Capítulo 10: Mayoi Snail 002
“Meu Deus, olhe o que temos aqui. Achei que alguém tivesse jogado um cachorro morto em um banco do parque, mas era só você, Araragi.”
Levantei minha cabeça, pensando ter ouvido uma saudação tão excêntrica que pode ter sido usada pela primeira vez na história da humanidade, e vi minha colega de classe, Hitagi Senjougahara, parada ali.
Nem é preciso dizer, porém Senjougahara não estava com o uniforme da escola, pois era domingo. Comecei a me perguntar como deveria responder ao ser chamado de repente de cachorro morto, contudo ela parada ali com roupas casuais, usando seu cabelo liso preso em um rabo de cavalo em vez de solto como faz na escola, era uma visão tão nova que não pude parar de engolir as palavras que chegaram até minha garganta.
Wow...
Não é como se estivesse exibindo tanta pele, no entanto sua roupa parecia chamar a atenção para seu peito de uma forma inexplicável — sem mencionar o culotte¹ que usava, que seria impensavelmente curto se fizesse parte de seu uniforme escolar. Não era nem mesmo uma saia adequada, mas suas meias pretas só deixavam suas pernas muito mais sedutoras.
“Qual é o problema? É uma saudação, isso é tudo. Uma piada. Gostaria que não se parecesse com um estraga prazeres, Araragi. Tem certeza de que tem algo parecido com senso de humor?”
“Ah, n-não, é...”
“Ou será que o seu coraçãozinho inocente foi fundido pela minha aparência encantadora e você está experimentando um momento de êxtase?”
“...”
Foi tão certeira, ou pelo menos perto o suficiente de estar certa, que não consegui pensar em uma boa réplica, apesar de sua estranha escolha de palavras.
“’Fundir’ não é uma palavra maravilhosa? Dizem que tem as mesmas raízes da palavra ‘derreter’, porém é muito mais intensa. Quer dizer, pode-se derreter quase tudo, contudo fundir se coloca um degrau acima, e as pessoas têm grandes esperanças seja um termo emotivo de próxima geração. ‘Aquela donzela fundiu meu coração!’ ou ‘Fui fundido por orelhas de gato!’ e esse tipo de coisa.”
“... Fiquei surpreso com o quão diferente parecia em comparação com a última vez que te vi vestindo algo diferente do seu uniforme. Isso é tudo.”
“Oh, acho que está certo. Provável que seja porque estava tentando usar roupas mais maduras na época.”
“Sério? Hm.”
“Embora comprei esse conjunto inteiro ontem. Poderia dizer que é uma forma de comemorar minha recuperação completa por enquanto.”
“Sua recuperação completa...”
Hitagi Senjougahara.
Uma garota da minha classe.
Ela teve um problema até pouco tempo. E até aquele momento muito recente — teve esse problema durante toda a sua vida escolar.
Por mais de dois anos.
Constantemente.
Este problema a impedia de fazer amigos, de entrar em contato com qualquer pessoa — praticamente a manteve trancada dentro de uma gaiola e a forçou a passar uma vida tortuosa como uma estudante do ensino médio — mas para sua fortuna, seu problema foi resolvido, mais ou menos, na última segunda-feira. Acabei testemunhando essa resolução — e foi a primeira vez que tive uma conversa adequada com Senjougahara, apesar de nós dois dividirmos uma sala de aula em nosso primeiro, segundo e agora terceiro e último ano do ensino médio. Pode-se dizer que foi o momento em que um vínculo se formou entre nós, que até aquele ponto eu não a via como nada mais do que uma aluna silenciosa, delicada, sujeito a doenças, que tirava boas notas.
Seu problema foi resolvido.
Resolvido.
Claro que não era tão simples quando olhava do seu ponto de vista, como a parte que lidou com o problema por alguns anos — como poderia ser? Então Senjougahara acabou tirando uma folga da escola até ontem, um sábado. Ao que indicava, estava ocupada indo para o hospital para que pudessem investigar o problema ou fazer testes detalhados, ou o que quer que fosse.
Então, veio o ontem.
E ela foi libertada — de tudo isso.
Pelo visto.
Finalmente.
Ou pelo contrário, afinal.
Ou inversamente, pela primeira vez.
“Suponho que poderia dizer algo do tipo, mas não é como se a raiz do problema tivesse sido solucionada.” disse ela. “Ainda não sei se devo estar aproveitar essa sincera felicidade ou não.”
“Oh. A raiz do problema.”
Esse era o tipo de problema com o qual estava lidando.
Então, uma vez mais, a maioria dos fenômenos no mundo que classificamos como ‘problemas’ são assim — a natureza da maioria dos problemas é que eles são questões fechadas e encerradas desde o início. O que é importante é o tipo de interpretação que você dá a eles.
Isso valeu para Senjougahara.
E para mim também.
“Está bem. Sou a única que tem que me preocupar a respeito.” disse Senjougahara.
“Hm. Bom, acho que tem razão.”
Foi assim que aconteceu.
Para nós dois.
“Tenho razão.” ela concordou. “Estou coberta de razão. E estou feliz de ter pelo menos a inteligência necessária para ser capaz de me preocupar.”
"... Gostaria que não fizesse parecer que existe uma alma infeliz que conhece que nem mesmo tem a inteligência necessária para se preocupar com alguma coisa.”
“Você é um idiota, Araragi.”
“E agora disse isso sem rodeios!”
Senjougahara estava ignorando por completo o contexto também.
Do jeito que acabou, parecia que só queria me chamar de idiota...
Já fazia quase uma semana desde nosso último encontro, mas vejo que não mudou nada.
Eu me perguntei se Senjougahara seria um pouco menos áspera nas bordas, porém...
“Estou feliz, no entanto.” Senjougahara disse com um sorriso fraco. “Planejava que hoje fosse um teste, mas minha esperança o tempo todo era que você fosse a primeira pessoa a ver essas roupas.”
“... Hã?”
“Porque posso usar o que quiser, agora que meu problema foi resolvido. Posso escolher qualquer coisa, de tudo que existe para vestir, sem nenhuma restrição.”
“Ah... Verdade.”
Ela não era capaz de usar o que queria.
Esse tinha sido um dos problemas de Senjougahara.
Já estava na idade em que as garotas queriam começar a se vestir na moda.
“Acho que me sinto muito afortunado ou muito honrado por ser a primeira pessoa para quem gostaria de mostrá-las.”
“Não disse que queria mostrá-las a você, Araragi. Disse que queria que as visse. Há um mundo de diferença entre os dois.”
“Hum...”
Dizendo isso, mas na segunda-feira, além de suas ‘roupas maduras’, Senjougahara me mostrou muito mais... Ainda assim, não posso negar que suas roupas, com toda a ênfase que colocaram em seu peito, fizeram muito para atrair meus olhos. Não sabia como dizer, talvez um bom senso de moda, no entanto parecia que uma poderosa força magnética havia me capturado e não estava me deixando ir. Antes, Senjougahara se passar por estar sempre doente, contudo agora parecia ser o oposto, quase positivo. O contorno da parte superior de seu corpo era mais fácil de distinguir agora que estava com o cabelo preso. Em especial a área ao redor do peito — espere, estou usando muito a palavra ‘peito’, não estou? Não estava mostrando tanta pele... Na verdade, em suas mangas compridas e meias, não estava mostrando muito, considerando que era meados de maio, mas algo sobre ela era apenas exótico. O que era, como poderia explicar? Será que entre experimentar o caso de Hitagi Senjougahara na segunda-feira e o caso da presidente de classe Tsubasa Hanekawa durante a Golden Week, eu agora tinha a capacidade de encontrar a visão de uma mulher totalmente vestida mais erótica do que uma nua ou de calcinha?
Oh não...
Essa não era uma habilidade que precisava, não quando estava apenas no ensino médio...
Embora adotando uma abordagem mais fria, foi rude da minha parte olhar para minhas colegas dessa maneira, pura e simples. Comecei a sentir uma vergonha intensa.
“A propósito, Araragi. Em primeiro lugar, o que está fazendo aqui? Poderia ser que foi expulso da escola durante meu tempo fora? E agora está fingindo ir para a escola enquanto na realidade mata o tempo no parque porque não consegue contar para sua família... Isso significaria que meus piores medos se tornaram realidade.”
“Está me fazendo parecer um pai que foi demitido.”
E hoje era domingo, de qualquer maneira.
Dia das Mães, lembra?
Quando estava prestes a replicá-la, me detive. Senjougahara vivia sozinha com seu pai devido às suas circunstâncias. Seu relacionamento com a mãe era um pouco complicado. Não seria bom ser muito sensível a esse fato, todavia ainda não era um tópico que deveria trazer à tona sem um bom motivo. Decidi marcar a frase ‘Dia das Mães’ como fora dos limites enquanto Senjougahara estava por perto.
E eu também—
Também não queria falar a respeito.
“Nada, de verdade. Só passando o tempo.” respondi.
“Certa vez, ouvi dizer que qualquer homem que responde ‘apenas passando o tempo’ quando questionado sobre o que está fazendo é praticamente inútil. Espero que não seja verdade para o seu caso, Araragi.”
“... Estou fazendo um pequeno passeio de bicicleta.”
E quero dizer em uma bicicleta, não em uma motocicleta, acrescentei.
Senjougahara respondeu a isso com um “Hmm” e um aceno de cabeça antes de olhar para trás, para a entrada do parque. Sim, onde ficava o estacionamento de bicicletas.
“Então aquela bicicleta era sua, Araragi?”
“Hã? Sim.”
“Estava tão enferrujada que me perguntava se tinha uma estrutura revestida de óxido de ferro, a corrente tinha rompido e caído e o assento e o pneu dianteiro estavam faltando. Nunca imaginei que as bicicletas pudessem se mover naquele tipo de condição.”
“Não aquelas!”
Essas eram as bicicletas abandonadas.
“Você não notou uma bem legal bem ao lado daquelas duas? A vermelha! Essa é a minha!”
“Hm... Oh. Aquela bicicleta de montanha.”
“Exato.”
“MTB.”
“Uhh... Eu acho.”
“MIB.”
“Isso é algo diferente.”
“Hmph. Então é sua. No entanto, que estranho. Não se parece em nada com a que você me levou antes.”
“É a que uso para ir à escola. Acha mesmo que eu andaria na bicicleta da vovó nos fins de semana?”
“Entendo, é claro. Afinal, você está no ensino médio, Araragi.” Senjougahara acenou com a cabeça. Esperava que soubesse que isso se aplicava a ela também.
“Estudante do ensino médio, bicicleta de montanha.” disse ela.
“Não sei se gosto desse tom de voz...”
“Estudante do ensino médio, bicicleta de montanha. Estudante do ensino médio, faca borboleta. Estudante do ensino fundamental, levantando saias.”
“E o que exatamente essa lista sinistra quer dizer?”
“Como sabe se é sinistra ou não? Era apenas uma lista simples, não qualquer tipo de frase. Não deveria gritar com uma garota com base em suas próprias suposições, Araragi. A intimidação é como uma forma de agressão, sabe?”
Nesse caso, seus insultos também.
Porém não haveria nenhum ponto em dizê-lo...
“Tudo bem, então transforme essa lista em frases completas.” exigi.
“Um estudante do ensino médio com uma bicicleta de montanha é como um estudante do ensino médio com uma faca em formato de borboleta ou um aluno do ensino fundamental que gosta de levantar saias. Apenas mais juvenil.”
“Então, eu estava certo, afinal!”
“Sério, Araragi? Essa não é a piada que deveria fazer aqui, deveria dizer que usei uma frase e um fragmento de frase em vez de frases completas, como me disse.”
“Espera mesmo que eu descubra algo assim na hora?”
Senjougahara não tinha algumas das melhores notas da classe à toa.
Ou talvez fosse o único na minha classe que não teria notado isso de imediato...
A arte da linguagem não era meu forte.
“Oi, esqueça de mim.” disse a ela. “Nem gosto muito de bicicletas de montanha. E consegui construir um pouco de tolerância a todos os seus abusos verbais depois de todo esse tempo, ou talvez pudesse dizer que aprendi a adaptar-me, mas de qualquer forma, há tipo, um milhão de alunos do ensino médio em todo o mundo que andam de bicicletas de montanha. Quer de verdade fazer todos de inimigos?”
“As bicicletas de montanha são incríveis, não são? Artigos finos que qualquer estudante do ensino médio naturalmente desejaria.” disse Hitagi Senjougahara, saltando em um piscar de olhos.
Parecia que estava mais interessada em autopreservação do que imaginei ao princípio.
“Tão incríveis que o grau em que elas não combinam com você, Araragi, faz com que palavras que não pretendia de forma alguma dizer escapassem da minha boca.”
“E agora está me culpando...”
“Pare de criticar cada coisinha. Se está tão desesperado para precipitar-se para a morte, ficarei feliz em trazê-lo até a metade do caminho, quando quiser.”
“Isso é o mais cruel que se pode fazer!”
“Você vem sempre por aqui, Araragi?”
“Nem sequer hesita em mudar de assunto, não é? Não, é provável que esta seja a minha primeira vez aqui. Estava andando sem pensar muito e por acaso encontrei um parque, então resolvi dar um tempo aqui, só isso.”
Para ser honesto, pensei que tinha ido muito mais longe — talvez até a ponta de Okinawa ou algo assim, contudo se estava topando com Senjougahara, (obviamente) significava que minha bicicleta nem havia conseguido me tirar da cidade. Era como se eu fosse um animal em uma fazenda.
Ah, maldição.
Conseguir uma carteira de motorista começou a parecer atraente.
Nah, provavelmente depois de me formar.
“E no seu caso, Senjougahara? Disse algo sobre hoje ser um test drive? Então, o que significa que está andando por aí para fisioterapia?”
“O comentário do test drive referia-se às minhas roupas. Não faz esse tipo de coisa, Araragi, sendo garoto? Pelo menos com seus sapatos, não é? Entretanto, para simplificar, sim, estou andando por aí.”
“Hmm.”
“Esta parte da cidade costumava ser meu território.”
“...”
Ela acabou de dizer ‘território’?
“Oh, é verdade.” me lembrei. “Você se mudou quando era mais nova, não foi? Então morou nesta área até então ou algo assim?”
“Sim, poderia que sim.”
Então esse era o caso.
Agora fazia sentido — em outras palavras, não se tratava só de dar uma caminhada ou experimentar roupas. Em essência, também se tratava de seu sentimento de nostalgia pelo passado, agora que seu problema estava resolvido. Até mesmo Senjougahara agia como um ser humano de vez em quando.
“Já faz um tempo, mas esta área─” ela começou.
“O que? Não mudou nada?”
“Não, é o oposto. É completamente diferente.” respondeu. Ela já deve ter explorado bastante. “Não é como se este lugar fosse me deixar sentimental, mas — é difícil de explicar, esgota sua motivação quando ve que a cidade em que cresceu mudou.”
“Não é como se pudesse esperar que continuasse a mesma.”
Tenho morado no mesmo lugar desde que nasci, então para ser honesto, não entendia o sentimento que Senjougahara descreveu. Também não tinha um lugar para chamar de minha casa de campo...
“Tem razão. Não pode.”
Senjougahara não discutiu comigo, para minha surpresa. Era raro não devolver com uma opinião ou outra. Ou talvez pensasse que não tinha nada a ganhar discutindo o assunto comigo.
“Oi. Araragi? Se importa se eu sentar ao seu lado?”
“Ao meu lado?”
“Quero falar com você.”
“...”
Sempre tão direta com coisas assim.
Se havia algo que queria dizer ou fazer, Senjougahara as dizia sem rodeios.
Bem ali, ao ar livre.
“Claro.” respondi. “Estava começando a me sentir um pouco culpado por monopolizar este banco de quatro pessoas.”
“Oh? Então creio que vou me sentar.” Senjougahara disse antes de se sentar ao meu lado.
Sentando-se ao meu lado, tão perto que nossos ombros quase se tocaram.
“...”
Hum... Por que ela estava sentada neste banco para quatro pessoas como se fosse feito para duas? Não está um pouco perto, Srta. Senjougahara? Estava tão perto que, embora, claro, nossos corpos não estivessem de fato em contato, eles ficariam com a menor inquietação. Era impressionante como estava chegando perto dessa linha, e parecia um pouco demais para dois colegas de classe, ou mesmo dois amigos. Ainda assim, se tentasse colocar alguma distância entre nós, poderia dar a impressão de que estou fugindo.
Achei difícil me mover quando pensei sobre a perseguição que seria trazida sobre mim se Senjougahara viesse dessa forma, mesmo que não fosse minha intenção. O resultado? Fiquei congelado no local.
“Sobre o outro dia.”
Nesta situação, em nossas posições relativas.
Senjougahara continuou a falar em um tom calmo.
“Queria te agradecer por tudo mais uma vez.”
“... Oh. Não se preocupe, não há necessidade de me agradecer, de verdade. Não fiz nada se pensar bem sobre.”
“Tem razão. Um pedaço de lixo teria sido mais útil.”
“...”
Sua frase significava a mesma coisa que a minha, mas era pior.
Que mulher horrível.
“Então deveria agradecer ao Oshino.” recomendei a ela. “É tudo que precisa fazer.”
“O senhor Oshino é um assunto separado. E de qualquer maneira, concordamos que eu estaria pagando-o uma determinada taxa. Cem mil ienes, acho?”
“Sim. Então você vai começar a trabalhar meio período?”
“Sim. No entanto alguém com a minha personalidade não está apta para o trabalho, então ainda estou ideando um plano.”
“Bem, pelo menos esta consciente desse detalhe.”
“Deve haver alguma maneira de me livrar desta conta...”
“Então, o que dizia sobre um plano?”
“Estou brincando. Vou pagar minha parte justa. Contudo, como disse — o senhor Oshino é um assunto separado. Queria te agradecer de um jeito diferente, Araragi.”
“Se for esse o caso, então já disse o suficiente. Até mesmo palavras de gratidão começam a parecer vazias quando são repetidas muitas vezes.”
“O que quer dizer? Elas estavam vazias desde o início.”
“Elas estavam?”
“Estou brincando. Não estavam vazias.”
“Brincando o tempo todo, não é?”
Estava simplesmente chocado.
Senjougahara soltou uma pequena tosse.
“Sinto Muito. Por alguma razão, sempre quero negar ou contradizer cada pequena coisa que você diz.”
“...”
No que diz respeito às desculpas, ESSA foi difícil de aceitar...
Era como se estivesse me dizendo que não conseguia se dar bem comigo.
“acho que sei o que é.” Senjougahara meditou. “É provavelmente a mesma atitude que as crianças pequenas têm de querer intimidar alguém de quem gostam.”
“Tem certeza de que não se parece mais com a atitude que os grandes adultos têm de querer atormentar alguém que consideram fraco?”
Espera.
Ela acabou de dizer que gosta de mim?
Não, estava apenas fazendo uma comparação.
Parecia inútil adotar a mentalidade do ensino fundamental de que toda garota que sorri na sua direção está apaixonada por você (os sorrisos são de graça!), então trouxe nossa conversa de volta aos trilhos.
“Na realidade, não sinto que fiz nada que mereça sua gratidão e, para usar uma frase de Oshino, ‘Você é salvo por si mesmo’. Não precisa se preocupar com gratidão e esse tipo de coisa. Só vai tornar mais difícil para nós darmos bem de agora em diante.”
“Para se dar bem.” Senjougahara ecoou sem mudar seu tom nem um pouco.
“Eu ─ Araragi? Tudo bem para mim pensar que somos próximos?”
“Claro que sim.”
Cada um de nós revelou seus próprios problemas. Não éramos mais estranhos, nem simples colegas de classe.
“Sim... Sim, tem razão.” disse ela. “Cada um de nós tem a fraqueza do outro em nossas mãos.”
“O que? Nosso relacionamento é tão tenso?” Senjougahara fez parecer que seria bastante tenso. “Não se trata de fraquezas ou qualquer coisa, pense nisso como se sentir próximo e ser capaz de dar por garantido. Se puder ver dessa forma, também irei.”
“Contudo seu tipo não é o que faz amigos, é, Araragi?”
“Até o ano passado, sim. E não era meu ‘tipo’ tanto quanto era minha regra. Entretanto tive uma pequena mudança de paradigma durante as férias de primavera, e, bem... E quanto ao seu caso, Senjougahara?”
“Era eu até segunda-feira passada.” disse ela. “Para explicar melhor, foi até eu te conhecer, Araragi.”
“...”
O que havia com essa garota...
Na verdade, o que havia com essa situação...
Praticamente parecia que estava confessando seu amor por mim. O ar estava pesado, até sufocante... Como se não tivesse tido tempo para preparar minhas emoções para o momento. Teria prestado mais atenção nas minhas roupas e no meu cabelo se soubesse que isso aconteceria e... Espere, não!
Estava me sentindo envergonhado por pensar de forma honesta em como deveria reagir se Senjougahara começasse a dizer que me amava! E por que meus olhos foram atraídos para seu peito assim que comecei a pensar sobre? Sou uma pessoa tão banal? Koyomi Araragi era o tipo de homem vulgar e sem classes que julgava uma garota com base em sua aparência (peito)—
“O que há de errado, Araragi?”
“Oh, hum... Sinto muito.”
“Por que está se desculpando?”
“Estou começando a pensar que minha própria existência é um crime...”
“Uh huh. Deveria ser ilegal.”
“...”
Espera.
De novo, Senjougahara estava repetindo o que disse, mas com uma nuance bem diferente.
“De qualquer forma, Araragi.” ela disse. “Independentemente do que diga, quero te pagar de volta. Porque se não o fizer, sempre sentirei como se tivesse algo contra mim. Se quisermos nos tornar amigos, acho que só podemos depois de eu retribuir primeiro. Dessa forma, podemos ser amigos em pé de igualdade.”
“Amigos...”
Amigos.
O que poderia ter sido?
Sabia que era para ser uma palavra emocional e comovente, porém parecia que uma parte de mim estava desapontada ao ouvi-la, como se estivesse me sentindo desanimado depois de colocar muitas expectativas nela...
Não, não era isso...
Não foi nada disso...
“Qual é o problema, Araragi? Achei um discurso muito bom agora, mas você parece desapontado por algum motivo.”
“Não, não estou. Parece que sim porque estou fazendo tudo que posso para esconder o que estou sentindo. Te ouvir dizer isso me deixa tão animado que poderia fazer o can-can².”
“Entendo.”
Ela deu um daqueles acenos não convencidos.
Senjougahara pode até ter pensado que eu tinha algum tipo de motivo oculto.
“Bem, em qualquer caso ─ Araragi. Existe alguma coisa que quer que eu faça por você? O que quiser, só desta vez.”
“... O-O que quiser?”
“Qualquer coisa.”
“Oh...”
Uma garota da minha classe tinha acabado de me dizer que faria qualquer coisa que pedisse a ela.
De repente, parecia que tinha realizado algo realmente grande.
...
Mas Senjougahara precisava saber o que estava fazendo.
“Qualquer coisa, de verdade.” assegurou. “Qualquer desejo seu, eu concordo. Seja para dominar o mundo, vida eterna ou para derrotar os Saiyajins em seu caminho para a Terra³.”
“Está me dizendo que é mais poderosa do que o Shenlong?”
“Claro que sou.”
Disse sim?
“Mas não me confunda com um traidor que se torna seu inimigo depois de se tornar inútil quando mais importa... Na verdade, preferia que me pedissem para conceder desejos que são mais pessoais. Esses são mais fáceis, depois tudo.”
“Imagino que sim...”
“No entanto, parece que está tendo problemas para pensar em alguma coisa depois de ser colocado em uma situação difícil como esta, Araragi. Nesse caso, poderíamos sempre ir com, bem, você sabe. O desejo padrão neste tipo de situação. Onde, para o seu único desejo, pede cem desejos ou algo parecido.”
“... Hã? Espere, isso é permitido aqui?”
Esse era um dos tabus mais comuns nesse tipo de situação. Teria que ser desavergonhado para tentar algo assim.
E a própria pessoa disse.
Seria como jurar obediência a mim.
“Por favor, o que quiser. Vou fazer o meu melhor para que aconteça. Deve haver muitas coisas que o agradam, como eu terminar todas as minhas frases com “meow” por uma semana, ou ir para a escola sem calcinha por uma semana, ou vir para acordá-lo todas as manhãs em nada mais que um avental por uma semana, ou ajudá-lo a usar enemas4 para fazer uma dieta por uma semana.”
“É esse tipo de pervertido que acha que sou? Isso é muito rude!”
"Bom... Hum, sinto muito, mas não acho que conseguiria fazer nenhum desses pelo resto da minha vida...”
“Não! Não, não, não! Não estou bravo porque pensou que eu era menos aberração do que sou, é o oposto!”
“É assim mesmo?” disse Senjougahara com a voz afetada.
Ela estava claramente brincando comigo...
“E espere, Senjougahara. está dizendo que concordaria com qualquer uma dessas se fosse por uma semana?”
“Estou disposta, sim.”
“...”
Bem, não precisa estar, pensei.
“Para sua referência, minha recomendação pessoal seria o avental por uma semana. Não sou apenas uma pessoa matutina, como já me levanto cedo todos os dias, estou até disposta a fazer o café da manhã para você enquanto estou nisso. Ainda com nada além de um avental, é claro. Assistir uma garota fazer algo assim por trás não é uma das grandes fantasias masculinas?”
“Ei, não fale sobre ‘fantasias masculinas’ desse jeito! Elas são muito mais legais! Além do mais, se fizer algo do tipo em minha casa quando as pessoas estão por perto, destruiria minha família mais rápido do que poderia dizer ventos fortes!”
“Faz parecer que não seria um problema se sua família não estivesse por perto. Tudo bem então, gostaria de ficar na minha casa por uma semana? Presumo que o resultado final seja o mesmo.”
“Ouça, Senjougahara.” eu disse, desta vez com uma voz severa. “Ainda que de alguma forma chegássemos a um acordo como esse, não acho que seria possível continuarmos amigos depois de uma situação como essa.”
“Oh. Agora que mencionou, é verdade. Sim, claro. Nesse caso, nada erótico.”
Claro que não.
E espera aí, então Senjougahara considerava terminar todas as suas frases com “meow” como um pedido erótico... Ela tinha alguns interesses bem abertos, apesar de seu comportamento frio.
“De toda forma, sei que nunca me pediria algo erótico, de qualquer maneira.” Disse Senjougahara.
“Oh. Então confia em mim afinal, não é?”
“Você é virgem, afinal.”
“...”
Suponho que a contei antes.
Na semana passada, de fato.
“É bom e fácil estar com um virgem. Eles nunca pedem muito.”
“Hum... Espere um segundo, Senjougahara. Você tem falado coisas sobre virgens desde a outra vez, mas não é como se tivesse alguma experiência, não é? Portanto, é difícil apreciar qualquer coisa que diga sobre o tema─”
“Do que está falando? Tenho experiência.”
“Tem?"
“Faço isso em todo lugar.” Senjougahara deixou escapar sem se preocupar.
Parecia que tudo o que importava era contradizer cada coisa que eu dissesse...
E “em todo lugar”? Sério?
“Uhh, não sei como devo responder, porém mesmo se, hipoteticamente, fosse de alguma forma verdade, o que ganharia em me contar esse fato, Senjougahara?”
“... Hrm.” ela murmurou.
Não sem corar.
Contudo fui eu quem corou, não ela.
Essa conversa estava atingindo muitos limites.
“Tudo bem, tudo bem... Permita-me fazer uma correção.” Senjougahara por fim disse. “Não tenho nenhuma experiência. Sou virgem.”
“... Ok.”
Senjougahara estava confessando, mas não da maneira que imaginei.
Embora tenha me forçado a dizer a mesma coisa outro dia, então tecnicamente falando, estávamos quites agora.
“Em outras palavras!” Senjougahara então apontou seu dedo indicador na minha direção e começou a gritar com uma voz que poderia ter ecoado pelo parque: “O único tipo de garota que falaria com um idiota virgem como você é uma solteirona louca como eu!”
“...!”
Então... Senjougahara estava até preparada para se degradar se significasse mais abuso verbal para atirar em mim...
Não sabia como reagir mais, tirar meu chapéu ou agitar uma bandeira branca.
Estava pronto para me render incondicionalmente.
Claro, não havia necessidade de me aprofundar muito neste assunto depois de aprender sobre a fixação de Senjougahara na castidade de uma forma traumatizante na semana anterior. Com ela, não era um problema de personalidade, mas uma espécie de condição.
“Desviamos do caminho.” Comentei.
Senjougahara começou a falar comigo com uma voz composta de novo. “Sério, não há algo, Araragi? Algo que o está incomodando em um nível simples, talvez.”
“Alguma coisa que está me incomodando, hein?”
“Não sou muito boa com as palavras, então me custa dizê-lo bem, porém quero com sinceridade ajudá-lo.”
Não tinha tanta certeza sobre a parte “me custa dizê-lo bem”.
Em todo caso, sua eloquência com as palavras era boa, e esse era o seu problema — mas ainda assim, Hitagi Senjougahara.
Não era uma pessoa má — na raiz.
Assim, mesmo que não tivesse sido proibido...
Eu teria dificuldade em lançar qualquer tipo de pedido imodesto na sua direção.
“Por exemplo.” Senjougahara ofereceu. “Talvez queira que lhe ensine como superar o fato de ser um recluso.”
“Como posso ser um recluso? Em que mundo um recluso teria uma bicicleta de montanha?”
“Nunca se sabe, pode haver um. Não vou deixá-lo discriminar os reclusos desse jeito, Araragi. Eles provavelmente tiram os pneus e depois pedalam dentro do quarto ou algo parecido.”
“Isso seria uma bicicleta ergométrica.”
Que reclusão saudável seria.
Contudo sim, talvez existam.
“De qualquer forma, é difícil pensar em alguma coisa que está me incomodando neste momento.”
“Sim, posso notar. Depois de tudo seu cabelo não está bagunçado hoje, afinal.”
“Está dizendo que os únicos problemas com os quais tenho que lidar são coisas como ter o cabelo bagunçado?”
“De onde tirou isso? Nunca notei que tinha um complexo de perseguição tão forte. Você le muito nas entrelinhas, Araragi, sabia disso?”
“O que mais poderia querer dizer com essa frase?”
Sheesh.
Senjougahara era como uma rosa cujas pétalas eram feitas de espinhos também.
“Posso ser capaz de ajudá-lo com outros problemas, como se alguma garota na sua classe que é legal com todos, exceto com você.”
“Próximo assunto!”
Parecia que a conversa iria continuar assim para sempre, a menos que eu me obrigasse a pensar em algo.
Agh...
Sério.
“Alguma coisa que está me incomodando, hmm... Bem, se tivesse que inventar, poderia não ser exatamente qualificado como ‘me incomodando’, no entanto—”
“Oh, então há algo.”
“Claro, claro que sim.”
“O que poderia ser? Diga-me.”
“Você realmente vai direto ao ponto, não é?”
“Claro. Este é o momento da verdade quando descubro se posso ou não retribuir, Araragi. Ou é algo estranho de se falar?”
“Não, na verdade não.”
“Então, deixe-me ouvir. Apenas falar sobre vai fazê-lo se sentir melhor — ou é como dizem.”
...
Não sei, não foi convincente vindo de alguém que costumava ser tão reservado quanto ela.
“Hmm... Briguei com minhas irmãs.”
“... Tenho um pouco de dúvida se posso ajudá-lo com isso.”
Tão rápido em desistir.
Nem sequer tinha ouvido os detalhes também...
“Porém vá em frente.” Instigou Senjougahara. “Pode me contar a história toda também.”
“Posso?”
“Ok, conte-me toda a história, por enquanto.”
“Essa reformulação valeu a pena?”
“O tempo está se perdendo, então.”
“... Bem, uh, certo.”
Tinha acabado de dizer a mim mesmo que essas palavras estavam proibidas, mas... Tive que usá-las, dado aonde à conversa nos levou.
“Hoje é o dia das mães, certo?” perguntei.
“Hã? Oh, suponho que seja, agora que mencionou.” Senjougahara respondeu sem nenhuma mudança.
Acho que estava sendo muito sensível, afinal.
O que significava que tudo o que restava — era meu problema.
“Então, com qual das suas irmãs brigou? São duas irmãzinhas, certo?”
“Sim, acredito que já sabia. Se tivesse que dizer apenas uma, seria a mais velha das duas — contudo, resumindo, briguei com as duas. Elas são inseparáveis onde quer que estejam ou o que quer que estejam fazendo, os Cinco W's.”
“Elas são as famosas Irmãs de Fogo da Secundária Tsuganoki, depois de tudo.”
“Você as conhece pelo apelido?”
Algo a respeito desse detalhe me incomodou.
Não tanto quanto o fato de que minhas irmãs tinham um apelido, no entanto.
“As duas são próximas de nossa mãe também — e ela as trata como seus bichinhos favoritos. Assim─”
“Entendo.” Senjougahara me cortou como se agora compreendesse a situação. Quase me disse que eu não precisava terminar meu pensamento. “Então você, o filho mais velho da família, sente que não há lugar em sua casa para você hoje, no Dia das Mães, sendo o fracasso que é.”
“... Isso mesmo.”
Enquanto Senjougahara provavelmente considerou a observação de “fracasso” em um contínuo com seu arsenal padrão de abuso verbal, para minha infelicidade, era a verdade nua e crua e não exagerada. Não tive escolha a não ser concordar.
Era exagero dizer que não havia lugar para mim em casa.
Contudo também não teria dito que não há lugar como o lar.
“E é por esse motivo que está fazendo um tour aqui. Hmph. Não entendo, no entanto. Por que brigou com suas irmãs?”
“Tentei escapar de casa cedo esta manhã, mas minhas irmãs me pegaram enquanto tentava subir na minha bicicleta. Então nós discutimos.”
“Uma discussão?”
“Elas queriam que eu passasse o Dia das Mães junto com todos — porém parece que, bem, sabe, não posso fazer esse tipo de coisa.”
“Você sabe, você diz. Não posso, você diz.” Senjougahara repetiu significativamente.
Talvez estivesse tentando me dizer algo.
Tipo, que problema legal de se ter.
Senjougahara vivia sozinha com seu pai — assim seria, de sua perspectiva.
“Muitas de nós, meninas, começamos a odiar nossos pais durante o ensino médio — os meninos são da mesma forma com suas mães?”
“Eh... Não é que não goste dela, ou que a odeie, apenas me sinto estranho quando estou próximo, e bem, quando estou perto de minhas irmãs, mais ou menos me sinto da mesma maneira, e─”
─ Sabe, Koyomi, é por isso.
─ É por isso que você nunca—
“... Porém, veja, Senjougahara, esse não é o problema aqui. Não ter brigado com minhas irmãs, não no Dia das Mães, não são os detalhes que estão me incomodando — essas coisas tendem a acontecer em qualquer tipo de dia especial. É apenas...”
“É apenas o quê?”
“O que estou tentando dizer é que, independente das circunstâncias, não consigo comemorar o Dia das Mães e estou sinceramente ficando chateado com algo que minha irmã, quatro anos mais nova que eu, disse e, não sei, estou tão irritado com o quão mesquinho sou uma pessoa que não aguento mais.”
“Hã ─ que problema complicado de se ter.” Senjougahara disse. “Você deu a volta por cima e transformou-o em um metaproblema. Como o que veio primeiro, o frango ou o pintinho.”
“O pintinho, é claro.”
“É assim.”
“Não é um problema complicado, é mesquinho, só. Ai de mim, sou uma pessoa mesquinha. Contudo ainda assim, de fato não quero ir para casa quando penso em como terei que me desculpar com minha irmã mais nova. Quase quero viver aqui neste parque para o resto da minha vida.”
“Não quer ir para casa, hein?” Senjougahara suspirou. “Por desgraça, consertar sua mesquinhez está além de minhas habilidades...”
“... Não pode pelo menos tentar?”
“É óbvio, consertar sua mesquinhez está além de minhas habilidades...”
“...”
Mesmo que fosse evidente, só me deprimia mais ouvi-la falar de maneira tão sucinta e desanimada. Claro, isso não era sério o suficiente para ficar deprimido, no entanto era o preciso grau em que não era sério que me fez sentir desconfortavelmente pequeno.
“Eu me sinto uma pessoa muito patética. Se tivesse que me preocupar, gostaria que pelo menos fosse sobre a paz mundial ou como trazer felicidade para toda a humanidade. Porém, em vez, minhas preocupações são essa de mente estreita. Isso é — o que não aguento.”
“Mente estreita—”
“Talvez ‘patético’ seja uma palavra melhor. A sensação seria como se cada vez ganhasse um bilhete de loteria raspadinha, tudo o que ganhasse fosse outro bilhete grátis.”
“Não deve degradar o que o torna tão encantador, Araragi.”
“Encantador? Meu charme é poder ganhar bilhetes de loteria grátis?”
“Estou brincando. E quando penso em quão patético é, não é assim que eu descreveria.”
“Eu nunca ganharia nada, não importa quantos ingressos compre?”
“Está brincando comigo? Isso seria impressionante à sua maneira. Quando penso em como você é patético, Araragi...” Senjougahara fez questão de esperar alguns momentos para dar peso extra ao que estava prestes a dizer. “É o tipo de patético que ganharia o jackpot e contaria a todos os seus amigos a respeito, apenas para perceber mais tarde que é uma soma nominal.”
Lentamente mastiguei e digeri as palavras.
“Deus, isso é patético!” gritei.
Foi o mais patético que poderia imaginar... E ela veio com essa ideia na hora. Uma mulher assustadora, como sempre — mais do que nunca, na verdade.
“Deixando de lado as coisas com sua mãe por enquanto, a briga com sua irmã parece sim, me parece mesquinha. Imaginei que fosse o tipo de irmão que idolatrava suas irmãzinhas.”
“Tudo o que fazemos é brigar.” respondi.
E hoje — hoje foi ruim de uma forma especial.
Porque não era dia de semana.
“Então, em vez de achá-las fofas, te fazem sentir calafrios?”
“Não há nada digno de me fazer sentir incômodo nas minhas irmãs!”
“Ou poderia ser o outro lado do amor? Araragi, será que tem uma queda por suas irmãs?”
“Não. A ideia de estar apaixonado por sua irmã mais nova é uma ilusão sustentada por pessoas que, na verdade, não têm irmãs mais novas. Nunca aconteceria na vida real.”
“Ora, Araragi. É muito feio da sua parte agir com superioridade só porque eles não têm algo que você tem.”
...
O que estava tentando dizer?
“Sabe, como, ‘Oh, o dinheiro não é importante’ ou ‘Eu gostaria de nunca ter tido uma namorada!’ ou ‘A escola que frequentou não importa’... Não odeia esse tipo de pessoa arrogante ?”
“Ter uma irmãzinha é um pouco diferente desses exemplos...”
“Entendo. Então não está há um interesse romântico em suas irmãzinhas? Nunca se apaixonaria por elas?”
“Como poderia?”
“Certo, acho que você me parece mais um fetichista de sororato.”
Sororato?
Essa era uma palavra que não tinha ouvido antes.
“Sabe, como um casamento fraternal? Casamento levirato para mulheres, em que a esposa de um homem morre, então ele se casa com a irmã dela.”
“... Estou tão surpreso como sempre com a sua vasta riqueza de conhecimento, mas por que eu seria um soro-sei-lá-o-quê?”
“Suas irmãs são mais novas, não irmãs mais velhas. Aposto que fará uma garota sem parentesco o chamar de ‘irmão mais velho’, como seu cunhado, antes de se casar com ela... E a fará chamá-lo de ‘irmão mais velho’, mesmo depois de serem marido e mulher. Essa é uma representação verdadeira e realista de─”
“Aposto que também matei minha esposa original!” reagi às palavras de Senjougahara antes que pudesse terminar, uma violação da etiqueta tradicional do homem hétero5.
“De qualquer forma, seu fetichista sororato─”
“Apenas me chame de amante de irmã, por favor!”
“Você disse que nunca se apaixonaria por suas irmãs biológicas.”
“Não disse que faria se fosse minha cunhada!”
“Então, vai se apaixonar uma cunhada.”
“De novo... Espera, o quê? Você pode ter uma cunhada-por-lei?”
Que diabos.
Quando pensei um pouco mais, fez algum sentido. No entanto, nesse caso, o que poderia ser uma namorada por lei... Não, eu estava me perdendo muito...
“Vejo que realmente é uma pessoa de mente pequena se fica irritado com algumas pequenas observações como essa.” disse Senjougahara.
“Seus comentários são tudo menos pequenos.”
“Estava apenas te testando.”
“Por que está me testando? E espere, isso significa que está se segurando?”
“Se desse tudo de mim, me transformaria.”
“Transformar? Wow, agora sim, quero ver!”
Bom, parte de mim sim, mas parte de mim não... Senjougahara exalou e parecia pensativa.
“Suas reações são muito exageradas para uma pessoa tão pequena. Me pergunto se existe algum tipo de relação. Contudo não vou desistir, Araragi, não importa o quão pequeno seja. Prometo estar ao seu lado, a cada pequeno passo que der.”
“Você e seus golpes sutis.”
“Sempre estarei ao seu lado. Das montanhas do oeste aos oceanos do leste. Mesmo no inferno, se for necessário.”
“... Sabe, essa frase pode colocá-la em uma boa imagem, mas o que isso diz sobre mim?”
“Então, há algo te incomodando que não envolva sua mesquinhez?”
“...”
Ela me odiava ou o quê?
Fui vítima de algum bullying grave aqui?
Estava começando a ter esperança de ter apenas um complexo de perseguição.
“Não há nada em particular...” disse.
“E não há nada que deseje, também — hmm...”
“Me pergunto que tipo de abuso vai lançar contra mim a seguir.”
“É fantástico o quanto você é amplo de visão e tolerante.”
“Falsos elogios, se é que já ouvi algum!”
“É fabuloso, Araragi.”
“Como disse... O que foi isso? Algum tipo de anúncio de refrigerante?”
“É uma combinação de ‘fantástico’ e ‘fabuloso’. Nunca ouviu sobre antes?”
“Não... E você deve estar tramando algo para ir tão longe a ponto de arrancar um neologismo que deve ter morrido gerações atrás para me elogiar.”
E de todas as coisas para dizer, “mente aberta”... Quando eu estava apenas contando-a sobre como sou mesquinho.
“Só pensei em atacar primeiro. Tive medo que me dissesse ‘sem insultos por uma semana’ ou algo do tipo.”
“Como se fosse possível que fizesse isso.” zombei.
Seria o mesmo que pedi-la que parasse de respirar ou que seu coração parasse de bater.
E se tirasse os insultos de Senjougahara, mesmo por uma semana, não seria Senjougahara. Não seria divertido para mim também... Espere, desde quando me transformei no tipo de personagem que depende do abuso de Senjougahara para seguir adiante?
Já estava ficando perigoso...
“Tudo bem, então... Embora tenha sido chocante vê-lo sem uma única ideia no momento em que bani os pedidos eróticos.”
“Pode ser verdade, mas eu não tinha nenhuma ideia antes de te as banido também.”
“Ok, Araragi, entendo. Então vou permitir, desde que sejam apenas ligeiramente sexuais. Em meu nome, permito que liberte seus desejos.”
“...”
Ela quer mesmo que eu o faça?
Ótimo, agora estou me sentindo muito constrangido. Já estava ficando confuso.
“Não pensou em nada ainda? Não quer que te ajude com sua lição de casa?”
“Já renunciei isso. Contanto que possa me formar.”
“Nesse caso, que tal ser capaz de se formar?”
“Vou me formar muito bem se continuar normalmente!”
“Então que tal ser capaz de proceder normalmente?”
“Está querendo começar uma briga comigo, não é? Não é?”
“Então que tal, digamos—”
Senjougahara deu uma pausa dramática, para acertar o tempo, antes de continuar.
“Ter namorada?”
“...”
Esse foi — outro caso de ser muito autoconsciente?
Pareceu ser uma declaração significativa.
“E o que aconteceria... Se dissesse sim?”
“Você arranjaria uma namorada.” Respondeu Senjougahara friamente. “Isso é tudo.”
Fiquei sentado em silêncio.
Sim...
Se o apetece, era sem dúvida o tipo de linha que poderia interpretar.
Para ser honesto, não tinha ideia do tipo de situação em que me meti — contudo parecia errado tirar vantagem de alguém que está expressando sua gratidão, independente do que aconteceu e como. Esqueça a ética e a moral, apenas não parecia certo.
Uma namorada por lei — era isso?
O que Oshino disse estava começando a fazer sentido.
Você acabou de ser salva por si mesma.
Da perspectiva de Oshino, o que eu fiz — por Senjougahara, pela presidente de classe e por aquela mulher nas férias de primavera... Pelo demônio — pode ter sido lindo, mas não estava certo.
Ninguém mais resolveu os problemas de Senjougahara, seu próprio pensamento sincero resolveu.
Nesse sentido — seria rude.
Não importa o que pedisse.
Então.
“Não, nada disso também, de verdade.” respondi.
“Hmph. Entendo.”
Mesmo que houvesse algum significado mais profundo oculto no que disse, tornou-se incognoscível mais uma vez, o que quer que tenha sido — como Senjougahara disse aquelas palavras sem emoção.
“Compre-me um refrigerante da próxima vez ou algo assim, e acertaremos tudo.”
“Certo. Um estranho à ganância.”
Você realmente tem a mente aberta, disse ela, como se quisesse amarrar tudo.
Deve ter sido sua maneira de sinalizar que encerrou o assunto.
Então...
Decidi olhar para frente. Parecia que eu estava olhando para o rosto de Senjougahara por um longo tempo, então me concentrei em outra coisa, seja intencionalmente ou por constrangimento — e ali.
E lá vi uma garota.
Uma garota carregando uma grande mochila.
Notas:
1. Culotte é uma espécie de calção que cobra a maior parte dos glúteos.
2. Acredito que can-can se refira à dança Cancã, uma dança francesa que se tornou popular nos salões de música na década de 1840, sendo associada aos cabarés franceses. A dança é caracterizada por ser energética, com altos pontapés e piruetas.
3. Referência ao arco dos Saiyajins em Dragon Ball Z, quando Oolong pede a Shenlong para derrotar os saiyajins vindo para a Terra, mas o dragão dos desejos se diz incapaz de fazê-lo.
4. Enema é um procedimento que consiste na colocação de um pequeno tubo pelo ânus, no qual é introduzida alguma outra substância com o objetivo de lavar o intestino. Homem hétero é uma das partes que compões um tsukomi, uma dupla de comédia da cultura ocidental.
Nenhum comentário:
Postar um comentário