segunda-feira, 27 de dezembro de 2021

Boukensha ni Naritai to Miyako ni Deteitta Musume ga S Rank ni Natteta — Volume 02 — Capítulo 17

Capítulo 17: O Centro da Cidade Estava Geralmente Lotado


O centro da cidade estava geralmente lotado e sempre cheio de algum tipo de comoção. Os edifícios alcançaram alturas vertiginosas com novos andares construídos ao acaso no topo do último, e as vielas imprensadas entre eles estavam repletas de barracas que pareciam todas à beira do colapso. Vendiam-se itens suspeitos e alimentos duvidosos que pareciam uma dor de estômago esperando para acontecer.

Orphen era grande, e isso significava que havia lugares fora da vista do público: choças de pobres, covis de ladrões, bandos de crianças de rua e mendigos sem-teto... Tudo, é claro, se aglomerou nas favelas da cidade.

Lionel passou por essa agitação com Cheborg ao seu lado. Cheborg era grande e intimidante o suficiente para que os bandidos que se chocassem com ele e lançassem um olhar furioso em sua direção recuassem na mesma hora sem dizer uma palavra. Lionel, entretanto, estava tão magro e abatido como sempre. A guilda central quase não o deu mais dinheiro, e agora teve que sair por aí implorando por fundos aos nobres que viviam em Orphen. Nenhum desses nobres era fácil de lidar e Lionel nunca foi muito carismático para começar. Na verdade, sua negociação naquele dia só correu bem porque o brilho do velho Cheborg foi eficaz.

Embora as ansiedades de Lionel continuassem se acumulando, seu gerenciamento da guilda estava indo bem: aventureiros estavam voltando, monstros estavam sendo caçados e materiais estavam sendo coletados. Os aventureiros estavam mergulhando nas masmorras como antes.

Nos últimos dias, em uma tentativa desesperada de garantir mais fundos, a guilda estava se coordenando de forma mais estreita com os mercadores, agindo como intermediário para os materiais. Graças ao trabalho do antigo grupo de Lionel e aos veteranos que voltaram, as coisas continuaram nos trilhos de uma forma ou de outra.

Ainda havia muitos problemas a resolver. Brigas eclodiram com um sistema de gestão que — embora agora fosse uma casca do que era — ostentava uma história que se estendia por mais de cem anos. Muitos aventureiros estavam se divertindo, contudo Lionel tinha que assumir toda a responsabilidade, e suas dores de estômago eram intermináveis. Lionel esfregou a barriga, fazendo uma careta.

“Nunca pensei que chegaria a esse ponto. Deveria ter acabado de me aposentar como gerente de nível médio... Esse estresse é insuportável...”

“Eh? O que é? Disse alguma coisa, Lionel?”

“Só estou falando comigo mesmo, Sr. Cheborg... Além do mais, você está falando alto.”

“Ahahahaha! Não fique tão deprimido! Nos prometeram algum dinheiro, não é? Anime-se, por que não?”

“O verdadeiro problema vem depois de aceitarmos esses fundos...” Lionel suspirou. Tendo aceitado seu dinheiro, então os nobres sem dúvida começariam a se intrometer na política da guilda. Lionel teria que usar sua língua de prata junto com as realizações de seus aventureiros para continuar evitando suas demandas irracionais. O mero pensamento o deixou deprimido.

“Sigh... Bem, devemos ter histórico suficiente quando a Sra. Ange voltar... Acha que ela se encontrou com o pai?”

“De jeito nenhum ela cairia morta no caminho! Tenho certeza que está se divertindo muito com seu pai agora!”

“Espero que sim. Mesmo assim, pensar que o pai cujas habilidades elogiava com tanto afinco está escondido em uma vila remota... Se o trouxesse de volta enquanto está nisso...”

“Ahahahahaha! Estou totalmente a favor! Não consigo imaginar que tipo de cara é se Ange não consegue acertar um único golpe nele! Belgrieve, o Ogro Vermelho! Precisamos ter um duelo algum dia!”

“Se quiser lutar, por favor, faça-o fora da cidade, ok? No entanto, sabe, nunca ouvi falar do Ogro Vermelho, nem ouvi o nome Belgrieve antes... Você acha que é famoso em outro país?”

Lionel coçou a cabeça enquanto examinava as lojas em busca de um almoço adequado. Ele notou um tumulto na praça um pouco mais abaixo, onde alguém estava fazendo um discurso, e a plateia estava falando alto. Os dois trocaram olhares curiosos e foram ver o que estava acontecendo.

No centro da multidão, uma jovem com vestes clericais pretas estava em cima de uma caixa virada para baixo. A jovem parecia ter dez anos, se não um pouco mais velha. Contrastando com seu uniforme preto, seu cabelo longo e sedoso era branco puro. Em sua cabeça havia um boné de pele preta combinando e tinha feições bastante finas. No entanto, seu albinismo deixava sua pele muito pálida e seus olhos de um vermelho doentio.

Ao seu lado, um garoto com manto, cujo capuz foi puxado para baixo para cobrir o rosto, erguia uma bandeira. Era difícil dizer com a maioria de suas feições escondidas, mas é provável que tivesse entre quinze e dezesseis anos. O garoto tinha uma atmosfera um pouco sombria pairando ao seu redor.

A garota usou gestos exagerados, tagarelando em voz alta. Apesar de seu pequeno corpo, sua voz era clara e bem colocada.


“Ouçam-me! Vejam quantos de vocês são pobres e sofredores! Algum dia receberá a ajuda que merece? Os sacerdotes de Viena pregam assim: que a compaixão da grande deusa envolve os céus e penetra na terra! Mas então, por que não há benevolência para aqueles que sofrem na pobreza nas favelas?”

“Ouçam, ouçam!” a multidão gritou alto. A garota continuou triunfante.

“Os dias de Viena acabaram! Tal como os dias do Império Rodesiano que se converteu à sua fé! Não cabe aos deuses oferecer salvação à humanidade! Isso é para nós, humanos, decidirmos! Os ensinamentos do Mestre Salomão, um mero mortal que conseguiu alcançar seu reino celestial, são o único caminho para a salvação! Devemos orar por seu retorno! O nobre homem que dobrou demônios e até monstros à sua vontade! Se o Mestre Salomão nos liderasse, não precisaríamos mais temer os monstros! Aqueles que injustamente roubam riquezas e exercem um poder injusto em nome de Deus devem cair e só então teremos a salvação!”

A multidão aplaudiu em resposta.

Com uma risada satisfeita, a garota tirou pilhas de papéis peculiares da bolsa em seu ombro, cada uma representando o selo do feiticeiro herege Salomão. Era o mesmo ícone estampado na bandeira que o garoto carregava, um círculo mágico que assumiu a forma de um olho. A jovem os ergueu e proclamou: “Vejam! Estes são os talismãs do Mestre Salomão! Enquanto os tiver, não precisa temer a aniquilação quando ele retornar! Normalmente, isso nunca seria permitido fora do templo! Não poderiam comprá-los, não importa quanto dinheiro tivesse, porém eu quero salvar a todos! Vou te dar uma oferta especial: vinte moedas de cobre cada! Compre agora! Compre hoje!”

Os espectadores estenderam a mão e os talismãs foram vendidos como pão quente.

Então, este é o culto dos rumores. Lionel suspirou. Tudo parecia tão estúpido. Um louco que desapareceu nos confins do tempo e do espaço após conquistar o continente não poderia ser um bom líder. E acima de tudo, não há nenhum mana daqueles pedaços de papel, então não poderiam ter qualquer efeito. Uma farsa, pura e simples.

Ainda assim, tais discursos ressoaram entre aqueles que estavam muito frustrados com o estado atual das coisas, e Lionel caiu em desgraça como resultado.

Cheborg sorriu de orelha a orelha. “O mundo está ficando bem caótico, hein? Alguém precisa se recompor!”

“Eu não quero mais problemas...”

Foi então que um pelotão de soldados entrou correndo, soprando apitos estridentes.

O capitão gritou: “O que pensa que está fazendo? Você está liderando as massas ignorantes com suas performances sombrias!”

A garota que fez o discurso zombou. “Eu apenas disse a verdade! Vocês os ouviram, pessoal? ‘Ignorante’, disse ele! É dessa forma que o país os enxerga! Aqueles que estão no poder sabem que a população deve ser mantida na ignorância, ou não manterão posição! É de fato assim que as coisas deveriam ser?”

A multidão, abalada por suas palavras, começou a protestar contra os soldados, alguns até lançando coisas objetos em sua direção. Os soldados, por um momento, ficaram perplexos, porém o capitão desembainhou seu sabre.

“Silêncio!” proclamou. “Vocês, bandidos, estão perturbando a paz! Prenda-os!”

Cada um dos soldados pegou uma arma e correu para a garota. A multidão recuou com gritos, contudo a garota, apesar de ser tão jovem, manteve a compostura.

Ela balançou a cabeça. “Não há remédio para curar um tolo.”

A jovem ergueu a mão, entoando algo em voz baixa e, de repente, os soldados pararam. Os soldados lutaram, porém não conseguiram se mover um centímetro mais perto. Diante dos olhos dos espectadores estupefatos, os homens armados flutuaram no ar, se contorcendo. Pareciam estar com uma dor incrível, talvez incapazes de respirar.

A garota olhou-os com frieza. “Tolos que desafiam os ensinamentos de Salomão — arrependam-se.”

Lionel imediatamente alcançou seu quadril, mas ele tinha apenas saído para encontrar um nobre e não trouxe sua arma. Franzindo a testa, olhou para Cheborg.

“Vamos detê-los.”

“Ahahahaha! Que soldados desleixados!”

Os dois pularam por cima da multidão e pousaram na frente da garota. Cheborg estendeu a mão, agarrou a mão da jovem e a abaixou com força. De repente, os soldados caíram no chão ofegando.

Os olhos da garota se arregalaram. “Eek...! Quem?”

“Não acha que está levando suas pegadinhas longe demais? É hora de as crianças irem para casa!” Cheborg ergueu a mão livre, com o objetivo de nocauteá-la.

O rosto da garota enrijeceu de medo, voltando seu olhar para o garoto ao seu lado dela e gritando. “Byaku! Socorro!”

No instante seguinte, a mão de Cheborg foi jogada para trás por uma força invisível. Ele franziu a testa, chocado. O garoto estava apontando o dedo na sua direção, e podia ouvir o som de impactos violentos quando projéteis atingiram seu corpo inteiro. Parecia que pequenas massas invisíveis de mana estavam sendo marteladas no seu corpo uma após a outra, explodindo em sua pele.

“Whooooa!”

Esse ataque imprevisto foi o suficiente para Cheborg soltar a garota. Forçando-o a recuar, assumindo uma postura defensiva com os dois braços cruzados à sua frente. Vendo isso, o garoto moveu-se como uma cobra enroscada pronta para atacar, então empurrou as duas mãos para frente. Uma massa invisível de mana ainda maior fez Cheborg voar para longe.

Enquanto voava pelo ar, o velho ria. “Bwah? Hahaha! Nada mal!”

“Projéteis... Mágicos?” Lionel estreitou os olhos, em dúvida.

O projétil mágico era um feitiço que disparava projéteis de mana coloridos, contudo esses eram totalmente transparentes. Parecia diferente da técnica de Cheborg, onde usava as tatuagens em seu braço para amplificar as ondas de explosão sempre que balançava os punhos. Ele nunca tinha ouvido falar de magia assim antes.

Enquanto pensava a respeito, Lionel circulou atrás do garoto o quanto antes. Lançando-se para cima do garoto e tentando imobilizá-lo. No entanto, antes que suas mãos pudessem alcançá-lo, elas colidiram com um símbolo geométrico semi translúcido cintilante.

“Uma barreira defensiva autônoma?” Lionel engasgou.

Agora que Lionel havia parado, o garoto estendeu a palma da mão. A massa de mana que veio com esse movimento lançou Lionel de volta. Foi surpreendente, mas sua produção não era muito poderosa. Lionel quase não sofreu nenhum dano e, depois de girar algumas vezes no ar para corrigir sua postura, conseguiu pousar com relativa graça.

Isso, no entanto, criou distância. Lionel imediatamente deu o pontapé inicial para fechá-la e Cheborg também começou a correr.

O garoto se aproximou da menina agachada no chão e murmurou: “Hey... Você está bem, Sua Santidade?”

“Estúpido! Idiota! Byaku! O que está faz parado aqui? Não os deixe chegar perto de mim!”

“Hmph... De qualquer forma, estamos nos retirando. Não posso lidar com dois ex-Ranks S...” parecendo um tanto farto, o garoto pegou a garota que chorava, entoou algo em seguida e acenou com a mão. Em um instante, as duas figuras cintilaram como uma miragem e desapareceram como se nunca tivessem estado ali, um mero momento antes de Lionel estar sobre sua posição.

“M-Magia de teletransporte? Isso é magia superior que apenas um punhado de magos no império pode usar... Além de projéteis mágicos invisíveis e uma barreira autônoma... Quem eram eles...?”

“Ahahahaha! Esses pirralhos eram alguma coisa! Parece que estou ficando desleixado, deixando-os escapar! Não vou ser pegar leve da próxima vez!” Cheborg deu uma grande risada.

Lionel podia sentir que o problema estava se formando mais uma vez, e seu estômago doía mais do que nunca.


Os campos foram revitalizados e as sementes foram plantadas por toda parte. Depois que o trigo estivesse preparado de forma adequada, seria hora do festival da primavera.

Ao contrário do festival de outono, o festival da primavera não atraiu muitos visitantes de fora. Agradecimentos foram oferecidos à deusa Viena por permitir que os vilarejos sobrevivessem a um inverno rigoroso. Os fantasmas dos ancestrais que visitaram durante o outono seriam enviados com lanternas. Além do mais, a chegada da estação quente seria saudada com comida e bebida. A comida não era tão abundante depois do inverno, mas mesmo assim os barris de sidra foram abertos e serviam carne, mingau de trigo e vegetais da montanha.

No dia quente que antecedeu o festival de primavera, Angeline estava segurando a cabeça, agachada no quintal. Uma vez mais havia sofrido um golpe de Belgrieve.

Belgrieve franziu a testa e suspirou. “Ange... Quantas vezes tenho que te dizer? Não olhe antes de se mover. Você deve ser mais do que capaz disso.”

“Urgh... Você é o único que consegue se antecipar, pai...”

“Contudo pode ter certeza de que nunca vai encontrar uma pessoa ou monstro que possa fazer o mesmo no futuro? O que fará então? Seu oponente não vai simpatizar com suas desculpas. Não seja vaidosa. Ficar vivo é a base fundamental para ser um aventureiro.”

“Quero dizer...” Angeline fez beicinho com as bochechas inchadas e desviou os olhos. Sua atitude era tal como a de uma criança mimada.

Passaram-se pouco mais de duas semanas desde que Angeline voltou, e conforme a alegria da primavera crescia em Turnera dia a dia, ela passeava pelas florestas e montanhas, ajudando no trabalho de campo e nas tarefas domésticas, treinando com Belgrieve todos os dias. Era como se tivesse voltado à infância e, em vez de querer aprimorar suas habilidades, parecia gostar do treinamento em si. Angeline não conseguiu acertar um golpe, porém como conseguiu testemunhar a habilidade de seu pai em primeira mão, não se importou muito. Na verdade, parecia que estava se acostumando com a perda e mal estava tentando ganhar neste momento.

Enquanto isso, Belgrieve treinava com uma cara amarga. Angeline estava rindo, mas a situação não parecia boa para ele como pai. Claro, Ange é forte e derrotou até um demônio. No entanto se nem consegue vencer caras como eu, sem dúvida vai encontrar alguém que não poderá derrotar um dia desses.

Não importa quantas vezes Belgrieve repetisse, porém, Angeline não parecia levar o aviso a sério. Ela tinha a confiança infundada que vinha com os dezessete anos, bem como o orgulho que vinha de suas verdadeiras realizações como aventureira.

Belgrieve fechou os olhos e coçou a barba. Sentia que era pelo menos em parte culpado por mimá-la demais e não ser duro com essa sua atitude. Contudo, se não resolvesse seus maus hábitos como pai ou professor, ficaria ansioso demais para permitir que Angeline voltasse a se aventurar — uma troca que separava a vida da morte. Talvez fosse sua própria presunção, mas um pai sempre se preocuparia com seu filho.

“A comida está pronta, vocês dois.” Miriam chamou, levando o rosto para fora da casa. Anessa também espiou.

“Carne de coelho e mingau de trigo. Está bom assim?”

“Hmm, oh, obrigado. Desculpe por fazê-las cuidar do almoço...”

“Oh não, tudo bem, fiz porque gosto...”

As meninas começaram a aproveitar a vida no campo em Turnera. Agora participavam do trabalho de campo e da casa, das caminhadas matinais e até do treinamento. Elas também preparavam refeições com cada vez mais frequência e, com sua habilidade com o arco, Anessa era uma caçadora muito mais competente do que Belgrieve.

Pensando que este seria o dia em que consertaria os movimentos de Angeline, Belgrieve havia confiado a casa as outras duas, porém ainda não tinha alcançado os resultados que queria. Ele coçou a cabeça desajeitadamente e pediu a Angeline que se levantasse.

Angeline saltou, esquecendo todo o seu desagrado, e se dirigiu e para a porta da frente. Virando-se, ela sorriu maliciosamente.

“Pai, comida!”

“Ange...”

“O que?”

“Você... Planeja se manter como uma aventureira?”

“Sim! Quero dizer, é divertido... Tenho certeza que é o melhor para mim...” respondeu Angeline, com um toque de inocência.

Belgrieve colocou a mão na testa e deu um suspiro profundo. Não ia adiantar. Precisava fazer algo.

A mesa já estava posta. A carne de coelho e o mingau estavam fumegantes, com queijo de cabra seco como guarnição. Anessa e Miriam sabiam cozinhar para si mesmas graças à experiência no orfanato, e a comida que prepararam era deliciosa. O mingau continha especiarias trazidas de Orphen, e o cheiro era distinto e fresco.

Belgrieve mastigou a carne e deu um gole no mingau. As meninas pareciam estar gostando também.

Foi uma cena pacífica. Na noite anterior, haviam entrado nas montanhas e colhido grama brilhante para mandar rio abaixo durante o festival da primavera. As flores cobriam o solo, emitindo um brilho suave e azul-claro, e as garotas percorriam o campo para frente e para trás, sem se cansar de brincar.

Se Angeline queria continuar vivendo assim, Belgrieve não se importaria se nunca consertasse seu vício com a lâmina. No entanto, Angeline queria continuar como uma aventureira e continuar usando sua força. Alguns disseram que aventurar-se era um ofício para toda a vida; não conseguia parar, mesmo que quisesse.

Nesse caso, Angeline precisava do mínimo possível de fraquezas. Um único erro pode determinar a vida ou a morte. Foi esse exato motivo que o levou à perda de sua perna direita, e ainda foi sorte por ser apenas isso. Tudo estaria acabado quando perdesse a vida: depois disso, não poderia mais sentar à mesa com a família e amigos; não teria uma conversa agradável ou sentiria o calor do verão e o frio do inverno; não sentiria mais tristeza ou alegria.

Nenhum pai no mundo ficaria feliz por sua filha ser morta por um monstro. Qual seria o ponto de mimá-la aqui? Agora que chegara a esse ponto, não tinha escolha a não ser se tornar um ogro de verdade.

Belgrieve respirou fundo. Angeline percebeu que o olhar severo persistia em seu rosto enquanto habilmente servia carne e ia preparar o chá, e até começou a ficar ansiosa.

“Pai... O que há de errado? Está bravo?” Angeline perguntou com timidez.

Belgrieve se levantou em silêncio e, pegando sua espada, gesticulou em direção à porta com a cabeça.

Angeline se levantou tensa, pegando sua própria lâmina para segui-lo. Anessa e Miriam trocaram olhares ansiosos antes de se juntarem.

Uma vez no quintal, Belgrieve bateu sua perna artificial contra o solo antes de se virar para encarar Angeline. Seu ar amável de costume havia desaparecido — Angeline não conseguia ler nada em sua expressão, embora seus olhos estivessem frios.

“Ange.”

“S-Sim, pai...?”

“Se quiser continuar como uma aventureira, então me vença nesta partida.”

“Hã...? M-Mas...”

“Não posso deixá-la continuar com habilidades incompletas e resolução. Se não pode derrotar seu pai, e ainda quer persistir...” Belgrieve encarou-a. “Não vou mais pensar em você como minha filha.”

Angeline congelou, sua espada caindo de suas mãos. Seu rosto parecia como se o mundo tivesse chegado ao fim, deixando-a atordoada com lágrimas transbordando de seus olhos.

“Você está brincando... Certo, pai? De jeito nenhum... Diria isso... Certo?”

Belgrieve sentiu uma dor aguda no peito. No entanto, Angeline nunca cresceria a menos que fizesse o necessário — as crianças teriam que deixar o ninho algum dia. Belgrieve conteve com força seu desejo tomar suas palavras de volta e abraçá-la e, ao invés, endureceu seu olhar.

“Tome sua posição.”

Angeline ficou em silêncio por um momento. “Não.” Angeline agarrou suas mangas, olhando-o com os olhos marejados. “Não, não, não! Não quero...”

“Será que um monstro vai ouvi-la se contá-los isto? Pare de ser tão mimada!”

Seu tom estava ficando áspero, em parte para desmentir suas próprias emoções. O corpo de Angeline se contraiu, pegando sua espada com os olhos vazios. Todavia, não assumiu nada que se parecesse com uma postura. Ela estremeceu, murmurando baixinho.

“Está tudo errado... Não pode... Meu pai nunca diria...” era como se seu coração não estivesse nisso.

Belgrieve arregalou os olhos e gritou. “Angeline!” provocando um suave “Ah!” dela. Ao mesmo tempo, se aproximou a velocidades impensáveis ​​em uma perna de pau. Até então, Belgrieve sempre esperou para contra-atacar e, ao tomar a iniciativa de um ataque preventivo, Angeline foi forçada a reagir.

Ela pegou o golpe de baixo ângulo. A espada de Belgrieve era mais ameaçadora do que nunca e, embora estivesse embainhada, se sentia como se fosse despedaçada se a tocasse. Nunca havia visto Belgrieve assim — não, Angeline viu, mas apenas uma vez. Tinha visto essa versão de Belgrieve quando era jovem, na neve do inverno. A lâmina que a protegia agora estava voltada na sua direção.

Por quê? Como? Angeline sabia que precisava fazer algo a respeito da torrente de golpes que chovia em sua direção. Eu deixei meu pai com raiva? Fiz algo para fazê-lo me odiar? Não...

A espada de Belgrieve era cruel, porém também dolorosa.

Papai não está com raiva, está triste... Porque sou tão patética.

Um golpe forte enviou Angeline cambaleando para trás. Tendo lançado tantos golpes poderosos, Belgrieve teve que fazer uma pausa por um breve momento. Não eram movimentos aos quais estava acostumado, e começou a suar. Soltando um longo suspiro, desacelerou a respiração e retomou sua postura.

Angeline levantou devagar o rosto, seus braços caindo como se o poder tivesse sido drenado de seu corpo.

Belgrieve estreitou os olhos. À primeira vista, Angeline parecia cheia de aberturas, contudo emanava um espírito de luta que parecia indicar que ele seria abatido na hora se desse um único passo em sua direção. Belgrieve estava tremendo, embora fosse difícil dizer se era de medo ou fervor.

No entanto, no momento em que começou a tremer, Angeline fez seu movimento. Seu trabalho de pés como um espectro vingativo, ela praticamente deslizou pelo chão em sua direção. Ele não conseguia lê-la de jeito nenhum.

Ainda assim, Belgrieve deu um golpe forte, um golpe poderoso utilizando o ímpeto total de um passo poderoso. Angeline evitou sem dificuldade alguma — ou melhor, era como se a espada tivesse sido balançada em um lugar onde Angeline nunca havia estado.

Ela me pegou, pensou Belgrieve. Ele agora estava cheio de aberturas; poderia ser atacado de qualquer ângulo — e agora Angeline estava dentro de sua guarda. Não sabia que conseguia se mover assim, mas isso só o encheu de alívio. O que mais um professor poderia pedir?

Ele esperava um golpe poderoso, seu corpo enrijeceu em preparação para o golpe, apenas para algo macio saltar em seu peito. Foi tão inesperado que Belgrieve tombou imediatamente.

“Ange?”

Angeline jogou a espada de lado, enterrando o rosto em seu peito, tremendo silenciosamente. Vendo-a assim, Belgrieve podia sentir a tensão drenar de seu corpo. Não havia sido atingido, mas havia perdido.

Belgrieve colocou a mão na cabeça de Angeline e a acariciou.

“Muito bem... Como esperado da minha filha.”

No entanto, quando ela levantou o rosto, estava com uma raiva avermelhada, olhando-o com os olhos marejados. “Peça desculpas.” exigiu Angeline depois de um momento de silêncio.

“Hã?”

“Peça desculpas por dizer coisas tão terríveis! Não diga que não sou sua filha! Jamais! Não importa o que aconteça! Eu sempre, sempre serei a filha do meu pai!”

Angeline balbuciou enquanto pressionava a cabeça em seu peito e soluçava. Belgrieve afagou sua cabeça, frenético.

“Desculpe, desculpe. Pensei que poderia por fim fazê-la lutar a sério...”

“Não! Não te perdoei! Se você quer ser perdoado, então me abrace! Me abrace!”

Ainda com raiva, Angeline colocou as mãos nas costas de Belgrieve e apertou. Eu acabei de piorar essa condição dela? Belgrieve se perguntou, porém seus movimentos foram de um genuíno esplendor. Se era capaz disso, talvez ele pudesse mimá-la um pouco. Belgrieve a abraçou de volta e acariciou sua cabeça. Afinal, era um pai amoroso.

Vendo Belgrieve segurar e acalmar Angeline, Anessa e Miriam pareceram aliviadas.

“Isso é bom... Fiquei preocupada por um minuto aí...”

“Não é? Contudo é melhor quando esses dois se dão bem.” Miriam deu uma risadinha e Anessa assentiu. Mas então elas se lembraram de sua intensidade feroz. Nenhuma das duas contestaria que ele era de fato o Ogro Vermelho depois desse ocorrido.

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