domingo, 8 de dezembro de 2024

Vampire Hunter D — Volume 02: Raiser of Gales — Capítulo 12

Volume 02: Raiser of Gales — Capítulo 12: Pesadelos em uma Noite Chuvosa

Quando o último período estava terminando, gotas começaram a bater nas vidraças e, quando o professor saiu da escola, a chuva começou a cair. O som das gotas ricocheteando em sua capa de chuva com capuz era quase ensurdecedor.

Coloque um pouco mais de graxa nisso, Sr. Meyer ruminou enquanto caminhava pelo caminho lamacento. Quanto mais espessa a gordura de tigre-homem com que tratavam as pesadas peles de alce, mais rápido secava e, nas fortes rajadas típicas da região, o pelo endurecido fazia um som como bochechas sendo esbofeteadas.

Menos de cinco minutos depois de passar pelo portão da frente da escola, o barulho se tornou mais intenso e o professor começou a se arrepender de sua pressa em voltar para casa. Não conseguia ver nada há 5 metros à sua frente.

Seja como for, para os aldeões ameaçados pela Nobreza sugadora de sangue, a chuva era um dos sons mais bem-vindos. Como seria de se esperar das lendas sobre a incapacidade dos vampiros de atravessar águas correntes, estatisticamente falando, a incidência de ataques em dias chuvosos era, para todos os efeitos, nula. Embora pudessem fazer caretas, essas pessoas da Fronteira estavam alegres enquanto corriam para casa.

— O que diabos...? — ao espiar uma forma se movendo com velocidade sobre-humana através das camadas de gotas caindo, o professor parou. Sem dúvida parecia muito com um homem, todavia seu andar bizarro, de alguma forma diferente do de uma pessoa comum, lançou um manto agourento sobre seu coração.

Todos os demônios da água e espíritos malignos do rio que adoravam sair em dias chuvosos foram exterminados anos atrás, e os talismãs montados em pontos estratégicos ao redor da vila deveriam ter mantido a área segura de mais de sua espécie até o fim dos tempos. Porém se isso fosse verdade, o que poderia ser a figura...?

Lembrando que havia uma fazenda solitária na direção em que a figura havia desaparecido, o Sr. Meyer se virou para a escola. Esperava obter ajuda, contudo era menos de meio quilômetro até a casa da fazenda. Distância mais do que suficiente para o medo em seu coração se tornar realidade.

Hesitando por um momento, o Sr. Meyer foi atrás da figura sombria.

Uma trilha estreita corria entre campos plantados com produtos gigantescos. O solo superficial macio foi escavado pela chuva torrencial, enviando um jato amarelo ininterrupto. Aqui e ali, o estalo agudo de folhas vegetais quebrando de seus respectivos caules podia ser ouvido.

A figura havia saído de seu campo de visão há muito tempo. Não tinha dúvidas de que se dirigia para a casa da fazenda. O Sr. Meyer acelerou o passo.

Seus medos eram bem fundamentados.

Quando a silhueta da casa da fazenda flutuou no mundo encharcado de chuva, um grito atravessou o rugido da chuva. Houve o som de algo quebrando, então se perdeu sob um rugido que não podia ser atribuído a homem ou animal.

O professor correu, tirando o casaco. Pescou no bolso do blazer enquanto corria e desajeitadamente tirou um tubo de disparo de chumbo grosso, destinado à autodefesa.

Ele ficou parado diante da porta da casa. A porta em si estava intacta, entretanto na parede de barro ao lado dela um enorme buraco se abria como uma boca enegrecida. Era grande o suficiente para um homem adulto passar com facilidade. As pernas do professor ficaram fracas ao pensar na força bruta necessária para fazer aquele buraco.

Outro grito. Desta vez era a voz de uma criança. O medo foi banido em um instante por um poderoso senso de dever profissional, e o Sr. Meyer voou pela entrada. O professor não poderia ter imaginado a cena que vislumbraria naquele primeiro batimento cardíaco, uma visão que substituiu seu senso de missão por uma espécie de entorpecimento.



Seu campo de visão foi preenchido por uma sala ampla e o corpo de uma mulher deitada em seu chão de terra. Em cima da forma rubenesca¹ do que parecia ser a esposa do fazendeiro se contorcia uma coisa com cabelos desgrenhados. A coisa, seja lá o que fosse, tinha por volta do tamanho de uma criança de sete ou oito anos.

Um seio farto transbordava das roupas rasgadas da mulher, e através do seio rastejava uma língua escarlate. Havia o som de lambidas, todavia não era o tipo de som que vinha da brincadeira amorosa em que homens e mulheres se envolviam. A coisa estava lambendo a vermelhidão que descia pelo seio da mulher, correndo da base de sua garganta.

A cabeça de ébano se moveu sobre o seio da mulher e seu corpo se contraiu. Ele levantou seu rosto cautelosamente para encarar o professor. Tinha bochechas estranhamente salientes e olhos fundos.


Não havia um pingo de humanidade em seus orbes injetados de sangue, e seus lábios, incomuns apenas em seu tamanho, se deformaram em um sorriso maligno ao aparecer uma presa fresca. Com um baque úmido, cuspiu algo no chão de terra. Não era preciso ver os dentes manchados de sangue da coisa para saber que o que cuspiu era o bico bem roído de um seio.

A porta lateral rangeu ao abrir. Aos olhos do Sr. Meyer, o que saiu da sala dos fundos parecia um lobisomem com o corpo de uma criança em suas mandíbulas.

Em suas mãos ainda tinha o tubo de chumbo, entretanto não o usou contra nenhuma das criaturas. Não era apenas um professor, como também uma pessoa da Fronteira. Demônios e monstruosidades viviam ao redor deles, e sabia como lidar com as criaturas. Em duas ocasiões anteriores havia se defendido de ataques com a arma em suas mãos, por uma harpia em um caso e um homem-serpente em outro. Mas dessa vez não se moveu.

Percebendo para onde sua mente estava começando a levá-lo, o professor tremeu violentamente.

Aquele que estava roendo o cadáver da mulher se levantou, enquanto a criatura rastejando de quatro largou o corpo da criança. Os monstros se aproximaram...

— Pare. Não chegue perto de mim. — as palavras mal escaparam de sua garganta.

De um lado para o outro, o tubo de chumbo oscilou sem fixar um alvo.

Duas criaturas, o professor tentou impressionar a si mesmo. Duas coisas. Não pessoas.

Olhos enlouquecidos apenas com assassinato ardiam como chamas, e lábios manchados de sangue puxados para trás para expor fileiras de dentes. Dentes que eram normais e humanos.

Essas coisas são como eu, o professor refletiu.

Da frente e do flanco, formas escuras atacaram.

Pare!

Um estrondo ensurdecedor e trinta balas de chumbo abafaram o grito do professor. Lá fora, a tempestade ficou mais forte.



Enquanto aquela pequena, mas assustadora batalha acontecia em uma extremidade da vila, Lina já estava de volta em casa. Depois do que aconteceu nas ruínas, não foi surpresa que não conseguisse se concentrar na aula, porém a causa de sua depressão singular foi o que D havia lhe dito.

Não me siga mais por aí... Foi o que lhe disseram. À luz de como se imaginava a assistente do jovem Caçador de Vampiros, a ordem de D foi uma ferida grave em seu orgulho.

Não posso me permitir perder o controle. Tenho que fazê-lo retirar o que disse.

Mantendo esses dois sentimentos em mente, Lina deixou sua mochila de livros em seu quarto, então irrompeu na morada de D, o celeiro. O cavalo de D estava amarrado em uma das baias. Ótimo, pensou. Ele está aqui.

— Agora eu vi tudo. — exclamou Lina, seu espanto com esse quadro imprevisto formando as palavras por conta própria.

Ela tinha ouvido do prefeito que D era um dampiro. E tinha algum conhecimento sobre sua natureza. Embora tivesse certeza de que ele estaria dormindo ou se alimentando, D na verdade encontrou uma mesa de madeira e uma cadeira que tinham sido movidas para o celeiro anos atrás. O jovem estava nelas agora, sacudindo o que parecia ser um pequeno frasco.

Aproximando-se estupefata, Lina viu os instrumentos dispostos na mesa. Seus olhos tornaram a se arregalar, e desta vez mais do que antes. Não só havia uma série de cilindros prateados e frascos de remédios cheios de poções de tons inquietantes, como também havia um suporte de frascos com vapores claros subindo das aberturas destes. A menos que seus olhos a enganassem, além do suporte, um microcomputador emitia um fraco zumbido e lampejos de luz cianótica.

— Wow! Todos os Caçadores de Vampiros podem fazer análises químicas?

Embora provavelmente já tivesse notado sua visitante há muito tempo, D não fez nenhum movimento para encará-la. Contudo não havia nenhuma inimizade nisso.

— Ei. — chamou a garota, firmando os ombros para uma luta.

— Achei que tinha dispensado minha assistente.

— Oba! — Lina estalou os dedos. Um sorriso floresceu em seu rosto.

— Por que está tão feliz?

— Parece que vou ser sua assistente de novo. Ah, agora não tente se safar disso. Eu vejo alguma esperança para mim na maneira como acabou de falar. Olha, também leio mentes. Sei muito bem para onde sua mente está indo.

Na verdade, só sua e de mais ninguém, pensou Lina.

D se virou para Lina e disse.

— Se eu disser de outra forma, você sai?

Com o corpo tremendo de frio por algo carregado naquele tom suave, Lina balançou a cabeça o mais alegremente possível.

— Não na sua vida de Caçador de Vampiros.

Ela se perguntou o que faria se suas palavras o ofendessem, no entanto D voltou para sua mesa sem expressão.

Lina não perdeu tempo e foi até ele. Desviando os olhos para o computador, falou.

— Estima-se que 14,3 gramas por 100 centímetros cúbicos; 4,5 milhões em um milímetro cúbico... Essa é a quantidade de hemoglobina e contagem sanguínea de uma mulher que tem aí. Alguém mais foi atacado?

D se virou para ela e disse.

— Boa interpretação. — ele não estava se referindo ao incidente perturbador, mas sim à opinião dela sobre os dados numéricos exibidos em seu computador.

— O que mais esperava de um prodígio? — Lina riu, estufando seu peito já amplo. Um segundo depois, deslizou sua bochecha para perto do rosto de D. — Sua assistente gostaria de saber uma coisa, chefe. De quem é esse sangue?

D encontrou o olhar da garota travessa com seus olhos brilhantes, então se virou para o outro lado.

Hmph, essa foi uma atitude inesperada. Acha que vou desistir tão fácil?

— Tudo bem. — disse Lina. — Não me diga. Acho que terei que ir junto e fazer minhas próprias coisas. Onde quer que você vá, estarei lá com minha própria agenda. Então tente não ficar irritado quando pisotear suas preciosas evidências.

— Faça o que quiser.

Fim da discussão.

Claro, fazer um ataque de mau humor não influenciaria D. E seria irritante continuar com as coisas do jeito que estavam. Lina acabou pairando sobre o computador.

Uma vez, vários anos atrás, ela viu um computador que um comerciante viajante trouxe para a cidade. Um legado da cultura científica desaparecida da Nobreza, os computadores eram poucos em número, e mais raros ainda eram as pessoas que sabiam usá-los. Claramente, este deve ser um dos modelos mais poderosos, com uma capacidade embutida de tirar inferências, além das funções usuais de análise de dados. Ainda assim, era difícil acreditar que um Caçador de Vampiros estivesse acostumado a usar tal dispositivo.

Os dedos de D roçaram com cuidado a bola magnética e a tela mudou.

— São 16 gramas de hemoglobina, contagem sanguínea de 5 milhões... Essa é de um homem. D, não acha que...

— Havia gotas do sangue da mulher no meio da floresta onde Cuore foi encontrado. Graças à alta umidade, não havia secado por completo. Também tinha seu cheiro. Adicionei um pouco do sangue da mulher da noite passada.

Assim que Lina estava prestes a pular de alegria por finalmente receber uma resposta civilizada, o computador começou a exibir algo diferente de dados numéricos. Em cima e em baixo, à esquerda e à direita, a faísca pálida arrastava sua cauda.

— Ah, entendi. Da saliva misturada com o sangue de sua vítima, pode deduzir quem o Nobre é. Sensacional! — Lina virou um olhar de medo e curiosidade para tela.

Onde os lampejos fluindo de forma aleatória faziam contato, um aglomerado de pontos luminosos se formava e mudava de local de uma maneira que era momentaneamente estonteante. Em pouco tempo, um único rosto foi renderizado na tela verde-escura.

Lina engoliu sua saliva.

— Reconhece? — D perguntou.

Lina balançou a cabeça. A tela estava preenchida por uma imagem tridimensional de um homem que nunca tinha visto. A mão de D se moveu e a perspectiva do “rosto” mudou várias vezes, mas Lina não conseguia se lembrar de tê-lo visto.

— Não é ninguém da vila. Nem Tajeel. Que alívio...

Isso pareceu dissipar algumas de suas dúvidas. O som da chuva caindo chegou aos seus ouvidos.

— Por que está chorando? — D perguntou, desligando o computador. A amostra de sangue que havia coletado na floresta havia secado, tornando impossível agora deduzir a identidade da mulher que havia sido mordida lá.

— Hmph. — Lina bufou, virando-se para o outro lado e enxugando os olhos. — Dias chuvosos parecem deixar as pessoas sentimentais, sabia. Que tipo de garota eu seria se não ficasse?

Ela esperava que D continuasse a conversa, porém em vez disso ele olhou para fora da entrada, comentando como estava realmente chovendo.

— Por que a Nobreza tem problemas com a chuva? — Lina se perguntava sobre essa questão há anos. Quando era pequena, parecia que sempre que havia rumores de Nobres aparecendo em alguma vila distante, ela só tinha permissão para sair em dias chuvosos.

Quando D respondeu.

— Também não sei. — o rosto do Caçador de Vampiros tomou um misterioso tom pálido. Ele estava se questionando por que se incomodava em responder a cada pergunta que a garota fazia. — Do ponto de vista biológico, vários mistérios permanecem sobre como seus metabolismos funcionam. A questão de por que só conseguem se mover à noite, ou como seus corpos podem curar ferimentos de balas, ou por que podem ser destruídos com uma única estaca de madeira. O mesmo pode ser dito sobre sua incapacidade de atravessar água corrente, ou a maneira como dias chuvosos os impedem de se aventurar ao ar livre. É bastante irônico que tantos defeitos permaneçam quando atingiram o que se acredita ser o auge da evolução biológica... A verdadeira imortalidade.

— Parece que a luz reveladora da ciência não é perfeita, afinal. — disse Lina, com os olhos brilhando de curiosidade. — Imagino se a própria Nobreza já resolveu esses mistérios.

— Até onde eu sei? — D balançou a cabeça. — Fraquezas biológicas estão ligadas a algum defeito da espécie. Se tivessem se apoderado de alguma pista, alguma explicação, duvido que o dia em que os homens governariam a Terra teria chegado. Os Nobres desapareceram da história sem nem saber por que estavam condenados. No geral, acho que foram bem esportivos a respeito.

— Um defeito fundamental da espécie. — Lina murmurou, profundamente comovida pelo que D havia dito. — A Nobreza morreu, enquanto a humanidade permaneceu. Mas mesmo agora estamos aterrorizados com alguma visão daqueles que se foram. Não soa meio lamentável para os supostos governantes da Terra?

D manteve o silêncio enquanto se movia para a entrada, então estendeu a mão para a cascata que descia dos beirados. Ao fazê-lo, seus olhos se fixaram em um ponto do lado de fora. Lina inclinou a cabeça em consternação e o seguiu.

Além da membrana cinza borrada, os dois podiam ver o perfil da colina e várias silhuetas humanas. Pessoas balançando enxadas para cima e para baixo. Também podiam ouvir o zumbido dos tratores atômicos. Se você não se importasse em se molhar um pouco, esse era o melhor clima que alguém poderia pedir para passar algumas horas extras nos campos sem a ameaça da temida Nobreza.

— Se eu saísse agora, minha temperatura corporal cairia quase quatro graus. — disse D, observando as gotas se chocando contra sua mão estendida. — Minha velocidade de movimentação cairia em trinta por cento, conforme todo o meu metabolismo desacelerasse. Por outro lado, sua espécie...

Lendo o olhar distante nos olhos de D, Lina sentiu-se magoada pelo destino que o jovem lindo carregava. Como era ter sangue nobre e mortal? Ao perseguir um dos dois, o que passava por seu coração?

Lina pegou o braço encharcado de D.

— O que...?

Segurando tudo do pulso para cima com as duas mãos, ela o pressionou contra sua bochecha sem dizer uma palavra. A mão dele é tão fria, contudo talvez eu possa aquecê-la um pouco. Talvez isso me faça sentir sua temperatura. Lina fechou os olhos e ouviu apenas o som da chuva.

De repente, a sensação mais assustadora atingiu seu semblante. Arrepios percorrendo todo o seu corpo, Lina soltou sua mão. O olhar de D não se moveu nem um pouco; seu perfil ainda apontava para a mesma direção. Entretanto o que estava diante da garota não era o mesmo jovem, lindo, solitário e orgulhoso.

— Não saia deste lugar. — suas palavras de despedida revestidas de uma autoridade que as tornava impossíveis de desobedecer, o Caçador de Vampiros saiu em direção às gotas que caíam. Demorou um minuto para Lina perceber que D também carregava sua espada longa na mão esquerda.

A velocidade de D não parecia ter diminuído nem um pouco abaixo do normal. Cem metros levaram menos de seis segundos. Sequer fechou as pálpebras contra a forte chuva que fustigava seu rosto.

Passando com facilidade pela cerca, entrou em um campo. Isso não causou o menor atraso. Nem mesmo o lodo pensaria em prender os pés do jovem ou fazê-lo escorregar.

Seu destino a cerca de cinquenta metros de distância em mais três segundos.

Os fazendeiros formaram um círculo, no entanto giraram quando a aura medonha os atingiu. Seus rostos estavam com medo enquanto abriam caminho.

D pousou o joelho ao lado da coisa caída no chão.

A criatura tinha um corpo diminuto e era coroada com uma cabeça de cabelos longos. Sua carne era tão pálida e azul quanto uma vítima de afogamento, mas algo vermelho vazava dela. Ao que parecia seguia tendo um pouco de vida lhe restando.

D não teve dificuldade em virar o corpo. Um murmúrio percorreu os fazendeiros reunidos. O peito e o flanco da criatura apresentavam vários ferimentos de entrada. Talvez deixados por chumbo grosso, a julgar pela extensão.

— De que lado veio? — D perguntou sem se virar.

— Dali... Da direção da escola. — uma voz trêmula respondeu.

— Relaxem. Não vai se mover mais. — disse D, apontando para a criatura. — Leve-a de volta para o celeiro do prefeito. Ou se não quiser tocá-la, chame o xerife.

— Vo-Você faz isso. Não é esse o seu trabalho? — alguém do outro lado do grupo protestou. — Se tocarmos naquela abominação, nossas mãos apodrecerão e cairão. Caramba, eu digo que um monstro deve cuidar do outro.

As palavras ditas com audácia se tornaram um grito e o fazendeiro caiu no local. Nada aconteceu, além de D se levantar. Porém conforme o vento e a chuva inesperadamente ficaram mais violentos, os homens viram algo brilhando com uma luz vermelha brilhante.

Os olhos de D.

— Disse para carregá-lo. — seu tom não mudou em nada... Se mudou, estava mais calmo, todavia os homens pareceram sentir algo e se acotovelaram para serem os primeiros a chegar ao cadáver da criatura. Sem os dignar outro olhar, D retornou ao celeiro com a mesma velocidade com que tinha vindo.

Lina e o prefeito estavam na porta.

— O que diabos está acontecendo? — perguntou o velho. Seus olhos enrugados tinham um brilho que se aproximava da loucura.

Respondendo apenas “Não sei”, D se apressou para entrar e fez os preparativos necessários. Vestiu seu casaco e chapéu de viajante. Ao seu redor somente o fluxo do tempo parecia diferente. De onde o prefeito e Lina estavam, as roupas pareciam se mover para o corpo de D como se fossem atraídas magneticamente. Menos de dez segundos depois de retornar, D passou pelo par de novo em seu caminho de volta para fora.

Um tempo considerável depois que o trovão dos cascos ferrados desapareceu nos confins da chuva, os fazendeiros entraram no celeiro carregando os restos da coisa.



Continuando por dois quilômetros, D parou seu cavalo. Olhos mortais não teriam visto nada além de chuva, contudo D podia discernir a forma preta da escola oscilando cerca de quinhentos metros à frente.

— Perdi o cheiro. Sua vez... — falou para sua mão esquerda. Sua palma inchou e se transformou em um rosto masculino que não precisava de introdução, o carbúnculo medonho.

Em um tom de desagrado indisfarçável, respondeu.

— Nossa, e bem no meio de um bom sonho. Ah, está chovendo, é?

Assim que disse isso, ele abriu sua pequena boca para engolir com avidez uma parte da chuva torrencial.

— E o cheiro? — D o pressionou. Havia uma raiva gélida em sua voz.

— Não me apresse. Só porque estava dormindo não significa que não tenha criado apetite. A leste daqui. Quatrocentos metros, mais ou menos.

Parecia que ambos, D e seu companheiro em sua palma, foram capazes de sentir o cheiro sangrento da fera que havia desaparecido na chuva forte. Em menos de um minuto, D passou pela entrada de uma casa de fazenda solitária... A mesma casa onde uma hora antes o Sr. Meyer havia encontrado a tragédia.

O forte fedor de sangue assaltou seu nariz.

No chão de terra da sala estavam os corpos da esposa e do filho do fazendeiro. Confirmando que ambos haviam morrido, D se ajoelhou na entrada da sala.

Sangue vital foi derramado pela terra compactada, e as manchas rastejaram para fora como uma serpente. Provavelmente sangue da monstruosidade. Assim como fez na floresta, D guardou um pouco de solo manchado de sangue em um frasco de vidro de uma bolsa em seu cinto de utilidades de combate, então recuperou outro objeto com sua mão direita.

O cilindro de chumbo grosso. Era o que o Sr. Meyer havia usado, no entanto D não sabia disso. Segurando o cano em sua mão esquerda, perguntou.

— Que tal?

— Disparado há uma hora, mais ou menos.

— Pela aparência daqueles cadáveres, não foi obra de um Nobre. Havia dois deles. Um ser era a coisa no campo, suponho. Então, de quem é esse sangue... O dono da arma ou o que quer que o dono tenha atirado?

— Não posso dizer. Mas não tem mais ninguém aqui.

D se levantou outra vez e saiu. Mais uma vez o vento e a chuva cobriram seu perfil arrojado.

— Não preciso me envolver com nada além de vampiros, mas essas coisas... — D murmurou quando estava prestes a colocar o pé no estribo. De repente, seu corpo ficou tenso.

Não havia nada próximo. Nada e ninguém.

Apesar disso, não moveu um músculo. Talvez não pudesse se mover; então, talvez não se movesse.

Em algum lugar atrás dele, nem perto nem longe, certa presença havia jorrado.

D, chamou. Não com uma voz, porém a presença em si. Achei que você viria.

— Você estava aqui, não estava? — a voz de D era quase mecânica. Pelo jeito que disse, parecia estar familiarizado com quem quer que a presença atrás pertencesse.

— Estou te procurando há muito tempo.

Provavelmente falhou, a presença murmurou em tom grave. É melhor vir mais uma vez ao centro de computação. Eu sempre estou lá.

A mão direita de D se moveu. Um golpe letal cortou o ar.

Provavelmente falhou.

A chuva respingava contra a espada longa nua enquanto D girava.

Estou no centro de computação.

Como se tivesse sido soprada para os quatro ventos pela agulha de madeira em velocidade silenciosa, a presença foi engolida pela escuridão.

D olhou para o ponto vazio no espaço enquanto a chuva, ricocheteando em cada centímetro de seu corpo, soava como uma risada irônica.



A casa do prefeito estava sendo atingida por ondas tempestuosas do sobrenatural. Nobres que andavam durante o dia eram mais do que suficientes para causar arrepios por toda a vila; agora, um novo tipo de monstro havia aparecido e atacado uma fazenda. O desaparecimento de outro aldeão só aumentou os seus problemas.

Após ouvir o relato de D, o xerife e um grupo do Comitê de Vigilância visitaram a cena. Com base nos outros cadáveres e na vasta quantidade de sangue derramado no chão de terra, o consenso foi que o Sr. Meyer talvez tivesse sido morto. Sua identidade foi estabelecida quando um membro do Comitê de Vigilância verificou que o cilindro de chumbo que D trouxe de volta pertencia ao professor.

O cadáver da monstruosidade foi levado para o médico da vila para dissecação, mas as notícias disso também não foram particularmente brilhantes.

Não era uma criatura, e sim um ser humano, embora diferissem em termos de estrutura esquelética, musculatura e regiões intestinais; ao todo, quase duzentas disparidades distintas foram notadas. Nenhuma incisão foi feita na cabeça, porém pelo formato do crânio o médico concluiu que seu cérebro era bastante pequeno. Sua inteligência seria reduzida proporcionalmente. Quanto ao motivo pelo qual a cabeça não foi aberta, o governo estipulou que, quando novas formas de vida fossem descobertas, o cérebro deveria ser refrigerado e enviado para a Capital, crânio e tudo.

Naquele momento, D, que por acaso estava presente, fez um pedido surpreendente.

Queria que lhe emprestassem o cadáver e as vísceras para a noite.

— Para que diabos? — o prefeito gritou, franzindo a testa. Assim como o médico, estava cético com a ideia.

— Gostaria de examiná-los com meus próprios instrumentos. Com todo respeito.

Talvez a infame aura sobrenatural roçasse com leveza a nuca deles, pois o médico empalideceu e segurou a língua enquanto o prefeito fez um relutante aceno. Afinal, havia convocado D para sua vila e, embora os resultados até agora mal pudessem ser chamados de favoráveis, depois de testemunhar o poder do vampiro na noite anterior, sabia no fundo de seus ossos que esse jovem lindo sozinho poderia matá-lo, não importa o que acontecesse.

— Faça do seu jeito. Contudo só por hoje. Amanhã será enviado para a Capital. No entanto estou mais interessado no que você planeja fazer com a mulher.

A mulher em questão era a esposa de Kaiser, que havia sido atacada por um vampiro duas vezes e agora estava deitada na cama, oscilando entre a vida e a morte. Um jovem do Comitê de Vigilância a vigiava dia e noite com uma estaca na mão. Seu marido ainda não havia retornado.

— Sem problemas. Leve-a para o celeiro junto com o cadáver.

E assim aconteceu que D passaria a noite com um par de cadáveres.

Com tudo o que houve... Novas criaturas monstruosas aparecendo, então encontrando aquela presença na chuva torrencial e vendo seu golpe letal cortando o ar vazio, os nervos de D deveriam ser extraordinários para não demonstrar nenhum sinal de excitação ou preocupação.

Quando recebeu a notícia do xerife de que a busca exaustiva pela cidade não havia revelado nada, D ficou calmo, talvez porque não esperava nada desde o início. E quando lhe disseram que o Sr. Meyer não havia voltado para casa, nem sequer ergueu uma sobrancelha.

Deixado sozinho no celeiro, D estava de pé ao lado do banco que sustentava a monstruosidade. Ao seu lado havia vários potes com seus órgãos em formaldeído, o vidro brilhando com a luz de uma lâmpada de mercúrio no teto. Tanto o corpo quanto os potes foram trazidos da casa do médico. Lá fora, a chuva fazia um barulho considerável.

— Você está aí? — ele perguntou em voz baixa.

— Sim. — sua palma respondeu. O rosto já estava emergindo.

D segurou sua mão esquerda sobre o cadáver. A cavidade abdominal eviscerada cedeu lamentavelmente. E, na incisão suturada no flanco com perfeição, os pontos de fio cauterizador na carne eram grotescos ao ponto da anormalidade.

Das pontas com garras dos dedos inchados da coisa, a mão esquerda rastejou aos poucos para os tornozelos torcidos, depois para as coxas mal arqueadas. Naturalmente, D já tinha sua atenção dirigida aquele ponto também, todavia, enquanto segurava sua mão perto do cadáver, à maneira como o carbúnculo em sua palma continuava a examinar o paciente imóvel com a mais grave das expressões era mais cômica do que assustadora.

Movendo sua mão esquerda sobre os flancos, peito e rosto, então por fim tocando de leve o cabelo fluindo do topo de sua cabeça, D disse.

— Bem?

— Hmm, justo como você esperava. Entretanto no momento ele continua morto.

D assentiu. O que queria dizer com “no momento continua morto”?

— Quando ele vai acordar?

— Não faça perguntas idiotas. Desde os tempos antigos, os demônios sempre se reuniram às três da manhã. Em outra nota, enquanto estava cochilando, ouvi falar sobre um professor chamado Meyer desaparecido. Acha que o colega de brincadeiras deste aqui o pegou?

Ao que parecia, o carbúnculo conseguia ver e ouvir o que acontecia no mundo exterior enquanto estava bem fundo na palma da mão de D.

— Talvez... — disse D. — Mas ainda há uma coisa sobre este caso que não consigo entender.

— Hmph! — a outra voz bufou com desdém. — Sem dúvida, a chave está naquelas ruínas. Você pode sempre ir lá sozinho e verificar tudo. Levar a garota junto também seria seguro o suficiente, suponho. Isto é, desde que você-sabe-quem esteja lá em cima.

A voz repreensiva morreu abruptamente. D cerrou a mão esquerda em um punho apertado. O fez com tamanha força que sua carne jovem e impecável tremeu e, junto com o gemido rouco de agonia, um fio de sangue brilhante derramou entre seus dedos curvados.

— Ele... — murmurou D, enviando seu olhar para as portas escancaradas. — Tudo começou com ele. Todos os sonhos e todas as tragédias.

Um vento forte soprou pela porta, fazendo a luminária do teto balançar. Naquela luz, o rosto de D se tornou diabólico.



— Pare com isso...

Lábios de peixe sugaram o pedido da garota enquanto o prefeito pressionava seu rosto contra o dela.

Quando a respiração e a língua apaixonadas invadiram seu ouvido, Lina soltou um gemido involuntário. Por baixo da blusa do pijama, uma mão enrugada massageou seu seio.

— Por favor... Pare... Eu não quero isso.

— Por que isso? — aproveitando a recusa de Lina, o prefeito prendeu seus braços brancos contra os lençóis. — Porque aquele Caçador está aqui? — perguntou o homem, deixando um leve sorriso surgir em seus lábios. — Não posso dizer o quanto te culpo. Sou um homem, e tenho que confessar que sua aparência faz até meu coração bater mais rápido. Bem, isso é ótimo. De vez em quando, é bom pouco de luta para sair da rotina.

Os lábios do prefeito se colaram ao seio dela. Lina torceu o corpo, porém não havia nada que pudesse fazer. Lágrimas escorriam dos cantos dos olhos, umedecendo os lençóis brancos.

Depois de um tempo, o velho afastou os lábios e disse.

— Você é minha. Fui eu que a salvei de se tornar o brinquedo da vila, que a adotei, que os impediu de fazer qualquer coisa contra você. Logo você estará deixando a cidade. Receio que não haja muito que possamos fazer sobre isso. Contudo até que parta... Inferno, mesmo depois que estiver na Capital, não deixarei nenhum outro homem te ter. E também não permitirei que se apaixone por ninguém.

A voz do prefeito estava carregada de obsessão. Lina desviou o rosto.

— Vou garantir que não se esqueça de mim. Vou martelar minha memória em seu corpo. Assim.

O rosto do velho afundou abaixo da cintura dela, e Lina mordeu o lábio para não expressar o fruto daquele tormento. Uma mão ossuda rastejou ao longo da brancura exposta de sua coxa.

Seu olhar encarava o travesseiro em desespero. Sob o travesseiro, espiou uma única flor branca. Ela tirou a paixão de seu corpo de uma forma inacreditável. Pensamentos sobre o rosto de alguém que nunca tinha visto vieram a Lina.

Percebendo uma ligeira mudança na forma como o corpo da garota estava respondendo, o velho aumentou o ritmo de sua língua, e ainda assim a expressão que Lina exibia era misteriosamente serena.

O rosto conjurado em seu coração tinha uma semelhança impressionante com o Caçador de Vampiros.



Os ventos se juntaram à chuva torrencial, e o nível do rio continuou a subir. Embora o fluxo tivesse sido intenso no início, não conseguia acompanhar o ritmo das ondas crescentes levantadas pelo vento. Ao tom raivoso do tributário lamacento, agora superando até mesmo o som penetrante da chuva, os moradores ao longo das margens do rio trocaram olhares ansiosos.

Duas figuras se moveram ao pé da ponte. Ambos eram homens do Comitê de Vigilância. Em suas capas de chuva pretas, lembravam as criaturas da noite que tanto temiam.

— Parece que vai dar problemas. Pode ser que ela vá ceder.

Ao ouvir a opinião do homem maior, o menor ficou na ladeira balançando a cabeça.

— Não, choveu tão forte quanto no ano passado. As vigas da ponte foram reforçadas, e até construíram esses aterros. Nada para se preocupar. Claro, não sei o que vai acontecer se continuar assim por mais um ou dois dias. E quantas vezes tenho que te dizer para não agarrar minhas pernas como se eu fosse sua escada pessoal?

Um silêncio caiu entre os dois. Na verdade, o homem maior estava acima do homenzinho no barranco.

Demorou muito para o homenzinho reunir coragem para olhar para os tornozelos.

O braço em volta dele pertencia a um homem cuja parte superior do corpo se projetava da água negra.

— Você, você é...

O homenzinho se lembrou do rosto do Caçador de Vampiros que havia caído daquela mesma ponte, caixão e tudo, não muitos dias antes. Com o rosto pálido e inexpressivo, o Caçador tirou uma estaca do cinto e a cravou no coração do homenzinho. Espasmos de morte sacudiram seu curto corpo.

Sem vida, ele caiu na água e foi levado embora pela correnteza.

Escalando o barranco friamente, o Caçador reanimado parou diante do gigante petrificado.

Pouco antes da estaca erguida da figura pálida cravar-se no peito do homem, este viu as formas escuras de homens e mulheres rastejando um após o outro da superfície negra da água e subindo a encosta. Algo longo e redondo cravado no coração de cada um. Eram todas vítimas da Nobreza que tinham sido eliminadas no rio.

Então é assim que vou morrer, pensou o grandalhão. Com uma estaca no coração dessa aberração. A estaca afundou em seu peito. Ele viu um jato de sangue sair com um poof.

Um vento inesperado soprou contra o corpo gigantesco que rolou até a metade do barranco, arrancando implacavelmente seu casaco. Não havia nenhuma mancha de sangue à vista. Além do mais, nem o peito do grandalhão nem o coração do homenzinho tinham sido perfurados por uma estaca. E não havia nenhum vestígio da horda de cadáveres que havia surgido das profundezas aquáticas.



Às duas e cinquenta e nove da manhã, D levantou-se de sua cama de feno e ligou os controles de luz, mantendo a lâmpada solar o mais fraca possível. Uma leve escuridão dominava o celeiro. Coisas estranhas, criaturas e fenômenos, tinham uma forte aversão à luz.

Essa atividade, cuja visão poderia ter levado qualquer um, exceto D, à loucura, continuou por algum tempo. Tendo recuperado seu coração, pulmões, estômago e outras partes, e naturalmente desatento ao grande pedaço de vísceras que havia se acumulado em seu abdômen, o cadáver correu suas pupilas lamacentas pelos arredores. Ele começou a se mover em direção à entrada com um andar desajeitado.

D se levantou também. A bainha da espada longa nas costas de seu casaco emitia um leve brilho. Nem um único pedaço de feno se mexeu. Com passos abafados, seguiu a monstruosidade reanimada.

A pequena silhueta saiu pela entrada.

D parou e pareceu considerar segui-la. Não tinha medo da chuva forte, é claro, porém todos os seus sentidos de dampiro detectaram uma massa de energia mental poderosa aglomerando-se no fundo do celeiro. O que quer que fosse, ainda não conseguia ver.

Das costas de D surgiu o som de sua lâmina desembainhando. Depois disso, não houve nenhum movimento.

As presenças o cercavam... Uma horda de cadáveres encharcados, moças e rapazes com corações perfurados por estacas, suas vestes funerárias tingidas com seu próprio e vívido sangue. Eram os cadáveres de todos que caíram sob as presas perniciosas da Nobreza e foram jogados nas águas turbulentas desde que esta vila foi incorporada pela primeira vez.

Contudo...

— Um ataque psicológico? Estão usando habilidades bastante avançadas.

D já havia notado que as fileiras de cadáveres não projetavam sombra.

— Há quanto tempo, D. Nunca pensei que o encontraria aqui. — o cadáver inchado de uma vítima de afogamento, o único que havia sido poupado de uma estaca, deu um passo à frente. Era o Caçador de Vampiros Geslin. O inimigo poderia estar tentando usar alguma memória deste homem como uma maneira de entrar, para projetar suas ilusões na mente de D?

— Que tal, D? Você pode nos derrubar?

A mão direita de Geslin se moveu, e um raio branco roçou a bochecha de D. Gotas de chuva respingaram no sangue corrente.

— Não poderá nos cortar com essa sua espada. No entanto podemos perfurá-lo com nossas estacas.

Cunhas de madeira brilhavam nas mãos ensanguentadas dos mortos.

As agulhas de madeira simples voando da mão direita de D atravessaram os corpos dos mortos e ficaram presas na parede do celeiro atrás deles. Geslin riu.

— O que acha, D? É o melhor que consegue fazer? Apenas continue tentando. Não pode nos cortar?

— Eu posso cortar você.

— O quê?

Os olhos de D emitiam um brilho vermelho feroz. Aparando todas as estacas inexistentes rugindo em sua direção com um movimento gracioso, D avançou para o centro da horda de mortos sitiantes.

A cabeça de Geslin foi partida em duas, a expressão de choque ainda estampada em seu rosto. A cabeça de um jovem que segurava uma estaca no alto e estava pronto para atacar voou. Aço nu penetrou no peito de uma mulher que recuava aos gritos. Um par de presas se projetava da boca de D. Quem poderia ter ficado de pé para olhar diretamente para aquele rosto medonho? Não era nada menos que o massacre dos mortos por um demônio de um homem.

A chuva respingava na lâmina de prata.

Em meio ao vento, chuva e escuridão estava a figura solitária de D.

Não havia ninguém lá. Como sempre.

Até o corte em sua bochecha havia desaparecido. Toda a batalha havia acontecido em sua mente.

— Isso é um alívio. Não importa quantas vezes eu veja, é sempre um show intenso. — veio à voz completamente enojada da mão esquerda de D. O Caçador já havia recuperado sua beleza de parafina e estava examinando a área. — Já lhe disse, não pode lutar contra seu sangue. De qualquer forma, isso jogou uma chave inglesa em seu esquema para ver aonde aquela besta iria se conectar com seus companheiros. A questão é, foi uma coincidência ou não?

— Se foi uma coincidência, então aquela criatura e o atacante de ontem não têm relação. Se foi intencional, então todos os nossos mistérios estão se unindo em torno de um único ponto. — disse D, tirando as gotas de chuva dos ombros na porta do celeiro. Cabelos brilhantes e de um profundo preto grudavam em sua pele quase translúcida, e uma desolada sobrenaturalidade pairava a sua volta, entretanto ainda assim sua beleza estava além da descrição. Sem dúvida até a mais deslumbrante das mulheres empalideceria diante desse jovem.

Por que, até mesmo a voz da mão esquerda parecia extasiada quando disse.

— Heh, é difícil acreditar que passou todo esse tempo e nunca virou suas presas para todas as mulheres e homens que o perseguem. Aposto que a princesa mais linda da Terra lhe ofereceria sua garganta branca e lisa se apenas dissesse uma palavra. Tenho que lhe dar crédito pela força de sua vontade, se nada mais. Então, o que planeja fazer?

— Preocupado comigo? — a pergunta veio em suave tom.

— Não seja ridículo. Estou apenas perguntando se pretende ir para aquelas ruínas do castelo. Tenho uma vaga ideia do que aconteceu lá. Pode até ser que essa criatura tenha vindo de...

— Eu sei. — as palavras de D cortaram a voz áspera.

Exatamente. Desde que pôs os olhos na criatura caída no campo, D sabia que era igual as coisas que atacaram Lina e ele nas profundezas escuras do castelo.

— Acho que temos que ir então. Já que sua alteza também está lá em cima.

Na palma de D, o carbúnculo mostrou os dentes em uma risada assustadora.



No meio de um quarto escuro, várias figuras sombrias se reuniram.

O quarto estava impregnado com a sensação do sobrenatural, que fez os rosnados de uma multidão de feras vindas de muito perto parecerem desprovidos de energia.

— Eu falhei. — uma das sombras gemeu. Mas, apesar da importância de suas palavras, não parecia perturbado. A voz era ainda mais estranha por sua serenidade. — Se aquele Caçador pode aparar um ataque psicológico, é um homem a ser temido. Um dampiro, sem dúvida. E nenhum mestiço comum também. O que acha?

A sombra a quem se dirigiu ficou em silêncio.

— Esqueça que perguntei então. — disse a primeira sombra, cuspindo as palavras.

Surpreendentemente, a voz ainda era jovem. A julgar pela maneira como falou, este era o líder do grupo, a figura acinzentada. E, se esse fosse o caso, os dois restantes poderiam ser sua vítima Fern e o garoto Cuore? Mesmo aquele jovem não estaria seguro por muito tempo em um covil de vampiros.

— Seja qual for o caso, não podemos permitir que ele permaneça na vila por mais tempo. Ou que descubra quem somos. — o braço da sombra se estendeu, e apontou para a terceira sombra. — Amanhã, derrube a entrada. Deixe-me dizer isso agora para ficar perfeitamente claro: não permitirei que ele torne a interferir. Da próxima vez, será você quem será cuidado, independentemente do que seja.

A sombra que indicou tremeu como se estivesse assustada, porém não disse nada.

Algo pequeno se moveu perto da parede. Todos os olhos se concentraram na entrada, captando a criatura diminuta que entrou com o rangido da porta pesada. De seu abdômen protuberante até sua clavícula, havia uma incisão cirúrgica preta e crua.

— Este é o único que voltou? — perguntou o líder das sombras. — Teria sido melhor pegá-los logo quando eles se soltaram, contudo isso estava além do nosso controle. Com o cheiro de sangue fresco e carne por todo lugar, não importa que não tenham que comer ou beber, vão querer correr soltos. Oh, bem, em breve esta vila, não, toda a Fronteira estará em nossas mãos. Tudo acontecerá amanhã.

A risada agourenta da sombra estava cheia de confiança. Grávida de horror e mistério, a escuridão sozinha cobria a vila encharcada de chuva.



Notas:
1. Aquele que revela características das figuras voluptuosas, sobretudo femininas.

***

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