Capítulo 140: A Biblioteca de Elmer era um edifício grande e histórico
A Biblioteca de Elmer era um edifício grande e histórico próximo de Orphen. Foi construído pelo Arquimago Elmer e agora ostentava uma coleção de vários livros de todos os tempos e lugares. Além de volumes de literatura e poesia convencionais, também continha uma grande variedade de grimorios, condizentes com a coleção de um arquimago.
A maior parte da coleção foi disponibilizada ao público, mas alguns dos tomos eram muito raros, outros continham muito poder e outros ainda foram proibidos por outros motivos para serem lidos pelos leigos. Esses livros só podiam ser acessados por aqueles com permissão especial, e conseguir essa era uma tarefa bastante difícil. Além disso, o Arquimago Elmer gravou uma sequência de feitiços especial no prédio para gerenciar sua coleção, e era impossível roubá-la. Muito parecido com o retiro de Maria, a biblioteca tornou-se um ponto de encontro para magos, e muitos deles construíram eremitérios, laboratórios e câmaras de teste ao seu redor.
Angeline e seu grupo estavam visitando esta mesma biblioteca. Apesar do grande número de pessoas aglomeradas no grande edifício, estava em total silencioso — todos estavam lendo um livro ou escrevendo um artigo com uma expressão séria. Não se ouvia nenhum som de conversa fiada e o silêncio era bastante desesperador. A sala de leitura geral era como um grande salão com teto alto, e o som viajava muito bem. Angeline imaginou que apenas limpar a garganta aqui seria um incômodo irritante para todos os outros.
Angeline era uma leitora ávida, então puxou um livro da estante e começou a folheá-lo. Era uma coleção de contos populares antigos originados da região de Orphen. Entre as muitas histórias, havia algumas que lembravam que seu pai lhe contara na hora de dormir, quando era criança.
Anessa e Miriam também escolheram livros para ler. Porém Marguerite, desacostumada a tais lugares, parecia inquieta demais para fazer qualquer leitura. Ela sentou-se em sua cadeira e mexeu-se sem parar, esfregando as mãos uma na outra ou nos joelhos.
“Tão perturbador. O que há com este lugar?” sussurrou suavemente para Angeline.
Angeline encolheu os ombros.
“Temos algo que precisamos investigar. Aguente mais um pouco...”
“Quero dizer... Tsk, se soubesse que seria assim, teria ficado para trás.”
“Então quer voltar primeiro? Posso lhe dar a chave.” ofereceu Anessa, enfiando a mão no bolso.
Marguerite fez beicinho.
“Não me deixe de fora!” suas palavras foram um pouco altas e sua explosão imediatamente atraiu a atenção. Ela franziu os lábios e apertou as mãos sobre os joelhos.
“Urgh, meu lugar não é aqui... Quanto tempo a velha Maria vai demorar?”
“Apenas respire fundo... Sua falta de compostura é sua maior fraqueza, Maggie...” Angeline repreendeu. Bocejando, voltou para seu livro. Na maior parte do tempo, Angeline era calma e quieta, pelo menos até surgir o assunto de seu pai.
As quatro ficaram assim por um tempo até ouvirem uma forte tosse que cortou o silêncio e ecoou por todo o salão. Todos os pesquisadores que estavam absortos em seus livros estremeceram e olharam em volta para ver o que estava acontecendo.
Maria entrou no corredor, sem se importar com os ecos altos que acompanhavam cada passo. Na verdade, parecia pisar deliberadamente de uma maneira que só poderia ser descrita como enérgica.
“Cough, hack... Por Viena, está mais empoeirado do que nunca. Eu me sinto horrível... Hey, meninas, por que estão se afastando? Vamos indo já.”
“Você é que demorou, bruxa estúpida...”
“Silêncio, gata. Mova os pés, não a boca. Tsk... Odeio vir aqui...”
Sem se importar com os olhares críticos dos outros visitantes, Maria caminhou até as profundezas da biblioteca, seus passos ressoando alto por todo o edifício. Angeline e seu grupo guardaram seus livros e seguiram atrás, abafando as risadas.
Depois da sala de leitura geral, havia uma área que lembrava um escritório. Bibliotecários que pareciam também magos sentavam-se silenciosamente em suas mesas e examinavam catálogos. Quando Maria entrou, todos a olharam com os olhos arregalados.
“Ma-Maria, a Cinzenta...?”
“Tenho negócios na seção proibida. Consiga-me o acesso. Cough...”
Os bibliotecários olharam em silêncio para Maria e as meninas que trouxera com ela, aparentemente pegos de surpresa.
“Hmm...”
“Acesso para cinco. Elas estão comigo.”
“Mas...”
“O quê, acha que é importante demais para me atender?”
Além de ser uma arquimaga renomada, Maria era uma figura imponente e tinha um olhar penetrante e desagradável. Todos os bibliotecários se encolheram sob seu olhar desdenhoso.
“Esse não é...”
Angeline caminhou até os bibliotecários e mostrou sua placa de aventureira Rank S.
“Aqui, isso ajuda?”
“Oh, você é... Angeline, a Valquíria de Cabelos Negros?”
“Sim... Isso deve provar minha identidade. Essas três são membros do meu grupo.”
“Minhas desculpas então. Processarei a papelada para vocês junto com a de Maria.”
“Já faz um tempo que alguém visitou a seção proibida.”
“Alguém pode desfazer o feitiço de bloqueio?”
“Vou dar uma olhada.”
“Hum, se puder assinar aqui mesmo... Wow, eu nunca vi uma elfa antes...”
Os bibliotecários explodiram imediatamente em atividade, lançando o escritório silencioso no caos. Antes de terminarem lá, cada membro do grupo teve que assinar seis formulários diferentes.
“Incrível. Todos parecem muito frágeis, contudo agora que estão se movendo, posso dizer que são muito fortes.” Marguerite murmurou enquanto observava os bibliotecários trabalhando.
“Hmm, então percebeu? Não se pode trabalhar aqui se não compreender todos aqueles feitiços complicados que Elmer montou. E há um monte de gente querendo roubar esses grimorios raros. Cough, gag... Não pode ser bibliotecário aqui se não tiver habilidade suficiente para lutar contra todos os intrusos.”
Vários livros da biblioteca também eram bastante valiosos apenas pelas informações que continham e, depois que Elmer faleceu, todos os magos próximos a ele se reuniram e juntaram seus fundos para preservar sua grande coleção. A instituição era na verdade um empregador significativo de magos altamente qualificados.
“Por que não tenta trabalhar aqui, Merry?” Angeline perguntou.
Miriam imediatamente balançou a cabeça.
“Essa coisa chata e tediosa não é para mim.”
“Está tudo bem para uma maga dizer algo assim...?” Anessa lamentou, suspirando.
Depois que toda a papelada foi enfim concluída, elas foram conduzidas por uma porta no fundo da sala, que por sua vez dava para uma câmara bastante pequena, sem características distintivas. Sem perder o ritmo, vários bibliotecários começaram a traçar sigilos mágicos nas paredes enquanto cantavam baixinho. A câmara retumbou quando uma escada descendente se manifestou à sua frente.
“Por aqui, por favor.” disse uma bibliotecária, conduzindo-as escada abaixo.
Ao descerem, Angeline foi tomada por uma sensação peculiar de algo errado. Seus olhos sondaram cada centímetro da escada inconscientemente, notando as luzes brilhantes pontilhando as paredes de pedra perfeitamente comuns em intervalos regulares. Não parecia haver nada fora do comum, no entanto não conseguia afastar a sensação de que alguém a estava observando.
“Vovó... Isso é algum tipo de magia?”
“Cough... Claro que é. Elmer aplicou por conta própria inúmeras camadas de magia antifurto na eventualidade de alguém conseguir passar por todos os bibliotecários. Até eu teria dificuldade em violar todos elas.”
“Hmm...” Angeline murmurou. Elas não estavam lá para roubar nada. Ela encolheu os ombros e parou de pensar nisso.
Depois de descer por algum tempo, por fim encontraram uma porta de madeira. A bibliotecária que as conduzia pressionou contra a porta os papéis que haviam assinado. A porta sacudiu com um rangido terrível — e então, uma voz infantil de repente preencheu o vazio.
“Hmm? Maria? Faz algum tempo.”
Maria fez uma careta.
“Não me faça passar por esses procedimentos problemáticos nunca mais, Elmer.” disse Maria, bufando.
“Desculpe por isso. Bem, acho que seguir os procedimentos adequados é importante em quase tudo. Agora, entre.”
A porta se abriu sozinha. A bibliotecária deu um passo para o lado e gesticulou para que elas entrassem.
“Quando quiserem voltar, por favor, refaçam seus passos.”
Angeline inclinou a cabeça.
“Você não vai entrar?”
“Sim, bem... Não se eu puder evitar.” disse a bibliotecária, com um sorriso doloroso no rosto.
Angeline e os membros do seu grupo não entenderam o que a bibliotecária quis dizer, porém Maria parecia saber muito bem. Ela balançou a cabeça, cansada, e engolindo a reticência, entrou com seu grupo. Assim que passaram pela porta, ficaram surpresas com o que viram.
A primeira coisa que chamou sua atenção foram as fileiras e mais fileiras de prateleiras ordenadas, cada uma tão alta quanto qualquer grande árvore. Cada centímetro do espaço das prateleiras estava repleto de tomos de aparência pesada. Nos espaços entre as prateleiras, podiam ver círculos mágicos tridimensionais flutuando no ar, desaparecendo ocasionalmente e reaparecendo quando quisessem. A sala estava iluminada o suficiente para ler sem dificuldade, contudo não parecia haver nenhuma fonte de luz em lugar nenhum. Era como se esse espaço apenas mantivesse o efeito — isto é, o estado de brilho — sem causa aparente.
Isso é estranho... Angeline olhou para cima e viu que não havia teto algum. Em algum momento, as paredes foram obscurecidas por uma névoa que desapareceu em um céu estrelado e brilhante acima. Perto dali, modelos em miniatura dos corpos celestes foram agrupados para formar uma galáxia inteira, girando a uma velocidade constante.
“Whoa? Whoa! O que é aquilo?” Marguerite correu animadamente para frente.
“Cough, cough... Metade deste lugar é feito de mana. Bom, é quase como uma masmorra feita pelo homem, embora em escala bem menor.”
“Este é o limite do que pode ser feito com a mana de um humano.”
Outra vez, elas ouviram a mesma voz. Um menino que parecia ter dez anos de idade espiou por trás de uma das estantes de livros. Ele tinha cabelo castanho claro preso em um rabo de cavalo atrás da cabeça e usava óculos com lentes grossas. As pontas de seu manto enorme arrastaram-se pelo chão.
A criança olhou para Angeline e suas amigas e assentiu.
“Que convidadas adoráveis são estas desta vez. Estou feliz por recebê-las.”
“Quem é você?” Angeline perguntou.
O menino riu — e de repente apareceu bem diante de Angeline. Ele cutucou-a levemente no quadril, fazendo com que Angeline desse um passo para trás, perplexa.
“Hã...?”
“Sou o dono desta biblioteca — Elmer, como me chamam. É um prazer, minhas senhoritas.”
“Hã? Por Elmer, quer dizer...” Angeline tinha certeza de que tinham ouvido falar que o dono da biblioteca havia falecido.
Enquanto estavam intrigadas com esta aparente contradição, Maria falou.
“Para ser mais preciso, os pensamentos residuais de Elmer. O verdadeiro já está morto e enterrado há muito tempo. Cough, cough... No entanto ele recebeu a mesma personalidade do original. Então, acho que não é de todo errado dizer que é Elmer…”
“Vovó Maria, você conhecia o verdadeiro Elmer...?”
“Enfim chegou a hora de revelar quantos anos realmente tem?”
“Silêncio, discípula. Ainda tenho setenta anos. Só conheci Elmer nesta forma residual.”
“Qual a sua idade, Elmer?” Anessa perguntou.
“Acho que tive 150 felizes aniversários, mas é difícil acompanhar. Não tenho permissão para sair deste lugar, então fiquei bastante afastado do fluxo do tempo.”
“De qualquer forma, ele é um homem velho por dentro. Não tenho ideia de por que escolheu assumir a forma de um pirralho...”
“E você? Continua mantendo uma forma jovem apesar da sua idade. Quantos rapazes enganou com esse seu corpo surpreendentemente bonito? Mesmo aos setenta anos... Que velha sem-vergonha.” Elmer se teletransportou outra vez e deu um tapa na bunda de Maria. Maria gritou e atacou-o, porém antes que seu punho pudesse acertá-lo, Elmer retornou ao seu local original.
Maria encarou-o.
“Seu velho pervertido, pelo menos seja gentil com os enfermos... Hey, meninas, não se deixem enganar pela aparência. Ele era conhecido como um mulherengo sem vergonha quando estava vivo. Cough, gag!”
“Está me fazendo parecer uma espécie de canalha. Prefiro me descrever como um... Cavalheiro engenhoso.”
“V-Vocês são próximos o suficiente... Para que ele saiba sobre o seu corpo?” Marguerite gaguejou, os braços estendidos diante dela em alarme e corando um pouco.
“O que está imaginando, sua idiota? Viu o que ele acabou de fazer — cutucar e bater.”
“Bem, Maria costumava passar por aqui quando era um pouco mais nova. Tenho um bom sentimento por ela. Na verdade, pergunte-me o que não sei sobre ela.” disse Elmer, abrindo um sorriso bastante encantador.
Maria apenas espalmou a testa e suspirou, resignada com suas travessuras. Depois de todo o tempo que passou aqui, era muito doloroso fazer qualquer coisa a respeito de seu comportamento.
Angeline franziu os lábios enquanto esfregava o quadril onde Elmer a havia cutucado. Então foi por isso que aquela bibliotecária não queria entrar na sala, percebeu. Angeline começou a suspeitar que Elmer havia assumido a forma de uma criança apenas para facilitar suas travessuras.
Miriam e Anessa se aproximaram, nervosas.
“Acho que no fim não existem arquimagos decentes, hein?” Marguerite sussurrou para Angeline.
“Certo...”
Em primeiro lugar, não havia muitos arquimagos e, pensando em todos os que conheceram até agora, de fato não parecia haver uma única pessoa honrada entre eles. Eles são apenas um bando de réprobos ou algo assim? Angeline se perguntou.
Maria lançou um olhar suspeito para Angeline.
“Ange... Você acabou de pensar em algo incrivelmente rude, não foi?”
“Não, claro que não.”
“Vamos, vamos, senhoritas. Por aqui, por favor. Como gostam do seu chá?” alegre, Elmer as conduziu até uma mesa e, embora as meninas estivessem cautelosas, todas se sentaram. Um círculo mágico tridimensional flutuou até a mesa, brilhando, antes que um jogo de chá completo aparecesse.
“Agora, vão em frente e bebam. Não precisam se preocupar — isso foi transferido do escritório acima, recém-preparado. Não precisam se preocupar com folhas velhas ou qualquer coisa ‘engraçada’ misturada.”
“Tudo bem... Nesse caso...” Angeline tomou um gole do chá de ervas e descobriu que era doce, refrescante e um tanto calmante. Anessa e Miriam, observando-a, pareceram aliviadas.
Ao contrário da coleção geral acima, não houve necessidade de respeitar o silêncio neste local. Marguerite, pelo menos, parecia estar mais à vontade.
“Então, o que as traz aqui hoje?” Elmer perguntou. “Os livros nessas pilhas são os melhores da minha coleção. Sinta-se à vontade para me perguntar o que quiser. Sou sempre gentil com as meninas.”
Porém Angeline e suas amigas não sabiam por onde começar. Elas se viraram sem palavras, inquietas e imaginando o que dizer.
Maria, que estava curvada para frente na cadeira, respirou fundo e apoiou o cotovelo na mesa.
“É sobre Salomão. Queremos saber sobre seus demônios, em particular.”
Ao ouvir isso, a expressão frívola de Elmer mudou imediatamente para uma mais séria.
“Agora, Maria — você está mesmo indo para lá? Conheci muitos magos que se aprofundaram demais nos domínios de Salomão apenas para desenterrar sua própria destruição. Eu não recomendaria.”
“Não preciso que você me diga isso. Evitei perseguir intencionalmente qualquer coisa relacionada a Salomão durante toda a minha vida. Contudo Schwartz está envolvido — não posso fingir que não sei o que está tramando.”
“Ah, ele... Sim, Schwartz nunca faz nada de bom... O que quer saber?”
Miriam tinha uma expressão curiosa no rosto.
“Você sabe sobre Salomão, Sr. Elmer?” ela perguntou.
“Eu mesmo não tenho muito conhecimento. No entanto esta sala não contém apenas grimorios. Também contém livros que foram condenados pela Igreja de Viena — nomeadamente aqueles que contêm verdades inconvenientes que eles queriam enterrar.”
De acordo com Elmer, a igreja considerava Salomão um puro mal. A fundação da igreja remonta a quando os demônios criados por Salomão foram derrotados por um herói que foi abençoado com a graça da Todo-Poderosa Viena.
Mesmo que o próprio Salomão tivesse partido, se os muitos documentos que deixou detalhando suas enormes realizações no campo da magia fossem reavaliados, então a fé em Viena vacilaria. O vilão precisava ser para sempre o vilão de todas as maneiras imagináveis. Seria inconveniente para a igreja se a sua própria existência não fosse repreendida.
Angeline lembrou o que o falso príncipe lhe dissera na capital. Era a história de como Salomão certa vez trabalhou ao lado da deusa para derrotar os antigos deuses que outrora governaram a terra com punho de ferro.
Elmer pareceu ter uma agradável surpresa ao ouvi-la.
“Essa história é vista como um tabu. Embora eu ache que mostra que não existe segredo absoluto.”
“Então é verdade? Achei que a história era um absurdo.” disse Anessa.
Sem aviso, Elmer desapareceu, todavia antes que pudessem reagir, reapareceu com um livro nas mãos. Era bastante antigo e sua encadernação estava esfarrapada pela cruel passagem do tempo. Talvez tenha sido restaurado com cuidado, pois não parecia que iria desfazer-se tão cedo.
“Este é um registro histórico de muito tempo atrás. Conseguiu escapar por pouco da queima de livros na igreja.”
“Hã? Então a verdade está aí...?”
“Não posso dizer o que é verdade e o que não é. Só podemos ver o passado através dos olhos de outras pessoas. Mesmo relatos do mesmo evento contados por escritores diferentes podem parecer histórias diferentes.”
“Então é um absurdo?” perguntou Marguerite.
Elmer apareceu ao lado de Marguerite e passou um dedo pela nuca dela, fazendo-a saltar da cadeira.
“Yiikes! O que está fazendo?”
“Jovem elfa, cabe ao leitor distinguir entre verdade e ‘absurdo’. Vocês, elfos, realmente têm a textura de pele mais adorável. É tão sedoso... Posso tocar na sua barriga, por acaso? As coxas também serviriam.”
“Claro que não, seu pirralho pervertido!”
“Ele é um homem velho por dentro. Não se deixe enganar.” disse Maria, cansada.
Angeline pegou o livro de Elmer e tentou folhear as páginas. Estava cheio de letras antigas e difíceis de ler, mas não eram de todas incompreensíveis. Isso era considerado uma boa caligrafia naquela época? Se for, então por que todos criticam minha caligrafia? ela imaginou.
Elmer flutuou no ar, posando como se estivesse sentado em uma cadeira.
“Demônios, hein? Esses são os maiores tabus entre tudo o que Salomão deixou para trás. Embora duvido que Schwartz se importe com algum deles.”
“É assim que ele é. Wheeze... Elmer, já ouviu alguma coisa sobre experimentos para dar forma humana a demônios? Eu ficaria bem com grimorios pertencentes ao assunto também — não faz diferença para mim de qualquer maneira.”
“O que? É isso que Schwartz está experimentando?”
Maria assentiu e Elmer colocou a mão nos óculos com uma expressão divertida no rosto.
“Então ele foi além da necromancia e começou a meter a mão nessas coisas também? O que poderia estar planejando desta vez?”
“Vovó, pode falar sobre aquilo. Eu não me importo.” disse Angeline.
Maria refletiu um pouco sobre, mas acabou se voltando para Elmer.
“Hmm... Você consegue guardar um segredo?”
“Hahaha! Pareço o tipo de cara que fica tagarelando? Não posso nem sair deste quarto.”
“Você é um pervertido... Porém, agora posso confiar em sua palavra. Bem, ainda estou meio em dúvida, contudo... Parece que Ange aqui tem uma alma demoníaca dentro dela, embora seja humana. Além do mais, quem a deu à luz foi uma elfa. Algo não está batendo.”
Assim que Maria terminou, Elmer pareceu bastante surpreso. No entanto não parecia que estava minimizando a situação.
“Soa absurdo. Entretanto, é interessante. Poderia me contar mais?”
E então, Angeline explicou a situação para Elmer. Não que tivesse todos os detalhes também. Foi uma explicação um tanto incoerente, faltando alguns pontos cruciais, todavia Elmer a ouviu com interesse.
“E então, sou a filha da minha mãe. Mas não sei por que sou humana...”
“Entendo. Isso explicaria sua beleza — deve ter herdado de sua mãe élfica. Mesmo estando ao lado daquela senhorita élfica ali, não acho que a comparação a desfavoreceria, Sra. Angeline.”
Elmer soltou suavemente essas falas dignas de nota, sem perder o ritmo. Angeline realmente não podia baixar a guarda perto do garoto. Ela se mexeu um pouco antes de se endireitar.
“Então pensei que você poderia saber a resposta. Pedi à vovó que me trouxesse aqui...”
“Entendo, entendo. Porém, minha coleção não contém nenhum dado desses experimentos. É óbvio se tratar uma magia herética, e tenho certeza de que eles não deixarão seus arquivos desaparecerem de vista. Ainda mais se for Schwartz puxando os fios.”
Ao que parece, o objetivo dos experimentos de Schwartz era transformar um demônio em humano — foi assim que Byaku descreveu. As provações bem sucedidas seriam humanas, a presença do demônio teria desaparecido por completo. Isso fez de Angeline um sucesso. Por outro lado, houve um grande número de fracassos, como Byaku e as gêmeas.
“O quê, então esta foi uma viagem perdida?” Marguerite cruzou as mãos atrás da cabeça e recostou-se com tanta força que o encosto começou a ranger. Um dos círculos mágicos tridimensionais cruzou bem na sua frente.
“Deve haver algum tipo de magia que aprendeu que o levou a esta aventura.” Anessa disse como se estivesse tentando suavizar o golpe das palavras de Marguerite. “Talvez tenha um livro que trate do assunto, Sr. Elmer?”
Elmer apareceu ao lado de Anessa e colocou a mão em seu ombro, se inclinando perto do seu ouvido.
“Hehe, eu gosto de pessoas que sabem mostrar um pouco de consideração. Boa menina.” ele sussurrou.
“Bem, obrigado.” Anessa respondeu com um rígido sorriso colado.
Elmer a deixou com um sorriso e sentou-se em um lugar aleatório.
“De Nicaillu Chishma por Ginaemily, Capítulo 4. ‘E assim, os amados filhos de Viena partiram para as terras do norte. Pois as florestas profundas coloridas de neve e gelo eram um sinal de pureza’.”
“Os amados filhos de Viena partiram para o norte... Está falando sobre os elfos?” Miriam perguntou.
Marguerite piscou, confusa.
“Hã? Sério?”
“Quero dizer, é assim que parece. Eles sempre dizem que a mana de um elfo é muito pura, e a igreja de Viena considera os elfos uma raça nobre.”
“Sem chance. Quero dizer, eu não fui reverenciada de forma alguma.”
“Isso é, bem, porque é Maggie...”
“Depois de tudo, é Maggie...”
“Qual é o seu problema?”
Por alguma razão, Elmer pareceu satisfeito com o aborrecimento de Marguerite e assentiu.
“Que vista esplêndida! Agora, vamos continuar. Do mesmo Nicaillu Chishma, Capítulo 5: ‘Seus poderes derivavam da luz e das trevas de suas almas. Seus poderes eram contrários. E assim, eles se atraíram. No entanto, nunca poderiam ser unidos’.”
“Eles...?” Angeline perguntou.
Elmer sorriu.
“Salomão e Viena, aparentemente. O Nicaillu Chishma é um longo poema épico escrito por Ginaemily e atualmente está proibido. Bem, acho que o autor tomou algumas liberdades criativas. Foi escrito antes de a igreja ser uma entidade tão imponente, então pode ter um pouco de credibilidade.”
“Luz e escuridão...”
“Eu não consigo entender. O que isso significa? E o que tem a ver conosco?”
Algo pareceu acontecer com Maria. Ela limpou um pouco a garganta antes de dizer.
“Ange, você nasceu de uma elfa. Tem certeza disso?”
“Hmm, sim. Ainda que não perguntei como...”
“Eu investiguei o que restou daquele demônio que derreteu em Orphen. Parece que os demônios são aglomerações de mana altamente condensadas. E como foram feitos por Salomão, a natureza do mana é o oposto daquela que os elfos têm.”
“O que... Significa então?” Angeline inclinou de leve a cabeça, sem entender. Mas Maria enterrou o rosto no cachecol e caiu em contemplação silenciosa. Os ruídos ao redor não estavam mais entrando em seus ouvidos. Esse lado dela é típico de um mago.
Elmer encolheu os ombros e bateu as mãos.
“Parece que Maria está no caminho certo.” disse ele. “Porém o que o conhecimento fará por você? Ah, bem, acho que está curiosa sobre sua própria origem, Sra. Angeline.”
“Não, na verdade não me importo muito...”
“Hmm? Sério? Quero dizer, você é um demônio, certo? Esse fato não a deixa ansiosa?”
“Não, mesmo que eu seja um demônio, não vou fazer coisas ruins. Afinal, sou filha do meu pai.”
“Hmm, então puxou seu pai?”
“Não, fui adotada. Eu pareço mais com a mãe.”
“Uma linda mãe e filha. Adoraria ver as duas juntas.”
“Contudo Ange não se parece muito com Satie.”
“Sim, na verdade não.”
“Nem na aparência nem na personalidade.”
Angeline estufou as bochechas e bateu na mesa.
“Vocês três precisam respeitar um pouco mais sua líder.”
“Hey, Elmer. Encontre-me alguns livros sobre Salomão e Viena. Além disso, analise alguns dados comparando a mana de elfos e humanos.” Maria parecia ter saído repentinamente de seu devaneio.
Elmer bufou e depois usou seu truque de desaparecimento outra vez. Desta vez, se manifestou atrás de Maria, mergulhando as duas mãos nas axilas dela.
“Grah!” Maria gritou enquanto pulava. Parecia que algo havia irritando sua garganta quando de repente se dobrou em um ataque de tosse.
“Cough, cough, cough, cough, gag...”
“Essa não é a atitude correta quando pede um favor a alguém, Maria. Sim, se fosse um pouco mais doce. Um leve rubor não faria mal. ‘Mestre, por favor—’.”
“Wheeze... Parece que está pedindo para morrer de novo!” Maria levantou-se enfurecida, com o rosto de um demônio ardente. Sua mana girou ao seu redor, fazendo com que seus cabelos e roupas ondulassem.
Angeline se levantou com pressa.
“Nós iremos embora agora. Adeus, Sr. Elmer.”
“Sim, até a próxima — se eu sobreviver!” Elmer disse alegremente antes de enfrentar Maria com uma pose que lembrava alguma arte marcial. Ele estava claramente em extremo perigo e, ainda assim, parecia estar se divertindo.
As quatro garotas saíram apressadamente da sala e subiram de volta a mesma escada que haviam descido para chegar lá.
“Eu me sinto meio... Cansada.” disse Anessa. Todas as suas amigas assentiram.
“Sério, esses arquimagos são todos sem esperança.” Marguerite suspirou. “Por que as pessoas os respeitam?”
“Bem, eles desenvolvem muitos feitiços e artefatos úteis... No entanto parece que a bruxa percebeu alguma coisa. Afinal, talvez possamos fazer algum progresso.”
“Certo... Vamos deixar isso para a vovó Maria.”
Além de Miriam, nenhuma delas era especialista em magia. Maria era sem dúvida a pessoa certa para o trabalho e talvez fizesse muito progresso agora que tinha uma pista para seguir. Dito isso, perguntar à própria Satie seria a solução mais rápida. Mas fazer isso era como cutucar uma de suas antigas feridas, e Angeline relutou em fazê-lo. Ela não estava tão interessada em saber de onde tinha vindo em primeiro lugar. Belgrieve era seu pai, Satie era sua mãe, Turnera era sua terra natal — e o resto era trivial.
Anessa cruzou os braços.
“Porém o que Schwartz está tentando fazer ao transformar demônios em humanos?”
“Sim, é verdade. Duvido que esteja os fazendo para o bem da humanidade... Contudo não parece que esteja os usando como armas.”
“Então o que seria...? Bem, não que eu esteja interessada nos objetivos de um cara como ele.”
Suas ruminações continuaram enquanto seguiam o caminho, no entanto não demorou muito até que todas começassem a sentir fome.
Angeline esfregou a barriga.
“Havia um restaurante no caminho para cá, certo?”
“Sim, tinha um. Devemos ir?”
“Vamos. Bibliotecas não são mesmo adequadas para mim. Vou precisar de alguma comida para me animar.” disse Marguerite com um bocejo. Provou ser outro bocejo infeccioso, que logo se espalhou para Angeline. Elas estão fazendo isso de novo, pensaram Anessa e Miriam ao mesmo tempo, rindo.
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