela multidão e entrou no prédio da guilda. Havia menos pessoas a essa hora, contudo os negócios estavam crescendo e ainda longe de ser tranquilos.

Quando se dirigiu ao balcão reservado para aventureiros de alto escalão, viu que a briga havia terminado e Yuri estava preenchendo alguns papéis atrás da mesa. A mulher notou Angeline e sorriu enquanto colocava a papelada em espera.

“Bem vinda de volta, Ange.”

“Estou de volta, Sra. Yuri. Passamos por aqui um pouco mais cedo, no entanto...”

“Sim, te vi de relance... Desculpe pelo incômodo.”

“Não, não se preocupe. Não estávamos com pressa... Aqui está.” Angeline tirou o papel que dobrou duas vezes e entregou.

Olhando através dele, Yuri assentiu.

“Tudo certo. Se puder assinar aqui.”

Angeline assinou bem no final.

“Está começando a ficar muito quente...”

“Não é? Estamos no auge do verão... Ah, pensando bem, ouvi dizer que estão começando a vender doces gelados em uma loja perto da praça. Que tal irmos juntas algum dia?”

“Parece bom. É só me chamar.”

À medida que a conversa se tornava animada, Gilmenja apareceu por uma porta atrás do balcão.

“Nossa, como você está animada...”

“Oh, Sra. Gil. Você parecia bastante ocupada da última vez que te vi.”

“Isso não foi nenhum problema. Eles estavam apenas discutindo sobre quem comeu o último biscoito.”

“Hã?”

“Estou brincando. Bem, tratava-se de dividir os despojos — a mesma coisa de sempre. Hehehe...” Gilmenja cutucou Angeline no ombro. “Ah, certo, alguém estava te procurando. Acho que ainda está no saguão.”

“Hã? Sério? Obrigado por me contar.”

Angeline voltou ao saguão. Havia tantas pessoas que temia que fosse difícil dizer quem estava a procurando. Mas quando olhou em volta, um homem de aparência familiar pareceu notá-la e acenou com a mão. Ele tinha cabelos castanhos desgrenhados e óculos grossos.

O rosto de Angeline se iluminou.

“Oh, Sr. Ishmael!”

***

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