Capítulo 12: Mayoi Snail 004
Creio que por fim é hora de falar sobre minhas férias de primavera.
Aconteceu durante as férias de primavera.
Fui atacado por um vampiro.
Embora tenha sido menos um ataque e mais eu colocando meu próprio pescoço a disposição — meio que literalmente empurrando-o em direção a um par de presas afiadas — em qualquer caso, eu, Koyomi Araragi, nos dias de hoje onde a ciência reina suprema, onde não há nenhuma escuridão que não possa ser iluminada, fui atacado por um vampiro em um subúrbio japonês atrasado.
Por um lindo demônio.
Atacada ─ por um demônio de gelar o sangue.
Meu sangue foi — sugado até ficar seco.
Como resultado, me tornei um vampiro.
Sei que parece uma piada, mas não é engraçado.
Meu corpo se queimava com o sol, odiava cruzes, era enfraquecido pelo alho e derretido com água benta — e em troca, ganhei habilidades físicas inacreditáveis. Então, esperando por mim no final da minha saga — estava uma realidade infernal. Fui salvo dessa realidade por um cara passando, sublinhe isso, Meme Oshino. Um modelo para seguir sem endereço fixo que vagava de viagem em viagem, Meme Oshino. Ele de alguma forma conseguiu derrotar o vampiro — e tirou um monte de outras coisas.
E assim — voltei a ser humano.
Alguns traços de meus poderes físicos anteriores — regeneração leve, um metabolismo aumentado, nada de especial — permaneceram, porém estava bem uma vez mais com a luz do sol, cruzes, alho e água benta.
A história não vale a pena ser contada.
Não tem o final feliz de sempre.
É um caso encerrado, um tópico fechado. As poucas coisas restantes que você poderia considerar como problemas, como beber meu sangue uma vez por mês e fazer com que minha visão e outras coisas substituíssem os níveis humanos todas às vezes, são um assunto pessoal neste ponto, problemas que só preciso enfrentar para o resto da minha vida.
E de qualquer maneira — tive sorte.
Afinal, era apenas durante as férias de primavera.
Meu inferno durou apenas duas semanas.
Ao contrário de Senjougahara.
No caso dela — o caso da garota que conheceu um caranguejo.
Tendo que lidar, por mais de dois anos, com um inconveniente físico.
Um inconveniente que infringia sua liberdade.
Dois anos de inferno — como se sentiu?
Portanto, talvez não seja nenhuma surpresa que Senjougahara sinta alguma estranha dívida sincera de gratidão por mim, mais do que de fato precisa — deixando de lado a inconveniência física, a resolução daquilo que atormentava sua mente deve ter sido uma conquista insubstituível e inestimável.
Sua mente.
Sua psique.
Sim, no final das contas, problemas dessa natureza, do tipo que não pode discutir com ninguém porque ninguém vai entender, algema ou aprisiona sua psique mais do que seu corpo — muitas vezes.
Tal como a luz do sol espreitando pelas minhas cortinas pela manhã ainda me assusta — embora eu esteja bem agora.
Pelo que sei, há outra pessoa que Oshino ajudou da mesma forma, e essa é a presidente da minha classe e da de Senjougahara, Tsubasa Hanekawa — contudo foram apenas alguns dias para no seu caso, ainda mais curtos do que para mim, e além do mais, ela se esqueceu disso. Nesse sentido, poderia dizer que sua posição é a mais afortunada. Verdade, o caso de Hanekawa está totalmente além de qualquer salvamento, a menos que adotemos tal ângulo—
“Por aqui.”
“O que?”
“A casa em que eu morava. Era por aqui.”
“Sua casa─” olhei na direção exata que Senjougahara apontou, no entanto tudo o que havia ali era “... uma rua.”
“Uma rua.”
Foi um bom exemplo de estrada. A cor do asfalto ainda era nova — como se tivesse acabado de ser pavimentada. O que significava—
“Isso é o que chamaria de reurbanização residencial?” perguntei.
“O termo mais preciso aqui seria planejamento urbano.”
“Já sabia?”
“Não sabia.”
“Então deveria agir mais surpresa.”
“Não sou uma atriz muito boa.”
Na verdade, ela nem mesmo ergueu uma sobrancelha.
Porém ─ seus olhos estavam fixos naquela direção, naquele lugar. Pelo comportamento de Senjougahara, poderia, se quisesse, interpretá-la como sendo atingida por dentro com a sensação de impotência de não ter para onde ir.
“Realmente mudou — por completo. Não posso acreditar que só se passou um ano.”
“...”
“Que entediante.”
É uma pena quando nos incomodamos em vir, murmurou Senjougahara.
Sua figura parecia entediada de verdade.
Entretanto, em qualquer caso, isso deve ter significado que um dos principais objetivos de Senjougahara para seu dia nesta área, bem ali ao lado de dar um test drive para suas roupas, ou seja lá o que for que disse antes, foi alcançado.
Eu me virei.
Mayoi Hachikuji estava se escondendo atrás da minha perna e examinando Senjougahara. A garota ficou em silêncio, como se sua guarda estivesse levantada. Apesar de ser uma criança, ou talvez porque era uma criança, parecia ser capaz de intuir o quão perigosa Senjougahara era e tinha me usado como muro por um bom tempo para evitá-la. Claro, é impossível para uma pessoa usar a outra como muro, então era óbvio sua presença lá, e também estava claro seu objetivo de evitar Senjougahara, a ponto de a situação começar a parecer estranha para mim, um terceiro. Porém Senjougahara, por sua vez, não fez nenhuma tentativa de se envolver com uma mera criança (falando apenas comigo, “Por aqui” ou “Estamos descendo essa rua”), então elas estavam equilibradas, por assim dizer.
Não me senti bem ficando preso no meio das duas.
Embora a julgar por sua reação, Senjougahara não desgostava ou tinha problemas em estar perto de crianças — apenas não as entendia.
“Não esperava que a casa ainda estivesse lá depois que a vendemos, mas... Não esperava que fosse uma estrada. Tenho que dizer que isso me deixa triste.”
“Sim... Acho que sim.”
Tudo o que pude fazer foi simpatizar.
Era fácil compreender seu ponto de vista.
O caminho do parque até nossa localização atual era uma mistura de estradas antigas e novas, e o bairro não se parecia em nada com o guia, o mapa residencial naquela placa do parque — então a visão de alguma forma parecia desmoralizante até para mim, desvinculado com a região como era.
Mas o que se pode fazer?
As cidades mudam, assim como as pessoas.
“Phew.” Senjougahara soltou um grande suspiro. “Tomei seu tempo com algo sem sentido. Pronto para ir, Araragi?”
“Hã... Já? Tem certeza?”
“Tenho certeza.”
“Entendo. Está bem então. Vamos, Hachikuji.”
Hachikuji acenou com a cabeça em silêncio.
... Talvez ela tivesse a impressão de que Senjougahara descobriria onde estava se falasse.
Senjougahara começou a caminhar sozinha.
Hachikuji e eu a seguimos.
“Na verdade, Hachikuji, poderia soltar minha perna? É difícil andar desse jeito. Se agarrando a mim desse jeito como se fosse um bebê coala ou algo assim. O que vai fazer se eu cair?”
“...”
“Diga alguma coisa, certo?” exigi.
“Bem.” Hachikuji respondeu. “Não é como se quisesse segurar sua perna horrível, Senhor Araragi!”
Eu a tirei de cima de mim.
Rrrrrrip — embora não houvesse som.
“Não posso acreditar em você! Estou contando ao PTA sobre isso!” reclamou Hachikuji.
“Ah, sim, o PTA?”
“O PTA é uma organização incrível! Eles mal teriam que levantar um dedo para colocar um cidadão menor de idade solitário e impotente como você no chão e fora de combate, Sr. Araragi!”
“Apenas um dedo, hein? Parece assustador. A propósito, sabe o que PTA significa, Hachikuji?”
“Hã? Bem...”
Hachikuji voltou a ficar em silêncio. Não deve saber mesmo.
Claro, também não sei.
Estava feliz por não ter se transformado em uma discussão longa e prolongada.
“PTA significa Associação de Pais e Professores. É um termo em inglês para uma organização escolar composta por tutores e instrutores.” Senjougahara respondeu da frente. “Também significa angioplastia transluminal percutânea¹, um termo médico. No entanto, duvido que seja disso que esteja falando, Araragi, então a primeira explicação deve ser a certa.”
“Eh. Tinha a vaga noção de que era algum tipo de reunião de pais, porém não sabia que os professores contavam também. Você é bastante culta, não é, Senjougahara?”
“Não, Araragi, é que você é um vagabundo analfabeto.”
“Vou aceitar o ‘analfabeto’ como antônimo, mas o ‘vagabundo’...”
“Não gostou? Então vamos dizer ‘escória’ em vez.”
Ela nem mesmo se virou para me encarar.
Parecia estar mesmo de mau humor...
Uma pessoa comum pode se perguntar o porquê de Senjougahara estar agindo de forma diferente do seu usual de língua ácida, mas uma vez que tenha experimentado tantos abusos verbais dela quanto eu, começa a entender. Senjougahara apenas não estava sendo tão aguda. No geral, ou ainda quando está de bom humor, não deixa de ser.
Hmm.
O que foi?
Seria porque sua casa se tornou uma estrada — ou foi minha culpa?
Pareciam ambas as opções.
Fosse o que fosse, ainda deixando de lado o aspecto do abuso infantil, também deixei Senjougahara no meio da conversa para me ocupar com Hachikuji... Parecia a coisa natural a se fazer, mas Senjougahara não ficaria feliz com essa situação.
Nesse caso, preciso levar essa garotinha, Mayoi Hachikuji, direto para seu destino e então me concentrar em animar Senjougahara. Vou convidá-la para o almoço, depois fazer compras juntos — e, se o tempo permitir, vou levá-la a algum lugar divertido. Tudo bem, decidido, esse era o plano. Não queria voltar para casa de qualquer maneira por causa daquele negócio com minhas irmãzinhas, então passaria o dia cuidando de Senjougahara. E para minha sorte, estava levando muito dinheiro — espera, o que eu sou, seu escravo?
Consegui surpreender até a mim mesmo.
“A propósito, Hachikuji.”
“O que foi, senhor Araragi?”
“Este endereço.” comecei, tirando a nota do meu bolso. Ainda não tinha a devolvido para Hachikuji. “O que exatamente é este lugar?”
E.
O que iria fazer lá?
Queria saber quanto tempo ficaria ali — especialmente considerando que era uma estudante do ensino fundamental viajando sozinha.
“Hah, não vou contar! Exerço meu direito de permanecer calada!”
“...”
Que pequena espertinha.
Quem disse que crianças eram puras e inocentes?
“Sem conversa, sem ajuda.” argumentei.
“Nunca pedi sua ajuda! Posso chegar lá sozinha!”
“Você não está perdido?”
“E se estiver?”
“Hum... Então, para referência futura, Hachikuji, deve-se pedir ajuda às pessoas quando estiver perdida.”
“Pessoas como você, que não conseguem confiar em si mesmas, Senhor Araragi, são livres para fazer como quiserem! Peça ajuda aos outros até satisfazer seu coração! Porém não preciso disso! Esse tipo de coisa é fácil e simples para mim!”
“Oh... Então acho que sua apólice cobre isso.”
Uma réplica estranha.
Contudo podia ver porque Hachikuji me considerava um incômodo. Quando eu estava no ensino fundamental, também acreditava que poderia fazer qualquer coisa por conta própria. Tinha convicção de que não havia necessidade de pedir a ajuda de ninguém — que não havia nada que precisasse de ajuda externa para fazer.
Podia fazer coisa?
Sim.
Claro que não.
“Muito bem então, mocinha. Por favor, faria a gentileza de me revelar o segredo do que está neste local?”
“Você não parece muito sincero!” uma menina osso duro de roer.
Esse movimento teria sido o suficiente para qualquer uma das minhas irmãs do ginasial... Porém o rosto de Hachikuji tinha um gesso inteligente, e talvez não pudesse tratá-la como uma criança tonta. O que fazer?
“... Tudo bem.”
Uma ideia brilhante me ocorreu.
Enfiei a mão no bolso de trás e tirei minha carteira.
Estava carregando muito dinheiro.
“Vou te dar uma mesada, mocinha.”
“Woo-hoo! Direi o que quiser!”
Criança idiota.
Na verdade, ela era muito tonta...
Tenho certeza de que nenhuma criança real jamais havia sido sequestrada dessa forma — mas Hachikuji parecia ter o que era considerado uma primeira vez na história.
“Alguém chamada senhorita Tsunade mora lá.”
“Tsunade? Esse é o sobrenome dela ou algo do tipo?”
“É um sobrenome maravilhoso!” Hachikuji disse, parecendo chateada por algum motivo.
Podia entender o sentimento de irritação por ter alguém zombando de um nome de um conhecido, no entanto nunca me vi levantando a voz por esse motivo.
Estaria emocionalmente instável ou algo assim?
“Ok... Então, como você conhece essa pessoa?”
“É um parente.”
“Um parente, hein?”
Em outras palavras, Hachikuji estava indo passar o domingo brincando na casa de um parente próximo. Ou seus pais são muito permissivos ou Hachikuji tinha se esgueirado para cá quando eles não estavam olhando. Não faço ideia de qual — mas independentemente de suas intenções, a aventura solo de fim de semana de uma garota do fundamental havia chegado a uma parada brusca.
“É uma prima de quem você é amiga? Deve ter sido um longo caminho, a julgar pelo tamanho dessa mochila. Esse é o tipo de coisa que deve fazer durante as férias mais longas, como a Golden Week. Ou há algum motivo específico para fazer isso hoje?”
“Sim algo assim.”
“É Dia das Mães, devia ficar em casa como uma boa filha.”
Bem.
Eu não estava em posição de dizer isso, é claro.
─ Sabe, Koyomi, é por isso.
É por isso? Qual era o grande problema?
“Não quero ouvi-lo de você, Senhor Araragi.”
“Ei, o que acha que sabe sobre a minha situação?”
“É apenas uma sensação que tenho.”
“...”
Parece que não tinha nenhum motivo para se apoiar, só estava apenas irritada em um nível instintivo por estar lhe dando um sermão.
Que cruel.
“Então, o que está fazendo em um lugar como esse, senhor Araragi? Sentar-se atoa em um banco de parque em uma manhã de domingo não me parece algo que um ser humano respeitável faria.”
“Nada realmente. Apen─”
Quase disse ‘Apenas passando o tempo’, antes de me interromper no último segundo. Eu me lembrava do que Senjougahara disse, qualquer homem que responde apenas passando o tempo’ quando perguntado sobre o que está fazendo é praticamente inútil. Essa foi por pouco.
“Só estou fazendo um passeio de bicicleta.”
“Passeio de bicicleta? Que legal!” Hachikuji me elogiou.
Esperava que seu comentário fosse seguido por algo maldoso, mas nunca veio.
Oh, pensei. Então Hachikuji é capaz de me elogiar...
“Em uma bicicleta, não em uma motocicleta, no entanto.”
“Assim mesmo. Quando ouço ‘passeio de bicicleta’, presumo que se fale de motocicletas! Que lamentável! Você não tem licença, senhor Araragi?”
“Infelizmente, as regras da minha escola não me permitem tirar uma licença. No entanto prefiro esperar para dirigir um carro de qualquer maneira, motocicletas são perigosas.”
“É assim? Mas, nesse caso, você não estaria andando em quatro?”
“...”
Caramba. Ela estava soletrando incorretamente “turnê” de uma forma bem divertida. Seria mais gentil corrigi-la ou deixá-la em paz? Não tinha certeza.
Por certo, Senjougahara não mostrou nenhuma reação enquanto continuava a andar à frente.
Nem fez um esforço para participar da conversa.
Talvez não pudesse ouvir conversas de baixo QI.
Embora.
O sorriso despreocupado que acabei de ver de Mayoi Hachikuji era uma coisa bastante charmosa. Foi um sorriso sincero. Dizer que era como uma flor desabrochando pode ser um clichê, porém era o tipo de expressão que a maioria das pessoas perdem a capacidade de fazer quando crescem.
“Phew... Jesus.”
Coloquei-me em uma posição perigosa mais uma vez. Se eu fosse um pedófilo, meu coração teria sido conquistado. Ah, que sorte que não sou um...
“Seja como for.” falei. “As ruas por aqui são mesmo complicadas. Como funcionam? Não consigo acreditar que tentou vir aqui por conta própria.”
“Bem, não é a minha primeira vez.”
“Oh? Então por que se perdeu?”
“... Já faz um tempo.” Hachikuji respondeu com uma voz envergonhada.
Hmph... Consigo imaginar. Ela pensou que poderia vir, porém não conseguiu quando tentou. Você pode pensar algo, mas isso não significa que seja certo. E isso se aplicava a alunos do ensino fundamental, médio e qualquer outra pessoa.
“Falando a respeito, senhor Arararagi─”
“Tem um ra a mais!”
“Sinto muito. Eu gaguejei.”
“Bom, não faça de novo...”
“Não tenho certeza do que você espera. Todo mundo fala mal de vez em quando. Ou vai dizer quer nunca teve um lapso de língua em toda a sua vida, Senhor Araragi?”
“Não diria nunca, entretanto não gaguejo quando digo o nome de alguém.”
“Está bem então. Diga ‘Ela vende conchas do mar na costa’ três vezes seguidas.”
“Nem sequer é um nome.”
“Sim, é sim. Tenho três amigas com esse nome, na verdade. Então, diria que é um nome bastante comum.”
Soava tão segura de si.
É tão fácil ver através das mentiras das crianças.
Chocantemente fácil.
“Ela vende conchas do mar na costa, ela vende conchas do mar na costa, ela vende conchas do mar na costa.”
Acabei tentando.
“O que você é quando seus sonhos não se tornam realidade?” Hachikuji disse, sem perder o ritmo.
Ao que parece, estou sendo crivado agora.
“... Ferido?”
Eu estava aparentemente sendo crivado agora. “… Dolorido?”
“Bzzzt. Errou!” Hachikuji disse com um olhar astuto. “A resposta é...” ela tinha um sorriso intrépido. “... Humano.”
“Você se acha tão inteligente!”
Gritei em uma voz desnecessariamente alta porque, apesar de tudo, achei bem inteligente.
Porém mesmo assim.
Estávamos no que poderia chamar de uma área residencial sonolenta.
Caminhamos, mas não encontramos mais ninguém. Parecia o tipo de lugar aonde qualquer um com um lugar para onde ir saía pela manhã — enquanto todos os outros ficavam dentro de casa o dia todo. Claro, não era tão diferente da área onde eu morava, contudo o que era diferente eram todas as casas grandes ao nosso redor. Todos os que moravam no bairro deviam ser ricos. E agora que penso a respeito, me disseram que o pai de Senjougahara era um figurão em uma empresa estrangeira. É provável que seja o normal para as pessoas que moram aqui.
Uma empresa estrangeira, hein?
Não é bem o que associaria a uma cidade no meio do nada como a nossa.
“Ei, Araragi.” Senjougahara disse, falando pela primeira vez em um tempo. “Poderia me dar esse endereço de novo?”
“Hã? Certo. É por aqui?”
“Pode dizer que sim, ou não.” Senjougahara respondeu de forma vaga.
Sem saber o que significava, li a nota em voz alta mais uma vez.
Senjougahara acenou com a cabeça em compreensão.
“Parece que fomos longe demais.”
“O que? Sério?”
“É o que parece.” Senjougahara disse em uma voz calma. “Se quiser me criticar, então vá em frente, critique-me o quanto quiser.”
“... Uh, não vou fazer algo tão insignificante.”
Que maneira estranha de agir desafiadora...
Ela estava sendo graciosa e não estava realmente aceitando.
“Ok.”
Senjougahara voltou por onde viemos, seu rosto não mostrando nenhum sinal de agitação — e Hachikuji se moveu em perfeito contraste com ela, evitando Senjougahara girando ao meu redor.
“... Por que está tão assustada com a Senjougahara? Não é como se ela tivesse feito nada. Na verdade, sei que pode não parecer à primeira vista, mas a única mostrando o caminho é ela, não eu.”
Estava apenas acompanhando.
Não estou em posição de agir de forma condescendente e poderosa.
Mesmo que a intuição infantil de Hachikuji a estivesse fazendo evitar Senjougahara, estava indo longe demais. Você poderia dizer muitas coisas sobre sua pessoa, mas Senjougahara não era feita de aço. Como não iria se machucar com alguém a evitando tão de um jeito tão descarado? Além de qualquer preocupação que eu tivesse com Senjougahara, Hachikuji não a estava tratando bem em um nível moral.
“Não há nada que eu possa dizer a respeito...” Hachikuji admitiu, me surpreendendo com sua resposta modesta e tímida.
E seguiu em um sussurro: “No entanto, não está sentindo, Senhor Araragi?”
“Sentindo o quê?”
“A malícia brutal que emana daquela mulher...”
“...”
Hachikuji parecia estar seguindo algo mais do que intuição.
A pior parte é que não conseguia discordar do que disse.
“Acho que a desgosto... Posso sentir uma forte vontade vindo da sua direção, e está dizendo: ‘Você está no caminho, saia’...”
“Não sei se iria tão longe, porém... Hmm.”
Bem.
Vou perguntar, embora estou com um pouco de medo.
Embora a resposta parecesse óbvia para mim, parecia que precisava colocá-la no registro.
“Ei, Senjougahara.”
“O que é?”
Mais uma vez, respondeu sem se virar.
Talvez “Você está no caminho, saia” era o que estava pensando sobre mim.
Foi estranho. Nós nos considerávamos amigos, no entanto era muito difícil nos darmos bem.
“Você não gosta de crianças?”
“Não, eu não. As odeio. Queria que morressem, até a última delas.”
Cruel.
Hachikuji se encolheu com um “Eep!”
“Não tenho ideia de como devo lidar com elas. Acho que aconteceu no ensino médio. Estava fazendo compras em uma loja de departamentos quando esbarrei com uma criança de cerca de sete anos.”
“Oh, e isso fez a criança chorar?”
“Não, esse não era o problema. Me peguei dizendo: ‘Meu Deus, você está bem? Se machucou? Sinto muito de verdade. Por favor, me desculpe.’”
“...”
“Fiquei desconcertada porque não sabia como falar com crianças pequenas. Ainda assim, ter agido de forma tão modesta e educada foi um choque tão grande para mim... Que decidi mostrar nada além de ódio a qualquer coisa que possa chamar de criança, humana ou não.”
Senjougahara estava praticamente descontando neles.
Entendi a lógica, mas não a sensibilidade.
“A propósito, Araragi.”
“O que foi?”
“Parece que fomos longe demais na direção errada de novo.”
“Hã?”
Fomos longe demais — passado o endereço?
Sério? Já foram duas vezes seguidas.
É esperado que alguém indo para um novo lugar tivesse problemas para comparar os locais em um mapa de onde eles realmente estavam, no entanto Senjougahara viveu aqui até pouco tempo.
“Se quiser me criticar, então vá em frente, tente me criticar o quanto quiser.”
“Não, não iria faria algo... Espere um segundo. Você disse de forma um pouco diferente da última vez?”
“Você acha? Eu não percebi.”
“Vamos. Ah, sim, não estávamos falando sobre planejamento urbano ou algo assim? Até mesmo sua casa se tornou uma estrada, então acho que faria sentido que este lugar fosse bem diferente de como era em suas memórias.”
“Não. Esse não é o problema.” Senjougahara olhou ao redor mais uma vez e continuou: “Sim, há mais estradas, algumas casas sumiram e outras foram construídas, porém não é como se todas as ruas antigas tivessem desaparecido... Não há nenhuma razão estrutural para eu conseguir me perder.”
“Uh huh...”
Já que estava de fato perdida, parecia ser esse o caso. Como poderia concluir o contrário? Talvez Senjougahara não quisesse confessar que cometeu um erro por descuido. Sua personalidade pode ser muito obstinada a sua própria maneira... Mas enquanto esses pensamentos passavam pela minha mente, ouvi um ‘O quê?’ vindo dela.
“Posso dizer pelo seu rosto que está louco para reclamar. Se há algo que deseja dizer, por que não dizer como um homem? Vou ficar nua e me prostrar de quatro para pedir desculpas se isso te deixar feliz.”
“Está tentando me fazer parecer o homem mais nojento da Terra?”
Como se fosse deixa-la fazer algo assim no meio de uma área residencial.
Além do mais, não estava interessado em que tê-la rastejando em primeiro lugar.
“Ficar de quatro nua...” disse Senjougahara. “É um preço barato a pagar para tornar Koyomi Araragi conhecido em todo o mundo como o homem mais nojento vivo.”
“Seu orgulho é a única coisa barata aqui.”
Não conseguia discernir mais se ela era considerada uma personagem arrogante ou desavergonhada.
“No entanto ficaria apenas com minhas meias.” acrescentou.
“Você diz isso como uma piada para encerrar, mas não gosto de coisas estranhas.”
“E por meias, quero dizer meia arrastão.”
“Ficar mais extremo não muda nada...”
Embora pensando melhor. Ainda que não gosto disso, uma parte de mim queria ver Senjougahara, especificamente, em meia-calça arrastão — nem teria que estar nua. Quero dizer, se ficasse assim com meias pretas normais...
“Esse é o rosto de alguém tendo pensamentos impróprios, Araragi.”
“Quem eu? Vejo que me tem sob uma luz bem vulgar, um cara cujo lema é ‘o caminho é a retidão’. Não posso acreditar que tenha dito tal coisa sobre mim, Senjougahara.”
“Oh? Acredito que sempre disse essas coisas sobre sua pessoa, quer tenha provas ou não. É muito suspeito que, em vez de responder com algum tipo de piada, esteja rejeitando a afirmação de forma tão rotunda.”
“Ulp...”
“Então, me obrigar a ficar de quatro nua para pedi-lo desculpas não é suficiente, e quer escrever coisas obscenas em cada centímetro do meu corpo com marcador permanente?”
“Eu não estava indo tão longe!”
“Então, até onde estava indo?”
“Hum, de qualquer maneira, Hachikuji.” bruscamente mudei de assunto. Podia fazer pior do que pegar emprestado uma página do livro de Senjougahara a esse respeito. “Desculpe, mas pode demorar um pouco mais. Porém sabemos que é nesta área, então─”
“Não.” Hachikuji disse em um tom surpreendentemente calmo — o tipo de tom insensível e mecânico que você usava na aula para fornecer a resposta a uma equação óbvia. “É provável que seja impossível.”
“O que? ‘Provável’?”
“Se ‘provável’ não te agrada, então ‘com toda certeza’.”
“...”
Não é como se eu não estivesse satisfeito com ‘provável’. Também não fiquei satisfeito com ‘com toda certeza’.
No entanto ─ Me vi sem resposta.
Não nesse tom.
“Porque não importa quantas vezes tentemos, nunca chegarei lá.”
Hachikuji.
“Nunca chegarei lá.”
Hachikuji se repetiu. “Nunca chegarei lá — até minha mãe.”
Tal qual — um disco arranhado.
Um disco, ininterrupto.
“Porque eu sou ─ um caracol perdido.”
Notas:
1. Angioplastia transluminal percutânea é um procedimento que tem como finalidade desobstruir, por expansão, artérias ou veias obstruídas, restabelecendo assim o lúmen e o fluxo normal do vaso sanguíneo.
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