quarta-feira, 24 de dezembro de 2025

Slayers — Volume 14 — Capítulo 59

Capítulo 59: O mundo nunca está livre de disputas pelo poder
















“Crepúsculo... A hora das bruxas!” eu disse poeticamente, olhando para a cidade onde os últimos tons alaranjados do dia se misturavam com os primeiros roxos da noite. “Acho que já ouvi esse nome antes. Quando o mundo é pintado pelo pôr do sol, forças obscuras encontram brechas onde a sombra encontra a luz. Elas podem se infiltrar pelas brechas do seu coração e te enlouquecer.”

“Então está dizendo...” meu companheiro de viagem, Gourry, começou, seguindo meu olhar. Meu amigo era bonito e um excelente espadachim, mas, tragicamente, tinha espaguete no lugar do cérebro. Na brisa da noite e sob a luz do sol minguante, seus longos cabelos loiros pareciam uma chama bruxuleante. “Está dizendo que a culpa de estarmos perdidos é do crepúsculo, e não do seu capricho de explorar os becos da cidade?”

“...”

“...”

Uma rajada de vento quebrou o silêncio, e então...

“Gahhh! Tudo bem, a culpa é minha! A culpa é toda minha!” fui forçada a me desculpar.

A Cidade de Selentia, no Reino de Ralteague, era conhecida como a Cidade dos Templos. Servia como centro do culto ao Dragão Chamejante Ceifeed, com cinco grandes templos dedicados a ele, tornando-se um destino comum de peregrinação para fiéis de todos os cantos do mundo conhecido. Eu e Gourry estávamos perambulando pela área, então decidimos dar uma passada quando percebemos que estávamos perto. E embora tivéssemos chegado no início da tarde, com o sol ainda alto no céu, bem...

“Calma aí, Gourry!” falei, apontando de forma dramática para meu companheiro. “Discordo do que disse sobre ser um capricho! Inspirada pela aparência decadente do centro da cidade e buscando saciar minha sede de sua desolação pitoresca, tomei a decisão consciente de ir aonde meus pés me levassem!”

“Hmm...”

Minhas palavras inspiraram uma reflexão no grandalhão.

“Então está dizendo ‘Eu entrei sem querer’? Isso ainda é um capricho.”

Ah... Droga! A técnica patenteada de Lina Inverse, guerreira/gênio-feiticeira, de confundir com linguagem ambígua funciona com a maioria das pessoas, contudo falhou comigo contra esse cabeça-dura!

“Guh... Você é um oponente formidável, Gourry!”

“Hã, como assim?” ele perguntou, alheio ao meu monólogo interno.

Joguei minha capa para trás decisivamente.

“Heh. Admito a derrota... Desta vez. Muito bem. Vou usar Levitação para obter um ponto de vista melhor e averiguar para onde ir em seguida.”

Com isso, conjurei meu feitiço... E o desfiz no instante seguinte.

“Lina!” Gourry chamou.

“Eu sei.” respondi. Conseguia ouvir o som vindo do outro lado da rua, levado pelo vento... O clangor de metal contra metal. Lâminas. Alguém estava duelando. E, claro, não estou a fim de me meter na briga de ninguém. “Enfim... Vamos embora.”

“Sim.”

Acenamos um para o outro, nos afastamos do barulho e...

“Parou!” comentou Gourry.

O som do duelo de espadas havia cessado. A luta acabou? Justo quando me perguntava... Crash! A parede de uma casa próxima desabou com um estrondo!

O quê? Entulho voou e poeira se espalhou. Nós dois demos um pulo para trás bem a tempo de não sermos atingidos por ela.

Aquilo foi... Um feitiço de ataque? Conseguia sentir a presença de alguém na nuvem de destroços, que estava tingida de laranja pelo pôr do sol.

“Quem está aí?” trovejou uma voz masculina.

Quando a poeira baixou, avistei duas figuras. Uma empunhava uma espada longa e vestia uma cota de malha leve. Um guerreiro. O outro estava vestido todo de preto, com o rosto completamente coberto, exceto pelos olhos. O arquétipo do assassino. Ele segurava uma grande adaga.

Acho que são eles que estão lutando, né?

Foi o guerreiro quem falou conosco, e agora continuou.

“Uma feiticeira e um espadachim... Quem os enviou?” exigiu saber.

Er, quem nos ‘enviou’? Hein...

“Na verdade, estamos apenas de passagem.” respondi com sinceridade.

Essa resposta fez o guerreiro ficar em silêncio por alguns instantes, e então...

“Aha. Mas é claro. Vocês não seriam tolos o suficiente para admitir.” sussurrou, parecendo chegar a alguma conclusão.


Err, essa era a pura verdade, amigo... Só que estou com a impressão de que o guerreiro não acreditaria em mim se contasse.

O assassino ficou parado em silêncio... Até que deu um salto repentino! No entanto não estava vindo para cima de nós. O cara estava fugindo! Talvez tivesse presumido que éramos inimigos e não estivesse a fim de um três contra um, ou talvez tivesse percebido que éramos inocentes e não quisesse nos arrastar para o seu conflito. De um jeito ou de outro, desapareceu nas sombras num piscar de olhos, e sua presença sumiu depois também.

“Hmm...” o guerreiro sorriu na direção para onde o assassino tinha fugido.

“Acho que percebeu que não podia me pegar e correu. Isto só deixa...” seu olhar fulminante voltou-se para nós. “Vocês dois!”

Ugh, esse cara...

“Se me disserem quem os contratou e saírem desta cidade logo em seguida, vou os deixar partir! Entendido?”

“Hmm, acho que você entendeu errado...” disse Gourry, coçando a bochecha.

O homem arqueou uma sobrancelha.

“Entendo... Acha que estou em desvantagem em um dois contra um! Porém...”

“Onda de Cavar.”

Whoooom!

“Gyeeeee!”

Meu feitiço lançou o guerreiro para longe.

Aff, que idiota...

“Escute, Gourry. Não precisa dar atenção a caras como esse. É uma grande perda de tempo.”

“Desculpe, não estava pensando. Mas o que foi aquilo, afinal?” Gourry sussurrou.

“Não sei!” respondi. “Contudo uma coisa é certa... Nos metemos em outra bela encrenca.”

———

“Entendo... Então vocês viram aquilo, não é?” o velho presidente suspirou quando terminei minha história, embora não pareceu surpreso.

Gourry e eu tínhamos vindo para visitar o conselho de feiticeiros da Cidade de Selentia no dia seguinte. Tínhamos parado para cumprimentar o presidente e lhe relatar os fatos da briga que presenciamos... E essa foi a resposta que nos deu.

“Espere... Já sabe do que se trata?” perguntei.

O presidente, de cabelos e barba brancos, assentiu com uma expressão de dor.

“Suponho que já saiba que esta cidade também é conhecida como a Cidade dos Templos, certo?”

“Sim, claro.”

“E está ciente de que nosso templo central foi completamente destruído por um incêndio há dois meses?”

“Receio que não tenha ouvido falar sobre.”

“Foi aí que tudo começou...” o presidente começou a falar sem parar.

A Cidade de Selentia era conhecida por seus templos, todavia esses templos eram, na verdade, apenas várias filiais de um único complexo. Em outras palavras, no centro da cidade ficava o templo principal consagrado ao Dragão Chamejante Ceifeed, e em cada um dos pontos cardeais havia um templo dedicado aos seus respectivos avatares dos Lordes Dragões. Tradicionalmente, o sumo sacerdote administrava tanto o templo principal quanto o sistema de templos em geral, enquanto quatro sacerdotes-chefes cuidavam dos assuntos cotidianos em cada um dos templos filiais.

Entretanto, há apenas dois meses, um incêndio misterioso destruiu o templo principal, matando o sumo sacerdote e vários outros sacerdotes que trabalhavam lá. Quanto ao que aconteceu depois... Bem, foi justo o que está imaginando. Houve uma disputa pelo cargo de sumo sacerdote.

É um erro pensar que os clérigos são pessoas inerentemente boas, entende? A ganância é uma força motriz para muitos humanos, e os clérigos são, acima de tudo, humanos. E em um lugar tão imbuído de religião que ganhou o apelido de ‘Cidade dos Templos’, ser sumo sacerdote significava comandar tudo.

Era natural, então, que tal contratempo desencadeasse uma disputa entre os sacerdotes-chefes dos quatro templos. Eles nunca se deram bem, e agora a única pessoa com poder para mantê-los na rédea havia partido. Com tudo isso, além da ambição pelo título de sumo sacerdote... Sendo franca, teria sido mais estranho se não tivessem começado a brigar.

A primeira discussão formal sobre o assunto logo deu espaço para uma confusão de auto engrandecimento e difamação, que então escalou para acusações indiscriminadas de incêndio criminoso. Se não fosse pelo moderador... O presidente do conselho de feiticeiros, que era amigo do falecido sumo sacerdote... Eles poderiam ter chegado às vias de fato ali mesmo. Porém, se me perguntarem, deixar que resolvessem as coisas com uma batalha campal ali mesmo poderia ter tornado os meses seguintes um pouco mais tranquilos...

Devido a não resolução do problema, a discussão não resolvida semeou as sementes da discórdia futura. Os vários sacerdotes chefes começaram a contratar bandidos e mercenários para antagonizar e, em seguida, lutar abertamente contra os outros templos. O duelo que testemunhamos na noite anterior foi apenas uma pequena parte da batalha em curso.

“Nossa... Que coisa corrupta, hein?” dei minha honesta opinião.

“Por favor, não o diga!” respondeu o presidente com uma careta.

“Contudo esses caras não deveriam ser homens santos? Vimos um assassino de verdade ontem à noite. Quaisquer que sejam as circunstâncias que levaram ao conflito, tudo parece um pouco exagerado demais.”

“Concordo com você, no entanto por infelicidade não são. A questão é que ainda não sabemos de fato o que causou o incêndio original. Alguns acreditam que foi intencional e feito para matar o sumo sacerdote e desocupar seu cargo, o que torna a situação o terreno fértil perfeito para a paranoia. Cada sacerdote chefe teme ser o próximo alvo e que a única maneira de sobreviver é matar o incendiário primeiro.”

“Aha...”

Tudo começou quando um dos sacerdotes contratou alguns capangas... Apenas uma pequena equipe de segurança. Depois, outro sacerdote, acreditando que justiça era justiça, contratou seus próprios capangas. Aquilo levou mais um sacerdote a ficar paranoico e contratar guerreiros treinados... E assim por diante, até chegarmos aqui, com lutadores de primeira linha enfrentando assassinos de verdade.

“Agora, se me permite, Lina Inverse...” começou o presidente.

“Nem pensar, obrigada.” respondi com um sorriso.

O presidente ficou em silêncio por um tempo.

“Eu ainda não disse nada.”

“Bom, considerando como esta conversa está indo e o fato de ter usado meu nome completo, tenho quase certeza de que estava prestes a me pedir para fazer algum trabalho burocrático que não estou nem um pouco interessada.”

O presidente sorriu abertamente em resposta.

“Sabe, sempre ouço coisas boas a seu respeito...”

Erk... Está usando a estratégia de ignorar completamente as objeções.

“Já disse que terei de recusar.” reiterei no meu tom mais doce.

“Fiz o que pude para acalmar as coisas. Até consegui que eles concordassem em se reunir de novo daqui a dez dias para conversar e decidir sobre um novo sumo sacerdote...”

“Quantas vezes preciso dizer que recuso?”

“No entanto há uma boa chance de alguém tentar algo antes da próxima reunião. Precisamos impedir a todo custo!”

“Hahaha! Soa o certo a se fazer, mais uma vez, recuso!”

“E como tenho plena fé em suas habilidades...”

“Eu preciso ir agora.”

“Por favor! Eu imploro!”

“Graaah! Tire suas mãos de mim!”


———

“Então... Temos um trabalho a fazer, Gourry.”

“Hã?” tínhamos deixado o conselho de feiticeiros para trás e retornado ao restaurante da estalagem onde estávamos hospedados. Meu comentário descontraído me rendeu um olhar fulminante de Gourry. “Ei... Você não disse que ia dar um tempo do trabalho e relaxar?”

“Não!” respondi, com firmeza e sem vergonha. Quer dizer, sim, talvez eu tenha dito algo parecido ontem à tarde, mas a situação atual exigia um pouco de concessão.

Droga. Realmente não queria aceitar esse trabalho...

O pedido do presidente era o seguinte: ‘Apareça diante de cada um dos quatro sacerdotes principais e veja se isso os faz recuar’. Em outras palavras, aplicar uma pressão silenciosa e deixá-los saber que o conselho de feiticeiros estava de olho nos quatro.

Porém seu plano não ia funcionar. Era óbvio. As pessoas que chegaram ao ponto de contratar assassinos não iriam recuar tão fácil assim, e essa corja sedenta de sangue poderia até nos ver como um obstáculo entre eles e a ‘justiça’. Resumindo, corríamos o risco de também nos tornarmos alvos.

Mesmo assim... Depois que o velho presidente terminou de chorar no meu ombro (e não estou exagerando), ele ofereceu uma recompensa de cinquenta moedas de ouro... Ou cem se tudo desse certo... E nem eu sou tão avessa ao trabalho a ponto de recusar uma oferta dessas.

Agora, sei o que você deve estar se perguntando. Por que o conselho de feiticeiros está tão envolvido nos dramas do templo? A resposta é óbvia se conhece a história toda. Veja bem, costumam manter tudo em segredo, contudo o conselho e o sacerdócio são, na verdade, bem próximos nos bastidores. Ambos não saem por aí contando para as pessoas, no entanto por baixo dos panos, o que faz parecer pior do que de fato é, o conselho de feiticeiros vende seus avanços em magia de cura para o sacerdócio.

O sacerdócio tem menos poder organizacional do que o conselho de feiticeiros, então não têm os meios para realizar muitas de suas próprias pesquisas mágicas. Entretanto, sendo os humanos as criaturas materialistas que são, as pessoas preferem uma religião descaradamente fraudulenta que lhes diz o que querem ouvir e proporciona os milagres que querem ver, em vez da variedade honesta, embora sem milagres. A dura verdade era que, não importa quão grandiosos e elevados fossem seus ideais, uma igreja que não pudesse fornecer cura logo se veria sem clientes... Ou melhor, seguidores. E isto, por sua vez, dificultaria manter as portas abertas.

Então, no fim das contas, os templos em várias cidades tinham que comprar as técnicas mágicas desenvolvidas pelo conselho de feiticeiros para fornecer cura, antídotos, purificação e outros ‘milagres sagrados’, enquanto seus clérigos frequentemente tinham aulas particulares no conselho de feiticeiros. Resumindo, os templos eram a galinha dos ovos de ouro do conselho. Ainda mais em um lugar como este, onde o turismo religioso era a principal fonte de renda da cidade, os fundos que o clero investia no conselho eram significativos. Essa relação havia fomentado a amizade entre o presidente do conselho local e o sumo sacerdote, e era por esse motivo que as atuais disputas entre os ramos o afligiam tanto.

Enfim, terminei meu almoço e saí da estalagem, seguindo pela rua principal da cidade em direção ao norte. Tinha acabado de dar a Gourry um breve resumo da situação.

“Hmm. Parece que esta cidade está passando por muita coisa, né?” ele comentou com certa indiferença.

“Ótimo jeito de fazer parecer que não é da sua conta depois de termos sido envolvidos nessa bagunça.”

“Certo, mas agora você está fazendo parecer que só aconteceu, em vez de você ter se oferecido para o trabalho...”

“Erk! É muito grosseiro dizer esse tipo de coisa para uma garota, sabia?”

“Hmm, não tenho certeza se seu gênero tem algo a ver com... Espera, Lina.”

“Hã?” murmurei enquanto seguia o olhar de Gourry.

A avenida era ladeada por prédios de pedra branca e barracas de comerciantes. Crianças corriam para cima e para baixo na rua. Contudo em meio a essas cenas corriqueiras, algo se destacava.

Uma enorme catedral incendiada.

Era feita de pedra, então a estrutura básica permanecia intacta, no entanto sua torre coberta de fuligem despontava por cima dos telhados das casas ao redor.

“Acho que esse é o templo que foi carbonizado...”

“Quer dar uma olhada?”

“Podemos passar lá a qualquer hora. Nossa prioridade hoje é a próxima reunião entre os sacerdotes chefes, então devemos tentar conversar com todos antes do fim do dia.”

“Ah!” disse Gourry, batendo o punho na palma da mão. “É para lá que vamos? Para um daqueles sacerdotes?”

Splat! Tropecei nos meus próprios pés e caí de cara no chão sem cerimônia.

“De todos os... Onde achou que íamos?”

“Bem... Imaginei que daríamos um passeio depois do jantar.”

“Sabe de uma coisa... Tá bom, tanto faz. Estamos indo para o Templo da Água, no lado norte da cidade. Eles veneram Aqualord Ragradia e é liderado pelo Sacerdote Chefe Ceres. Vamos dar uma passada lá e voltar por aqui antes de...”

“Espere um minuto!” Gourry me interrompeu de repente.

“O que foi agora?”

“Lina, você vai listar todos os caras com quem vamos nos encontrar hoje?”

“Sim, por quê?”

“Ha! Sua boba!” Gourry declarou com uma expressão triunfante. “Acha mesmo que vou lembrar de tudo sobre os quatro de uma vez?”

“Não se orgulhe disso! Embora tenha toda a razão, é claro... Espere. Está sugerindo que, se eu os apresentar um de cada vez conforme os conhecermos, vai conseguir se lembrar?”

“...”

“Qual é cara.”

“Algumas coisas neste mundo só não são para ser.”

“Não se orgulhe disso também!”

Wham! Dei um golpe forte na nuca de Gourry.

———

Só algum tempo depois chegamos ao nosso destino.

Nossa, esta cidade é... Enorme...

Diante de nós, erguia-se um grande templo. Tinha um design refinado em tons de azul, talvez uma referência a Aqualord, e os jardins eram vastos. Todavia, talvez devido ao caos recente, os jardins e afins pareciam negligenciados, e havia vários tipos rudes perambulando pela entrada enquanto nos aproximávamos.

Hmm... Parece que estão deixando o lugar se deteriorar. Ainda assim, não vou descobrir nada até falar com o responsável aqui, Ceres.

“O sacerdote chefe está por perto?” gritei para o bando de idiotas.

“Hã? O que foi?” o cara que falou devia ser o líder. Estava sentado de costas para nós, mas lentamente se levantou quando chamei o grupo. “O que vocês querem com o sacerdote ch...”

Ele se virou para nós e... Espera aí!

“Vocês!” ele gritou quando nos viu.

Eu tive a mesma reação.

“Ei, idiota! Quer dizer, Luke! O que te traz aqui?”

“Era isso que eu ia perguntar... Espera aí, o que disse? Foi de propósito, né? Só para me irritar!” Luke perguntou, com uma sobrancelha arqueada.

Um cara alto, com um ar meio suspeito, cabelo preto curto e armadura de malha leve... Não havia dúvidas. Caçador de tesouros no nome, palhaço apaixonado na vida real... Esse era Luke, o espadachim mágico. Já tínhamos nos encontrado algumas vezes no passado, e tínhamos acabado de terminar um pequeno projeto em conjunto. Depois disso, cada um seguiu seu caminho, porém...

Aqui nos encontramos de novo. Caramba.

“É só imaginação sua. Sério!” insisti sem hesitar. Foi então que percebi que sua companheira de sempre... Ou melhor, a mulher que sempre o acompanhava, havia sumido. “Ei, onde está a Mileena? Será que enfim se cansou e resolveu te dar um fora?”

“Pff! Nem pensar! Os laços de amor e confiança entre a nós dois são tão fortes e resistentes quanto uma corda de escalada!”

“É, já ouvi falar de laços mais fortes...”

“Cala a boca! Nós dois aceitamos o trabalho de segurança aqui! A Mileena só está de guarda lá dentro!”

“Hmm... Vejo que ela não quis ficar no mesmo posto que você.”

“Não é isso que está acontecendo, droga! Enfim... Me diz logo o que vocês querem!”

“Ah... Certo, certo. Não é hora de ficar te provocando.”

“Então por que está tentando arrumar confusão?”

Ignorei essa e expliquei.

“Como disse, estou aqui para ver o sacerdote principal do templo... Ceres Laurencio, se não me engano.”

“Oh?”

Nesse momento, a expressão de Luke mudou. Embora fosse um completo idiota quando o assunto era sobre Mileena, ele era, na verdade, um ótimo lutador.

“Já que ainda faço parte da guarda externa, é melhor eu perguntar... Qual é o seu objetivo? Ou melhor, de que lado está?”

“Do lado dos mediadores, do conselho de feiticeiros.” respondi sem hesitar.

“Hmm...” Luke ficou em silêncio por um momento. “Tudo bem. Confio em você. Se estivesse mentindo, seu amigo ali já teria começado a parecer confuso.”

“Espere um minuto! Está sugerindo que o Gourry é meu detector de mentiras pessoal?”

“Bem, e não é? Enfim, já entendi. Me sigam!” Luke falou, virando-se e começando a andar.

Havia algumas coisas que não me pareciam certas, contudo discuti-las agora não beneficiaria ninguém. Afinal, meu objetivo era encontrar o sacerdote. E assim, eu e Gourry passamos pelo grupo de... Brutamontes? Mercenários? Não tenho certeza, estávamos parados perto da entrada enquanto caminhávamos para dentro.

“Por aqui.” Luke nos guiou pelo grande salão de entrada e pelos corredores mais adiante.

Para um suposto destino turístico, não havia muitos turistas... Ou melhor, fiéis... Dentro do complexo do templo. Claro, dada a situação e todos aqueles personagens suspeitos rondando a entrada, era compreensível que as pessoas estivessem evitando o local. Havia clérigos aqui e ali, só que pareciam ser em número muito menor do que os mercenários/capangas/seja lá o que forem. Nenhum sinal de caras com trajes de assassino, no entanto é claro que não haveria.

Finalmente...

“Bem aqui.” Luke parou em uma sala no fundo do templo e bateu na porta algumas vezes com firmeza. “Luke aqui, senhor. O senhor tem uma visita.”

“Uma visita?” respondeu a voz de um jovem.

“Ela é do conselho de feiticeiros.”

“Deixe-a entrar.”

Luke abriu a porta para uma sala de tamanho modesto. Lá dentro estavam três rostos desconhecidos e um que eu conhecia bem. Este último era uma bela loira platinada com ombreiras de couro... A companheira de viagem de Luke, Mileena. Sua sobrancelha se ergueu de leve ao nos ver, a mim e a Gourry, mas essa foi toda a sua reação.

Dois dos três restantes na sala eram um homem e uma mulher que também pareciam mercenários, enquanto o último estava sentado em uma mesa repleta de documentos. Ele parecia ter uns vinte e cinco anos e era bastante atraente, com cabelos escuros e uma aura geral que pendia ligeiramente para o lado errado da linha entre ‘afável’ e ‘sem espinha dorsal’¹. Pelas suas vestes, presumi que fosse o sumo sacerdote.

“Você é do... Conselho de feiticeiros?” perguntou ele num tom reservado... Ou melhor, tímido, enquanto se levantava. “Sou Ceres Laurencio... O responsável por aqui.”

“Sou Lina Inverse, a pedido do chefe do conselho de feiticeiros, estou aqui para tratar de um assunto de segurança da cidade. Este é meu acompanhante, Gourry.”

“Segurança... Da cidade?”

“Sim.” devolvi um sorriso. “Disseram-me que tem havido alguns problemas nos últimos dias. Estou aqui para ficar de olho na situação, para garantir que ninguém faça nenhuma besteira.”

Minha intenção era que a frase soasse como uma insinuação desagradável, porém...

“É verdade! Tem havido muitos problemas!” Ceres assentiu em firme concordância, ou por ser bom em se fazer de desentendido ou por ser genuinamente ignorante. “Desde o incêndio, todos estão muito tensos! Estão todos se provocando e se cutucando... Alguém até mandou capangas atrás de mim! Estou apavorado! Fui obrigado a contratar minha própria segurança, contudo sigo sem conseguir pregar o olho. E isto sem falar das despesas que estão acumulando...” o rapaz começou a desabafar em um único fôlego.

“Hum... Er...”

“O falecido sumo sacerdote me colocou no comando deste templo que, como você pode ver, venera o grande Aqualord. É provável que saiba que as antigas histórias afirmam que Aqualord foi derrotado pelo Lorde das Trevas ressuscitado nas Montanhas Katart há mil anos. Ah, claro, é apenas uma lenda. De minha parte acredito que o grande Aqualord está forte e saudável e nos protegendo até hoje! No entanto há aqueles que não compartilham dessa fé, o que torna as coisas difíceis para nós.”

“Hum... Er...”

“Para ser completamente honesto, nosso templo não é nem de perto tão popular quanto os outros, o que significa que, bem... Para ser franco, recebemos apenas uma fração das oferendas que os outros recebem. Quando o templo principal existia, eles nos ajudavam a administrar, então ainda tínhamos bastante com o que trabalhar. Entretanto desde que pegou fogo, cada um dos templos tem agido de forma independente, o que deixou nossa posição inferior muito clara. E agora, além de tudo que houve, tenho que financiar a segurança...”

“É, eu queria te avisar antes...” Luke disse baixinho, parado ao meu lado enquanto o Sacerdote Ceres continuava falando sem parar. “Esse cara é um rio de reclamações sem fim. Entende por que eu queria ficar de guarda do lado de fora agora, mesmo que significasse deixar Mileena para trás?”

É, você bem que podia ter me avisado antes... pensei, irritada, enquanto o sacerdote chefe tagarelava.


A noite caiu sobre a cidade...

“Espera, como já é noite?”

“Provavelmente porque aquele cara ficou falando demais...” disse Gourry, exausto, enquanto caminhava ao meu lado.

Droga... Eu tinha saído logo cedo na esperança de visitar os quatro templos hoje, mas só conseguimos um! Já era tarde demais para visitar os outros, e estou exausta de tanto ouvir aquele cara reclamar, então decidi voltar para a estalagem.

Vamos ter que visitar os outros templos amanhã...

“Grrr! A culpa é toda do Sacerdote Ceres!”

“Porém se você não queria ouvi-lo falar, por que não o interrompeu?” perguntou Gourry.

Apontei o dedo em reprovação à sua objeção superficial.

“Não seja tão ingênuo. Fofocas e reclamações frequentemente guardam as chaves do mistério!”

“Mistério? Que mistério? Pensei que isso fosse sobre nós tentando impedir que os quatro sacerdotes brigassem.”

“Ohoho. Contudo existe um mistério! Olha, cara, tudo começou quando o templo principal pegou fogo e o sumo sacerdote morreu, certo? A verdadeira raiz do problema é que não sabemos o que causou o incêndio. Há um boato de que foi um incêndio criminoso, então agora o sacerdócio está todo paranoico, daí a rixa. Agora deixe-me perguntar uma coisa... Como o fogo começou? Foi um acidente? Ou foi intencional? Se foi intencional, quem estava por trás? Se pudermos resolver esse mistério, podemos acabar com tudo!”

“Entendo. Então decidiu ouvir todo o discurso dele caso lhe desse alguma pista.”

“Certo!” assenti em concordância.

“E funcionou?”

“Não funcionou, daí meu aborrecimento.”

“Entendo...”

Enquanto caminhávamos e conversávamos, avistamos a torre carbonizada mais uma vez. Hmm...

“Gourry, vamos dar uma olhada nos restos do incêndio.”

“Claro, como quiser.”

Fazendo um pequeno desvio do caminho de volta para a nossa estalagem, seguimos em direção ao templo principal. Não havia risco de nos perdermos. Era um ponto turístico tão popular que podíamos seguir a grande avenida direto para lá sem pensar duas vezes.

Era um grande espaço aberto com fontes, jardins, bancos... E a carcaça do enorme edifício incendiado. Havia várias flores em frente à porta e dois guardas com ar apático na entrada, talvez posicionados ali para impedir que as pessoas mexessem lá dentro.

Hmm... Será que eles vão nos deixar entrar?

É claro que eu sempre poderia usar um feitiço de voo para entrar por uma das janelas estilhaçadas. No entanto se alguém me pegasse, eu seria considerada uma intrusa suspeita... O risco valia a pena, sem nenhuma garantia de que encontraria algo útil lá dentro?

Bem, enquanto ponderava os riscos...

“Ei, Lina! Disseram que podemos entrar!” disse a voz de Gourry.

“Hã?” levantei a cabeça bruscamente e o vi parado com os guardas, sorrindo para mim.

“Ei!”

Enquanto eu corria em sua direção, um dos guardas disse num tom despreocupado.

“Vou mostrar o lugar para vocês.”

“Hmm... Tudo bem. Poderia nos mostrar o quarto do sumo sacerdote?”

“Claro. Sigam-me, por favor.”

Com essa deixa, o guarda adentrou no prédio.

“O que exatamente você disse a eles, Gourry?” perguntei baixinho enquanto o seguíamos alguns passos atrás.

“A verdade, é claro. Que trabalhamos para o conselho de feiticeiros e queríamos ver o que havia lá dentro.”

E eles só nos deixaram entrar? Que segurança frouxa... O que não é um bom presságio para a investigação que conduziram.

“Será que poderia compartilhar os resultados da investigação?” insisti enquanto seguíamos o guarda pelas escadas.

“Foi apenas um incêndio acidental.” disse ele com um sorriso forçado, olhando para mim por cima do ombro. “Sei que há rumores desagradáveis ​​circulando, de que foi um assassinato por encomenda ou incêndio criminoso... Mas sempre há, não é? Isto não significa nada.”

Chegamos ao topo da escada, passamos por um corredor e seguimos para outra escadaria. As paredes brancas do templo estavam chamuscadas e sujas de fuligem do incêndio, e o chão estava coberto por uma espécie de carvão ressecado... Talvez o antigo tapete.

“O sumo sacerdote gostava de usar velas em vez de luz mágica na catedral, e também queimava incenso. Achamos que uma das chamas atingiu as tapeçarias ou o tapete e se espalhou a partir dali. Muito bem, aqui está o quarto do sumo sacerdote...”

Os aposentos que o guarda indicou eram menores do que imaginei. Consegui ver o céu através da janela quebrada. Não havia mais móveis, apenas cinzas no chão do quarto vazio. As paredes pareciam ter se deformado com o calor, e havia pegadas nas cinzas... Provavelmente das pessoas que investigaram antes de nós.

Guhhhhh...

“Não tenho certeza se há algo aqui que possa ajudá-los, é claro. Há algum outro lugar que vocês gostariam de ver?” perguntou o guarda.

“Ei, tem mais alguém aqui além de nós?” Gourry, que havia permanecido quieto até então, falou de repente.

“Não, que eu saiba não...”

“Lina!” disse Gourry, olhando para mim seriamente. “Acho... Que alguém está nos observando.”

Hã? Não senti nada. Os instintos de Gourry eram muito melhores que os meus, no entanto, isso não era um bom indicador.

“Tenho certeza de que é só sua imaginação. É sempre um pouco estranho ficar parado em um lugar onde alguém morreu.” disse o guarda casualmente.

Porém entre as garantias do nosso guia tranquilo e o instinto animal de Gourry, prefiro confiar nele qualquer dia da semana.

“Tem alguma ideia de onde estão?” perguntei ao meu companheiro loiro.

“Acho que sim.”

“Vamos lá.”

Optando por nosso plano de ação imediata, Gourry saiu do quarto e o segui logo atrás!

“Ah! Esperem!”

Ignoramos o chamado do guarda atrás de nós, descemos as escadas correndo e seguimos pelo corredor.

“Eles estão se movendo!” gritou Gourry, mudando de direção.

Acabamos num longo corredor. O teto... Talvez fosse de vitral ou alguma coisa parecida, contudo também estava quebrado e o laranja do pôr do sol pintava as paredes e o chão arruinados.

“Por aqui!” disse Gourry, correndo por uma das portas do corredor. Fiquei um passo atrás dele.

A sala estava vazia. A única entrada ou saída era pelo caminho por onde tínhamos vindo, e o único móvel era um lustre chamuscado pendurado no teto. Entretanto era tudo. Não havia nada, e ninguém, mais ali.

“Desapareceram?” Gourry sussurrou baixinho.

“Com licença! Não posso deixar vocês saírem correndo sozinhos...” o guarda, indignado, nos repreendeu enquanto nos alcançava por trás, olhando para a sala vazia. “Viram? Eu disse que não havia ninguém aqui!”

Mesmo assim, uma sensação de inquietação me invadiu.

———

“Com certeza foi um deles!” o sacerdote principal do templo do Lorde das Chamas Vrabazard, Francis Dmitri, insistiu, irritado.

Tínhamos perdido o dia de ontem ouvindo as reclamações do Sacerdote Ceres, então Gourry e eu partimos logo cedo esta manhã para o templo filial no extremo leste da cidade. Mais uma vez, fomos escoltados por um dos guarda-costas e/ou capangas que rondavam o templo, e essa foi a resposta raivosa do Sacerdote Francis assim que terminamos de nos apresentar. Ele era um homem de cerca de quarenta anos, com cabelo loiro curto e uma túnica vermelho-vinho que caía sobre seus ombros largos.

“Sentimos muito a perda do Sumo Sacerdote Joshua. Ele era um homem justo e generoso. Deus jamais levaria um homem tão bom em um acidente sem sentido! O que significa que deve ter sido um assassinato premeditado!” insistiu, oferecendo uma teoria baseada mais em ideologia do que em lógica.

“Bem, de qualquer forma... Daqui a uns dez dias, haverá uma reunião para escolher o próximo sumo sacerdote. Tenho certeza de que já é óbvio, mas, por favor, não faça nada impensado.” implorei a Francis.

“Impensado?” zombou o sacerdote, arqueando as sobrancelhas. “Realizar essas reuniões apressadas para escolher um novo sumo sacerdote quando o antigo acabou de ser assassinado é impensado! Concordei em participar por respeito ao chefe do conselho de feiticeiros, porém se um dos outros sacerdotes estiver por trás do assassinato, vou garantir que pague pelo seu crime! E certamente não posso permitir que ele se torne o próximo sumo sacerdote! Farei o que for preciso para impedir que tal coisa aconteça!”

“Mesmo que signifique que não poderá se tornar sumo sacerdote?”

“Não me importo com isso!” respondeu o Sacerdote Francis imediatamente.

Ohhh! Oh nãooo! Às vezes, você encontra sacerdotes e sacerdotisas assim, dispostos a se sacrificar de corpo e alma para frustrar um determinado ‘malfeitor’. Uma das minhas antigas companheiras de viagem era desse tipo. A principal diferença entre ela e Francis aqui era que esse velho não tinha o menor charme.

Bom, suponho que seria estranho se ele fosse charmoso como ela.

“Hahh.” soltei um suspiro. “Isso é muito reconfortante, contudo... Mesmo que se descubra que o incêndio foi criminoso e um dos seus três colegas sacerdotes seja o assassino, os outros dois ainda serão inocentes. Não se esqueça, ok? Enfim, precisamos ir.”

“Hmph. Bem, espero que consiga descobrir a identidade do assassino antes da cúpula. Antes que as coisas saiam completamente do controle.”

Falou alguém que está prestes a deixar as coisas saírem do controle...

———

“São más notícias.” sussurrei, mal-humorada. Estávamos caminhando pela estrada em direção ao nosso próximo destino, o templo do Lorde do Ar, no lado oeste da cidade. “Aquele tal de Francis parece estar louco para causar problemas.”

“E ainda é possível que não haja um ‘assassino’. O incêndio pode mesmo ter sido um acidente.” acrescentou Gourry.

Diante disso, balancei a cabeça e abaixei a voz.

“Não foi um acidente. Sei que as autoridades estão espalhando essa história estúpida... Mas foi sem dúvida um assassinato.”

“Sério?”

“Vimos o quarto do sumo sacerdote ontem, lembra? As tapeçarias e o tapete no corredor que levava até lá estavam carbonizados e crocantes... Enquanto o quarto do sacerdote virou cinzas. Além do mais, as paredes estavam deformadas. Quer dizer que só o seu quarto foi exposto a um calor tão forte que deformou o lugar e incinerou tudo lá dentro. Seria uma coisa se tivesse gravetos ou óleo guardados no quarto, porém nenhum fogo sem auxílio derreteria as paredes daquele jeito. Acho que alguém usou um feitiço de ataque para torrar o sacerdote no quarto e depois ateou fogo em outros lugares do prédio para parecer um acidente.”

“Então... Um dos outros sacerdotes?”

“Ainda não posso afirmar com certeza, contudo...”

“Ora, ora, se não são a Senhora Lina e o Mestre Gourry!” veio uma voz familiar de repente, vinda de perto. Olhei e vi... O Sacerdote Ceres, escoltado por Luke e Mileena!

Guh... Porcaria! Não posso me envolver em outra confusão!

“Hmm...”

“Oh, o Mestre Luke e a Senhora Mileena me informaram, depois do nosso encontro, que vocês já se conhecem há algum tempo. O destino é uma coisa engraçada, não é? Nos encontrarmos de novo tão cedo...”

Não consigo dizer uma palavra! Esse cara é o pior!

“Para falar a verdade, visito o templo principal todos os dias para deixar flores em homenagem ao sumo sacerdote. Por acaso, estou voltando agora. O Mestre Luke e a Senhora Mileena me disseram para limitar meu tempo fora por causa do perigo, no entanto o sumo sacerdote me ajudou muito quando estava vivo. Achei que flores eram o mínimo que eu podia oferecer. E imaginei que poderia ficar tranquilo com esses dois ao meu lado...”

“Ora, ora. É um sacerdote procurando convertidos no meio da cidade? Pelo menos ele tem paixão pelo trabalho.”

Não fui eu quem interrompeu o monólogo de Ceres, e sim um grupo de uns dez brutamontes que estavam perambulando por uma rua não muito distante. Talvez capangas contratados por alguém.

Ótimo trabalho, bandidos! Vocês o detiveram! Como recompensa, mostrarei um pouquinho de misericórdia quando for chutar as suas bundas!

Eles se aproximaram de nós com uma arrogância que grita: ‘Sou um pedaço de merda grosseiro!’

“Claro, o sacerdote de um deus insignificante como Aqualord tem que se esforçar um pouco mais, certo?”

“Mas fazer uma coisa dessas no meio da cidade? Que coisa mais escrota. Acaba com o clima para civis inocentes como nós.”

“Civis inocentes? Se alguma coisa está estragando o clima aqui, são as suas caras feias!” respondi.

Twitch! Minha opinião sincera deixou as coisas bem tensas rapidinho.


“Ahhh! Senhora Lina, o que está dizendo?” gritou o sacerdote principal. Eu o ignorei, é claro.

“O que foi isso, garotinha?” disse um dos valentões, em um tom ameaçador.

Fiz meu melhor papel de menininha tímida.

“O-Oh, nada, sério... É só que, sabe, sinto que sua respiração polui o ar ao seu redor... Só isso.”

“Por que... Sua vadia estúpida!”

“Vou te fazer engolir suas palavras!”

“Acha que pode nos derrotar?” zombaram eles, avançando todos juntos para cima de mim.

Sim, acho que posso, na verdade.

“Dimil Arwen!”

Bah-bwoosh!

“Graaaaaaaah!” meu feitiço fez os brutamontes voarem pelos ares.

“Permitam-me apresentar-me!” falei, olhando para os homens se contorcendo nas lajes. “Estou aqui em nome do conselho de feiticeiros para manter a paz por estas bandas. Há muita gente perigosa na cidade por conta dos acontecimentos recentes, e preciso impedi-los de causar problemas.”

“Q-Quê... Foi você quem acabou de causar um escândalo!” argumentou um dos brutamontes, ainda se contorcendo.

Resmunguei em resposta.

“Hah. Ninguém nunca me disse que eu não podia causar escândalo!”

“Agora você está sendo muito exigente...”

“Uma estratégia válida, mas deixa pra lá! O que importa é que impedi vocês de começarem alguma coisa! Agora falem logo! Quem foi que contratou vocês?”

“E se eu não disser?”

“Impulso Rondo!”

Kerfwoom!

“É o que acontece. Ei, estão me ouvindo?”

“Eu... Estou...”

“Então, quem te contratou?” eu sorri.

“Mestre Bran... Do oeste...”

“Oh! Muito obrigada pela ajuda!”

“Isso parece... Como posso dizer?” o Sacerdote Ceres começou a murmurar.

Acenei com a mão, dispensando o assunto.

“Vamos lá, está tudo bem! Considere como um ato divino e deixe pra lá!”

“Um ato de qual deus, exatamente?”

“Bem, de qualquer forma... Entendo que queiram depositar flores, porém é melhor evitar sair se puderem. Bandidos errantes podem querer arrumar briga com vocês, e isso pode causar muitos problemas.” expliquei.

Gourry assentiu com firmeza ao meu lado.

“É verdade. Ainda não sabemos quem assassinou o sumo sacerdote. Não deveria ficar vagando por aí, ou eles podem vir atrás de você também!”

Erk! Todos congelaram com suas palavras. Seu, seu... Cérebro de maionese!

“Hã? Assassinado?” Ceres repetiu roucamente. “Então... Alguém matou mesmo o sumo sacerdote?”

“Sim. Lina acabou de dizer. Tem algo a ver com o quão intenso o quarto do sumo sacerdote foi queimado... Certo?” ele disse enquanto me dava um tapinha na cabeça.

Seu...! Seu...!

“Então é melhor que fique dentro de casa o máximo possível.”

“C-Certo! Entendi! Mestre Luke, Senhora Mileena, vamos!” o sacerdote então saiu correndo, parecendo pálido como um fantasma.

“Claro! Se cuidem!” Gourry acenou enquanto os observava partir.

“Seu... Grande cabeça oca!”

Crash!

“Guh!”

Meu chute voador com toda a força acertou o grandalhão bem nas costas.

“Ei! Por que fez isso, Lina?”

“Essa é a minha fala! O que estava pensando, Gourry?”

“Hã?” ele respondeu com uma carranca.

Inclinei-me para frente, minha voz baixa.

“Qual é! Por que foi contar para ele que o sumo sacerdote foi assassinado?”

“Hein? Achei que seria a melhor maneira de fazê-lo recuar...”

“É, mas até onde todos sabem, ainda pode ter sido um acidente infeliz!”

“Contudo nós sabemos que não foi, então é uma coisa boa, certo?”

“Não é! Quer dizer, é uma coisa boa que saibamos, no entanto não podemos sair por aí contando para todo mundo ainda!”

“Como assim?”

Esse idiota!

“Porque! A única razão pela qual os quatro sacerdotes têm se comportado com tanta cautela até agora é porque havia uma chance de que isso não fosse uma conspiração. Se espalharem a notícia de que foi de fato um assassinato por encomenda, eles vão surtar! Em especial aquele idiota do sacerdote Francis que acabamos de conhecer! Ele vai interpretar isso como uma vingança e vai partir para cima dos outros três! Além do mais, segue havendo a possibilidade de um dos quatro ser o assassino! Talvez pensem: ‘Se vou ser desmascarado como assassino de qualquer maneira, o que são mais alguns corpos na pilha?’, e podem decidir eliminar os outros antes que possam fazer qualquer coisa... Entretanto não antes de atacarem os investigadores! Nós!”

“Ohh.”

“Não me venha com ‘ohh’! Não temos escolha agora. Precisamos encontrar o culpado antes que o inimigo fique sério, mesmo que tenhamos que usar um pouco de força bruta.”

“Nesse caso... O que fazemos?”

“Por enquanto, vamos continuar. Iremos ver o Sumo Sacerdote Bran no templo ocidental dedicado ao Lorde do Ar Valwin.”

Claro... Agora terei de mudar um pouco a minha estratégia, pensei comigo mesma.

———

O templo ocidental era pintado de branco e ciano para imitar o céu e cercado por grandes jardins bem cuidados. Deixando a cor de lado, o prédio tinha o mesmo formato dos templos do norte e do leste (este último, que era de tijolo vermelho). Aqui também, talvez por causa do caos recente, não vi nenhum fiel por perto. Mas o que era diferente era a ausência de brutamontes no gramado. Imaginei que os caras que espanquei na cidade mais cedo estivessem originalmente designados para defender o local. Talvez tivessem ficado sabendo que o Sacerdote Ceres oferecia flores todos os dias e foram provocá-lo, só para apanharem de mim.

De qualquer forma, não ter nenhum capanga por perto facilitou a entrada. Nós dois estendemos a mão para a porta, a empurramos e...

“Geh!”

Nós dois engasgamos com o cheiro sufocante de sangue vindo de dentro.



Notas:
1. Termo para pessoas sem firmeza de caráter ou convicções, ou dependendo mais do contexto, sem coragem para se defender.

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