Primeira Temporada — Capítulo 01: Tamboril
Rusty Quill Apresenta “Os Arquivos Magnus”
Episódio Um: Tamboril
JONATHAN SIMS
Teste... Teste… Teste… 1, 2, 3... Certo.
(Tosse)
Meu nome é Jonathan Sims. Trabalho para o Instituto Magnus, em Londres, uma organização dedicada à pesquisa acadêmica sobre o esotérico e o paranormal.
O diretor do Instituto, Sr. Elias Bouchard, me contratou para substituir a Arquivista-Chefe anterior, Gertrude Robinson, que faleceu recentemente.
Trabalho como pesquisador no Instituto há quatro anos e estou familiarizado com a maior parte dos nossos contratos e projetos mais significativos. A maioria chega a um beco sem saída, o que é previsível, já que incidentes sobrenaturais, como estes... E sempre enfatizo que há pouquíssimos casos genuínos... Tendem a resistir a conclusões fáceis.
Quando uma investigação chega tão longe quanto é possível, é transferida para o Arquivo.
O Instituto foi fundado em 1818, o que significa que agora o Arquivo contém quase 200 anos de registros de casos até este momento.
Combine isso com o fato de que a maior parte do Instituto prefere a torre de marfim da academia ao trabalho complicado de lidar com depoimentos ou experiências recentes e terá a receita para uma impecável biblioteca organizada e um arquivo absolutamente bagunçado.
Isso não é necessariamente um problema, os sistemas modernos de arquivamento e indexação são uma verdadeira maravilha, e tudo o que seria necessário é um arquivista minimamente decente para mantê-los em ordem. Gertrude Robinson não era tão tal arquivista, pelo visto.
De onde estou sentado, consigo ver milhares de registros. Muitos espalhados pelo local, outros amontoados em caixas sem identificação. Alguns têm datas ou etiquetas úteis, como 86-91 G/H. Além do mais, a maioria parece ter sido escrita à mão ou produzida em uma máquina de escrever, sem versões digitais ou em qualquer tipo de áudio. Aliás, acredito que o primeiro computador a entrar nesta sala foi o laptop que trouxe comigo.
Mais importante ainda, parece que pouca coisa das investigações em si foi armazenada no Arquivo, então a única coisa na maioria dos registros são os próprios depoimentos.
Vou levar muito, muito tempo para organizar essa bagunça. Consegui os serviços de dois pesquisadores para me auxiliar. Bem, na verdade três, embora não conto com o Martin, pois é improvável que contribua com algo além de atrasos.
Pretendo digitalizar os registros o máximo possível e gravar versões em áudio, apesar de algumas precisarem ser gravadas, pois minhas tentativas de transferi-las para o meu laptop encontraram... Distorções de áudio significativas. Além disso, Tim, Sasha e, sim, suponho que Martin, farão uma investigação complementar para ver quais detalhes podem estar faltando no que temos. Tentarei apresentá-los da forma mais sucinta possível ao final de cada depoimento. Infelizmente, não posso me comprometer com nenhuma ordem em relação à data ou tema dos depoimentos registrados e só posso pedir desculpas a qualquer futuro pesquisador que tente usar esses registros para suas próprias investigações.
Provavelmente já me alonguei demais me desculpando pelo estado deste local, e suponho que precisamos começar por algum lugar.
Depoimento de Nathan Watts, sobre um encontro no Antigo Mercado de Peixe em Edimburgo. Depoimento original prestado em 22 de abril de 2012. Gravação de áudio por Jonathan Sims, Arquivista-Chefe do Instituto Magnus, Londres.
Início do depoimento.
JONATHAN SIMS (Depoimento)
Tudo aconteceu há alguns anos, então peço desculpas se alguns detalhes estiverem um pouco equivocados. Quero dizer, sinto que me lembro com clareza, mas às vezes as coisas são tão estranhas que começo a duvidar de mim mesmo. Ainda assim, suponho que estranho seja o que vocês fazem, certo?
Então, estou estudando na Universidade de Edimburgo. Bioquímica, pra ser mais específico, e estava no meu segundo ano na época em que isso aconteceu. Eu não estava em nenhum tipo de acomodação universitária na época e vinha alugando um apartamento estudantil em Southside com alguns outros alunos do segundo ano. Para ser sincero, não saía muito com eles. Tirei um ano sabático antes de me matricular e meu aniversário é na parte errada de setembro, então eu era quase dois anos mais velho que a maioria dos meus colegas quando comecei o curso. Ainda me dava bem com eles, entende? Mas acabava saindo com alguns dos alunos mais velhos. Foi por isso que estava na festa pra começo de conversa.
Michael MacAulay, um bom amigo meu, tinha acabado de ser aceito para um mestrado em Geociência, então decidimos que uma comemoração seria o ideal. Bem, talvez “festa” não seja bem a palavra certa, nós meio que invadimos o Albanach na Royal Mile e bebemos o suficiente e em alto volume para que, depois de um tempo, tivéssemos a área dos fundos só para nós.
Agora, não sei o quanto você conhece os bares de Edimburgo, porém o Albanach tem uma ampla seleção de excelentes uísques, e posso ter exagerado um pouco. Tenho vagas lembranças de Mike sugerindo que fosse mais devagar, ao que respondi xingando-o por não comemorar direito suas próprias boas notícias. Ou algo assim.
Resumindo, passei muito mal por volta da meia-noite e decidi voltar a pé para casa. Não era longe do meu apartamento, talvez meia hora se estivesse sóbrio, e a noite estava fria o suficiente para que me lembrasse de ter esperança de que o frio me animasse um pouco. Fui para Cowgate e a maneira mais rápida de chegar lá a partir da Royal Mile é pelo Antigo Mercado de Peixe.
Agora, tenho certeza de que você não precisa que eu diga que existem algumas colinas íngremes em Edimburgo, contudo o Antigo Mercado de Peixe é excepcional, mesmo para esses padrões. Às vezes, atinge um ângulo de trinta ou quarenta graus, o que é bastante difícil de encarar quando você não tem tanto do espírito local de si. Como mencionei, tinha bebido bastante, então talvez não seja tão surpreendente dizer que tive uma queda feia na metade da rua. Em retrospecto, a queda não foi tão ruim comparada ao que poderia ter sido, mas na hora me abalou muito e me deixou com alguns hematomas feios.
Me levantei o melhor que pude, verifiquei se não havia nenhum machucado sério, se não havia ossos quebrados nem nada, e decidi bolar um cigarro para me acalmar. Foi então que ouvi.
— Posso fumar um cigarro?
Fui arrancado dos meus pensamentos com um susto, pois pensei que estivesse sozinho. Tentando me recompor rapidamente e olhando ao redor, notei um pequeno beco do outro lado da rua. Era muito estreito e completamente escuro, com uma escada curta que subia. Consegui ver uma luminária um pouco acima na parede, na entrada, todavia ela não estava funcionando ou não estava ligada, o que significava que, depois de alguns degraus, o beco estava envolto em escuridão total.
Parado ali, a alguns degraus da rua, havia uma figura. Era difícil dizer muito a seu respeito, pois estava quase todo nas sombras, embora, se tivesse que chutar, teria dito que a voz soava masculina. Ele parecia balançar muito levemente enquanto o observava, e presumi que, tal como eu, devia estar um pouco bêbado.
Acendi meu próprio cigarro e estendi meu tabaco para ele, embora não me aproximei, e perguntei se podia ser um bolado. A figura não se moveu, exceto por continuar aquele suave balanço. Escrevendo agora, parece tão óbvio que havia algo de errado. Se não estivesse tão bêbado, talvez tivesse percebido mais rápido, porém mesmo quando o estranho voltou a perguntar: “Posso fumar um cigarro?” completamente sem entonação, eu ainda não entendia o que estava me incomodando. Encarei o estranho e, à medida que meus olhos começaram a se acostumar, pude distinguir mais detalhes. Pude ver que seu rosto parecia vazio, sem expressão, e sua pele parecia úmida e um pouco afundada, como se estivesse com febre alta. O balanço ficou mais pronunciado agora, parecendo se mover da cintura para os lados, para frente e para trás.
Nesse ponto, já tinha terminado de enrolar um segundo cigarro e o estendi para ele, contudo não me aproximei mais. Decidi que, se aquele esquisitão quisesse um cigarro, precisaria sair daquele beco assustador. Ele não se aproximou, não fez nenhum movimento além daquele maldito balanço. Por algum motivo, a imagem de um tamboril surgiu na minha cabeça, o único ponto de luz oscilava na escuridão, escondendo a coisa que te atrai.
— Posso fumar um cigarro?
Ele voltou a falar com a mesma voz monótona e percebi exatamente o que estava errado. Sua boca estava fechada, como estivera o tempo todo. O que quer que estivesse repetindo aquela pergunta, não era a figura no beco. Olhei para os seus pés e vi que não estavam tocando o chão. A figura do estranho estava sendo levantada, muito de leve, e movida delicadamente de um lado para o outro.
Larguei o cigarro e peguei meu celular, tentando ligar a lanterna. Não sei por que não corri ou o que esperava ver naquele beco, no entanto queria dar uma olhada melhor. Assim que peguei meu celular, a figura sumiu. Meio que se dobrou na cintura e desapareceu na escuridão, como se uma corda tivesse se esticada e o puxado de volta. Acendi a lanterna e olhei para o beco, entretanto não vi nada. Só silêncio e escuridão. Voltei cambaleando para a Royal Mile, que ainda tinha luzes e pessoas, e peguei um táxi para me levar para casa.
Dormi até tarde no dia seguinte. Tomei cuidado para não ter nenhuma palestra ou aula, pois pretendia dormir depois de uma noite de bebedeira, o que acho que foi o caso, embora fosse aquele encontro bizarro que não parava de martelar na minha cabeça. E assim, depois de beber dois litros de água, tomar alguns analgésicos e tomar um café da manhã reforçado, me senti humano o suficiente para sair do meu apartamento e investigar o lugar à luz do dia. O resultado foi nada esclarecedor. Não havia marcas, nem manchas de sangue, nada que indicasse que a figura cambaleante tivesse estado ali. A única coisa que encontrei foi um cigarro Marlboro vermelho sem fumar, logo abaixo da luminária queimada. Além disso, não sabia bem o que fazer.
Pesquisei o máximo que pude sobre o lugar, mas não encontrei ninguém que tivesse passado por uma experiência semelhante à minha, e não parecia haver nenhum folclore ou lenda urbana que pudesse descobrir sobre o Antigo Mercado de Peixe.
Os poucos amigos a quem contei o ocorrido presumiram que eu tinha sido abordado por um estranho e que o álcool tinha tornado tudo muito mais estranho do que de fato era. Tentei explicar que nunca tive alucinações enquanto estava bêbado e que não havia como aquele cara ser apenas uma pessoa normal, porém eles sempre me lançavam um daqueles olhares, meio caminho entre pena e preocupação, então eu me calava.
Nunca descobri mais nada a respeito, contudo alguns dias depois vi alguns avisos de desaparecimento sendo feitos pelo campus. Outro aluno havia desaparecido. Seu nome era John Fellowes, embora não o conhecesse de verdade e não pudesse dizer muito sobre ele, exceto por duas coisas que me pareceram muito importantes: ele tinha estado na mesma festa e, pelo que me lembro, ainda estava lá quando fui embora. A outra era apenas que, bem, na foto que usaram para o seu cartaz de desaparecimento, não pude deixar de notar que havia um maço de cigarros Marlboro vermelho saindo do seu bolso.
Não parei de fumar, entretanto percebo que pego muito mais táxis agora se acabo ficando fora de casa até tarde.
JONATHAN SIMS
Depoimento encerrado.
A investigação da época e o acompanhamento que fizemos nos últimos dias não encontraram nenhuma evidência que corroborasse o relato do Sr. Watts sobre sua experiência.
A princípio, estive inclinado a re-arquivar este depoimento na seção “Desacreditado” do Arquivo, uma nova categoria que criei e que, suspeito, abrigará a maioria desses registros.
No entanto, Sasha investigou os relatórios policiais da época e descobriu que, entre 2005 e 2010, quando o suposto encontro do Sr. Watts ocorreu, houve seis desaparecimentos dentro e ao redor do Antigo Mercado de Peixe: Jessica McEwen em novembro de 2005, Sarah Baldwin em agosto de 2006, Daniel Rawlings em dezembro do mesmo ano, depois Ashley Dobson e Megan Shaw em maio e junho de 2008. E por fim, como o Sr. Watts mencionou, John Fellowes em março de 2010. Todos os seis desaparecimentos seguem sem solução.
Baldwin e Shaw eram definitivamente fumantes, embora não há evidências sobre os outros, se é que estão conectados. Sasha encontrou outra coisa, no caso de Ashley Dobson, sendo específico. Era uma cópia da última fotografia tirada por seu telefone e enviada para sua irmã Siobhan. A mensagem dizia “olha só esse bêbado esquisito rsrs”, mas a foto é de um beco escuro, aparentemente vazio, com escadas que levam até ele.
Parece ser o mesmo beco que o Sr. Watts descreveu em seu depoimento, aquele que, de acordo com os mapas da área, leva à Praça Tron, porém não parece haver ninguém na fotografia. Sasha se deu ao trabalho de passar a foto por alguns programas de edição, e aumentar o contraste parece revelar o contorno de uma longa e fina mão, mais ou menos na altura da cintura de um homem de estatura média. Acho estranhamente difícil me livrar da impressão de que ela está acenando.
Fim da gravação.
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